O CONFLITO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA DA ORDEM PÚBLICA E DA GARANTIA DA LIBERDADE
1 de março de 2023THE CONFLICT BETWEEN THE PRINCIPLES OF THE SAFETY OF THE PUBLIC ORDER AND THE GUARANTEE OF FREEDOM
Artigo submetido em 22 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 28 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 45 – Março de 2023 ISSN 2236-3009 |
Autor: Fernando Henrique Dutra [1] |
RESUMO: Algumas normas do ordenamento jurídico pátrio, com sentidos opostos, não podem ser aplicadas de forma simultânea. Sendo função do intérprete apresentar uma solução aos casos em que há conflitos de normas, e para isso utiliza de técnicas de soluções de conflitos. O objetivo desse artigo é apresentar técnicas a serem utilizadas pelos intérpretes para solucionar conflitos entre normas, a título de exemplificação, neste artigo, a ênfase recai sobre o princípio da segurança da ordem pública e o princípio da garantia da liberade. Para tanto, adotou-se o método dedutivo a partir de fontes bibliográficas e documentais. Ao fim, conclui-se haver diversas técnicas a serem utilizadas a depender do conflito em análise, assim, inexiste um único caminho padrão capaz de solucionar todos os conflitos, cabendo, portanto, ao intérprete a adoção do método mais adequado ao caso concreto.
Palavras-chave: Norma. Princípio. Regra. Conflito. Solução. Ponderação.
ABSTRACT: Some norms of the national legal system, with opposite meanings, cannot be apply simultaneously. Being the role of the interpreter to present a solution to the cases in which there are conflicts of norms, and for that it uses techniques of conflict solutions. The objective of this article is to present techniques to be used by interpreters to solve conflicts between norms, for example, in this article, the emphasis is on the principle of security of public order and the principle of the guarantee of freedom. For that, the deductive method was used based on bibliographic and documentals sources. Finally, it is concluded that there are several techniques to be used depending on the conflict under analysis, thus, there is no single standard path capable of solving all conflicts, and it is up to the interpreter to adopt the method most appropriate to the specific case.
Keywords: Norm. Principle. Rule. Conflict. Solution. Ponderation.
INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico pátrio existem diversas normas que podem ser aplicadas a um caso concreto. No entanto, algumas delas possuem sentidos opostos e não podem ser aplicadas de forma simultânea. A partir desse cenário é função do intérprete encontrar uma solução para esses atritos.
Diante essas premissas, o presente artigo visa demonstrar de uma maneira objetiva a atuação do intérprete da lei ao se deparar com um conflito entre normas (regras e princípios) e quais providências e técnicas tomar ao enfrentar a dita situação. Utilizando do método dedutivo e de pesquisas bibliográficas.
Para tanto, a presente pesquisa utilizou-se do método dedutivo em análises feitas sobre fontes bibliográficas e documentais.
Primeiramente, tem-se a apresentação da a parte conceitual dos te- mas que abrangem essa problemática, conceitos que orbitam vários ramos do direito, especialmente no âmbito Constitucional, Penal, Processual Penal, e de maneira subsidiária a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.
Em seguida, há uma exposição acerca da recepção dos dispositivos prévios à Constituição Federal e como se deu esse acolhimento das normas pré-constitucionais, versando sobre questões de revogação das normas que já não são compatíveis com a nova Carta Política, e, discorreu-se sobre as possíveis situações que geram conflitos entre as normas do ordenamento jurídico pátrio, inclusive, entre normas infraconstitucionais, e as possíveis técnicas de solução de conflito.
Por fim, disserta-se sobre as técnicas que visam solucionar conflitos entre princípios constitucionais, e sua aplicação no caso concreto no intuito de resolver e o conflito e ao mesmo tempo manter a harmonia do ordenamento jurídico. Especificamente sobre o princípio da garantia da liberdade e o dever de punir do Estado.
Além do resumo e da introdução, o presente artigo conta com um tópico destinado à definição das normas, princípios e regras, bem como um para o conflito entre normas constitucionais e, ao fim, tem-se as conclusões e referências.
1 NORMAS, PRINCÍPIOS E REGRAS
Previamente, faz-se necessário observar que a palavra “norma” é plurissignificativa, ou seja, apresenta diversos significados a depender do contexto e da ciência em que está sendo usada.
No âmbito do Direito, a norma em sentido jurídico corresponde a um preceito de comportamento cogente, abraçado pela ordem jurídica da sociedade em que se encontra. As normas jurídicas se subdividem em duas espécies, são elas: princípios e regras; nesse sentido:
Em regra geral, tanto a regra como o princípio são vistos como espécies de normas, uma vez que ambos descrevem algo que deve ser. Ambos se valem de categorias deontológicas comuns às normas – o mandado (determina-se algo), a permissão (faculta-se algo) e a proibição (veda-se algo). (MENDES e BRANCO, 2015, p.72)
O significado da palavra princípio, da mesma forma que a “norma” possui mais de uma definição. Os princípios no ramo jurídico atuam como um norte, guiando a elaboração, a interpretação e a aplicação das normas no ordenamento jurídico vigente.
