NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO DIREITO ISLÂMICO
25 de novembro de 2025INTRODUCTORY NOTIONS ON ISLAMIC LAW
Artigo submetido em 21 de novembro de 2025
Artigo aprovado em 25 de novembro de 2025
Artigo publicado em 25 de novembro de 2025
| Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: Frequentemente, o estudo do Direito islâmico no contexto acadêmico ocidental concentra-se em análises sociopolíticas e contextuais, em detrimento de uma compreensão profunda de sua estrutura normativa, o que perpetua desinformação acerca do tema. Diante desse cenário, o presente artigo busca remediar a desinformação acerca da matéria, apresentando ao leitor as noções essenciais para compreensão do Direito islâmico. Fundamentado em pesquisa bibliográfica e documental de natureza exploratória, o artigo reconhece o valor do Direito islâmico como um dos sistemas normativos mais culturalmente ricos e estruturados do mundo contemporâneo. Destaca-se o objetivo de apresentar o Direito islâmico como sistema devidamente organizado e consolidado, cuja estrutura transcende percepções estereotipadas ou superficiais de violência e parcialidade. Aborda as fontes primárias (Alcorão e Sunnah), fontes derivadas (Ijma e Qiyaas), bem como o conceito de Ijtihad e as escolas jurídicas (Madhabs), contribuindo para o diálogo intercultural em contexto de pluralismo jurídico contemporâneo.
Palavras-chave: Direito islâmico. Sistema. Noções Essenciais.
ABSTRACT: Often, the study of Islamic law in the Western academia focuses on sociopolitical and contextual analyses, usually to the detriment of a deeper understanding of its normative structure, perpetuating misinformation on the subject. Given this scenario, this article aims to remedy the lack of information on the subject, presenting the reader with the essential notions for understanding Islamic law. Based on exploratory bibliographic and documentary research, the article recognizes the value of Islamic law as one of the most culturally rich and structured normative systems in the contemporary world. It highlights the objective of presenting Islamic law as a properly organized and consolidated system, whose structure transcends stereotypical or superficial perceptions of violence and partiality. It addresses primary sources (the Quran and Sunnah), derivative sources (Ijma and Qiyaas), as well as the concept of Ijtihad and it’s legal schools of thought (Madhabs), contributing to intercultural dialogue in the context of contemporary legal pluralism.
Keywords: Islamic law. System. Essential Concepts.
O Direito islâmico representa um dos mais complexos e culturalmente ricos sistemas normativos ainda em vigor no mundo contemporâneo. Embora intrinsecamente ligado à fé muçulmana, o sistema jurídico islâmico ultrapassa o campo religioso, abrangendo aspectos públicos e privados da vida em sociedade. Sua análise permite refletir sobre o pluralismo jurídico e os desafios da convivência entre diferentes tradições normativas em um mundo globalizado, particularmente relevante em contextos de interculturalismo jurídico.
A necessidade de estudar o Direito islâmico justifica-se pela seguinte realidade: o sistema jurídico islâmico é frequentemente estudado através de lentes estritamente sociopolíticas no contexto acadêmico ocidental, resultado na negligência de sua estrutura normativa fundamental. Essa abordagem perpetua desinformação sobre o tema, especialmente quanto à equivocada rotulação do Direito islâmico como um sistema incompleto, violento e rudimentar. Consequentemente, a disciplina raramente é explorada sob uma perspectiva verdadeiramente jurídica. Em face dessa realidade, torna-se imperioso estabelecer pontos de convergência e divergência entre sistemas jurídicos de matrizes distintas. A compreensão de suas diferenças contribui significativamente para a amplificação do diálogo jurídico intercultural, por vezes prejudicado por noções problemáticas e estereotipadas.
Este artigo propõe-se a examinar os fundamentos essenciais para o entendimento do Direito islâmico, levando em consideração os desafios culturais, linguísticos e sociais inerentes ao tema. Especificamente, persegue-se um objetivo geral, a saber: contribuir para a compreensão do Direito islâmico no contexto da academia jurídica brasileira, oferecendo sistematização de suas noções essenciais. Além disso, estabelecem-se três objetivos específicos: apresentar o Direito islâmico como sistema normativo devidamente organizado e consolidado; esclarecer equívocos e obscuridades recorrentes da visão ocidental acerca do tópico; e demonstrar a complexidade estrutural e a funcionalidade prática do sistema jurídico islâmico.
