O DIREITO À EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA NO CONTEXTO DA ATUAL CRISE CAPITALISTA

O DIREITO À EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA NO CONTEXTO DA ATUAL CRISE CAPITALISTA

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

THE RIGHT TO PUBLIC HIGHER EDUCATION IN THE CONTEXT OF THE CURRENT CAPITALIST CRISIS

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Adaíres Eliane Dantas Dos Santos[1]
Terçália Suassuna Vaz Lira[2]

Resumo:

Esse trabalho construído através de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica e documental se dedica a abordar a institucionalidade da educação superior brasileira mediada pelas relações capitalista. Observa-se que o ensino superior público se desenvolve conforme os ânimos do capital externo. Em época de expansão capitalista há investimento na educação, com ampliação das universidades e com isso um maior acesso da classe trabalhadora à educação superior. Analisando esse movimento numa perspectiva crítica, entendemos que essa aparente ampliação dos direitos sociais ocorre atrelada a um projeto de conformação de classe, que garante os ciclos de produção e reprodução capitalista. Contudo, em períodos de crise econômica essas políticas compensatórias não se sustentam. O capital, portanto, começa,  a protagonizar um movimento inverso. Para recuperar suas taxas de lucros os direitos da classe trabalhadora são expropriados. Isso ocorre através da revogação de leis, supressão dos direitos sociais, privatizações e mercantilização dos serviços públicos. Como tendências desse processo frente à crise capitalista contemporânea, o ensino superior público vivencia atualmente um processo de desmonte, com sucessivos cortes orçamentários e ataques à autonomia universitária.

Palavras Chaves: Ensino superior público. Capitalismo. Direito à educação.

Abstract:

This work, built through literature review and bibliographic and documentary research, is dedicated to approaching the institutionality of Brazilian higher education mediated by capitalist relations. It is observed that public higher education develops according to the mood of foreign capital. In a time of capitalist expansion, there is investment in education, with the expansion of universities and with that a greater access of the working class to higher education. Analyzing this movement in a critical perspective, we understand that this apparent expansion of social rights occurs linked to a project of class conformation, which guarantees the cycles of capitalist production and reproduction. However, in periods of economic crisis these compensatory policies are not sustainable. Capital, therefore, begins to carry out an inverse movement. To recover their rates of profit the rights of the working class are expropriated. This occurs through the repeal of laws, suppression of social rights, privatization and commodification of public services. As trends in this process in the face of the contemporary capitalist crisis, public higher education is currently experiencing a process of dismantling, with successive budget cuts and attacks on university autonomy.

Keywords: Public higher education. Capitalism. Right to education.

Introdução

Compreender a institucionalidade da educação superior no Brasil, incluindo seu caráter elitista, distante dos preceitos de democratização e universalização que atravessou boa parte do século XX, exige situar essas particularidades dentro da totalidade histórica que dá configuração ao capitalismo mundial e à posição periférica do nosso país na economia global.

            Na fase comercial do sistema capitalista, marcada pelas grandes navegações e “descobertas” de novos continentes pelas potências européias do século XV, em busca de riquezas e expansão de seus mercados, o Brasil foi explorado como uma colônia exportadora de matérias primas. Seus povos foram escravizados, sendo-lhes impostas também uma nova língua, religião e cultura funcionais ao modo de produção capitalista em desenvolvimento.

            Na historicidade do capitalismo, as potências mundiais protagonistas desse modo de produção vivenciaram esse em diferentes fases acompanhadas de novas configurações societárias, as quais se davam a partir das mudanças nas relações de trabalho na esfera produtiva.

            Diferentemente das experiências vivenciadas pelos países centrais, o Brasil não experimentou o capitalismo em todos os seus estágios. Enquanto as grandes potências econômicas dos séculos passados protagonizavam suas revoluções industriais, nosso país organizava-se enquanto colônia, de base escravista e dependente dos interesses internacionais, especializada no fornecimento de gêneros de primeira necessidade para abastecimento do mercado externo. Formava-se uma pequena oligarquia agrária, revestida de autoritarismo que se confrontava com a realidade da majoritária população, concentrada por nativos colonizados, escravos de origem africana e imigrantes portugueses desafortunados. Desenhava-se uma sociedade de classe com fortes disparidades sociais, relegando à maioria de seus habitantes de todo tipo de assistência formal por parte dos governantes. As marcas do colonialismo não ficaram restritas a esse período histórico, atravessaram o Império e a República, posicionando-nos no processo de mundialização do capital como uma economia periférica, submissa às vontades externas.

            Desse modo, a conformação socio-histórica brasileira dentro da totalidade dos processos sociais de reprodução do capitalismo mundial não conferiu ao nosso país uma pauta emancipatória de ruptura com as amarras colonialistas; tampouco, uma agenda de cidadania, com investimento em emprego/renda, saúde, educação e outras políticas públicas que impulsionassem o desenvolvimento do país, mesmo que numa perspectiva capitalista de competitividade no mercado internacional.

A sociedade brasileira é marcada por uma tardia abolição da escravatura e por uma revolução burguesa direcionada de fora para dentro, em atendimento às expectativas do capital externo, que necessitava expandir seus mercados. O moderno se conciliou com o arcaico, mantendo-se a tradição da velha política, orientada pelo mandonismo e repressão (FERNANDES, 1987). Essas características não conferiram à educação um viés de inclusão e direito social. As universidades públicas no Brasil surgem de forma retardada, no contexto de economia periférica que ocupa para atender aos interesses do capital internacional.

            A institucionalização das universidades no Brasil dá-se através da junção das faculdades isoladas em curso no país desde o período colonial. No entanto, Fernandes (2020) destaca uma distinção entre as escolas superiores do período colonial e as universidades instituídas na República. Enquanto essas primeiras se organizavam de forma fragmentada, com objetivo de letrar a elite colonial e formar profissionais liberais com base na importação da cultura européia, as universidades são erguidas para atender a uma necessidade de expansão do capitalismo internacional e de formar a mão de obra necessária ao processo de urbanização/industrialização interno. A passagem das escolas superiores à universidade no contexto brasileiro foi ausente de participação social e preservou o caráter elitista dessas instituições. Fernandes (2020) utiliza a expressão “universidade conglomerada” para definir o resultado dessa transmutação, visto que houve uma aglomeração das faculdades isoladas sem alterações substanciais em sua estrutura. As universidades, ao invés de se voltarem para a sociedade, estavam direcionadas e subordinadas aos interesses do capitalismo internacional.

O surgimento das universidades brasileiras guarda relação com o tipo de capitalismo dependente instaurado no Brasil e com as especificidades socio-históricas do país. Dessa forma, para apreendermos o caráter dessas relações, é necessário situá-las no processo de internacionalização do capital no seu movimento de expansão de mercados. . Os laços de dependência econômica entre capital interno e externo e a posição do país na divisão internacional de trabalho se refletirão no processo de institucionalidade do ensino superior, que será configurado de acordo com os ânimos do capitalismo mundial em seus ciclos de expansão e/ou recessão econômica. Observamos, portanto, que o direito à educação, especialmente a superior, assume várias nuanças.

A Relação Capital Educação

Grandes intelectuais da tradição marxista identificaram as depressões e crises econômicas como um processo inevitável, que acompanha a historicidade do sistema capitalista. Meszáros (2011) destaca que as crises econômicas são endêmicas à estrutura do capitalismo, porque fazem parte do seu ciclo de reprodução. Para Netto e Braz (2012, p.170), “a crise é constitutiva do capitalismo: não existe, não existiu, e não existirá capitalismo sem crise”. Segundo Mandel (1990), as crises econômicas são acarretadas por superacumulação de capital, dentro do seu ciclo de expansão de mercados e busca incessante por lucros. Portanto, o modo de produção capitalista em sua processualidade histórica, atravessado por relações dialéticas que se confrontam no seu movimento de reprodução, tem sido marcado por períodos de crescimento e recessão econômica.

Os ciclos de expansão são caracterizados por aumento progressivo dos lucros, crescimento dos empregos formais, elevação do poder de compra e investimento em capital fixo, como forma de potencializar o aumento da produção. Está no movimento de expansão do capital as raízes da crise. A produção de mercadorias e o volume de capital crescem em condições superiores à capacidade de consumo das massas. Há, portanto, uma sobreacumulação de capital, que não consegue se valorizar no mercado. Esse processo repercute em queda exponencial da taxa de lucro e no consequente esgotamento dos padrões de produção e acumulação de capital vigentes, o qual é acompanhado por demissões e elevação das taxas de desemprego, que limita ainda mais o poder de compra das massas e recuperação das perdas financeiras dos capitalistas. Frente a esse contexto, o capital superacumulado tende a fugir para outras regiões do mundo em busca de valorização.