Os princípios têm o condão de contaminar todas as normas jurídicas seja infraconstitucional ou não, fazendo com que estas sejam usadas em consonância com os princípios regentes de um Estado Democrático de Direito.
Sendo assim, entende-se que princípios são apontamentos centrais do sistema, exercendo a função de sustentáculo, emitindo preceitos que atingem as normas, consequentemente, sintonizando as normas-regras com os vetores principiológicos, harmonizando, portanto, o sistema jurídico. Sobre o tema, tem-se que os princípios:
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] núcleos de condensações ‟nos quais confluem valores e bens constitucionais”. Mas, como disseram os mesmos autores, “os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional. (SILVA, 2005, p.92)
No tocante a outra espécie de norma, ou seja, a regra, esta apresenta, como principal característica, o seu escopo mais restrito em relação à outra modalidade de norma, o princípio.
A regra tal como a norma-princípio tem sua atuação voltada para estipulação daquilo que é devido, permitido e proibido aos componentes de determinada sociedade. Entretanto, apesar de apresentarem pontos de convergência, princípios e regras não se confundem.
Para distinguir as espécies que compõem a norma (em sentido amplo) é necessário apelar para o uso de critérios. Segundo leciona Alexy (2015, p.87) existem vários critérios que distinguem regras e princípios, e que, o critério mais comum é o da generalidade do alcance das normas, em que os princípios são mais amplos que as regras.
Não obstante, há outros critérios tais como o da determinabilidade dos casos de aplicação, a forma pela qual se deu seu surgimento, e outros mais.
Assim, em suma, os princípios podem ser realizados em graus diversos, por outro lado, as regras são espécies de normas que não admitem satis- fação em grau tal como a outra espécie de norma, as regras são satisfeitas ou não, inadmitindo, portanto, sua realização parcial. Tais teses demonstram alguns critérios utilizados na tentativa de distinguir as espécies que compõem a norma.
1.1 Princípio de liberdade
Este princípio traduz a ideia de livre-arbítrio, em que as pessoas podem agir conforme sua autodeterminação. Na esfera do Direito, a liberdade encontra-se positivada no ordenamento jurídico de várias maneiras, seja no direito de ir e vir, na liberdade de expressão e pensamento, na liberdade de se associar e outras mais.
Assim, a liberdade se faz presente nas mais diversas escolhas em que um indivíduo pode realizar diante as opções que lhe são apresentadas. Acerca da terminologia, tem-se:
A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade. (PLÁCIDO e SILVA, 2008, p.476).
Nos ensinamentos de José Afonso da Silva (2005, p.231) a liberdade pode ser dividida em liberdade interna e liberdade externa. A primeira é conhecida também como liberdade subjetiva, é a mera demonstração de vontade do íntimo do homem, ou seja, o livre-arbítrio, diante as opções apresentadas.
Por outro lado, têm-se a liberdade externa ou objetiva, que é a manifestação externa da liberdade subjetiva, todavia, esta deve ser restringida a fim de se observar o equilíbrio social.
Ainda com base nos ensinamentos de Silva (2005, p.233) tem-se que a liberdade está intimamente ligada à autoridade, no sentido de limites, que sempre haverá de existir. A liberdade é, portanto, limitada pelo poder de coação da autoridade. Sendo permitido fazer tudo aquilo que a lei não venha a proibir, a saber:
O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que limitada a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima no sentido de que seja consentido por aqueles cuja liberdade restringe. (SILVA, 2005, p.232)
Conclui-se que os indivíduos são livres, todavia, o direito de liberdade não é absoluto, caso fosse, poderia haver uma desordem na sociedade. Sendo assim, apesar de ser restringido, no ordenamento jurídico brasileiro, tal garantia é limitada pelo princípio da legalidade.
Percebe-se, então, que a liberdade, uma garantia fundamental, sofre restrições. Caso não houvesse limites a liberdade da pessoa, é fácil presumir que a sociedade seria caótica, servindo de peso para restaurar a harmonia da sociedade e impedir a arbitrariedade que pode se instaurar com o livre-arbítrio dos mais fortes sobre os mais fracos.
1.2 Princípio de liberdade
O princípio da legalidade é um limitador da liberdade. No direito brasileiro, o mencionado princípio pode ser encontrado em alguns ramos da ciência jurídica, tais como na esfera penal, constitucional, administrativa e outras mais.
A Constituição Federal em seu artigo 5°, II, dispõe:
Art. 5°: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
[…]
II- Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, […]”. (BRASIL, 1988)
Tal dispositivo elenca o princípio da legalidade constitucional, este atua em duas vertentes, a primeira na limitação das ações dos indivíduos de uma sociedade, se portando de maneira negativa; e tem a segunda vertente que age de forma positiva, ao impor aquilo que deve ser feito ou obedecido. Tanto o Estado quanto os particulares estão sujeitos ao princípio da legalidade. Na esfera penal o princípio da legalidade pode ser observado no artigo 1° do Código Penal, que expõe: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há lei sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940).
