O DIREITO DE RESISTÊNCIA NA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL COMO MECANISMO DE CONTENÇÃO DO ABUSO DE PODER DO ESTADO E A SUA CONCEPÇÃO NO PÓS-POSITIVISMO
9 de novembro de 2022THE RIGHT OF RESISTANCE IN THE CONSTITUTIONAL LEGAL ORDER AS A MECHANISM TO CONTAIN THE ABUSE OF POWER BY THE STATE AND ITS CONCEPTION IN THE POST-POSITIVISM
Cognitio Juris Ano XII – Número 43 – Edição Especial – Novembro de 2022 ISSN 2236-3009 |
Resumo: O presente estudo teve por objetivo discutir o direito de resistência na ordem jurídica constitucional como mecanismo de contenção de abuso do poder e a sua validade no pós-positivismo. Nesse esteio, por de uma abordagem bibliográfica, foram analisados os conceitos de positivismo e jusnaturalismo, bem como suas principais discussões, a fim de entender os motivos que culminaram no surgimento e defesa do pós-positivismo. Ainda, fora abordado o instituto da resistência desde a antiguidade até os dias atuais, e como sua validade pode ser justificada no pós-positivismo. Com efeito, teve-se por resultados que o referido direito é uma fonte válida de coibir os abusos de poder do estado, encontrando sua validade no pós-positivismo por meio de sua previsão tácita na Constituição Federal.
Palavras-chave: pós-positivismo; validade; direito à resistência, direito fundamental; limitação do poder estatal.
Abstract: The present study aimed to discuss the right of resistance in the constitutional legal order as a mechanism to contain abuse of power and its validity in post-positivism. In this mainstay, through a bibliographic approach, the concepts of positivism and jusnaturalism were analyzed, as well as their main discussions, in order to understand the reasons that culminated in the emergence and defense of post-positivism. Still, the institute of resistance from antiquity to the present day was addressed, and how its validity can be justified in post positivism. Indeed, it was found that the aforementioned right is a valid source of curbing abuses of state power, finding its validity in post-positivism through its tacit prediction in the Federal Constitution.
Keywords: post-positivism; validate; right to resistance, fundamental right; Limitation of state power.
INTRODUÇÃO
O direito é uma ciência social e, por consequência, é alvo de constantes transformações. Da antiguidade à contemporaneidade é possível observar uma imensidão de teorias que buscam explicar suas funções e seu modo de aplicação. Não obstante, todas correntes acabam convergindo em uma discussão dos mecanismos de contenção aos abusos do poder vigente.
Na antiguidade, o jusnaturalismo deteve a função de limitar o despotismo do soberano, exemplo disso pode ser vislumbrado na obra de Sófocles, Antígona, onde há uma discussão acerca das leis eternas e sua valoração em face das leis impostas pelo Rei Creonte.
Na era medieval, há também uma discussão da função da lei nos postulados de São Tomas de Aquino, o qual aborda as limitações e funções do soberano.
Posteriormente, na modernidade, diante da excessiva subjetividade do direito aplicado naquela época, surge o positivismo, o qual passa a valorar a lei como fonte essencial do direito e, por vezes, como única.
Ocorre que, o mundo Pós-guerra, diante das diversas violações de direitos humanos, catalisou a necessidade da discussão das funções do direito e seu modo de aplicação, uma vez que a lei, por meio de uma simples leitura, sem a valoração dos fatores sociais e axiológicos, passou a ser concebida como ineficaz.
Por consequência, surge uma nova corrente de pensamento nomeada de pós-positivismo, na qual a lei permanece a fonte do direito, mas sob tal recai diversas valorações.
Assim, nesse cenário o debate acerca do direito de resistência e sua validade no pós-positivismo é necessário, haja vista que sua concepção na atualidade é vista pela doutrina majoritária como um direito constitucional, decorrente de todos os princípios vigentes na Constituição Federal.