            Frente às configurações do imperialismo monopolista, a exportação de capital adquire importância particular, pois não se limita à exportação de mercadorias, mas sim de todo o aparato de reprodução e expansão dos lucros capitalistas. Dessa forma, o capital industrial e financeiro se desloca para a periferia do mundo. Esse movimento possibilita a absorção do capital excedente e a otimização dos lucros capitalistas, que são elevados nesses países, “pois os capitais são escassos, os preços da terra e os salários relativamente baixos e as matérias-primas baratas” (LÊNIN, 2011, p.181).

Nessa perspectiva de análise, Harvey (2014) destaca que um dos contornos do capitalismo para as crises geradas pelo excedente de capital produzido é a absorção desse excesso através da expansão geográfica e a reorganização espacial. Nesse contexto, países como o Brasil passam a adentrar no ciclo industrial produtivo com forte potencial de lucros, haja vista as baixas condições de reprodução da força de trabalho, marcadas por relações contratuais de empregos precarizados e baixos salários, o que confere uma superexploração da força de trabalho e lucros mais rentáveis para os capitalistas, segundo a teoria da dependência de Marini (2011).

            Ainda segundo Harvey (2014), a migração de capital excedente para a periferia do mundo exige o desenvolvimento de uma estrutura interna, com investimento de capital fixo nos países receptores, que possibilite o ciclo de reprodução e expansão do capitalismo. Dessa forma, algumas políticas são estrategicamente potencializadas. A educação entra neste rol à medida que os novos padrões de expansão e acumulação de capital, como por exemplo a industrialização de economias subdesenvolvidas, requisitam dispositivos como mão de obra qualificada e recursos tecnológicos, o que necessariamente reivindica um investimento em educação. Mandel (1982, p.334) destaca que dentre as funções integradoras do Estado, está a de providenciar as condições gerais de reprodução através de “um sistema educacional adequado às necessidades de expansão econômica do modo de produção capitalista”.

            Na fase dos monopólios, o processo de expansão capitalista continua sendo perpassado pelas formas clássicas do imperialismo, em que se destacam a dominação estrangeira e a intensificação das relações de dependências dos países periféricos aos centrais. No entanto, a expansão de capital para as economias subdesenvolvidas exige que estas sejam submetidas a algumas mudanças organizacionais, o que implica numa reestruturação da divisão do trabalho para absorção do capital excedente.

A periferia do mundo passa a contar com maior investimento de capital fixo, que é potencializadopela circulação do capital financeiro. Lênin (2011) destaca os empréstimos conferidos pelos países centrais aos periféricos para que estes, através do Estado, possam estruturar uma rede de serviços indispensáveis à instalação do capital fixo. Esse processo exige infraestrutura urbana, construção de ferrovias, rodovias e serviços educacionais que ofertem conhecimento, aparato tecnológico e qualifique a mão de obra necessária à reprodução capitalista.

Se de forma imediata esse fenômeno é justificado pelos apologetas do capital como um mecanismo de desenvolvimento interno do país, que favoreceu inclusive a institucionalidade das universidades, algumas mediações preliminares descontroem essa tese, ao evidenciar que a expansão do capital aprofundou as relações de dependência dos países periféricos aos centrais. Os empréstimos conferidos pelas potências capitalistas intensificaram o endividamento dos países subdesenvolvidos e sua relação de subserviência aos países centrais, o que foi acompanhado de um processo crescente de desnacionalização das economias, aprofundamento das desigualdades e devastação social e ambiental. Além do mais, a educação superior foi instituída distante de uma concepção de direito social, preservando as disparidades de classe à medida que ser reservava à elite.

Situamos, portanto, o surgimento das universidades no Brasil no marco de expansão do capitalismo mundial na busca por novos territórios para absorção do capital excedente, como forma de contornar as crises capitalistas acarretadas por superprodução em mercados esgotados

 O surgimento das universidades brasileiras no capitalismo dependente

            A organização do ensino superior público em universidades ganha formalidade através do Decreto 19851/1931 promulgado pelo presidente Getúlio Vargas, o qual institui o Estatuto da Organização das Universidades Brasileiras. Kowalski (2012) destaca que nos anos seguintes à promulgação desse decreto ocorre a criação de diversas universidades em vários estados brasileiros, dentro do contexto de urbanização e industrialização do país na década de 1940. Observa-se, portanto, que o investimento estatal em educação superior na realidade do Brasil está intrinsecamente associado às necessidades de expansão do capital.

            As décadas de 1960 e 1970 são marcadas pela ditadura militar. Nesse período histórico, caracterizado por censura e cerceamento de liberdade, há uma expansão do ensino superior com a criação de pelo menos uma universidade em cada estado brasileiro, acompanhada pela ampliação de cursos a níveis de pós-graduação. No entanto, esse fenômeno não deve ser analisado em sua mera aparência, mas sim contextualizado dentro da processualidade histórica que dá dinamismo ao capitalismo em sua fase imperial.

Para assegurar o ciclo expansionista de absorção de capital excedente na América Latina e conter as influências socialistas, o capitalismo internacional financiou golpes militares na maioria dos países desse continente, promovendo uma maior abertura desses mercados ao capital externo, em um contínuo fluxo de desnacionalização dessas economias, que viriam a se intensificar nas décadas subsequentes.

O investimento em educação ocorre atrelado às necessidades de ampliação do capital internacional. Nessa vertente de análise, Mészáros (2008) evidencia que a educação formal sob controle do Estado burguês é um mecanismo funcional de reprodução do capitalismo, tanto no sentido de expansão e potencialização do sistema, que ao fazer uso de recursos tecnológicos, pesquisa e produção de conhecimento eleva sua capacidade produtiva e conquista novos espaços de mercantilização, quanto na perspectiva de sua reprodução ideológica, quando dita formas de pensamento e comportamentos sociais, os quais se alargam para além da esfera produtiva.O intelectual ainda destaca que a educação formal, mercantilizada e funcional à lógica de reprodução do capitalismo omite seu potencial libertado (da educação), limitando os processos de emancipação humana no horizonte de construção de uma sociedade alternativa:

A educação institucionalizada especialmente nos últimos 150 anos – serviu seu todo – ao propósito de não só fornecer o conhecimento e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma ‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente educados e aceitos) ou através de um dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente imposta (MÉSZÁROS, 2008, p.35).

            O investimento em educação em contextos como o do regime militar brasileiro, deve ser compreendido dentro da lógica de pensamento definida por Mészáros (2008), porque revela a funcionalidade da educação formal, mercantilizada e institucionalizada ao sistema capitalista.

No contexto do “milagre econômico brasileiro”, o capitalismo para garantir seus ciclos de desenvolvimento requisita aparato tecnológico e mão de obra qualificada. Nesse cenário, ocorre uma ampliação do ensino superior. Entretanto, a educação é configurada aos moldes da modernização conservadora do regime ditatorial. Perpassada por um viés economicista, a produção de conhecimento e a formação profissional são direcionadas ao atendimento das necessidades do padrão de produção vigente e reprodução da sociabilidade capitalista.

Para Frigotto (2010), o investimento em educação pelos militares expressa também a aplicação da teoria do capital humano. Através da expansão do ensino técnico, superior e de outros mecanismos de qualificação profissional, ocorre, desde a ditadura militar, um maior dispêndio em recursos humanos na perspectiva de disponibilizar ao mercado um perfil de trabalhador funcional ao capitalismo. O investimento em educação, sob comando da autocracia burguesa militar, promoveria assim a qualificação da mão de obra necessária ao padrão de produção capitalista e a reprodução ideológica do sistema.

Na perspectiva de formar profissionais funcionais, direcionar o conhecimento ao mercado e criar novos espaços de valorização para o capitalismo, o regime ditatorial promove mudanças na organização do ensino superior público e favorece também a institucionalidade das universidades privadas. Na esfera pública, a expressão desse processo pode ser visualizada na Reforma Universitária de 1968.

As cortinas da reforma universitária são abertas em 1960, partindo de reivindicações dos docentes e intelectuais da educação, bem como do movimento estudantil, os quais, sob influência do movimento de Córdoba, ocorrido em 1918 na Argentina, reconheciam a universidade como um patrimônio cultural e social, que deveria se voltar para sociedade. Os agentes sociais protagonistas das mobilizações pela reforma reivindicavam o processo de democratização do ensino superior, tido como predominantemente elitizado nesse período. Levantaram bandeiras de luta na defesa da institucionalidade de uma universidade autônoma, na qual o sistema de cátedra deveria ser substituído por uma gestão democrática.