Tendo por base tal dispositivo e nos ensinamentos de Hungria (1997), nota-se que inexiste direito penal além da legislação, quer dizer, a lei penal está restrita à lei, não sendo possível que eventual lacuna possa ser suprida pelo juiz.
A tipificação penal é localizada expressamente no texto das legislações. Há de ressaltar que o princípio da legalidade dá segurança aos cidadãos, no sentido de saber quais ações sofrerão ou não represálias.
Acerca da temática:
Com a abolição do sistema de enumeração taxativa dos crimes ou com licença para o arbitriu, judicis ou a analogia na incriminação de fatos e irrogação de penas, não poderia ser coibida, nos seus requintes e caprichos, a sensibilidade ético-social dos juízes criminais, que seriam naturalmente levados à hipertrofia funcional, pois este é o destino fatal de todo poder incontrolado ou de imprecisas linhas de fronteira. O indivíduo passaria a viver em constante sobressalto, sempre na iminência de se ver sujeito a reação penal por fatos cuja antissociabilidade escapasse ao seu mediano senso de ajustamento à moral ambiente. (HUNGRIA, 1977, p.24)
O princípio da legalidade está presente em diversas áreas do direito, e no âmbito constitucional tem-se a transmissão da seguinte premissa: “em que tudo aquilo que não for proibido é permitido”. Por outro lado, na esfera penal traduz a ideia de que o crime, para assim ser considerado, depende de lei escrita e prévia.
De qualquer sorte, o princípio da legalidade serve como um agente limitador do princípio da liberdade. Uma vez violado o princípio da legalidade, surge para o Estado o Jus Puniendi, a fim de sancionar a conduta do agente.
1.3 Jus puniendi
O termo jus puniendi advém do latim e significa dever de punir do Estado. Com base nos ensinamentos de Lima (2015) o Estado utiliza de seu poder legislativo para elaborar leis, consequentemente, impor sanções àqueles que porventura agem de maneira a transgredi-las.
Ao agir em violação à lei, “nasce” para o Estado o direito de punir os transgressores em uma esfera abstrata, no entanto, assim que o particular vier a realizar uma conduta delituosa tipificada na lei penal, o direito de punir deixa a esfera abstrata e passa ao plano concreto, no intuito de punição do suposto transgressor, nesse viés:
Através da pretensão punitiva, o estado procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigando a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de se abster se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena. (LIMA, 2015, p.37)
Evidentemente que para se tenha o jus puniendi e aplicar a sanção ao infrator é necessário a observância do devido processo legal. Portanto, para a real concretização do jus puniendi antes é preciso o trâmite de um processo penal em que seja assegurado a ampla defesa e o contraditório, para que ao final do processo o juiz profira uma sentença que seja respaldada pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade.
1.4 Princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade
Este princípio, tal como os demais já mencionados, serve como um norte para os julgadores. A razoabilidade ou proporcionalidade em sua essência é um meio termo, as decisões dos intérpretes devem ao mesmo tempo aplicar a lei e resguardar o direito das partes, exercendo uma interpretação equilibrada.
Nos ensinamentos de Gilmar Mendes (2015), a discricionariedade apresenta a ideia de liberdade e também de limitação, assim ter-se-ia uma decisão considerada legítima se proferida entre as balizas dos limites e das liberdades, permitindo ao intérprete certa margem de escolha.
O princípio da razoabilidade, conforme leciona Luís Roberto Barroso (2013, p.328) é um instrumento usado para aplicar normas, como uma ferramenta de medida. O julgador usa do princípio da razoabilidade ao interpretar as demais espécies de normas.
Ainda com base nas lições de Gilmar Mendes (2015, p.225), o princípio da proporcionalidade leva em consideração os elementos da necessidade e da adequação. A adequação corresponde ao uso da intervenção judicial de maneira adequada para alcançar os objetivos almejados.
No tocante ao elemento da necessidade este emite a ideia de que o meio necessário é aquele que não é oneroso e é adequado. Assim, a adequação está relacionada ao meio escolhido que deve ser adequado ao fim visado. E a estrutura da necessidade faz menção a utilização do meio menos oneroso e somente quando de fato for necessário.
Por fim, tem ainda a proporcionalidade em sentido estrito, que muito se assemelha à ponderação, há de utilizar o meio ponderado ao fim “[…]apontando a justeza da decisão” (MENDES, 2015, p.227).
2 NORMAS, PRINCÍPIOS E REGRAS
As regras são espécies do gênero norma e dispõe sobre os mais variados temas e, assim como as normas, as garantias e princípios/direitos fundamentais, também podem colidir entre si. Ademais, ainda neste capítulo ter-se-á a menção à recepção das normas anteriores à Constituição.
2.1 Recepção do código penal e processo penal pela constituição federal de 1988
De acordo com Sarlet (2013), há de se considerar além da supremacia da Constituição Federal em termos hierárquicos, também a continuação do ordenamento jurídico, assim, entende-se que as normas anteriores à Constituição permaneçam em vigor, de modo a serem consideradas recepcionadas.