A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica e documental, de natureza exploratória. O procedimento fundamenta-se em consulta a textos canônicos do Direito islâmico (Alcorão, Sunnah, Hadith, estudos de juristas clássicos), bem como em artigos científicos, monografias e obras acadêmicas referentes ao tema, especialmente literatura em português e inglês que aborde direito islâmico e direito comparado. A seleção de fontes privilegia literatura de referência contemporânea e consagrada, com destaque para obras dos últimos dez anos, a partir de contribuições brasileiras. O procedimento de análise compreende análise sistemática das fontes agrupadas por temática (história, conceituação, fontes normativas, interpretação jurídica, escolas jurídicas), seguida de síntese comparativa com institutos do direito brasileiro.
O artigo está estruturado em sete seções temáticas, que se subdividem, além da introdução e conclusão. A primeira seção aborda a Evolução Histórica do Direito islâmico, contextualizando a Arábia pré-islâmica e o surgimento do ordenamento jurídico islâmico. A segunda seção dedica-se à Conceituação de Direito islâmico, diferenciando entre Direito islâmico lato sensu e stricto sensu. A terceira seção analisa as Fontes do Direito islâmico de forma hierarquizada, abordando as fontes primárias (Alcorão e Sunnah) e derivadas (Ijma e Qiyaas). A quarta seção explica o Ijtihad e a Interpretação no Direito islâmico, elucidando o processo hermenêutico e as qualificações do Mujtahid. A quinta seção analisa o Princípio da Shura no Islã, diferenciando-o da democracia ocidental. A sexta seção apresenta os Madhabs, as Escolas de Jurisprudência, explorando as quatro principais escolas jurídicas islâmicas. A sétima seção oferece síntese conclusiva, reafirmando a complexidade estruturada do Direito islâmico e suas contribuições para a academia jurídica brasileira.
Importante ressaltar as delimitações desta pesquisa. Quanto ao escopo temático, este artigo aborda as noções essenciais e fundacionais do Direito islâmico, sem aprofundamento em ramos específicos como direito penal, comercial ou de família. Quanto à perspectiva apresentada, embora reconheça a pluralidade de interpretações islâmicas (Sunni, Shia, entre outras), privilegia principalmente a perspectiva sunita, sendo esta a corrente predominante globalmente. Quanto ao contexto, apresenta-se o Direito islâmico como sistema teórico, reconhecendo que sua aplicação prática varia significativamente conforme contexto estatal e cultural. Finalmente, quanto ao objetivo pedagógico, visa-se principalmente ao público acadêmico jurídico brasileiro sem experiência em Direito islâmico, oferecendo base sólida para futuro aprofundamento.
Em contexto de globalização crescente, pluralismo jurídico e interculturalismo, a compreensão de sistemas normativos alternativos revela-se fundamental para a formação de juristas contemporâneos. O Direito islâmico não representa mera curiosidade histórica, mas sistema vivo que regula a vida de uma quantidade significativa de pessoas em diversos países. Compreender sua lógica estrutural, fontes normativas e mecanismos hermenêuticos contribui para expansão do diálogo jurídico intercultural, redução de estereótipos e reconhecimento genuíno da pluralidade jurídica mundial. Por estas razões, propõe-se este estudo como contribuição à academia jurídica brasileira, fomentando compreensão mais profunda e respeitosa do Direito islâmico como sistema normativo legítimo e estruturado.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO ISLÂMICO
Linguisticamente, a palavra Arábia refere-se aos povos nativos da região da Península Arábica, atualmente assim denominada. O termo possui raízes no vocábulo árabe “arav” (transliteração), originário do hebraico antigo, que significa deserto ou terra seca. A palavra, portanto, faz menção à estrutura terrestre da península, que compreende majoritariamente desertos e áreas áridas, o que a torna de difícil acesso a estrangeiros e invasores (MUBARAKPURI, 2011, p. 32). Graças a sua posição geograficamente isolada, os povos originários que habitavam a Arábia foram capazes de desenvolver e consolidar uma estrutura normativa e político-social pautada na tradição e nos costumes árabes com nível mínimo de interferência de culturas alienígenas.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA ARÁBIA PRÉ-ISLÂMICA FRENTE AO PANORAMA GLOBAL
As interações entre a Arábia Pré-islâmica e o mundo foram fortemente influenciadas por dois aspectos principais, de um lado a liberalidade de ideias e credos, e, de outro, a posição estratégica nas rotas comerciais. Os árabes da época acreditavam em diversas divindades pertencentes a diferentes tradições religiosas, com as quais as pessoas podiam se comunicar. Esta variedade de ídolos e deuses das mais diversas religiões era reunida dentro e aos arredores da Caaba, que com o passar do tempo tornou-se refúgio para as mais diversas expressões da fé (DIWAN; MALLAM, 2025).
