O DIREITO AO SILÊNCIO E A POSSIBILIDADE DE OFERTA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O DIREITO AO SILÊNCIO E A POSSIBILIDADE DE OFERTA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE RIGHT TO SILENCE AND THE POSSIBILITY OF OFFERING A NON-CRIMINAL PROSECUTION AGREEMENT

Artigo submetido em 25 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 28 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autora:
Isabel Christina Prazeres Rodrigues[1]

RESUMO: A presente pesquisa aborda o direito ao silêncio e a análise sobre a possibilidade ou não de oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, bem como visa verificar o campo de atuação do órgão ministerial ao se deparar com um agente do fato que manifesta seu desejo de ficar calado, não confirmando de forma formal e circunstanciada a prática da infração penal perante a autoridade policial.

Palavras-chave: Direito ao silêncio; Acordo de não persecução penal; Ministério Público.

ABSTRACT: This research addresses the right to silence and the analysis of whether or not to offer the Criminal Non-Prosecution Agreement – ANPP, as well as to verify the field of action of the ministerial body when faced with an agent of the fact who expresses his desire to remain silent, not confirming in a formal and detailed way the commission of the criminal offense before the police authority.

Keywords: Right to silence; Non-criminal prosecution agreement; Public ministry.

  1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 conferiu nova roupagem ao ordenamento jurídico, fazendo com que as estruturas estatais se voltassem para os princípios de transformação social e proteção do bem comum. Ademais, na seara criminal essa nova roupagem constitucional garantista possibilitou a concretização de diversos direito, entre os quais o declinado no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.

O referido dispositivo constitucional afirma que um indivíduo, em situação de segregação de sua liberdade, deverá ser informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. Por isso, o direito ao silêncio é essencial para garantir o direito a não autoincriminação, permitindo a ele se defender das imputações com tempo hábil para melhor análise dos fatos e elaboração das estratégias defensivas. Como exemplo disso, pode o investigado fazer uso de seu direito ao silencia e ainda sim ser beneficiado com o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP? A resposta a este questionamento é o objeto da presente pesquisa.

  • A FLEXIBILIZAÇÃO DO INÍCIO DA AÇÃO PENAL

Conforme a doutrina de Renato Brasileiro (2014, pág. 185), “ação penal é o direito público subjetivo de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto”. Ademais, com a aplicação da lei, o Estado pretende alcançar as finalidades da pena, que, pelos termos do artigo 59, caput, do Código Penal, será estabelecida “conforme necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Não obstante, com a crise do sistema penal brasileiro, sendo declarado o Estado de Coisa Inconstitucional[2], a pena aplicada ao condenado acaba sendo transformada unicamente em castigo, retribuição, notadamente por ser o cárcere um ambiente de extrema violação de direitos, que afasta a dignidade da pessoa humana e é ineficiente nos fundamentos da sanção, especialmente sob o enfoque da ressocialização.

Assim, surge a necessidade de que o ordenamento jurídico passe a buscar uma nova política-criminal para se albergar resultados satisfatórios na finalidade dupla do direito penal – ressocializar e prevenir, oportunidade em que surge uma flexibilização no princípio da obrigatoriedade do direito penal.

Pois bem. O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, também conhecido como princípio da legalidade processual, é consubstanciado na ideia de que ao órgão ministerial não cabe a faculdade de oferecer ou não a denúncia diante de elementos sérios e fundados da autoria e materialidade de um fato típico, ilícito e culpável. É um dever oferece-la.

Originariamente, o órgão persecutório criminal não tem disponibilidade para escolher denunciar o agente autor de uma infração penal, em seu dever de acusar, salvo as estritas hipóteses de arquivamento ou na necessidade de outras diligências imprescindíveis para o oferecimento da inicial acusatória. Não obstante, com o evoluir do direito repressor, tal obrigatoriedade deixou de ser absoluta, prevendo a lei institutos de mitigação ao referido princípio.