Para tanto, a fim de verificar a validade do direito de resistência no pós-positivismo, objeto de estudo do presente trabalho, o artigo foi desenvolvido por meio da adoção da seguinte estrutura:
No primeiro capítulo serão abordados os conceitos de jusnaturalismo e positivismo jurídico, com ênfase as distinções existentes entre as correntes de pensamento em questão.
Continuamente, no segundo capítulo será́ discutida a concepção do pós-positivismo e seus principais postulados, em ênfase aqueles correspondentes aos princípios e a supremacia da Constituição Federal.
Por fim, no terceiro capítulo será abordado o direito de resistência, sua abordagem histórica e sua atual concepção pela doutrina brasileira, especificamente sua validade sob a ótica do pós-positivismo, onde se dará́ enfoque na valoração da Constituição Federal.
- O JUSNATURALISMO E O POSITIVISMO JURÍDICO
Sem esgotar o tema, dada a complexidade do assunto e os diversos autores que o discutem, é imprescindível uma breve contextualização da distinção entre o jusnaturalismo e o positivismo, para posteriormente, ser possível a discussão acerca do pós-positivismo.
O Jusnaturalismo se baseia na existência de uma lei natural, eterna podendo ser concebido por meio de três concepções: a cosmológica, a antropológica e a teológica, as quais, respectivamente, valoram a ordem natural, a ordem normativa à razão humana e as leis divinas, conforme explica Antônio Lopes:
A primeira está relacionada com a ordem cósmica, deduzindo dela uma suposta ordem natural; a segunda relaciona a criação da ordem normativa à razão humana; e por ultimo, a teológica estabelece como fonte para toda ordem das leis divinas. Tenta tornar natural, aceita incontestemente, a fundamentação em uma ordem retirada do universo, do homem ou de Deus[3].
Por sua vez, no positivismo jurídico há uma separação entre direito e moral, de modo que esta última deve ser ignorada pelos juristas, uma vez que não teria como consignar segurança jurídica, diante das várias concepções morais existentes no mundo e inerente a subjetividade de cada ser humano[4].
Outra característica importante do positivismo é a defesa que o sistema jurídico é composto essencialmente por regras jurídicas, de modo que seu objeto de estudo é o direito posto por uma autoridade, a qual lhe confere validade[5].
Acerca da distinção entre as duas grandes correntes do pensamento jurídico, Roberto Lyra Filho disserta que o positivismo jurídico valora a ordem enquanto o jusnaturalismo a justiça:
Vimos que as duas palavras-chaves, definidoras do positivismo e do iurisnaturalismo, são, para o primeiro, ordem, e, para o segundo, Justiça. Isto se esclarece bem nas duas proposições latinas que simbolizam o dilema (aparentemente insolúvel) entre ambas as posições: iustum quia iussum (justo, porque ordenado), que define o positivismo, enquanto este não vê̂ maneira de inserir, na sua teoria do Direito, a crítica à injustiça das normas, limitando-se ou a proclamar que estas contêm toda justiça possível ou dizer que o problema da injustiça “não é jurídico”; e iussum quia iustum (ordenado porque justo), que representa o iurisnaturalismo, para o qual as normas devem obediência a algum padrão superior, sob pena de não serem corretamente jurídicas. Este padrão tende, por sua vez, a apresentar-se, já dissemos, como fixo, inalterável e superior a toda legislação, mesmo quando se fala num “direito natural de conteúdo variável”[6].
Sob outra ótica, pode se entender que o positivismo jurídico surge, então, em contrapartida ao jusnaturalismo com vistas a buscar a objetividade do sistema e, para tanto, “equipara o direito à lei.[7]”
- DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO
Superada a conceituação acerca do jusnaturalismo e positivismo, é possível abordar o pós-positivismo jurídico e sua aplicabilidade na atualidade. Tem que esta corrente surge como uma resposta às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.
Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade[8].