As proposituras da reforma no contexto acadêmico insurgem através de uma crítica aos modelos das escolas superiores e da universidade conglomerada, que caracterizaram a educação superior do país. Na concepção dos revolucionários, esses modelos não eram representativos das massas brasileiras e tampouco respondia às demandas da sociedade urbano-industrial em ascensão, pois as universidades mantinham uma relação de dependência com os interesses culturais e econômicos do capital externo. E essas amarras de dependência precisavam ser rompidas para o desenvolvimento do país. A reforma universitária estava comprometida em exaltar nessas instituições as funções de pesquisa, criação intelectual e desenvolvimento do pensamento crítico, que deveriam se direcionar à sociedade. A reestruturação das universidades daria fermentação para mudanças sociais na perspectiva de superação do capitalismo dependente (FERNANDES, 2020).

Contudo, as mobilizações em prol da reforma encontram seus limites frente ao golpe militar de 1964. Na conjuntura da repressão aos opositores do regime ditatorial, as principais lideranças do movimento de Reforma Universitária foram censuradas. Os docentes foram afastados e aposentados compulsoriamente e o movimento estudantil, com maior representatividade através da União Nacional dos Estudantes (UNE), teve que atuar na clandestinidade.

Nesse cenário político, a Reforma Universitária perdeu sua perspectiva classista e foi operacionalizada pela cúpula dos militares. A reforma executada através da lei 5540/68 reestruturou as universidades ao modelo de Universidade Norte Americana, trazendo um conjunto de mudanças para o ensino superior, em que é possível evidenciar o viés economicista com propostas que objetivam aumentar a eficiência e produtividade das universidades públicas frente ao processo de desenvolvimento do país, que se complexificou a partir da década de 1950. A materialização dessas mudanças ocorre através da departamentalização das áreas de conhecimento, instituição do sistema de crédito, matrícula por disciplina, criação dos vestibulares unificados e flexibilização de abertura das universidades ao mercado. Para Fernandes (2020, p.301):

A reforma universitária, que só poderia ser concebida em nossa situação histórico-social, como uma imensa obra de reconstrução educacional, foi reduzida a um simples repertório de soluções realistas e de medidas operacionais que permitiram racionalizar a organização das atividades universitárias, conferindo-lhe maior eficiência e produtividade.

            A reforma universitária foi deslocada do contexto sócio-histórico em que insurgiu. As reivindicações dos seus agentes foram reconfiguradas aos interesses do capital e do modelo autocrático conservador. Os vínculos cultural e educacional de dependência externa foram preservados e o viés tecnicista dessas relações potencializas. Quanto a isso, Fernandes (2020, p.34) apresenta a seguinte síntese:

A reforma universitária, ao concretizar-se, caiu nas mãos das forças conservadoras e contrarrevolucionárias no poder. Elas não só esvaziaram a reforma de seu conteúdo democrático e inovador. Castraram-na por completo, pulverizando ainda mais a universidade conglomerada e retirando dela qualquer vitalidade política. Na verdade, submeteram a universidade ‘renovada’ a um duplo processo: de consolidação de seu caráter elitista, quanto às suas vinculações com as profissões liberais e as suas funções culturais investidas na consolidação da ordem existente; e de intensificação e institucionalização da tutela externa, implantada manu militari, visando a impedir que a universidade pudesse a vir desempenhar qualquer atividade contestadora, como ocorrera no passado recente.

A lei 5540/68 consolida a reforma universitária sob o comando da modernização conservadora, esvaziando o caráter político e democrático que constituíram as bases da reforma. A referida lei traz dispositivos que fixam as normas de organização e funcionamento da educação superior numa vertente que, além de legalizar o processo de mercantilização através da regularidade do ensino privado, tenta exercer o controle político dentro das IES, irrompendo as tendências revolucionárias, que poderiam se desenvolverem nesses espaços.

As mudanças na política de educação superior numa direção de mercantilização, desde o regime ditatorial, devem ser situadas no movimento de reconfiguração do capitalismo, o qual assume novas faces a partir da década de 1970 para o enfrentamento da crise do capital.

Conforme já introduzido neste trabalho, o capitalismo no seu ciclo de reprodução é perpassado por crises econômicas. Na historicidade desse modo de produção, os processos de depressão e retomada do crescimento econômico são repetitivos. Essas configurações fizeram Mészáros (2011) analisar as crises econômicas como algo endêmico à estrutura do capitalismo, afirmando que elas expressam a falta de controle sociometabólico desse sistema sob o seu movimento de reprodução e os problemas por ele criados. Contudo, esse intelectual evidencia a grande depressão econômica dos anos 1970, como o marco de uma crise profunda do capitalismo que assume dimensões estruturais:

A ocorrência de crises cíclicas periódicas continua sendo marca do desenvolvimento capitalista conjuntural e continuará enquanto o capitalismo sobreviver. Mas, na nossa época histórica, há um tipo muito mais fundamental de crise que se combina com crises capitalistas cíclicas e afeta todas as formas concebíveis do sistema do capital enquanto tal, não somente o capitalismo. A crise estrutural se faz valer ativando os limites absolutos do capital como modo de reprodução sóciometabólica (MÉSZÁROS, 2011, p. 136).

Sobre a grande crise econômica da década de 1970, esta é marcada pelo esgotamento dos padrões de produção fordista/taylorista e declínio do Estado de Bem-Estar Social nos países centrais. Os contornos capitalistas para retomada de suas taxas de lucro frente essa crise deu-se através de uma reestruturação produtiva sob o padrão de acumulação flexível, bem como da instituição de novos espaços de valorização do capital no âmbito das finanças e da mercantilização de serviços outrora de competência do Estado, o que exigiu redefinições do papel deste. O capitalismo em sua processualidade histórica de enfrentamento a crise dos anos 1970, reorganiza-se assumindo na contemporaneidade um caráter global, organizado sob monopólios e com eixos de reprodução que ultrapassam as linhas de produção de mercadorias. Nesse contexto, ganha dimensão a ideologia neoliberal, a qual norteará as políticas de Estado nas décadas subsequentes, num movimento de retorno apologético às influências do liberalismo clássico do século XVIII.

 Os caminhos traçados pelo ensino superior frente ao ideário neoliberal

O ideário neoliberal ganha ascensão em 1979 com as eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, em 1980, alastrando-se nos anos seguintes para o restante do globo. O neoliberalismo se afirma diante da tensão sofrida pelo Estado de Bem-Estar Social, atribuído pelo capital como um dos responsáveis pela crise mundial da década de 1970, devido ao seu alto custo com despesas sociais e intervenção na economia. Sob essa ideologia, o Estado assume a configuração de provedor de funções mínimas, ocorrendo assim maior abertura e desregulamentação da economia na perspectiva da livre circulação de capital e ampliação dos seus espaços de mercantilização através da privatização de setores produtivos exclusivos do Estado, bem como dos próprios serviços públicos.

As influências neoliberais são introduzidas na realidade brasileira no mesmo contexto histórico de reabertura política e democrática do país. Demier (2017) evidencia nesse processo de reabertura a interferência do capital externo, o qual sugere mutações graduais no regime político da ditadura de forma a conferir uma democracia restrita para operacionalidade do Estado nos moldes neoliberais:

Teóricos e cientistas sociais neoconservadores vinculados à comissão trilateral, como Samuel Huntington, propuseram que na ditatorial América Latina começassem a se efetivar pelas altas mutações nos sistemas políticos nacionais, visando à constituição de democracias de tipo restritiva. Desse modo, as cúpulas dirigentes dos regimes ditatorial-militares deveriam, elas mesmas, iniciar e conduzir de forma gradual transições políticas que permitissem a construção de regimes democráticos liberais, os quais, no entanto, não poderiam proporcionar um nível de ‘ativação popular’ como as que estiveram presentes nos regimes políticos que antecederam os golpes de Estado (DEMIER, 2017, p.53-54).

            No entanto, a sociedade em sua processualidade histórica é mutável e protagonizada por forças dialéticas através da ação de agentes com interesses opostos. O projeto de reabertura democrática gradual do capital externo em acordo com os militares reativou os ânimos dos movimentos políticos e sociais reprimidos durante o período ditatorial brasileiro. Várias bandeiras de lutas foram ressuscitadas através da organização da classe trabalhadora, de forma que o projeto político dominante conservador da cúpula dirigente da ditadura “não pudesse se exprimir naquele que foi o principal resultado jurídico-político do processo de transição: a Carta Constitucional de 1988” (DEMIER, 2017, p. 58).