Neste sentido, podemos mencionar os institutos da composição civil e da transação penal, previstos na Lei nº 9.099/1995 – Lei dos juizados especiais criminais para os casos de infrações de menor potencial ofensivo; o acordo de leniência disciplinado pela Lei nº 12.529/2011, que dispõe sobre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; e o meio de obtenção de prova da colaboração premiada, declinada na Lei de organizações criminosas – Lei nº 12.850/2013.

Como se percebe, todos os referidos institutos alcançam o caminho da justiça resolutiva, estreitando a fase de instrução criminal e a aplicação de medidas não privativas de liberdade, tudo como espécies de direito penal premial, possibilitando ao autor do fato confessar e colaborar com a persecução penal e, em troca, receber benefícios, como, por exemplo, não ter em seu desfavor uma ação penal instaurada.

Vale destacar que a origem do direito penal foi pautada pela unilateralidade da reprovação, mas evoluiu para o conjunto repressão e prevenção. Já de forma contemporânea, a ciência criminal estabeleceu a subsidiariedade das penas privativas de liberdade, promovendo um direito penal mais humanista, visando, inclusive, a diminuição da população carcerária.

Entre as bases fundamentalistas da política do não encarceramento, encontram-se as Regras de Tóquio, formuladas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente, cujo projeto foi aprovado no ano de 1990, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, integrando a Resolução nº 45/110, sendo amplamente conhecidas como Regras Mínimas das Nações Unidas para a elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade.

Em resumo, tais regras visam estimular que os países soberanos inovem seus sistemas jurídicos com medidas para minimizar a utilização do cárcere, nas quais devem ser observados os direitos humanos, as exigências da justiça social e as necessidades de reabilitação daqueles que estão alheios às normas penais.

No Brasil, trazendo efetividade a esse novo modelo proposto no plano internacional, surgiu a Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, que, em apertada síntese, trata, do acordo de não persecução penal quando, entre outros requisitos, a pena mínima cominada em abstrato para a infração penal for inferior a 4 (quatro) anos.

Ora, surge uma nova resposta estatal, mais célere, com medidas não privativas de liberdade, a fim de desafogar o poder judiciário, diminuir a população carcerária em relação aos infratores com periculosidade reduzida e priorizar recursos financeiros e humanos aos feitos que trazem maior abalo social.

De acordo com Messias (2019, pág. 3):

[…] tais demandas penais passam a representar um largo campo de atuação estratégica à disposição do Ministério Público, cuja resolutividade pode gerar uma verdadeira concentração de esforços jurídicos para o processo e julgamento dos crimes mais graves, diante da redução da hercúlea pauta de trabalho de juízes, no tocante aos fatos penais menos críticos.

  • ASPECTOS BÁSICOS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP

O Ministério Público, diante de seu perfil resolutivo apresentado com a Constituição Federal de 1988, passou a disciplinar a matéria do acordo de não persecução penal por meio da Resolução nº 181 do CNMP e sua positivação legal veio com a vigência da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, ato normativo nominado de Pacote Anticrime, cuja finalidade foi aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, especialmente constando pontos sobre a justiça consensual.

A referida lei acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 28-A, disciplinando o ANPP, valendo a transcrição de seu caput:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime […].

Nessa senda, de acordo com o CPP[3], o ANPP é instrumento extrajudicial de atuação ministerial para a não denunciação, com natureza jurídica de poder-dever ministerial, por isso, é certo dizer que não é um benefício de direito subjetivo do investigado.

A jurisprudência é no sentido supracitado, valendo a transcrição do julgado abaixo:

E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP. PODER-DEVER DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. RECUSA JUSTIFICADA E MANTIDA PELA 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. ORDEM DENEGADA. 1. Extrai-se dos autos principais que, em 13/09/2021, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o ora paciente e contra Fabiano Ferreira dos Santos, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, incisos IV e V c.c art. 29, ambos do Código Penal, e atribuindo a Fabiano também a conduta prevista no artigo 329, caput, do Código Penal. O órgão ministerial também deixou de oferecer proposta de acordo de não persecução penal aos acusados, justificando as razões do não oferecimento. 2. Os autos foram remetidos ao órgão superior do Ministério Público Federal, para reanálise da possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, na forma do artigo 28-A, § 14, do Código de Processo Penal. A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República manifestou-se “pelo não cabimento do acordo de não persecução penal, acolhendo, como razões de decidir, os fundamentos invocados pelo membro do MPF oficiante”. 3. O paciente alega constrangimento ilegal, sustentando haver direito subjetivo do paciente à propositura do acordo. Entendo que o acordo de não persecução penal (ANPP) não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. Eventual recusa pelo órgão acusatório pode se dar em razão do não preenchimento dos requisitos ou porque o Ministério Público reputa o acordo como não suficiente à reprovação e prevenção do crime. 4. Por isso, entendo descaber ao Poder Judiciário imiscuir-se na análise discricionária e de atribuição exclusiva do Ministério Público Federal quanto à adequação do acordo ao caso concreto e, por conseguinte, não verifico, quanto a esse aspecto específico, qualquer constrangimento ilegal na decisão ora impugnada, que, após a negativa ministerial, e também do órgão superior do Ministério Público, determinou o prosseguimento do feito. 5. Ordem denegada. (TRF-3 – HCCrim: 50125548520224030000 SP, Relator: Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, Data de Julgamento: 29/07/2022, 11ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 05/08/2022)

  • O DIREITO AO SILÊNCIO

O inciso LXIII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, afirma que:

“Art. 5º, LXIII, CF – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”

Ademais, vale rememorar que o referido disposto está inserido dentro dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente que estiver em condição de investigado, acusado ou preso. Por isso, visando obedecer ao devido processo legal, é obrigatório que o preso receba todas as informações acerca da sua situação, notadamente tomando conhecimento de seus direitos, incluindo, o direito de permanecer calado.

Pois bem. De acordo com o artigo 28-A do Código de Processo Penal, a confissão da infração da penal por parte do investigado é condição imprescindível para a realização do acordo de não denunciação. Assim sendo, surge a indagação: A necessidade de confissão ofende o direito ao silêncio? A resposta é não. Vejamos.

De acordo com SOUZA e DOWER (2018, p. 161), em uma análise sobre o ANPP, a exigência de confissão para o recebimento do benefício não viola o preceito do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal. Neste sentido, aduziram:

Ao contrário de uma conclusão apressada, o dispositivo em análise não anula a garantia constitucional do acusado de permanecer em silêncio, descrita no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Isso porque o investigado não é compelido a dizer a verdade ou de não permanecer em silêncio. A escolha pela intervenção ativa, isto é, de prestar declarações fidedignas sobre os fatos, desde que livre e consciente, não viola aquela garantia constitucional. O direito de escolher entre exercer seu direito ao silêncio ou confessar detalhadamente o crime, encontra amparo na doutrina que admite que os direitos fundamentais, embora inalienáveis, sejam restringidos em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional, como ocorre em hipóteses de contratos privados envolvendo direitos da personalidade. Nesses casos, a restrição a direitos fundamentais é constitucional, desde que não seja permanente nem geral, mas decorra de voluntariedade e represente proporcional aumento do direito à liberdade do investigado, condições que ficarão sob a fiscalização do Ministério Público, do defensor e do próprio acusado.

De outro giro, também mister é perguntar: caso o acusado tenha negado sobre os fatos em sede policial ou em juízo, poderá, ainda assim, o Ministério Público oferecer o acordo?

Alguns doutrinadores do direito têm se posicionado no sentido de que, caso o investigado negue a autoria, não poderá este ser beneficiado com o Acordo de Não Persecução Penal. Assim, não caberia ao órgão ministerial insistir no reconhecimento da autoria, sob pena de descaracterizar a voluntariedade da confissão.

Não obstante, caso o agente negue a autoria em um primeiro momento, nada impede que haja uma retratação voluntária, permitindo que o infrator, a partir de sua confissão formal e circunstanciada dos fatos, faça jus do referido benefício da justiça consensual a ser ofertado pelo Ministério Público.

Porém, se em vez da confissão ou negativa de autoria, ocorrer o silêncio? Diante desta circunstância, caberia a proposta de Acordo de Não Persecução Penal?