Noutras palavras, “o pós-positivismo tenta firmar bases filosóficas para sanar essa problemática, com o escopo de implementar direitos constitucionais a partir da verificação axiológica das normas aplicáveis concretamente”[9].
Robert Alexy, sob um tom crítico ao positivismo, a fim de sanar os problemas da aplicação do direito entendeu pela existência de três formas de aplicação do direito: (i) silogismo jurídico; (ii) ponderação de princípios e; (iii) analogia[10].
Em síntese, no silogismo jurídico existe uma premissa maior, premissa menor, conclusão. Ou seja, para a aplicação do direito o Julgador deverá fazer uma ponderação de princípios.
Para Robert Alexy, os princípios aceitam ponderação, ou seja, é possível mensurar a violação ao bem jurídico, devendo ser valorado o princípio com maior possibilidade de aplicação. Para justificar a gravidade da violação ao princípio o Julgador deverá fundamentar sua decisão, se pautar em toda a sistemática vigente[11].
Por sua vez, a terceira forma de aplicação “analogia” será usada também pautada na valoração dos princípios, de modo que referida decisão poderá́ ser aplicada à situação semelhante desde que o princípio possa ser ponderado na mesma proporção.
Em todas as formas de aplicação do direito há a junção da lógica e da argumentação. Isto é, para que seja possível a aplicação do direito, o aplicador da norma deverá fundamentar sua decisão, exercer o discurso[12].
Nesse sentido, o objetivo de Alexy foi fazer incidir no campo jurídico a possibilidade de fundamentar racionalmente as decisões jurídicas especialmente questões envolvendo a apreciação de valores transcendentais elaborando, para tanto, uma teoria que comporta a análise de algumas regras e formas específicas em defesa de um pragmatismo transcendental[13].
Representando o direito nacional, Miguel Real também faz uma discussão das funções do direito. Por meio da teoria tridimensional o autor defende que sob a criação da norma e, por consequência quando de sua aplicação, recaem questão valorativas e fáticas.
Assim, o jurista entende que a norma jurídica surge por meio da integração de três elementos, sendo tais: fato, valor, norma. Com fundamento nessa premissa, o autor indica que a norma não surge espontaneamente dos fatos e valores, haja vista que existe uma seleção por parte da autoridade que decide sua conveniência e oportunidade, elegendo e consagrando uma das vias normativas[14].
Ou seja, em rápida síntese, os escritos de Miguel Reale defendem que as normas nascem através do juízo de valor da autoridade, que elege quais regras irão compor o ordenamento jurídico. A este ponto, o autor chama a atenção dos leitores, dando ênfase que o poder a que se refere não se trata apenas do governamental, mas também do social:
Note-se que, quando falo em Poder, não penso apenas no Poder governamental, pois, através de sucessivas decisões homogêneas, o Poder Judiciário edita normas jurisprudenciais (ex.: as súmulas do Supremo Tribunal Federal) assim como o Poder social anônimo consagra normas costumeiras ou consuetudinárias. Há ainda o Poder negociai que dá vida aos contratos[15].
Continuamente, ainda tratando sobre a seleção das normas jurídicas, o autor defende que no citado processo de escolha há um complexo de fins e valorações, leia-se, uma série de motivos ideológicos, os quais são dirimidos pelo poder que elege as proposições normativas que se converterão em norma jurídica[16].
A elaboração de uma determinada e particular norma de direito não é mera expressão do arbítrio do poder, nem resulta objetiva e automaticamente da tensão fático-axiológica operante em dada conjuntura histórico-social: é antes um dos momentos culminantes da experiência jurídica, em cujo processo se insere positivamente o poder (quer o poder individualizado em um órgão do Estado, quer o poder anônimo difuso no corpo social, como ocorre na hipótese das normas consuetudinárias), mas sendo sempre o poder condicionado por um complexo de fatos e valores, em função dos quais é feita a opção por uma das soluções regulativas possíveis, armando-se de garantia específica institucionalização ou jurisdição do poder na nomogênese jurídica[17].