Muitas das reivindicações societárias manifestadas no marco da redemocratização política do país foram materializadas na Constituição Federal (CF) de 1988. Nesse cenário, a educação foi levantada como pauta política e está prevista no seu Artigo 205 como “direito de todos e dever do Estado”. O inciso I do Artigo 206 ainda traz a garantia “da igualdade de condições para acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988, p. 166). O reconhecimento desses direitos manifestados através da luta de classe não significa que os interesses dominantes não tenham se feito também presentes na Carta Constitucional de 1988, pois ela foi instituída numa arena de disputas, a qual define seu caráter híbrido, visto que “combina traços liberal-democrático e democráticos-autoritários (LEMOS apud DEMIER, 2017, p.59).

            A reorientação do Estado brasileiro aos interesses do capital internacional, em sua face neoliberal, é intensificada no contexto da pós-redemocratização política. Os primeiros presidentes eleitos por voto direto patrocinaram reforma alinhadas com as expectativas do capitalismo externo, que comprometeriam a efetividade do pacto social firmado em 1988. A década de 1990 é assim marcada pela primeira fase do neoliberalismo[3],caracterizada por um processo de desnacionalização da economia, acompanhado de privatizações e reforma no aparelho do Estado, na direção de enxugar a máquina pública através de estratégias como o programa de publicização. Esse pacote de ajuste fiscal tinha como finalidade diminuir as funções do Estado, reduzindo seu gasto público e conferindo novos espaços de atuação para o mercado na busca da estabilidade econômica do país. Esse conjunto de medidas foi expresso no Plano Diretor de Reforma do Estado (PDR-1995) sob a gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso (FHC). O PDR-1995 é compreendido pela literatura crítica como uma Contrarreforma do Estado, devido ao seu caráter antipopular e regressista:

Esteve em curso no Brasil dos anos 1990 uma contra-reforma do Estado, e não uma reforma, como apontava – e ainda o fazem – seus defensores. Uma contra-reformaque se compôs de um conjunto de mudanças estruturais regressivas sobre a classe trabalhadora e a massa da população brasileira, que foram também antinacionais e antidemocrática (BEHRING, 2003, p.281).

            Na conjuntura de contrarreforma do Estado, a política de educação também retrocede com o aprofundamento de seu processo de mercantilização alinhado à reordenação da formação nas universidades para as necessidades do mercado. Esse processo é acompanhado por uma diminuição crescente no orçamento dessa política, juntamente com a desresponsabilização das funções do Estado. A abertura das universidades ao mercado, intensificada no contexto neoliberal, ocorre a partir de um pacote de medidas governamentais que prevêem a diversificação das fontes de financiamento, inclusive com a captação de recursos privados. Através de um aparato legal, a presença do capital é cada vez mais introduzida nas universidades via consolidação das parcerias público-privada, as quais condicionam as pesquisas e a produção de conhecimento aos interesses econômicos.

            Neves (2000) destaca que, diante da reestruturação produtiva do capital e da nova divisão internacional do trabalho, a relação da política de educação com a reprodução capitalista fica mais explícita. No ensino superior, esse processo se reflete com a reordenação das universidades para o mercado. O direcionamento da formação universitária para o capital ocorre através de um conjunto de dispositivos legais que regulamentam a flexibilização do ensino a partir de cursos aligeirados; reformas curriculares acompanhadas pela dissociação entre ensino, pesquisa e extensão via diversificação das Instituições Superior de Ensino (IES); legalização do ensino privado e institucionalidade de novas modalidades de ensino, dos quais são exemplos os cursos sequencias e a educação a distância. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB) dará expressividade a esse processo através de sua regularidade. Nela há um explícito posicionamento de redução dos serviços públicos e estímulo ao privado, cuja educação se descaracteriza enquanto direito ao assumir a roupagem de um serviço de não exclusividade do Estado.

A LDB de 1996 institui em seu Artigo 45 que “a educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (BRASIL, 1996, p.33). Essa previsão legal ganhará materialidade através dos decretos 2.306/97 e 3.860/01, que respectivamente dão legalidade às instituições mantedoras de ensino com finalidade lucrativa e regularizam a diversificação das IES, ampliando suas instâncias de atuação na educação privada através do ensino em faculdades integradas, centros universitários e instituições e escolas superiores. 

Para Chauí (1999), a adaptação da universidade em consonância com as transformações capitalistas representa a perda da universidade enquanto instituição social, autônoma com relação a outras instituições, cujas essência e legitimidade perpassam pelas ideias de formação, reflexão, criação e crítica. Ao se adequar à estrutura de produção e reprodução do capitalismo, a universidade se descaracteriza e passa a se apresentar como uma organização que presta um serviço que pode, inclusive, ser adquirido no mercado, visto que deixa de ser de exclusividade do Estado. Trata-se, portanto, da universidade funcional e operacional ao sistema capitalista:

A passagem da universidade da condição de instituição à de organização insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma do capital, e ocorreu em duas fases sucessivas, também acompanhando as sucessivas mudanças do capital. Numa primeira fase, tornou-se universidade funcional; na segunda, universidade operacional. A universidade funcional estava voltada para a formação rápida de profissionais requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho. Adaptando-se às exigências do mercado a universidade alterou seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional dos estudantes no mercado de trabalho, separando cada vez mais docência e pesquisa. Enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento e a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, a nova universidade ou universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos (CHAUÍ, 1999, s/p).

            Embora as reformas nas políticas educacionais sob um viés economicista venham em curso desde o período ditatorial, na década de 1990 esse processo se intensifica frente à ascensão do ideário neoliberal e adentra no novo milênio. Embasados numa vertente de análise crítica é possível observar que a pauta educacional vem sendo moldada aos interesses capitalistas. Esse processo revela complexidade e contradições, em que a educação pode ser analisada tanto como um instrumento ideológico de controle social, como também um serviço mercadológico, ambos funcionais à ampliação capitalista. Nessa conjuntura vai se esfacelando a institucionalidade da educação enquanto política de direito público e de responsabilidade do Estado, assim como seu valor social. Diante de uma perspectiva mercantilizada, a educação perde seu potencial emancipatório, transformando-se em um serviço que remete à qualificação e à profissionalização direcionadas ao desenvolvimento do capital.

As propostas educacionais dos organismos multilaterais para a periferia do mundo

            A relação capital educação tem se mostrado cada vez mais evidente. Desde as últimas décadas do século passado, organismos internacionais e regionais, a exemplo do Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), organização das Nações Unidas (ONU) e Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), têm sido articuladores na condução das políticas educacionais para periferia do mundo.

            Na conjuntura de desenvolvimento do neoliberalismo, o BM foi uma das principais referências para definição das políticas de educação nos países de economia dependente. Seus nichos de atuação se alargam com a inclusão de pautas sociais na agenda. É interessante perceber que as orientações do BM para os países em desenvolvimento estão conectadas ao processo de divisão internacional do trabalho e ao lugar que compete ao terceiro mundo na globalização capitalista.

Ainda na década de 1980, no primeiro ciclo de organização do capitalismo ao neoliberalismo, países como o Brasil, embora já dispusesse de um parque industrial produtivo, mantinham a tradição colonialista de importar tecnologia e se especializar na exportação de produtos primários e fabricação de mercadorias para o consumo interno. Nesse contexto socioeconômico, as primeiras propostas educacionais do BM para periferia do mundo na década de 1980 são direcionadas à educação básica e técnica profissionalizante, em alinhamento com as expectativas capitalistas de disponibilidade de um trabalhador polivalente, com mínimas capacidades técnicas que atendessem às necessidades operacionais do padrão flexível de produção, em acordo com a posição do terceiro mundo na divisão internacional do trabalho. O conhecimento científico e o tecnológico, por sua vez, continuavam concentrados nos países centrais. No entanto, países como o Brasil, “face à amplitude de seu parque produtivo,teriam de ter alguns poucos núcleos de excelência capazes de adequar os pacotes tecnológicos à realidade local” (LEHER, 1999, p.27).

A posição do Brasil na divisão internacional do trabalho explica a pouca atenção dada às universidades públicas pelos primeiros governos pós-redemocratização política do país. Diferentemente do que ocorrera no período ditatorial, cujos processos de desenvolvimento industrial e mecanização da produção agrícola, por exemplo, possibilitaram, mesmo que perpassado por contradições, uma ampliação do ensino superior público. Nos anos 1980 e 1990, observa-se o desmantelamento das IES em um contexto de avanço do neoliberalismo com sua política de estabilização econômica, enxugamento e reforma da máquina pública do Estado, com vistas à redução do gasto social.