Dessa maneira, a Arábia antiga funcionava simultaneamente como berço das artes e como refúgio para grupos religiosos oprimidos e viajantes, particularmente grupos persas seguidores do Zoroastrismo, tribos cristãs originárias de territórios sob soberania romana, e judeus descendentes de refugiados da Babilônia (DIWAN; MALLAM, 2025).
Outro aspecto significativo que posicionava a Arábia Antiga em destaque no cenário mundial era seu grande desenvolvimento nas ciências humanísticas e práticas comerciais. A partir da expansão do comércio pelas vias marítimas, a Península Arábica passou a ser considerada um dos grandes centros do mundo antigo, consolidando-se como polo cultural, religioso e de excelência nas artes eruditas, exercendo influência global de múltiplas maneiras. Sua influência estendia-se desde a moda, com seus tecidos e estampas singulares, até os níveis mais sofisticados de prosa, poesia e ciências, como a medicina, que alcançavam reputação internacional (MUBARAKPURI, 2011, p. 32).
2.2 ESTRUTURA POLÍTICO-SOCIAL E NORMATIVA DA ARÁBIA ANTIGA
As sociedades árabes da época eram organizadas majoritariamente de forma tribalista, com agrupamentos familiares formados por laços sanguíneos ou, no caso das mulheres em idade adulta, por casamento. Cada tribo possuía seu próprio conjunto de normas, valores e fundamentos que não necessariamente se assemelhavam àqueles estabelecidos pelas tribos vizinhas. Eram inegavelmente patriarcais e consideradas por muitos estudiosos como as unidades mais fundamentais da organização social, política e jurídica daquela era. A lealdade tribal, conhecida como asabiyyah, era primordial, influenciando todos os aspectos da vida dos árabes da época (MUBARAKPURI, 2011, p. 75).
Costumeiramente, diversas tribos coabitavam e formavam uma mesma região. De maneira simplificada, é pertinente compreender cada região como um país em si próprio, na forma federativa de Estado, no qual cada tribo-estado constituiria, portanto, um ente federativo com prerrogativas de autotutela no que diz respeito a sua composição administrativa, normativa e legislativa. Reconhecendo a necessidade de construir pontes diplomáticas para o convívio harmônico entre as tribos de determinada região, os árabes utilizavam de princípios sócio-normativos como honestidade, eloquência, coragem e similares, incrivelmente rigorosos e instaurados no imaginário popular desde muito cedo. Notadamente, o descumprimento desses princípios era punido mais severamente do que infrações estabelecidas por normas-regras formalizadas, a exemplo do adultério entre nubentes. (MUBARAKPURI, 2011, p. 79).
O sistema normativo utilizado na Antiga Península Arábica pode ser classificado com base em cinco características principais, tais como: o consuetudinário, no sentido de ser praticado de forma oral, baseado em costumes; os elementos materiais e sintéticos, retratando apenas assuntos fundamentais do Estado; a dimensão histórica, resultante da evolução de tradições e de fatos sócio-políticos; as questões de estrutura imutável, no sentido de que a organização política tribal era estável (ainda que suas normas específicas variam entre tribos); e, por fim, os elementos jurídicos heterodoxos, admitindo pluralidade política, ideológica e religiosa (MUBARAKPURI, 2011, p. 75).