Ao discutir sobre o pós-positivismo, Luis Roberto Barroso explica que a corrente em questão promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito, in verbis:
O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a separação dos Poderes e o Estado democrático de direito. Houve, ainda, princípios que se incorporaram mais recentemente ou, ao menos, passaram a ter uma nova dimensão, como o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da solidariedade e da reserva de justiça[18].
Assim, pode se entender que as principais características desse novo posicionamento teórico podem ser identificadas, em suma, como” a) a abertura valorativa do sistema jurídico e, sobretudo, da Constituição; b) tanto princípios quanto regras são considerados normas jurídicas; c) a Constituição passa a ser o locus principal dos princípios; e d) o aumento da força política do Judiciário em face da constatação de que o intérprete cria norma jurídica”[19].
III. DA CONCEPÇÃO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL
Frente a conceituação do pós-positivismo, notadamente sua valoração ao sistema constitucional e aos princípios, indaga-se: o direito de resistência detém validade sob a ótica do pós-positivismo?
Antes de responder a questão acima, é mister abordar no que consiste o direito em epígrafe. Em rápida síntese, é possível vislumbrar que desde a Antiguidade o direito em comento já era vislumbrado como uma garantia a todo e qualquer ser humano. Prova disto é a previsão no Código Hamurabi de castigo para o mau governante que desrespeitasse as leis e mandamentos[20].
Ainda na antiguidade, é possível verificar o debate acerca das leis injustas impostas pelo soberano, fato perfeitamente narrado na clássica obra de Sófocles, “Antígona”, em que se encena a desobediência de Antígona ao Rei Creonte, por enterrar seu irmão[21].
Continuamente, na Idade Média também pode se observar a discussão acerca da resistência nos ensinamentos de São Tomás de Aquino, o qual defendia que o povo poderia resistir aos governantes, desde que estes colocassem em risco o bem da coletividade[22].
Ocorre que, com o pensar do tempo, o direito à resistência deixou de ser apenas um ideal defendido em manuais e pensamentos filosóficos, ganhando força legal e constitucional nos países de regime democrático.
Como primeira expressão da institucionalização de referido direito é a promulgação da Constituição Americana, datada de 1787, onde se tem a resistência garantida solenemente[23] e, posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e Cidadão, de 1789, que previu expressamente a resistência, in verbis:
Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.
Com o passar do tempo, diversos países passaram a positivar o direito à resistência, por meios de suas Constituições, não se tendo uma limitação geográfica, de modo que tanto nas Américas quanto na Europa, o movimento foi de institucionalização de referido direito, a exemplo da: (i) Alemanha, (ii) França, (iii) Portugal, (iv) Argentina, e (v) Brasil.
A Lei fundamental da Alemanha de 1949, em seu artigo 20 determina como princípio constitucional o direito de resistência, determinando que: “contra qualquer um, que tente subverter esta ordem, todos os alemães têm o direito de resistência, quando não houver outra alternativa”.
Continuamente, a Constituição Francesa de 1958 ratifica o teor da Declaração Universal dos Direitos dos Homens e Cidadão, de 1789, prevendo o que segue:
O povo francês proclama solenemente o seu compromisso com os direitos humanos e os princípios da soberania nacional, conforme definido pela Declaração de 1789, confirmada e completada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946, bem como com os direitos e deveres definidos na Carta Ambiental de 2004.
De forma expressa, a Constituição Portuguesa, por meio de seu artigo 21, positiva a todos o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
No Brasil, a doutrina majoritária não destoa desse entendimento, indicando que o direito em questão, ainda que não tenha sua previsão expressa em lei, pode ser vislumbrado de forma tácita na Constituição Federal, em decorrência dos direitos e princípios já expressos no aludido diploma legal.