Sendo assim, a priori, as normas infraconstitucionais prévias à Constituição Federal de 1988, são consideradas válidas, ou seja, recepcionadas, até que se profira entendimento em sentido contrário. Nesse sentido e com base na palavras de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (apud SARLET, p.202), a nova Carta Política passa a ser o fundamento do mais recente ordenamento jurídico, e que, em tese, as normas antecedente deixam de possuir seu fundamento de validade que lhe era fornecida pela antiga Lei Maior, e a nova Constituição, automaticamente concede às normas anteriores outro fundamento de validade, mantendo a validade delas.
Tendo como respaldo os ensinamentos de Sarlet (2013), a compatibilidade da legislação infraconstitucional anterior com as novas normas constitucionais, é o pressuposto necessário para assegurar o vigor e a produção de efeitos daquelas. Evidentemente, que por se tratar de um novo fundamento ao ordenamento jurídico, a interpretação das normas recepcionadas deve ocorrer tendo a nova Carta Política como paradigma.
No Brasil, o Código Penal é de 07 de dezembro de 1940 e, o Código de Processo Penal é de 03 de outubro de 1941, assim, ambos anteriores à Constituição, foram recepcionados, portanto, foram consideradas compatíveis com esta.
Por serem compatíveis, o Código Penal e o Código de Processo Penal, devem ser interpretados em conformidade com o que dispõe o texto Constitucional. A ideia de recepção remete-se a Kelsen (1998), que apontava que as normas anteriores compatíveis com a nova Constituição permaneceriam vigentes, evitando lacunas, é o que se vê, pois:
O importante, então, é que a lei antiga, no seu conteúdo, não destoe da nova Constituição. Pouco importa que a forma de que o diploma se revista não mais seja prevista no novo Texto Magno. Não há conferir importância a eventual incompatibilidade de forma com a nova Constituição. A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum), sendo, pois, irrelevante para a recepção. (MENDES, 2015, p.109)
No tocante à recepção e nos ensinamentos de Mendes (2015), para que ocorra a recepção é necessário observar apenas o conteúdo material e não o aspecto formal. Desse modo, portanto, o procedimento formal de uma norma pré-constitucional não é considerado no processo de recepção. Assim, verifica-se que a matéria penal e processual penal são harmônicas com a nova Lei Maior.
2.2 Direito versus garantia
Nas palavras de Barbosa (apud SILVA, 2005, p.186) uma coisa são os direitos, outra as garantias; pois devemos separar, “no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.
Em uma primeira visão, a doutrina emprega que uma garantia constitucional se trata de uma forma de reconhecer os direitos fundamentais, assim, a garantia é uma maneira de observar e respeitar a aplicação dos direitos. Eis que garantia é o mecanismo para assegurar o exercício dos direitos.
Quanto ao direito, segundo Plácido e Silva (2008) é uma fonte de onde advém as normas, que devem ser obedecidas pelos indivíduos de uma sociedade e que não se pode desobedecer sem que haja uma represália.
2.3 Antinomia entre normas infraconstitucionais
Com base nas lições de Diniz (1998, p.19) a antinomia é configurada quando se faz presente o conflito entre duas normas em que não é sabido qual das normas conflitantes será aplicado ou não a um determinado caso.
A antinomia pode se manifestar de maneira aparente, ou real. Há de ressaltar que as antinomias só podem ocorrer entre normas, jurídicas e pertencentes a um mesmo ordenamento, do contrário não haveria que se falar em antinomia.
Segundo as lições de Diniz (1998, p.25), a antinomia real se dá quando não se faz presente no ordenamento jurídico critérios normativos suficientes para solucionar o atrito, assim, faz-se necessário para resolução do conflito, que se elabore uma nova norma.
Sendo assim, para identificar um conflito real basta observar se inexistem critérios capazes de resolver o conflito, do contrário estar-se-á diante uma antinomia aparente. Em contrapartida, a antinomia aparente ocorre quando em um primeiro momento as normas se colidem, todavia, em uma análise aprofundada é possível solucionar tal conflito utilizando de alguns critérios.
Ainda que inexistam critérios suficientes para solucionar a antinomia real naquele momento, a elaboração de uma nova norma que permita a prevalência de uma das normas conflitantes, é uma possível ferramenta de solução efetiva, bem como o uso da analogia, costumes e princípios gerais de direito.
O artigo 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Mesmo diante um caso de difícil solução, o juiz, não pode deixar de proferir sua decisão. Então, é perceptível que perante uma lide, o intérprete possa utilizar-se de analogia. Sobre a analogia, há a seguinte definição:
Trata-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um preceito legal a caso não diretamente compreendidos na descrição legal. O juiz pesquisa a vontade da lei, para transportá-la aos casos que a letra do texto não havia compreendido. (VENOSA, 2013, p.23).
Se, todavia, a analogia não for suficiente caberá ao intérprete recorrer aos costumes, para assim tentar solucionar o conflito que diante ele se encontra. E, por fim, quando os costumes forem insuficientes para o desenrolar da lide, o julgador irá socorrer-se nos princípios gerais do direito.