2.3 O ADVENTO DO ISLÃ E O SURGIMENTO DO DIREITO ISLÂMICO
A disseminação do Islã na Arábia, por meio do profeta Muhammad e seus companheiros de fé, denominados Sahabas (transliteração), tornou-se um marco de mudança fundamental sobre como os povos árabes estruturariam sua sociedade, especialmente no que concerne ao papel do direito e à forma como este seria entendido e aplicado no período pós-islâmico. Talvez não pela primeira vez na história, mas definitivamente de forma sem precedentes, as tribos árabes de toda a Península Arábica submeteram-se a um único ordenamento jurídico unificado, determinado e indivisível.
Esta transformação não apenas implicou mudanças referentes à conduta social a ser regulamentada pelo Estado, mas também na reorganização da forma como a ciência do Direito passaria a ser percebida, fundamentada e aplicada. O Alcorão é considerado, portanto, não apenas como um texto religioso, mas como o marco inicial e fundacional de todo o ordenamento jurídico islâmico (ZAIDAN, 2011, p. 153). Dispositivo este que, frequentemente e de forma equivocada, seria comparado à Constituição Federal brasileira.
Todavia, o Alcorão se assemelha mais a um Vade Mecum, o qual consubstancia um plexo de normas jurídicas, condensando, por exemplo, princípios fundamentais do Direito islâmico em uma única obra revelada.
Enquanto no Direito tribalista a jurisdição era uma competência exclusiva e hereditária dos chefes de tribo, o Direito islâmico passa a defender um sistema fundamentado na noção de que a legitimidade para julgar, interpretar e positivar as normas de direito é competência originária do Profeta de Deus, que, em caso de necessidade ou conveniência, poderia delegar sua autoridade àquele que considerasse mais competente para cumprir a obrigação ou demanda em questão, a exemplo das delegações organizadas para negociar o importante tratado de Al-Hudaibiyyah (MUBARAKPURI, 2011, p. 449).
Esta transição normativa está fundamentada no próprio Alcorão, que estabelece: “Ó fiéis, obedecei a Deus, ao Mensageiro e às autoridades dentre vós! Se disputardes sobre qualquer questão, recorrei a Deus e ao Mensageiro, se crerdes em Deus e no Dia do Juízo Final, porque isso vos será preferível e de melhor alvitre” (Alcorão, Surah An-Nisa, 4:59).[3] Assim, a nomeação para ser titular de poder governamental ou judiciário deixa de adotar o critério sucessório por linhagem sanguínea e passa a implementar parâmetros rigorosos de indicação fundamentados nas normas principiológicas da religião. Essa indicação depende de critérios extremamente rigorosos, pois a estabilidade e a força normativa do Islã encontram-se principalmente no princípio fundamental da preservação e imutabilidade da religião, abrangendo seus textos sagrados, interpretações, costumes e todos os seus demais aspectos.
Este princípio fundamental é reforçado pelo famoso Hadith (transliteração) encontrado na coleção Sunan Ibn Manjah, atribuído à autoridade de Aisha bint Abu Bakr: “Qualquer um que inovar neste nosso assunto [religião], o que não pertence a este, será rejeitado” (AL-QAZVINI, Hadith 14). A lógica subjacente é que, como guardiões do conhecimento religioso, os nomeados devem demonstrar que sua linha de aprendizado – isto é, a cadeia de transmissão (isnad) daqueles de quem receberam conhecimento acerca da religião – remonta até a época do Profeta. Por exemplo, se José fosse indicado para compor o Conselho de Estudiosos, este precisaria demonstrar que aprendeu com Ahmed, que aprendeu com Saleh, que aprendeu com Umar, o qual foi um dos companheiros do Profeta e obteve conhecimento pessoalmente dele.
Este critério de continuidade transmissiva é amplamente reconhecido na tradição islâmica, conforme ilustra o Hadith atribuído a Abdullah ibn Masud, registrado em Jami at-Tirmidhi: “O Mensageiro de Deus disse: Os melhores povos são os da minha geração, depois os da geração seguinte, depois os da geração seguinte posterior. Então virão pessoas depois deles cujo testemunho precede seus juramentos e seus juramentos precedem seus testemunhos” (Jami at-Tirmidhi, Hadith 64 – tradução nossa).[4] Esta passagem evidencia a importância conferida à proximidade genealógica com o Profeta como indicador de confiabilidade na transmissão do conhecimento islâmico, estabelecendo um critério que perduraria ao longo da história jurídica islâmica.