            Cabe ressaltar que, embora as recomendações do BM para as políticas educacionais da periferia priorizassem a educação elementar, essas orientações foram perpassadas pelo viés economicista e de desenvolvimento com segurança, em que a educação é instrumentalizada para atender a uma necessidade do mercado, servindo ainda como um dispositivo de controle social. De caráter flexível e fragmentado, a proposta de educação do BM na década de 1980 e 1990 visava formar um cidadão funcional ao desenvolvimento capitalista, estruturando-se dentro do eixo de reforma do Estado a ideologia neoliberal.  

            Leher (1999) apresenta importantes reflexões sobre a inclusão das pautas sociais na agenda do BM, apontando que esse processo não ocorre de forma desproposital, mas desperta antes a preocupação do banco em conter as influências do socialismo no contexto da Guerra Fria, pois a pobreza e a exclusão social das comunidades periféricas poderiam conduzi-las a processos de rebeliões e revoluções contra o sistema capitalista. A educação cumpre dessa forma seu papel enquanto dispositivo de controle social e funcionalidade ao padrão capitalista.

            No final dos anos 1990, o BM e demais organismos multilaterais passam a ampliar suas propostas de educação para o terceiro mundo, incluindo nas suas pautas educacionais diretrizes que contemplam a extensão e a massificação do ensino superior nos países de capitalismo dependente.

O social liberalismo e o alargamento das pautas educacionais dos organismos multilaterais

            A extensão da pauta educacional dos organismos multilaterais para o ensino superior deve ser compreendida no processo de reconfigurações pelas quais passou o capitalismo mundial na sua conjuntura neoliberal. No contexto internacional, a partir de meados da década de 1990, alguns ideólogos neoliberais começam a realizar uma avaliação dos efeitos das proposituras do consenso de Washington, evidenciando que as políticas neoliberais ortodoxas protagonizadas entre as décadas de 1980 e 1990 geraram uma regressão social, com aprofundamento da pobreza e da desigualdade, principalmente na América Latina. De acordo com Castelo (2008a, p.2):

[…]Percebe-se que, a partir da década de 90, a ideologia dominante admite uma intervenção mais ativa do Estado na área social. Os ideólogos neoliberais foram subitamente tomados de assalto por um certo tipo de humanismo, dotando os seus planos de ajuste macroeconômico de condicionamentos sociais. Têm-se, assim, uma inflexão do pensamento hegemônico em relação ao debate sobre mercado e bem-estar social, na qual uma epistemologia de direita –maximização e otimização dos recursos, escassez relativa, capital humano – é envernizada por uma suposta ética de esquerda, com palavras de ordem como justiça social, solidariedade, filantropia e voluntariado. Busca-se uma terceira via, um sincretismo entre o mercado e o Estado capaz de promover o bem-estar social.

            Ainda de acordo com Castelo (2008a), o capital globalizado na sua face neoliberal passa por reconfigurações nas quais não impera mais o seu viés liberal ortodoxo. O referido autor compreende essa reestruturação interna, na qual há um aparente humanismo no sistema capitalista, como sendo a segunda fase do neoliberalismo mundial, a qual é categorizada de social liberalismo. Castelo (2008b) aponta o social liberalismo como uma contrarrevolução burguesa, uma estratégia de coesão social frente à ebulição de movimentos sociais na passagem para o novo milênio, despertados na periferia e no centro do mundo contra os efeitos perversos da globalização.

Castelo (2008b) compreende que a ideologia social liberal deve ser interpretada dentro da decadência ideológica da burguesia, pois, embora na segunda fase do neoliberalismo mundial os intelectuais do capital despertem uma aparente preocupação com as expressões da questão social produzidas no interior do capitalismo, as respostas traçadas para seu enfrentamento são de curto alcance. A intenção não é superar a questão social, quando muito, apenas, amenizá-la através de políticas compensatórias, que não alteram a ordem do capital, matriz de produção e reprodução das desigualdades sociais.

            Diante da ideologia do social liberalismo, a teoria do capital humano é ressuscitada. A educação é tomada como um eixo de desenvolvimento capaz de operar transformações econômicas e sociais. Essa ideia de investimento no ativo educação é incorporada na agenda dos organismos internacionais, que já vinham articulando as políticas educacionais para periferia do mundo, desde a primeira fase do neoliberalismo.

            Diante da ebulição dos movimentos sociais frente aos efeitos da globalização capitalista, a burguesia, através dos seus aparatos ideológicos e neste caso determinados pelo BM e os organismos regionais, abraça as históricas reivindicações da classe trabalhadora quanto à democratização da educação superior, uma vez que as propostas de educação terciária direcionadas para periferia do mundo sigam as diretrizes da hegemonia dominante. Trata-se da oferta de uma formação precarizada, aligeirada e que disponibilize trabalhadores operacionais e funcionais ao mercado, possibilitando ao capital a continuidade da superexploração da força de trabalho através da preservação dos baixos salários. Para tanto, a formação superior não deve despender tantos recursos públicos, sendo preferencialmente ofertada pelo mercado, o que alarga suas dimensões de comercialização dos serviços educacionais. 

A expansão do ensino superior no contexto do social liberalismo brasileiro

Para Castelo (2013, p.122), “o desembarque do social-liberalismo na América Latina se deu pelas mãos de antigos partidos socialdemocratas, organizações que outrora defenderam os interesses dos trabalhadores”. Dessa forma, na conjuntura brasileira, serão, notadamente, os governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff, que darão expressividade à ideologia social liberal em suas políticas de governo.

As gestões petistas se efetivam a partir da construção de um aparente pacto de classes mediado pelo governo. A política econômica brasileira se mantém direcionada para o capital externo, sob a égide das finanças. A posição periférica do país, enquanto complexo agroexportador, permanece inalterada. A política de ajuste fiscal é otimizada na perspectiva de aumento do superávit primário e honra aos pagamentos de juros da dívida pública. Reformas estruturais não foram protagonizadas pelos Governos petistas. No entanto, houve uma ampliação da cidadania e maior cobertura dos serviços sociais, através de uma política de emprego/renda, incentivo ao crédito/consumo, investimento em programas sociais de transferência de renda e financiamentos habitacionais. Embora o ideário neoliberal não tenha sido abandonado, houve um deslocamento das medidas mais duras do consenso de Washington. Para Behring (2019, p.46), a gestão de Lula é o marco do segundo período do neoliberalismo no Brasil, “com características específicas e alguns deslocamentos importantes com relação aos governos do PSDB, sem, contudo, rupturas mais profundas”.

            Esse abrandamento do neoliberalismo, por sua vez, tem associação com a ideologia social liberal internacional e os ânimos do capital externo, cujos países que mantinham relações comerciais com o Brasil apresentavam crescimentos favoráveis de suas economias, possibilitando as altas das exportações, sobretudo dos commodities no mercado interno e estabilidade econômica. “Isso permitiu ao governo, sem nenhuma modificação de estratégias, elevação das taxas de crescimento, sem pressões inflacionárias, maiores arrecadações do governo, que permitiu algum tipo de política social compensatória” (CARCANHOLO, 2018, p.38).

As ditas políticas de democratização do ensino superior na realidade brasileira são impulsionadas entre final dos anos 1990 e a primeira década dos anos 2000. É interessante perceber sua relação com a ideologia neoliberal em sua segunda fase, visto que esse movimento inicia-se privilegiando a esfera do mercado. A ampliação do ensino superior dá os primeiros passos através do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) em 1999, e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) em 2004. Enquanto o FIES se destina a conceder créditos de financiamento para os estudantes se matricularem em curso de graduação em IES particulares, o PROUNI visa à oferta de bolsas de estudos para alunos de baixa renda também em IES privadas, através de isenção fiscal concedida a estas pelo Estado.

Como proposta de ampliação do ensino superior na esfera pública, em 2005, o Governo Federal cria o Programa Universidade Aberta do Brasil, com a finalidade de diversificar as modalidades de ensino e interiorizar a educação superior através das universidades públicas. A partir desse programa, as IES passam a oferecer cursos de graduação na modalidade a distância, que privilegia a formação superior dos professores da rede básica de ensino. Evidencia-se nesse programa a flexibilização do ensino proposta pelos organismos multilaterais.

Em 2007, é o ano de publicação do Decreto n° 6096/2007, que institui o REUNI, o qual visa dar cumprimento à meta de expansão da oferta de educação superior disposta no Plano Nacional de Educação (PNE) para o primeiro decênio do novo século (2001-2010).