Coadunando com esse entendimento, o professor José Carlos Buzanello expõe:
O direito de resistência, quando não positivado, busca sua justificação em outros princípios já dispostos constitucionalmente ou, então, pode- se interpretar que também não se encontra expressamente afastado do ordenamento constitucional (cláusula de proibição). O direito de resistência, como uma “categoria implícita” constitucional, corresponde, na ordem constitucional, a uma consagração formal de princípios que permite avaliar a extensão desse direito[24].
Por sua vez, Cláudia Araújo, em sua dissertação de mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco, defende que o direito à resistência é um direito fundamental:
O atual Estado democrático de direito, reconhecido pela Constituição brasileira vigente, não cumpre seu papel apenas reconhecendo formalmente direitos e garantias fundamentais. Exige-se dele eficiência e, portanto, a realização destes direitos na sociedade, que são direitos natureza civil, política e socioeconômica. As experiências com os modelos autoritários que ocorreram na história social, política e constitucional brasileira mostram, sobretudo, a dificuldade de se opor uma resistência à violência e opressão. Assim, não é possível falar em democracia na atualidade sem reconhecer a resistência como um direito fundamental do cidadão, mesmo de forma implícita na Constituição[25].
Maurício Gentil Monteiro, ao discutir acerca do direito de resistência na ordem jurídica constitucional, também defende que este encontra-se reconhecido pela Carta Magna, manifestando-se em duas vertentes, quais sejam: “enquanto direito de defesa, ou seja, manifestação do status libertatis do indivíduo frente ao Estado e, enquanto direito político, ou seja, direito de participação e influência na elaboração das políticas públicas e das normas jurídicas”[26].
Reconhecendo que o direito à resistência é uma garantia recepcionada pela ordem jurídica vigente, como este pode se manifestar em sociedade?
Consoante ao quantum exposto acima, José Carlos Buzanello faz uma classificação do direito de resistência e suas possíveis variáveis, de modo que a garantia em questão pode se apresentar das seguintes formas: (i) ativa ou passiva; (ii) positiva ou negativa; (iii) individual ou coletiva; (iv) parcial ou total; (v) pacífica ou violenta; (vi) clandestina ou pública; (vii) legítima ou ilegítima.
A resistência ativa consiste em fazer algo de forma distinta do exigido, enquanto a passiva configura-se na recusa consciente em fazer aquilo que é mandado, descumprindo o ato injusto[27].
Por sua vez, a resistência positiva diz respeito à capacidade de qualquer cidadão se levantar contra a obrigação jurídica para garantir a ordem democrática, no intuito de promover uma revolução social. Ao contrário, a resistência negativa, freia a ordem democrática no intuito de impedir uma mudança social e política, prejudicial[28].
A resistência individual é aquela em que apenas uma pessoa resiste, ao passo que na coletiva há mais de um indivíduo, os quais pleiteiam melhorias em prol de um grupo[29]. Continuamente, tem-se que a resistência parcial ocorre quando o rechaço se dá em face de apenas uma parte do ordenamento jurídico. Ao contrário da variante total, na qual a oposição recai sobre todo o sistema jurídico[30].
A variante referente à forma de exercício do direito de resistência, pode, conforme apontado, ser pacífica ou violenta. Sem muitas delongas, ou complexidades, a primeira se dá por meios pacíficos, como greves políticas, quando a reinvindicação não se utiliza de armas ou violências. Em contrapartida, a resistência violenta precede de muita agitação[31].
Dando sequência, a resistência ainda pode ser pública ou clandestina, a depender de como se dá o preparo da execução do ato. Assim, se a objeção for do conhecimento da sociedade, a resistência será́ pública. Não obstante, se o ato de resistência for preparado em surpresa, este será́ considerado clandestino[32].
A última classificação elaborada pelo autor é quanto à legitimidade/ilegitimidade da resistência. Será legítima a resistência destinada a valorar os direitos humanos, a ordem democrática e os direitos constitucionais. Ao passo que será́ considerada ilegítimo, o uso abusivo do direito em questão[33].