3 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO ISLÂMICO
Semelhante ao que dispõe Nader (2014) caracteriza como ordem jurdica, o Direito islâmico constitui sistema de normas vinculadas entre si por uma fundamentação unitária – neste caso, as revelações islâmicas – formando totalidade coerente de disposições normativas. Para compreender adequadamente este conceito, é necessário diferenciá-lo em duas dimensões fundamentais que, embora interconectadas, possuem características, extensões e aplicações distintas.
A distinção entre Direito islâmico lato sensu e Direito islâmico stricto sensu revela-se, portanto, essencial para uma análise rigorosa e completa do sistema jurídico islâmico, evitando equívocos conceituais que frequentemente prejudicam a compreensão ocidental deste ordenamento.
A palavra Shariah (transliteração do árabe) constitui o termo técnico utilizado para designar o sistema jurídico islâmico em sua forma mais pura e abrangente. Etimologicamente, Shariah origina-se do vocábulo árabe que significa “caminho para a água” ou “lugar onde se bebe água”, refletindo a importância fundamental desta lei para a vida da comunidade islâmica, de modo semelhante à água para a vida no deserto. Em sentido técnico jurídico, Shariah refere-se à legislação religiosa revelada por Deus aos profetas e mensageiros islâmicos através de fontes específicas reconhecidas pela tradição islâmica (ABDUL-WAHID, 2015). Esta legislação abrange não apenas aspectos formalmente jurídicos, mas também dimensões éticas, morais, espirituais e cotidianas da existência dos fiéis muçulmanos.
3.1 DIREITO ISLÂMICO LATO SENSU
O Direito islâmico em sentido amplo (lato sensu) compreende o ordenamento jurídico que emerge da interpretação e aplicação dos ensinamentos islâmicos em sua totalidade, não necessariamente restrito aos códigos legislativos formalizados de Estados específicos. Nesta acepção, o Direito islâmico abrange todas as normas, princípios e diretrizes que emanam da Shariah revelada, constituindo um sistema jurídico que se confunde com a própria religião, na medida em que ambas compartilham as mesmas fontes fundamentais e propósitos normativos (SCHACHT, 1964, p. 78).
O Direito islâmico lato sensu é caracterizado por um dimensão imperativa e vinculante, no sentido de que suas disposições dirigem-se aos fiéis muçulmanos como mandamentos divinos, os quais são inescapáveis. Tanto que a imperatividade do Direito islâmico, conforme conceituado, por exemplo, por Ferraz Junior (2018) em sua análise pragmática das normas, manifesta-se quer no plano psicológico – mediante crença na autoridade divina – quer no plano material – através da coercibilidade exercida por autoridades islâmicas competentes.
Esta natureza se fundamenta na crença islâmica de que a lei provém de Deus e, portanto, possui autoridade absoluta que transcende qualquer decisão política ou consenso humano. Adicionalmente, o sistema é caracterizado por sua pretensão à imutabilidade, já que os ensinamentos contidos no Alcorão e na Sunnah do Profeta Muhammad são considerados revelação divina eterna e perfeita, incapaz de alteração por vontade humana (IBN KATHIR, 2003, p. 93).
A abrangência do Direito islâmico lato sensu é extraordinariamente ampla, contemplando desde questões intimamente relacionadas à fé religiosa – tais como práticas de oração, jejum e peregrinação –, até matérias claramente enquadradas como jurídicas no sentido ocidental, como contratos comerciais, sucessão patrimonial, direitos de família, responsabilidade civil, direito penal, entre outras. Esta universalidade de aplicação reflete a visão islâmica segundo a qual não existe separação absoluta entre religião e lei, entre moral e direito, diferenciando-se fundamentalmente do paradigma ocidental que tende a compartimentalizar estas dimensões (SCHADT, 1964, p. 83).