2.4 Solução de antinomias aparente
Primeiramente, com base nos ensinamentos de Diniz (1998, p.23) no tocante às antinomias aparentes essas só terão lugar se as normas conflitantes forem pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico e que estejam vigentes no mesmo período. Somente assim, poder-se-á falar em antinomia.
Em contrapartida à antinomia real, o conflito aparente é solucionado por critérios normativos, quais sejam, hierarquia, cronologia e especialidade. Bastando então que diante uma antinomia aparente, o intérprete utilize-se dos critérios acima mencionados para atingir o desfecho da lide.
O primeiro critério, hierárquico, é centrado na hierarquia que existe entre as normas. Verifica-se que é possível o conflito entre normas e que estas podem ser de hierarquias diversas e, consequentemente, será um atrito aparente, pois, a que estiver no patamar superior irá prevalecer sobre as outras.
Sobre o princípio da hierarquia, esclarece-se que:
O princípio lex superior quer dizer que em um conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de um nível mais baixo. […]. Portanto, a ordem hierárquica entre as fontes servirá para solucionar conflitos de normas em diferentes escalões […]. (DINIZ, 1998, p.35)
O segundo critério, da cronologia, há de ser aplicado quando o primeiro critério não for capaz de solucionar o conflito. Sendo, portanto, outra solução para as antinomias aparentes. Utilizando das lições de Diniz (1998, p.35) “O critério lex posterior derogat legit priori significa que de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última prevalece sobre a anterior”; em síntese, a lei posterior prevalece sobre a anterior.
Por fim, quando os critérios da hierarquia e da cronologia se mostrarem infrutíferos, caberá ao terceiro deles: o da especialidade, desatar a incompatibilidade aparente. Em síntese, entre normas de mesma hierarquia e de mesma cronologia, caberá à norma mais específica, que é aquela dotada de elementos comuns e especializantes, resolver a antinomia.
Em resumo, em razão da amplitude de normas vigentes no ordenamento jurídico, é evidente que algumas normas infraconstitucionais possam entrar em conflito diante um caso em concreto, sendo assim, surgem as antinomias que se apresentam de maneira real ou aparente. As antinomias aparentes, diferentemente das antinomias reais, são solucionadas pelos critérios da hierarquia, cronologia e especialidade.
3 CONFLITO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS
Diferentemente do conflito normativo infraconstitucional em que há a presença de critérios suficientes para dirimir o conflito, as normas constitucionais, quando conflitantes, não gozam da mesma sorte.
Assim, faz-se necessário a utilização de técnicas e não mais de critérios para solucionar eventual colisão. Vale ressaltar que normas são compostas por princípios e regras, e aqui, tratadas em sob a ótica constitucional.
3.1 Conflito entre princípios e regras constitucionais
As regras e os princípios são espécies do gênero norma, e ambas apontam diretrizes, todavia, os apontamentos em certos casos podem se colidir e, nesse caso, se não for possível a aplicação harmônica delas, faz se necessário apresentar respaldos para que um princípio ou uma regra prevaleça sobre o conflitante.
Vale ressaltar que nas lições de Alexy (2005, p.87), os princípios e regras constitucionais são diferenciados por alguns critérios, dentre eles, o da generalidade. Tendo por base o critério da generalidade, os princípios são mais genéricos que as regras.
Sobre o critério da generalidade, sabe-se que:
Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações especificas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. (BARROSO, 2009, p.352)
Outro critério de diferenciação é o chamado “tudo ou nada”, segundo este, as regras são aplicadas em sua totalidade, ou, em nada são aplicadas. Em contrapartida, os princípios são mais versáteis, permitindo sua aplicabilidade de maneira parcial/fragmentada.
Ainda os princípios se qualificam como mandamentos de otimização, diferenciando-os da outra espécie de norma. Os princípios indicam a sua efetivação na maior extensão possível diante a situação jurídica e fática ali presente. Em relação à aplicação dos princípios, tem-se que são:
[…] por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (ALEXY, 2015, p.90)
Os atritos entre as normas podem se desenvolver em âmbitos variados, normas constitucionais podem colidir com normas infraconstitucionais, por sua vez, estas podem se colidir com outras normas infraconstitucionais e, ainda, aquelas constitucionais, não mais raro, entram em conflito com outras que também estão dispostas na Constituição.
Se o conflito se der entre uma norma constitucional e outra infraconstitucional, por questões de lógica hierárquica, a norma infraconstitucional deve ser afastada, sucumbindo perante a norma constitucional. Caso o conflito se dê entre normas infraconstitucionais, a solução será dada pelos critérios tradicionais de solução de antinomias, quais sejam: a hierarquia, a cronologia e, por fim, a especialidade, determinando assim qual das regras conflitantes irá prevalecer.
Por outro lado, quando o conflito for protagonizado por normas constitucionais, os critérios tradicionais de solução de antinomias são incapazes de resolver o atrito, resta, assim, ao intérprete utilizar a técnica de ponderação, com o suporte da proporcionalidade e razoabilidade, para atingir uma solução de determinado conflito.