Não se pode olvidar que o direito ao silêncio é um valor inato, isto é, inerente àquele que se encontra como alvo em uma persecução penal. Assim, é inquestionável que o direito a ficar calado, no processo penal, é uma proteção constitucional inviolável.

Assim, caso o investigado ou denunciado, seja na fase policial ou em juízo, tenha exercido seu direito ao silêncio, garantia constitucional prevista no artigo 5º, LXIII, da CF, a doutrina diverge sobre a possibilidade ou não de aplicar o acordo.

Para uma primeira posição de doutrinadores, não havendo confissão expressa não poderá ser realizado o ANPP, deve o silêncio ser entendido como ausência de confissão, não permitindo o início das tratativas do benefício, o que resultaria no seguimento da persecução penal em juízo com o oferecimento da peça acusatória.

Nesse sentido, advogam Marco Couto e Ana Paula Couto[4], afirmando:

No dia a dia forense, verificamos que em um número expressivo de procedimentos policiais o investigado opta pelo silêncio, principalmente quando não possui advogado na fase policial. A rigor, o investigado é chamado à sede policial para prestar esclarecimento e lá comparece desacompanhado de um defensor. Se o investigado opta pelo seu direito ao silêncio, o acordo de não persecução penal fica inviável porque um dos seus requisitos é justamente a confissão do investigado.

Para a segunda posição de operadores do direito, deve-se observar o preceito do artigo 186 do Código de Processo Penal, no qual fica estabelecido que o direito ao silêncio não pode ser interpretado de forma prejudicial ao investigado, cabendo ao órgão do Ministério Público contatar o investigado ou pugnar em juízo a notificação do réu para que seja possibilitada a confissão.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, afirma que o silêncio na fase policial não pode impedir o ANPP, valendo a transcrição do seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL. NÃO IMPEDIMENTO.

[…] A ausência de confissão, como requisito objetivo, ao menos em tese, pode ser aferida pelo Juiz de direito para negar a remessa dos autos à PGJ nos termos do art. 28, § 14, do CPP. Todavia, ao exigir a existência de confissão formal e circunstanciada do crime, o novel art. 28-A do CPP não impõe que tal ato ocorra necessariamente no inquérito, sobretudo quando não consta que o acusado – o qual estava desacompanhado de defesa técnica e ficou em silêncio ao ser interrogado perante a autoridade policial – haja sido informado sobre a possibilidade de celebrar a avença com o Parquet caso admitisse a prática da conduta apurada. 3. Não há como simplesmente considerar ausente o requisito objetivo da confissão sem que, no mínimo, o investigado tenha ciência sobre a existência do novo instituto legal (ANPP) e possa, uma vez equilibrada a assimetria técnico-informacional, refletir sobre o custo-benefício da proposta, razão pela qual o fato de o investigado não ter confessado na fase investigatória, obviamente, não quer significar o descabimento do acordo de não persecução (CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal à luz da Lei 13.963/2019 (Pacote Anticrime). Salvador: JusPodivm, 2020, p. 112).

[…]. (STJ – HC: 657165 RJ 2021/0097651-5, Data de Julgamento: 09/08/2022, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2022)

O Ministério Público do Estado de Goiás[5] é no sentido supracitado, apontando que:

[…] Essa confissão prestada ao MP durante as tratativas do acordo independe da negativa de confissão realizada no ato do interrogatório no curso da investigação preliminar ou do inquérito policial, perante a Autoridade Policial, pois, nessa fase, o investigado pode utilizar-se desse direito, conforme lhe é assegurado constitucionalmente. O silêncio do investigado, de acordo com a franquia do art. 5º, LXIII, da CF, não pode ser utilizado para prejudicá-lo, uma vez que a nova regra do CPP indica um procedimento específico, inclusive com momento adequado, para a formalização do ajuste que pressupõe a confissão. A confissão, assim, deve ser tratada como pressuposto para o ANPP, seja ela realizada perante a autoridade policial, seja perante o Ministério Público. No entanto, a ausência na fase policial não implica, por si só, a inviabilidade da proposta.