A ampliação do ensino superior na realidade brasileira na passagem para o novo milênio está em consonância com as orientações dos organismos multilaterais. Expressa as diretrizes desses organismos quanto ao desenvolvimento com segurança. A diversificação da base educacional, com a introdução de novas modalidades de ensino, reformas nos currículos e diversidade das IES, prevendo a dissociação entre o ensino, pesquisa e extensão, tem possibilitado a formação de um trabalhador funcional ao capitalismo e traz também novos espaços de valorização para o capital, através da financeirização da educação, visto que se torna um serviço rentável.

De fato, houve um crescimento do ensino superior no novo milênio. No entanto, autores como Nascimento(2013) e Sguissardi (2015) questionam em seus trabalhos se a democratização do ensino superior pode ser associada ao mero processo de ampliação de vagas nas IES, principalmente se considerarmos que tal ampliação ocorreu prioritariamente no setor privado.

Segundo dados disponibilizados pelo censo da educação superior de 2018, no Brasil existem 2.537 IES. Desse total, cerca de 2.238 (82,2%) se concentram na rede privada; 1.929 do universo de instituições particulares tem o status de faculdades.No período de 2008 a 2018, 75,5% das matrículas em cursos de graduação ocorreram em IES particulares e apenas 24,6% em IES públicas (INEP, 2018). O crescimento de matrículas no setor privado pode ser explicado pela expansão do crédito estudantil através do FIES, que em 2014 atingiu a marca de 732.493 mil novos contratos de financiamento, gerando para o Estado um custo de 12 bilhões de reais com o programa (LEHER, 2018).

Com base em autores como Carvalho (2004) e Dias Sobrinho (2010), é possível compreender que a democratização da educação perpassa pela universalização do ensino, o que significa a igualdade nas condições de acesso e permanência. Esse processo também está associado ao desenvolvimento de práticas educacionais que revelem seu potencial emancipatório. Seria imaginável a concepção de práticas de ensino, que desenvolvam a capacidade emancipatória dos sujeitos através de uma educação mercantilizada, a qual se tornou um negócio rentista, perpassado pela relação direta de compra e venda?

Certamente, a democratização da educação está associada à concepção de um modelo de ensino público, gratuito e de qualidade, que considera os princípios de laicidade e autonomia das instituições de ensino. A democratização da educação também não pode ser concebida de forma fragmentada. Esse processo envolve articulação com outras políticas e reformas estruturais na sociedade, pois a democratização do ensino exige condições de acesso e permanência em todos os seus níveis. Dias Sobrinho (2010, p.1223) acrescenta que:

As políticas públicas de democratização da educação superior devem ir muito além das ações focadas no aumento de matrículas e de inclusão social. A democratização requer melhorar e ampliar a educação fundamental, de modo a elevar a quantidade e a qualidade de concluintes no ensino médio; ampliar e melhorar continuamente a formação de professores e a infraestrutura de todo o sistema educativo; assegurar boas condições de permanência do estudante nos cursos; ampliar a participação do Estado no provimento da educação. Em conclusão: transformações radicais na educação superior, especialmente a sua expansão com qualidade e equidade, não se separam de mudanças estruturais e sustentáveis da sociedade.

O padrão de acumulação capitalista dependente e os vínculos de subalternidade do capital nacional ao internacional têm condicionado o Estado brasileiro a patrocinar uma educação mercantilizada, que diante das necessidades do capitalismo de aumentar seus espaços de valorização se expandiu nas últimas décadas com um crescimento alarmante das IES privadas.

No entanto, ao dar cumprimento às recomendações dos organismos multilaterais quanto à ampliação do ensino superior na periferia, o Estado brasileiro também institui o REUNI como mecanismo de expansão das universidades e institutos públicos federais.

O REUNI foi instituído pelo decreto presidencial n° 6096 em 24 de abril de 2007. O programa atende as metas e objetivos para o ensino superior definidas no PNE (2001-2011), mais especificamente as metas de número 1 e 3, que em síntese se referem, respectivamente, à elevação de 30% nas taxas de educação superior para jovens de 18 a 24 anos e  estabelecimento de uma política de expansão que atenue as desigualdades existentes entre as diferentes regiões do país (BRASIL, 2001). Dessa forma, o REUNI é institucionalizado com o objetivo de:

[…] criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais (BRASIL, 2007, s/p).

            Em alinhamento com o PNE, o REUNI traz como uma de suas diretrizes a ampliação das políticas de inclusão e Assistência Estudantil materializadas, respectivamente, através da Lei de Cotas (Lei 12711/2012) e do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).

            Apesar do REUNI atender parcialmente muitas das reivindicações da classe trabalhadora, do movimento estudantil, de intelectuais e defensores da educação pública, quanto à expansão e democratização do ensino superior, sua aceitabilidade não ocorreu de forma pacífica e homogênea no âmbito universitário. A implantação do REUNI se deu em um movimento tensionado por forças contraditórias em que se manifestaram vertentes de apoio e oposição ao programa, no interior das organizações classistas e das IFES.

Dentre as críticas que circundam o REUNI, foram mais notórias aquelas que evidenciaram no programa mais um mecanismo de mercantilização da educação superior pública, visto que no governo Lula vinha sendo executada por um aparato legislativo que, além de colocar as IFES a serviço do mercado, trazia uma lógica privatista para essas instituições. A título de exemplo, destaca-se a Lei 10.973/2004 (Lei de Inovação Tecnológica), Lei 10.973/2004 (que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública) e a Lei 10.861/04 (que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES). Como estratégia de expansão do ensino privado, o Presidente outorgou a Lei 11.096/05 (a qual instituiu o PROUNI, regulando a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior) e o Decreto 5.622/05 (regulamentando a educação à distância).

            O REUNI é alicerçado na política de consenso de classes que caracteriza os governos petistas. O programa se apresenta como funcional ao capital, à medida que direciona a formação para o mercado e desenvolvimento capitalista; como também atende às reivindicações e expectativas dos estudantes, intelectuais da educação e classes populares, através do investimento no ensino superior público, o qual, nesse contexto, se efetiva coma ampliação das vagas, expansão das IFES e democratização do ingresso, possibilitando um maior acesso dos filhos da classe trabalhadora às universidades.

Situamos o REUNI como um dispositivo que não escapa das contradições que intensificam a relação capital e educação. Numa análise sobre essa relação, Tonet (2012) destaca que a sociabilidade capitalista tem o capital como elemento hegemônico. Portanto, a tônica da reprodução capitalista está presente na esfera da educação, assim como em outras estruturas organizacionais da dinâmica social. Contudo, esse autor atenta para o fato de que, embora na totalidade social o capital seja o elemento matriz, essa mesma totalidade é formada por indivíduos com interesses opostos, expressos, por exemplo, no antagonismo de classe.  Estes antagonismos sociais possibilitam reflexões por parte de alguns indivíduos, de forma que a hegemonia do capital não se expressa de forma mecânica na totalidade dos sujeitos sociais.

 Com base nessa análise, compreendemos que a educação formal, a qual tem o Estado burguês como agente regulador, é atravessada por perspectivas mercantilistas que contribuem para o processo de reprodução do capitalismo enquanto padrão de acumulação e modelo cultural vigente. As universidades não escapam desse ciclo de reprodução da hegemonia capitalista, pois é parte estrutural dessa sociabilidade. No entanto, como nos atenta Chauí (1999), essas instituições, em sua essência, são espaços de reflexões e formação crítica.

Esses vestígios democráticos, inerentes à sua formação originária, são elementos importantes na correlação de forças contraditórias que perpassam o contexto universitário, pois se apresentam como possibilidades concretas para formação de oposição à ideologia hegemônica do capital. Esse processo é potencialmente desenvolvido em instituições autônomas, laicas, democráticas e públicas. O que dá evidência a esse raciocínio é o fato de que são os intelectuais vinculados a essas instituições, em sua maioria os responsáveis pela produção de conhecimento crítico, que vão contra a ordem do capital, mesmo no atual estágio de desenvolvimento desse. Contudo, é notório que nenhuma instituição aparenta, em sua totalidade, estar imune à reprodução ideológica desse sistema dominante na sociedade.

Dessa forma, numa dada conjuntura neoliberal, em que o ensino superior se tornou um negócio para a expansão capitalista, cuja expressão se dá pelo crescimento descontrolado das IES privadas, o REUNI mostra-se relevante por ser um dispositivo direcionado à educação superior pública. E embora em sua totalidade não consiga romper com o viés economicista, visto que é parte da sociabilidade capitalista, revela um potencial de conectividade com as características essenciais da instituição universitária, que contribui para o processo de formação e reflexão crítica indispensáveis à emancipação dos sujeitos. Nesse sentido, cabe lembrar a participação ativa dos estudantes das universidades públicas brasileiras nas maiores e importantes frentes de mobilizações sociais contemporâneas do país, como a jornada de junho de 2013 e, mais recentemente, as manifestações em defesa das universidades públicas e contra os cortes orçamentários para educação promovidos pelo governo Bolsonaro[4]. Esses jovens, que têm revelado consciência de classe e tencionado o projeto liberal-conservador em ascensão no Brasil, estão em maior quantidade nas universidades públicas, em decorrência de políticas como o REUNI, Lei de Cotas e PNAES. 