3.2 Conflitos entre princípios, e conflitos entre direitos fundamentais
A liberdade e a segurança da ordem pública são em um Estado Democrático de Direito, princípios. São nortes do ordenamento jurídico e ainda agentes reguladores do convívio de uma sociedade. Tais princípios apresentam ideias que a priori podem ser antagônicas.
Assim, é assegurado aos indivíduos a liberdade, todavia, esta não é plena, ao ser praticado um ilícito penal tal liberdade poderá sucumbir perante a segurança da ordem pública. O embate é composto pela liberdade individual de um lado e, no sentido oposto, pela segurança coletiva.
A liberdade como princípio é determinada pela possibilidade do exercício do livre arbítrio particular dentro dos parâmetros não proibidos da ordem jurídica positivada. A segurança coletiva é vista como princípio também, pois, é um dos vetores constitucionais destinado a assegurar um Estado seguro aos seus membros.
Ressalte-se que, não raros são os princípios e direitos fundamentais que transmitem valores essencialmente semelhantes, sobre o tema:
Esse fenômeno – a colisão de direitos fundamentais – decorre da natureza principiológica dos direitos fundamentais, que são enunciados quase sempre através de princípios. Como se sabe, os princípios, ao contrário das regras, em vez de emitirem comandos definitivos, na base do “tudo ou nada”, estabelecem diversas obrigações (dever de respeito, proteção e promoção) que são cumpridas em diferentes graus. (MARMELSTEIN, 2009, p.369)
Desta maneira, em certas situações direitos fundamentais se confundem com princípios, pois, podem apresentar em sua gênese vetores comuns. Em se tratando de um Estado Democrático de Direito, o próprio Estado está sujeito às normas, assim, o Estado tem o direito-dever de assegurar a liberdade das pessoas que nele se encontram e o direito-dever de sancionar aqueles que venham a transgredir a lei.
Quando o Judiciário se deparar com um conflito de direitos fundamentais/princípios, será necessário o uso da técnica de ponderação. Sobre o tema:
Todas as situações envolvendo o fenômeno da colisão de direitos fundamentais são de complexa solução. Tudo vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto e das argumentações apresentadas pelas partes do processo judicial. Daí por que é preciso partir para a ponderação para solucionar esse conflito. (MARMELSTEIN, 2009, p.368)
É notável que face a tal conflito, inexista uma fórmula pré-estabelecida composta por todas variáveis capazes de indicar precisamente qual dos princípios constitucionais/direitos fundamentais irá sobressair, pois, a depender do caso, dos fatos, das partes, dos direitos, das provas, da argumentação e da interpretação, a sentença proferida poderá aderir a um, ou outro, entendimento.
3.3 Técnica da ponderação/princípio do balanceamento (balancing)
O Poder Judiciário a fim de solucionar um conflito de interesses, poderá utilizar-se da técnica de Ponderação, principalmente, ao se deparar com o embate de normas constitucionais com sentidos colidentes que possam incidir em um dado caso.
Conforme ensina Barroso (2013, p.360), a subsunção era a técnica comumente utilizada ao aplicar o Direito. Tal técnica é pautada no silogismo, que se trata de um raciocínio lógico e dedutivo, centrado no encaixe de premissas, em suma, a premissa menor (ou seja, os fatos) se amoldam à premissa maior (norma), ocorrendo assim a aplicação de norma no caso.
Ainda com base no pensamento de Barroso (2013) a subsunção segue um caminho unidirecional, quer dizer, mesmo que presente vária premissas maiores apenas uma delas seria aplicada, não utilizando, portanto, as demais. O descarte das outras premissas maiores é justificada com a observância de alguns critérios, a saber, hierarquia, cronologia e especialidade; acerca do tema:
Destarte, são insuficientes os critérios tradicionais hierárquico, cronológico e da especialidade apresentados pelo ordenamento para a solução das tensões ou das antinomias existentes na Constituição, havendo a necessidade de metacritérios ou técnicas interpretativas especiais para resolver tais conflitos de direitos fundamentais. Um destes critérios ou técnicas é o chamado princípio do balanceamento ou do Contrapeso de bens e valores. (PEIXOTO, 2009, p.158)
Entretanto, a subsunção não é por si só plenamente eficaz para solucionar conflitos entre princípios constitucionais/direitos fundamentais; como se vê, posto que:
Por muito tempo, a subsunção foi raciocínio padrão na aplicação do Direito. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma – incide sobre a premissa menor – os fatos –, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Como já assinalado, esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do Direito. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais. (BARROSO, 2013, p.360)
Em razão disso, a ponderação (ou balanceamento) passou a assumir o encargo árduo de apresentar uma solução racional e controlada acerca do embate principiológico a fim de harmonizar a coexistência das normas presentes ao ordenamento jurídico pátrio.
De acordo com Peixoto (2009) o princípio do balanceamento pode ser dividido em: a) Balanceamento em sentido amplo; b) Balanceamento em sentido estrito. A distinção de ambos se encontra na área de atuação, sendo que o primeiro concentra sua atuação em níveis abstratos e, o segundo atua no caso concreto.