Não obstante as classificações citadas acima, por meio de uma perspectiva prática em que oportunidade o povo poderia resistir?
Os estudiosos do tema são quase que uníssonos ao afirmar que a resistência será́ legítima quando esta for dirigida para a preservação dos valores constitucionais, dos direitos humanos e a ordem democrática de direito.
Por sua vez, Maurício Gentil defende que o cidadão poderá́ resistir como forma de coibir os atos abusivos do poder político, in verbis:
É que, enquanto direito de defesa, a resistência aparece como aquilo que Canotilho vislumbra, na Constituição portuguesa, como um meio individual não jurisdicional de proteção dos direitos fundamentais. Se os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata (§ 1º do artigo 5o da CF/88) e se “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5o, inciso II da CF/88), então o cidadão poderá́ resistir, por meio de ações práticas que eventualmente podem até se confundir com a autotutela exercida contra o Estado, como forma de coibir o abuso do poder político e garantir a preservação dos seus direitos violados ou ameaçados[34].
Em suma, o direito de resistência pode ser concebido como válido no pós- positivismo, haja vista que a garantia ora debatida encontra amparo constitucional e principiológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente ao todo exposto no presente trabalho, entende se que o jusnaturalismo e o positivismo jurídico, ainda que divergentes entre si em seus conceitos e fontes, detiveram a mesma função, qual seja: limitar o poder do soberano/Estado. O jusnaturalismo na contenção da luta contra o despotismo absolutista e o positivismo como meio de limitação do arbítrio estatal.
Ocorre que, na atualidade, dada a evolução da sociedade, o embate entre o direito natural e o positivo não mais é suficiente para a pacificação dos conflitos, fazendo-se necessária a interpretação e aplicação da lei não apenas em sua literalidade, sob pena de ineficácia do ordenamento jurídico.
Assim, o pós-positivismo é concebido por parte da doutrina como continuidade das discussões tanto do direito natural como do direito positivo, valorando não apenas a literalidade da lei, mas questões fáticas e axiológicas.
Nessa esteira, à luz dos postulados dessa nova corrente do pensamento, o direito de resistência pode ser visto como uma garantia constitucional, válida no pós-positivismo, uma vez que pode ser usado com base nos demais direitos e princípios consagrados na Constituição Federal.
Assim, valorando-se a atual estrutura constitucional existente no país e no mundo ocidental, é incompatível a afirmativa de que o direito a resistência pode ser exercido por meio do uso da força, conforme ocorreu na Antiguidade e Idade Média.
Ainda, infere-se que o reconhecimento e exercício do direito à resistência somente pode ser efetivado por via legal, sob pena de se violar toda a sistemática constitucional vigente. Não obstante, a doutrina afirma que o direito aqui retratado encontra-se plenamente garantido, por força do artigo 5º da Carta Magna.
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[1] Graduado e Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na condição de bolsista CAPES. Pós-Graduando em Processo Penal pela Faculdade Damásio. Integra como pesquisador na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) o Grupo de Pesquisa Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea. Integra como pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie os grupos de pesquisas: Penas de Curta Duração e Direito Penal Econômico e Justiça Internacional. Presidente do Comitê de Diversidades do Iokoi Advogados. Advogado Criminalista.
[2] Professor, Advogado Criminalista. Doutor em Direito e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estudou Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã na Universidade Georg-August-Universität Göttingen – Alemanha. Especialista pela Escola Paulista de Direito em Direito Público. Especialista pela Faculdade Anchieta em Docência no Ensino Superior. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Exerce atividade docente como professor na graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP) e na pós-graduação de Direito Penal e Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de Poços de Caldas (MG); leciona na Escola Paulista de Direito (EPD) a disciplina Direito Penal Médico no Curso de pós-graduação de Direito Médico e Hospitalar; É professor e coordenador na Pós-graduação em Direito e Processo Penal e professor nos cursos para o Exame de Ordem e concursos públicos no Curso Meu Curso. É Membro avaliador de artigos científicos na Universidade Central do Chile, na Universidade Federal de Santa Maria e no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Integra como pesquisador na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) o Grupo de Pesquisa Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea.