Para engradecer a discussão sobre a relevância da expansão das universidades públicas, recorremos ao pensamento de Fernandes (2020), o qual, numa riquíssima análise sobre o caráter do ensino superior brasileiro da década de 1950, bem como sobre as bases de erupção da reforma universitária reivindicada pela comunidade acadêmica naquele período, evidencia a importância do caráter público e gratuito do ensino superior. Para o autor, sob uma perspectiva histórico-sociológica, essas características são essenciais para a “formação, a consolidação e universalização nas condições de equidade e na distribuição das oportunidades educacionais” (FERNANDES, 2020, p.217). O sociólogo acrescenta que “a intervenção estatal no fomento e expansão do ensino oficial e gratuito conta como uma das principais influências dinâmicas, a largo prazo, da democratização do ensino e da cultura na sociedade brasileira” (Ibidem, p.218).

É importante destacar que as considerações de Florestan Fernandes (2020) sobre a defesa da expansão e gratuidade do ensino superior foram realizadas a partir de uma crítica à estrutura das universidades públicas brasileiras, que além de voltadas para os interesses do capital externo e das elites locais, eram acessadas, naquela época, majoritariamente pelos filhos das classes abastadas. O sociólogo também não deixa de enxergar que a expansão e gratuidade do ensino é um dispositivo que favorece a democratização do acesso. Ele ainda revela que, apesar do caráter elitizado e dependente das universidades brasileiras, eclodiram dentro de seus muros, na década de 1960, reivindicações por parte da comunidade acadêmica, que tencionaram a estrutura da universidade conglomerada e exigia uma reforma democrática, em que a universidade foi chamada a se voltar para os interesses da sociedade e romper com a dependência cultural e econômica do capital externo.

Portanto, o REUNI, mesmo sendo um processo enviesado por contradições, revela sopros democratizantes identificados, sobretudo através da expansão das vagas e da criação de novas universidades e Institutos Federais (IF), que, além de promover a interiorização do ensino com a extensão dos campi, privilegiou o ensino presencial e público, ampliando o número de docentes e técnicos administrativos através do ingresso por concurso público nas IFES. O REUNI traz ainda a previsão de políticas de inclusão e Assistência Estudantil. Este primeiro dispositivo deu institucionalidade à inédita “Lei de Cotas”, que prevê o acesso de segmentos populacionais historicamente excluídos do ensino superior; o segundo dispositivo, por sua vez, instituiu o PNAES como estratégia que pauta a permanência estudantil.

Em análise sobre o REUNI, Leher (2018), apesar de evidenciar que no contexto de expansão do ensino superior o Estado privilegiou a dimensão privada, destaca que:

A expansão dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e o relevante crescimento de matrículas nas universidades federais no âmbito do REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, instituído pelo Decreto Presidencial N° 6.096 de 24 de abril de 2007 – contribuíram para (muito) melhor distribuição da rede de educação federal no território brasileiro, potencialmente assegurando formação universitária de maior complexidade, levando o ensino superior público a regiões desprovida de tal alternativa, porém, para um rol reduzido de estudantes, visto que, somando as matrículas federais e estaduais, o total de matrículas públicas não ultrapassa 25% do total. Mesmo no curto período examinado, é possível constatar o potencial democrático do setor público, notadamente a partir da lei de cotas, desmentindo o senso comum de que nas públicas estudam os ricos e os pobres nas privadas. De fato, neste intervalo de tempo, prevaleceu no setor público, dimensões democratizadoras. O atual perfil dos estudantes que está nas instituições públicas é muito mais próximo à distribuição de renda no país […] (LEHER, 2018, p.24-25).

Estamos de acordo com o autor destacado acima. Embora a ampliação das vagas e da expansão das IFES no contexto do REUNI não tenham sido tão expressivas como no setor privado, é justo reconhecer que no Brasil redemocratizado, esse será o programa de maior relevância na perspectiva de financiamento estatal para o ensino superior público, brutalmente sucateado nas décadas anteriores, no primeiro ciclo de ajuste ao neoliberalismo.

Entendemos, portanto, que o REUNI, por si só, não consolida a democratização do ensino, visto que esse processo é algo complexo e exige reformas estruturais que envolvem todos os níveis de ensino e se alargam para além das dimensões educacionais. No entanto, apesar do caráter contraditório que perpassa o REUNI, ele trouxe uma perspectiva democratizadora para o ensino superior público. O REUNI foi uma estratégia que provocou a expansão das vagas nas universidades e possibilitou uma maior participação de estudantes, considerados de baixa renda e com marcadores sociais da diferença.

O ensino superior no contexto da crise econômica contemporânea e recrudescimento do neoliberalismo

A ideologia social liberal começa a encontrar seus limites diante do agravamento da crise capitalista contemporânea, a qual, embora sua gênese no mundo remeta ao ano de 2008, tem efeitos retardados na economia brasileira, com principais reflexos a partir de 2015. A instauração do cenário de crise junto aos conflitos políticos internos culminou no impeachment forçado da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Processo que a literatura crítica compreende como um golpe político, jurídico, parlamentar e midiático de novo tipo (DEMIER, 2017).

O golpe representou o declínio do PT. Mais que isso, representou a substituição do social liberalismo por uma política neoliberal mais ortodoxa, que encontra nexos com a macropolítica econômica da década de 1990 e assume especificidade no terreno do conservadorismo instaurado no país, mediante o resultado das eleições presidenciais de 2018, quando elege Jair Messias Bolsonaro como dirigente máximo do poder executivo federal.

            Desde 2015, o recrudescimento do neoliberalismo é sentido no Brasil, com a intensificação da política de ajuste fiscal e retrocesso de alguns direitos sociais, em que se destaca a minirreforma da previdência e o desfinanciamento de políticas públicas via cortes orçamentários orquestrados por Dilma. No entanto, as expropriações de direitos e o desmontes das políticas sociais se agravam na gestão de Michel Temer, através de um pacote de medidas de austeridade, que tenta claramente salvar o capital às custas da penalização da classe trabalhadora. Dentre as tacadas dadas por Temer, merece destaque a aprovação da Emenda Constitucional (EC), n° 95, de 15 de dezembro de 2016, a qual congela os investimentos primários no setor público por 20 anos e desconstitucionaliza o financiamento de políticas essenciais como saúde e educação. Frente aos desdobramentos da crise capitalista mundial em solo interno, a ortodoxia neoliberal foi endurecida nos últimos anos, encontrando um capítulo trágico no governo Bolsonaro, em que o ultraliberalismo se associa ao conservadorismo exacerbado e a teorias negacionistas (BEHRIHG, 2019).

            Esse processo tem repercutido nas universidades públicas através de sucessivos cortes orçamentários, os quais têm asfixiado o ensino, a pesquisa e a extensão desde 2015, agravando-se severamente nos anos seguintes. Nesse contexto, foram ressuscitadas as teorias liberais disseminadas sobretudo pelo Banco Mundial (BM), quando alegam que as universidades são tidas como onerosas e elitizadas. Ganharam fôlego os discursos de privatização e desmonte da estrutura democrática em que se sustenta as universidades. Parte desse receituário neoliberal pode ser encontrado no documento “Um Ajuste Justo”, realizado pelo BM em 2017. Já sua execução se associa claramente a propostas recentes, a exemplo do projeto “Future-se”, apresentado pelo Governo Federal em 2019 e aos atos administrativos do executivo federal sob forma de Decretos e Medidas Provisórias, que sucateiam cada vez mais o ensino superior público e tencionam a autonomia universitária, em que cabe destacar a MP 914, de 24 de Dezembro de 2019, a qual dispõe sobre o processo de escolha dos dirigentes das universidades federais, dos institutos federais e do Colégio Pedro II.  A referida MP institui a perda da paridade dos votos entre docentes, técnicos administrativos e estudantes, bem como condiciona a nomeação do reitor ao crivo do presidente. Sob efeito dessa MP, até dezembro de 2020, mais de 18 IFE não tiveram seus pleitos eleitorais respeitados pelo Presidente da República (BRASIL DE FATO, 2020).