Por isso, é certo que exigir que a confissão ocorra no inquérito para tão somente o Parquet oferecer o ANPP conduz a jogar inconvenientes sobre o investigado, que, na maioria das vezes, vai apenas ser ouvido pela autoridade policial sem a presença de defesa técnica e sem que tenha conhecimento sobre a existência do referido benefício da justiça consensual.

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, diante da análise feita no presente trabalho e visando evitar a violação do direito a não autoincriminação antecipada, podemos dizer que a doutrina e jurisprudência majoritária já estão encampando a ideia de que o acordo de não persecução penal poderá ser oferecido ainda que na ausência de confissão, visto que esta poderá ser ofertada na presença do Ministério Público, e não apenas perante a autoridade policial.

Por todo o exposto, conclui-se que o Parquet ganha reforço na sua postura resolutiva, isto é, alcançando a resolução do problema no campo extrajudicial, especialmente por meio do acordo de não persecução penal, instrumento este que supera as estratégias criminais tradicionais que frequentemente logram baixo êxito no Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS

Ação Direta de Inconstitucionalidade com Pedido de Medida Cautelar – ADI 5.793/DF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5288159. Acesso em: 29/04/2020.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 20/01/2023.

BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 20/01/2023.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.  Acesso em: 10/04/2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência. HC: 657165 RJ 2021/0097651-5, Data de Julgamento: 09/08/2022, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2022. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202100976515&dt_publicacao=18/08/2022. Acesso em: 24/02/2023.

CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (CEJ/CJF). I Jornada de Direito e Processo Penal. Disponível em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/08/enunciados-aprovados-ijdpp-vf.pdf. Acesso em: 20/11/2020.

COUTO, A. P.; COUTO, M. O Pacote Anticrime: O Acordo de não Persecução Penal após o recebimento da denúncia. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-pacote-anticrime-o-acordo-de-nao-persecucao-penal-apos-o-recebimento-da-denuncia Acesso em: 27/04/2020.

DOWER, Patrícia Eleutério Campos. Algumas Respostas sobre o Acordo de Não Persecução Penal. In: SANCHES CUNHA, Rogério; BARROS, Francisco Dirceu; SOUZA, Renee do Ó; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira (orgs.). Acordo de Não Persecução Penal, Resolução n. 181 do CNMP. 2a ed., Salvador: JusPodivm, 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 2ª Edição. Editora JusPodivm, 2014.

Manual de Atuação e Orientação Funcional – Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) (2020, pág. 12), elaborado pela Equipe do Centro de Apoio Operacional – Área de atuação criminal do MPGO. Disponível em : http://www.mpgo.mp.br/portal/arquivos/2020/02/14/18_08_30_417_Manual_Acordo_de_N%C3%A3o_Persecu%C3%A7%C3%A3o_Penal.pdf Acesso em: 24/02/2023.

MESSIAS, Mauro. Acordo de não persecução penal – teoria e prática. Editora Lumen Juris, 2019.Regras de Tóquio – Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/tratados/ Acesso em: 29/04/2020.


[1] Bacharela em Direito, Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal, Servidora do Ministério Público do

Estado de Sergipe. E-mail: isabel.prazeres@hotmail.com Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6680942336732335.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7472-359X.

[2] Termo relativo à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 – Distrito Federal (STF, 2015). Nela, o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL buscou, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida liminar, o reconhecimento da figura do “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro e a adoção de providências estruturais em face de lesões a preceitos fundamentais dos presos. Asseverou que a superlotação e as condições degradantes do sistema prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos. Sustentou também que o quadro resulta de uma multiplicidade de atos comissivos e omissivos dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, incluídos os de natureza normativa, administrativa e judicial.

[3] Código de Processo Penal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 29/04/2020.

[4] Ana Paula Couto e Marco Couto. Artigo: O PACOTE ANTICRIME: O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-pacote-anticrime-o-acordo-de-nao-persecucao-penal-apos-o-recebimento-da-denuncia. Acessado em: 27/04/2020.

[5] Manual de Atuação e Orientação Funcional – Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) (2020, p. 12), elaborado pela Equipe do Centro de Apoio Operacional – Área de atuação criminal do MPGO.