Sobre o balanceamento em amplo sentido e em sentido estrito, há:
O que se denomina balancing em sentido amplo ou Güterabwagung consistiria na aplicação do chamado inversions methode, segundo o qual se reconduziria uma dada situação, ato ou norma a um valor constitucional para, contrapensando-o com outros valores, determinar o conteúdo de uma nova. Já o balancing em sentido estrito ou consistiria na decisão acerca da constitucionalidade ou não de uma norma em vista dos interesses em concreto. (PEIXOTO, 2009, p.161)
Em síntese, o balanceamento em amplo sentido trabalha com abstrações utilizando de equilíbrio entre vetores constitucionais, em contrapartida, o balanceamento em sentido estrito trabalha na concretude do caso apontando o peso de cada valor em conflito e assim realizar o seu contrapeso, assim, a depender do caso, um princípio pode apresentar peso superior ao outro. Nota-se, portanto, que não há hierarquia entre princípios, sendo sua preponderância analisada no caso concreto.
Assim, Barroso (“apud” PEIXOTO, 2009, p.163):
Na colisão de normas constitucionais, especialmente de princípios – mas também, eventualmente, entre princípios e regras e entre regras e regras – emprega-se a técnica da ponderação. Por força do princípio da unidade, inexiste hierarquia entre normas da Constituição, cabendo ao intérprete buscar a harmonização possível, in concreto, […]
Em apertada síntese, Barroso (2013) afirma sobre a possibilidade de caracterizar a técnica de ponderação como um raciocínio a ser desenvolvida em três etapas. Assim, diante a colisão de normas Constitucionais, por serem hierarquicamente equivalentes, a solução é encontrada no processo de ponderação.
Na primeira das etapas, conforme leciona Barroso (2013), o julgador tem a função de localizar no ordenamento as normas que são relevantes a solucionar a lide e ao mesmo tempo detectando possíveis conflitos entre as normas. Ainda nesta etapa, há de se fazer um trabalho saneador; agrupando as normas que apontam uma solução a fim de fundamentar os argumentos. A parte do agrupamento tem por objetivo facilitar a comparação entre as normas conflitantes, encerrando então a primeira etapa.
Quanto a segunda etapa do processo de ponderação, caberá ao intérprete analisar o fato e suas particularidades, em seguida examinar como se dá a interação do fato com as normas. Em síntese, nesta etapa, as normas conflitantes afastarão do mundo abstrato e, observadas perante a tangibilidade do caso, assim, ter-se-á a claritude e o alcance das normas e ainda o alcance das normas e seu impacto no caso.
Até a terceira etapa o trabalho é feito com ênfase na identificação e no escopo das normas conflitantes, no entanto, esta fase tem por foco a decisão do intérprete. Nesse viés, tem-se que:
[…] nessa fase dedica à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. (BARROSO, 2013, p.362)
Sendo assim, em seguida, ter-se-á a valoração de cada agrupamento e a fundamentação substancial que levou o julgador a atingir aquele resultado, possibilitando a ampla defesa e o contraditório sempre com observância do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.
Vale ressaltar que durante todo o processo, o intérprete, estará sob influência de sua bagagem de subjetivismo, motivo pelo qual a fundamentação utilizada na terceira etapa adquire grande destaque.
Sobre a finalidade do princípio do balanceamento, Valeschka e Silva Braga (apud PEIXOTO, 2009, p.163):
O método da ponderação, portanto, serve para garantir a convivência de “antagônicos” interesses constitucionalmente protegidos, através da análise ao peso relativo de cada um dos princípios em colisão, em tese aplicáveis e aptos a fundamentarem decisões em sentidos opostos.
A técnica da ponderação atua quando o raciocínio lógico dedutivo da subsunção não for suficiente e, ao mesmo tempo, os critérios tradicionais para a solução de antinomias também o forem, e houver a necessidade de prevalecimento de uma norma ante a outra, ou aplicação de ambas em graus diversos para manter uma solução harmônica e adequada para aquele determinado caso.
3.4 A ponderação no habeas corpus 126.292
No caso do presente habeas corpus, o réu havia sido sentenciado a uma pena de 05 anos e 04 meses, em reclusão, com a possibilidade de em liberdade recorrer. Em razão disso, a Defesa optou por recorrer, todavia, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento com a consequente expedição de mandado de prisão. Posteriormente com impetração do habeas corpus ao Supremo, houve a alegação que a prisão decretada fora desmotivada, consistindo em constrangimento ilegal, afinal, o douto magistrado de primeiro grau havia permitido a possibilidade de recorrer em liberdade. A sentença foi pela prática do crime previsto no art.157 parágrafo 2°, I e II.
Os princípios são espécies de normas jurídicas que podem (em sentido contrário das regras) ser aplicados em graus diversos. No embate das normas constitucionais de liberdade e a segurança da ordem pública, ambas, em uma podem ser aplicadas na solução de uma lide, ainda que uma delas se destaque, porém, sem resultar em desarmonia.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus 126.292 São Paulo, em termos técnicos fez o uso do princípio do Balanceamento. A decisão da corte permite o cumprimento da pena após a sentença proferida por tribunal de segunda instância.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA APÓS JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU.