[3] LOPES, Antônio. Teoria crítica em Roberto Lyra Filho uma aproximação dialética e pluralista. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. p. 57. Disponível em :<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/91035/255521.pdf?sequence=1&isAllowed=yp> Acesso em 01 de abril de 2022.
[4] BERNDT, Rafael Espíndola; SANTIN JÚNIOR, Walter. Do Positivismo Jurídico ao Pós-Positivismo. Revista da EMESC, Florianópolis, Santa Catarina, v. 24, n. 30, 2017. p. 42. Disponível em: <https://revista.esmesc.org.br/re/article/view/164/138>. Acesso em 10 de maio de 2022.
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[6] LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 28/29.
[7] FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Do positivismo ao pós-positivismo: o atual paradigma jusfilosófico constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, vol.48, n. 189, jan./mar. 2011. p. 108. Disponível em: < https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence>. Acesso em 20 de maio de 2022.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 327
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[10] ALEXY, Robert. A tese do caso especial. In: Alexy, Robert. Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório de Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p. 91-106.
[11] ALEXY, Robert. A tese do caso especial. In: Alexy, Robert. Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório de Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p. 91-106.
[12] ALEXY, Robert. A tese do caso especial. In: Alexy, Robert. Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório de Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p. 91-106.
[13] EBAID, Ana Augusta Rodrigues Westin. O confronto das teorias de Hans Kelsen e Robert Alexy: entre o normativismo e a dimensão pós-positivista. Colloquium Humanarum, vol. 10, n. especial, Jul./Dez. 2013, p. 100. Disponível em: <http://www.unoeste.br/site/enepe/2013/suplementos/area/Humanarum/Direito/O%20CONFRONTO%20 DAS%20TEORIAS%20DE%20HANS%20KELSEN%20E%20ROBERT%20ALEXY%20ENTRE%20O %20NORMATIVISMO%20E%20A%20DIMENS%C3%83O%20P%C3%93S-POSITIVISTA.pdf>. Acesso em 05 de maio de 2022.
[14] REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 61
[15] REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 124.
[16] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.553
[17] Ibidem p. 553.
[18] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 328.
[19] FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Do positivismo ao pós-positivismo: o atual paradigma jusfilosófico constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, vol.48, n. 189, jan./mar. 2011. p. 117. Disponível em: < https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence>. Acesso em 20 de maio de 2022.
[20] ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal de 1988.145 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Faculdade de Direito de Pernambuco, Brasília, 2001. p. 19. Disponível em:< https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/4492/1/arquivo5836_1.pdf> Acesso em 04 de abril de 2022.
[21] SÓFOCLES. Antígona. Livro Digital. Disponível em: <https://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/antigona.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2022.
[22] AQUINO, São Tomás de. Opúsculos sobre el Gobierno de Los Príncipes. México Editorial Poruá, 1975.
[23] BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2019. p.131
[24] BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência. Revista Sequência do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, v. 22, n. 42, p. 09-28, 2001. p. 13. Disponível em: <file:///D:/Arquivos%20do%20usuario/Downloads/15391-47366-1-PB.pdf>. Acesso em dez. 2020.
[25] ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal de 1988.145 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Faculdade de Direito de Pernambuco, Brasília, 2001. p. 126. Disponível em:< https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/4492/1/arquivo5836_1.pdf> Acesso em 04 de abr de 2021.
[26] MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar: 2013. p. 194
[27] BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2019. p. 180
[28] BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2019.
[29] Ibidem, p. 180
[30] Ibidem, p. 180
[31] Ibidem, p. 180
[32] BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2019. p. 180.
[33] Ibidem, p. 180.
[34] MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar: 2013. p. 195.