            Claramente a situação da educação pública, em especial a superior, agrava-se no Governo Bolsonaro. Alem dos ataques ideológicos e do negacionionismo, a universidade vêem sendo asfixiadas através das reduções orçamentárias Vejamos a tabela abaixo, que contempla o financiamento da educação superior no atual Governo:

Tabela 1: Recurso para Educação Superior no Governo Bolsonaro

AnoÓrgão OrçamentárioProjeto de LeiDotação InicialDotação Atual
201926000 – Ministério da Educação33.790.350.34035.004.374.15735.654.950.579
202026000 – Ministério da Educação29.319.964.95028.472.727.07734.544.569.390
202126000 – Ministério da Educação13.467.021.16613.563.851.34133.349.012.548
202226000 – Ministério da Educação34.345.182.41535.584.170.79934.712.668.742
    
Fonte: Sistema Integrado do Orçamento Público, 2022

A Tabela acima traz uma descrição com o orçamento previsto na PLOA, contemplando a proposta do governo; seguido da dotação inicial, que se refere ao orçamento aprovado pelo Congresso Nacional e finalmente a dotação atual, que diz respeito aos recursos efetivamente disponibilizados pelo Executivo Federal até o final de cada exercício financeiro. Como se pode observar, o orçamento da PLOA de 2020 foi menor que 2019, tendência que se repete em 2021, chamando atenção a redução de mais de 50% na pasta do Ministério da Educação (MEC).

Como sabemos, a liberação dos créditos orçamentários para financiamento de todas as despesas públicas está condicionada à aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) pelo Congresso Nacional até dezembro do ano anterior ao próximo exercício financeiro. Esse processo é caracterizado por algumas etapas, em que a primeira delas se refere à elaboração da proposta orçamentária pelo Executivo Federal, a qual é encaminhada através de Projeto de Lei para o Congresso, a quem compete apreciar e aprovar o orçamento mediante a proposta do executivo ou com restrições, o que podem estar associada à instituição de créditos adicionais, caso o Poder Legislativo considere que os valores autorizados na lei orçamentária podem revelar-se insuficientes para as finalidades planejadas.

Obviamente, o posicionamento do Congresso quanto à aprovação ou restrição da PLOA apresentada pela Presidência da República vai depender da correlação de forças envolvidas nesse processo. O que importa destacar é que a proposta orçamentária aprovada pelo Congresso é que terá força de lei, sendo a partir dela que as instituições públicas planejam a execução do seu orçamento. Entretanto, cabe ressaltar que, mesmo após aprovação da LOA pelo Congresso, os recursos não são transferidos automaticamente para as demais unidades gestoras, as transferências ocorrem divididas em parcelas. Ao longo de um exercício financeiro, a LOA pode através de decretos presidenciais sofrer alterações pelo Executivo Federal, que se dão por adição de créditos suplementares ou contingenciamento dos recursos.

 O contingenciamento ou cortes de recurso é prática comum ao longo de um exercício financeiro. Na realidade da educação pública, isso ocorreu em 2020, através Decreto n° 9.741 de 29/04/2019, em que o Governo diminuiu 30% do orçamento das IFES, com despesas não obrigatórias.  Em 2021,  tivemos o  Decreto Nº 10.686, de 22 de abril de 2021,  que bloqueou  R$ 2,7 bilhões no orçamento do Ministério da Educação (MEC) e veta 2,2 bilhões.  Mais recentemente, em 2022, o Decreto Nº 11.086, de 30 de maio de 2022,  de novos bloqueios com redução de  R$ 3,2 bilhões na pasta do MEC R$ 2,5 bilhões no Ministério da Ciência e Tecnologia.

Embora os contingenciamentos ou bloqueios possam ser devolvidos, essa prática traz inseguranças e danos para realidade das IFES, visto que todos os gastos públicos são programados, empenhados com antecedência e, na maioria dos casos, associados a processos licitatórios, quando relacionados à aquisição de capital e fornecimento de serviços terceirizados, por exemplo. O gasto do orçamento público exige programação, já que é constituído por processos específicos. Deste modo, a depender do período em que os créditos suplementares são liberados ou recursos são descontingenciados, não é possível utilizá-los integralmente frente à limitação de tempo para seguir o ritual legal que deve obedecer à execução do orçamento público pelas mais diversas unidades gestoras.

Considerações Finais

A institucionalidade do ensino superior  brasileiro ocorreu em atendimento às expectativas do capital externo e preservando os interesses de classe da elite dominante. Foi um processo moldado conforme os ânimos do capital, portanto, por muito tempo distante das concepções de direito social e democratizantes. No jogo dialético em que se processa as relações sociais e frente às manifestações da luta de classe, ao longo das décadas foi possível observar alterações no ensino superior, que passou a absorver a classe trabalhadora no corpo discente das universidades através de políticas de cunho compensatórias, que conferiu alguns direitos sociais sob uma perspectiva capitalista. Numa fase de expansão capitalista, o Brasil promulgou legislações que expandiu o ensino superior público e democratizou o ingresso nestas instituições através do REUNI e da Lei de Cotas, respectivamente.

No entanto, conforme destacado neste estudo o desenvolvimento do ensino superior brasileiro sempre este muito atrelado aos ânimos do capital externo nos ciclos de expansão e recessão, assim como aos interesses de classe interno. Assim, a crise mais recente do Capital traz configurações específicas para política de educação nos últimos anos. As universidades públicas sofrem constantes gargalos contra seu orçamento e ataques que tencionam sua autonomia.  

Diante da crise econômica mundial, a posição do Brasil enquanto economia dependente, que tem a frente a partir de 2016 governos ultraliberais, é muito clara. A ordem é desonerar as receitas do Estado, aumentar a parcela do fundo público para o capital e gerar novos espaços de mercantilização para este, de modo a retomar suas taxas de lucros. É nítido que os ataques neoliberais ao ensino superior são estratégias para privatização das universidades públicas do país. O “Future-se”, os cortes orçamentários recentes e a edição de decretos e medidas provisórias que afrontam a autonomia universitária parecem ser os primeiros passos para esse projeto privatizante.

No cenário de crise capitalista mundial, que assume proporções mais nefastas em economias dependentes, como a brasileira, parece não haver mais espaços para as políticas reformistas, nas quais se inscreveu o processo de expansão e democratização do ensino superior público. As medidas governamentais adotadas, sobretudo a partir de 2016 e intensificadas no Governo Bolsonaro, explicitam esse movimento.

A reversão desse quadro só será possível dentro de um processo de construção de consciência coletiva, com lutas unificadas, que possibilitem compreender que o retrocesso de direitos atuais nas mais diversas políticas públicas é consequência do sistema capitalista, o qual, em época de crise, expressa sua face mais cruel através das expropriações de direitos e devastação social e ambiental. O cenário atual entrega todas as contradições do modo de sociabilidade capitalista e evidencia as condições concretas para radicalização da luta de classe e tomada de consciência crítica.

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[1] Assistente Social da Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba.

[2] Professora Doutora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba. Docente do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Coordenadora do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão Comunitária Infanto-juvenil – NUPECIJ da Universidade Estadual da Paraíba.

[3]Behring (2019) classifica o neoliberalismo brasileiro em três momento. O primeiro se inicia no contexto da pós-redemocratização do país e terá mais consistência a partir da elaboração do Plano Real em 1994, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, o documento orientador do ideário neoliberal nesse período será o PDRE de 1995, que institui a contrarreforma do Estado em consonância com as medidas mais duras do consenso de Washington. O segundo período se dá após as eleições presidências de 2002, que elegeu Lula como presidente, estendendo-se pelos próximos 13 anos de governo do PT, no qual houve um deslocamento das medidas mais duras do consenso de Washington e assim um abrandamento do neoliberalismo, sem ruptura com a macropolítica econômica. Por fim, o terceiro momento ocorre no contexto em que se desenvolve o golpe político de 2016. E a partir dele se observa o retorno ao neoliberalismo mais agressivo, em conformidade com as diretrizes em que foram instituídas o PDRE.  

[4] Em junho de 2013, diante do aumento de R$ 0,20 na tarifa do transporte público, eclodiu um movimento restrito na cidade de São Paulo. As manifestações iniciaram de forma isolada, mas, rapidamente, ganharam repercussão pela repressão policial. As mobilizações se manifestaram por todo país e incorporaram outras pautas políticas. Constituem-se como as maiores manifestações de rua, depois do impeachment de Fernando Collor de Melo, em 1992.Já em 2019, diante de repentinos cortes orçamentários nas despesas do MEC e Ministério da Ciência e Tecnologia, com redução de até 30% nas contas não obrigatórias das universidades e institutos federais, os estudantes, profissionais e defensores da educação lideraram grandes mobilizações que tomaram conta das ruas de todo o país, com paralizações nos meses de março e agosto de 2019.


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