A segurança da ordem pública nesse caso estava em conflito com o princípio da liberdade, aquela buscava assegurar a aplicação do ius puniendi estatal repressivamente ao punir o suposto autor de um ilícito penal e preventivamente ao elencar uma sanção para eventuais transgressores.
Por outro lado, a liberdade era a outra protagonista do conflito, afinal, só há de cumprir pena aquele que for o autor de eventual infração e a autoria da infração até o presente momento se dava com o trânsito em julgado, é o que dispunha o artigo 5°, LVII da Constituição Federal “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O artigo 5°, LVII da Constituição Federal traduz o princípio da não culpabilidade. Isto é, o agente deixaria de ser tratado como suspeito e seria considerado autor com o trânsito em julgado, que consequentemente realiza a coisa julgada, nos moldes do artigo 502 do Código de Processo Civil “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
A utilização do raciocínio da subsunção não era adequada para solucionar o atrito das normas aplicáveis a decisão do remédio constitucional em questão, afinal “Como já assinalado, esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do Direito. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais” (BARROSO, 2013, p.360).
O Supremo Tribunal Federal ao decidir sobre o HC 126.292, acatou a possibilidade de execução da pena após o julgamento de segundo grau, o paciente no Habeas Corpus mencionado deveria dar início a execução da pena sem que fosse tecnicamente considerado culpado.
Com a decisão, é notável a relativização dos princípios conflitantes. A liberdade que até então era assegurada até o trânsito em julgado no âmago do princípio da não culpabilidade (artigo 5°, LVII da Constituição Federal) foi relativizada, sendo protegida até a decisão de segundo grau.
Em contrapartida, o vetor da segurança da ordem pública ganhou destaque nessa decisão, uma vez que houve a ampliação de seu alcance. Em razão disso, o ius puniendi estatal teve sua atuação antecipada com o aval da decisão proferida em segundo grau.
A ponderação na decisão da Suprema Corte brasileira inovou ao dar uma nova interpretação conforme ao conceito de trânsito em julgado; considerando-o como o momento em que a matéria/mérito da decisão não possa ser mais discutida.
Com o novo entendimento acerca do significado do trânsito em julgado proferida pelo STF, o artigo 283 do Código de Processo Penal, não foi interpretado em sua literalidade, a saber:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, 1941)
Houve, portanto, a substituição do sentido literal do dispositivo, pela interpretação do Supremo Tribunal Federal para aquele caso específico. Em síntese, o trânsito em julgado foi antecipado para o momento em que o acórdão é proferido.
Diante à complexidade do caso, a insuficiência da subsunção, e o conflito das normas constitucionais, coube ao Tribunal Supremo decidir esse embate utilizando a técnica da ponderação e, ao final chegou a uma decisão capaz de aplicar os princípios conflitantes em intensidades diferentes, assegurando, a harmonia entre eles.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o conteúdo exposto, nota-se que o intérprete no exercício de sua profissão se depara com normas aplicáveis a um caso concreto, todavia, tais normas podem ser conflitantes, restando assim, aquele recorrer às técnicas de solução de embate entre normas.
Primeiramente, percebe-se que inexiste uma fórmula padrão para se solucionar conflito entre princípios/direitos fundamentais. Em contrapartida, quando o atrito se der entre normas infraconstitucionais, existem critérios capazes de resolver o conflito.
Outra conclusão alcançada orbita sobre a temática da recepção de normas pré-constitucionais pela Constituição, em que não se faz necessário levar em consideração os aspectos formais daquelas, bastando, a compatibilidade material entre a norma prévia com o ordenamento posterior.
No tocante as técnicas de solução de conflitos, especialmente em relação a subsunção e a ponderação, verifica-se que ambas convivem no ordenamento jurídico de maneiras autônomas, todavia, são utilizadas em ocasiões diferentes.
Ainda no decorrer do trabalho se fez presente as diversas espécies de normas e os possíveis critérios capazes de distingui-las, bem como as particularidades delas. Em síntese, o ordenamento apresenta grande quantia de normas e, em razão disso, eventuais conflitos normativos ocorrem, restando ao juiz tomar uma decisão para resolver o conflito.
Desta forma, algumas soluções para determinados atritos são apresentados pela própria lei, em outros casos, no entanto, caberá ao intérprete utilizar algumas técnicas não expressas no texto legislativo.
Ademais, apesar da existência de técnicas capazes de solucionar conflitos, a decisão proferida em um caso pode ser completamente diversa de um outro caso com as mesmas normas conflitantes, isto é, não há a padronização de determinada decisão para aplicação em casos futuros com normas conflitantes, tampouco há a vinculação obrigatória a um precedente judicial, como nos casos em que há embate principiológico entre segurança da ordem pública e a garantia da liberdade.
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[1] Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), especialista em Advocacia Trabalhista pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), bacharel em Direito, e pós-graduando em direito e processo penal (LEGALE).