3.2 DIREITO ISLÂMICO STRICTO SENSU
O Direito islâmico em sentido restrito (stricto sensu) refere-se especificamente às normas jurídicas que foram positivadas e formalizadas em códigos legislativos de Estados que adotam a fé islâmica como referência para seu ordenamento jurídico. Assim, enquanto o conceito lato sensu abrange a totalidade dos ensinamentos da Shariah, o conceito stricto sensu limita-se às disposições que foram materialmente convertidas em legislação estatal e que são aplicadas através de instituições judiciárias oficiais de determinado país. O Direito deixa de ser “puro”, pautado unicamente na religião, e passa a adotar uma espécie de mutabilidade relativa. Embora fundado nos princípios imemoriais da Shariah, o direito legislado pelos Estados islâmicos admite incorporação de elementos externos e adaptação contextual (ROBINSON, 2021).
Adicionalmente, a legislação positivada de Estados islâmicos frequentemente reflete não apenas determinações corânicas ou profética, mas também influências culturais, políticas e ideológicas específicas de cada contexto estatal (NASSER, 2012).
A Arábia Saudita, o Irã, a Indonésia, o Marrocos e a Tunísia, por exemplo, adotam sistemas jurídicos inspirados na Shariah, porém com configurações muito distintas que refletem suas histórias políticas, correntes religiosas dominantes (Sunni ou Shia) e compromissos com tradições jurídicas distintas. Consequentemente, não existe um “Direito islâmico Stricto Sensu” unificado, mas múltiplas manifestações legislativas que compartilham inspiração comum na Shariah, ainda que divirjam significativamente em conteúdo, aplicação e resultados práticos.
3.3 A QUESTÃO DA PLURALIDADE DE INTERPRETAÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES
Um aspecto crítico que emerge da análise de ambas as acepções do Direito islâmico é o reconhecimento de que, por vezes, não existe um único entendimento a todos os muçulmanos. A tradição islâmica reconhece desde os primeiros séculos múltiplas escolas de interpretação jurídica, denominadas Madhabs, cada uma delas desenvolvendo metodologias e conclusões distintas a partir das mesmas fontes fundamentais (Alcorão e Sunnah). Estas escolas, frequentemente coexistindo pacificamente dentro de contextos islâmicos plurais, refletem diferentes abordagens hermenêuticas ao direito sagrado.
A distinção entre lato sensu e stricto sensu, combinada com o reconhecimento da pluralidade interna, possui implicações profundas para como o Direito islâmico, cuja dimensão e profundidade deve ser compreendida e estudada. Em primeiro lugar, a compreensão evidencia que afirmações generalizadas sobre “o” Direito islâmico frequentemente carecem de precisão, tendo em vista que o objeto de análise pode referir-se a realidades muito distintas: a Shariah revelada, compreendida conforme as interpretações plurais da tradição islâmica clássica; ou as legislações positivas contemporâneas de Estados específicos.
Em segundo lugar, evidencia que compreender o Direito islâmico requer simultaneamente conhecimento de seus fundamentos religiosos e das realidades políticas e culturais que moldam sua aplicação prática (HALLAQ, 2009, p. 115).
Conforme analisa Ferraz Junior (2018) acerca de sistemas normativos contemporâneos, o pluralismo jurídico não implica incoerência ou fragmentação, porquanto, antes, representa mecanismo consciente de calibração que mantém coesão sistemática através de múltiplas séries de validação. Analogamente, as Madhabs islâmicas não expressam divisão religiosa, mas diferentes caminhos metodologicamente legítimos de interpretação, mantendo convergência em princípios fundamentais através de reconhecimento compartilhado das mesmas fontes primárias.
Por estas razões, o presente artigo abordará o Direito islâmico em sua dimensão lato sensu, enfatizando seus fundamentos conceituais e suas fontes teóricas, reconhecendo ao mesmo tempo que na prática contemporânea existem múltiplas manifestações deste sistema jurídico, refletindo diversidade de tradições religiosas, contextos políticos e escolhas legislativas estatais. Esta abordagem permite oferecer ao leitor compreensão sólida de princípios fundamentais que transcendem contextos específicos, enquanto reconhece a complexidade e a pluralidade inerentes ao sistema islâmico.
4 FONTES DO DIREITO ISLÂMICO
De forma análoga ao que Nader (2014) e Ferraz Junior (2018) descrevem para ordenamentos ocidentais – nos quais opera princípio hierárquico lex superior estabelecendo subordinação entre normas – o sistema islâmico estrutura suas fontes em hierarquia inequívoca: Alcorão (como norma suprema), Sunnah, Ijma e Qiyaas, funcionando cada nível como mecanismo de calibração para aplicação prática das fontes superiores. A hierarquização destas fontes é fundamental para compreender como o sistema jurídico islâmico estrutura-se e funciona.
Ibn Taymiyyah, um dos maiores estudiosos islâmicos, estabeleceu que todas as fontes originárias e derivadas emanam de uma mesma fonte primordial: ambas o Alcorão e a Sunnah são manifestações da vontade divina, e o consenso dos estudiosos (Ijma) e as analogias (Qiyaas) constituem esforços humanos de interpretação fundamentados nestas fontes primeiras (QASIM, p. 740). A hierarquia estabelecida é: Alcorão, seguido pela Sunnah, compondo as fontes primárias; e abaixo destes, o consenso dos estudiosos e as analogias, compondo as fontes derivadas.
O presente artigo abordará cada fonte em ordem de hierarquia, da de maior para a de menor relevância no sistema normativo muçulmano.
4.1 FONTES ORIGINÁRIAS
As fontes originárias do Direito islâmico, também designadas Usul Al-Ahkam (transliteração), representam o alicerce fundamental sobre o qual repousa toda a estrutura normativa do sistema jurídico islâmico. Diferentemente das fontes derivadas, que emergem de processos de interpretação e raciocínio realizados por estudiosos qualificados, as fontes originárias possuem caráter revelado, derivando diretamente da manifestação da vontade divina aos homens. A importância capital das fontes originárias reside na sua imperatividade dentro da tradição islâmica, porquanto ambas – o Alcorão e a Sunnah – constituem a revelação divina perfeita e imutável, não sujeita a alterações por vontade humana, e servem como ponto de referência inescapável para qualquer análise jurídica no contexto islâmico (HALLAQ, 2009, p. 16-17).
O Alcorão constitui o texto revelado de forma direta ao Profeta Muhammad, sendo a palavra literal de Deus transmitida através de seu mensageiro. A Sunnah, por sua vez, representa a tradição e a prática do Profeta Muhammad, sua metodologia de vida e suas interpretações dos ensinamentos divinos, transmitida através de relatos testemunhais denominados Hadith. Embora ambas as fontes compartilhem do princípio da imutabilidade e preservação que acompanha todos os aspectos da religião, sua forma de apresentação e o processo de sua preservação diferem significativamente. O Alcorão, sendo texto sagrado fixado desde a época do Profeta, apresenta uniformidade textual praticamente absoluta, enquanto a Sunnah, transmitida através de relatos orais posteriormente compilados em coleções escritas, demandou desenvolvimento de metodologia sofisticada de verificação de autenticidade dos relatos (MEDEIROS, 2018, p. 18).
4.1.1 O Alcorão
O Alcorão, para os muçulmanos, é a palavra literal de Deus (Kalam Allah) descida aos homens e transmitida pelo Profeta Muhammad, consagrando-se não apenas como um texto religioso, mas como um guia completo que versa sobre questões espirituais, sociais, políticas e normativas. Compreende 114 capítulos denominados Suratas (transliteração), cada um deles organizado em versículos conhecidos como Ayah (transliteração). Semelhante à Constituição brasileira, o Alcorão é visto como o ponto de partida do Direito islâmico, a norma fundadora e, consequentemente, é a fonte de maior hierarquia. No entanto, em questão de conteúdo, assemelha-se mais à noção de um Vade Mecum, uma vez que compila todas as normas fundamentais do ordenamento jurídico muçulmano, aludindo desde os direitos e garantias fundamentais, a exemplo do dever de gastar em caridade com os vulneráveis (Alcorão, Surah Al-Baqara, 2:215), até os pormenores referentes ao direito privado, como o direito de sucessão (Alcorão, Surah An-Nisa, 4:11).
As normas encontradas no Alcorão podem ser classificadas em duas categorias; Primeiro, as normas de entendimento estrito, ou seja, normas que devem ser aplicadas de maneira literal, exemplificadas pelos comandos de Deus que ordenam oração, encontrada em diversos capítulos do Alcorão. Segundo, as normas que demandam a interpretação dos versículos (Tafsir), realizada por estudiosos seletos que passam suas vidas estudando os textos sagrados. Esta segunda categoria contempla a reutilização de decisões políticas e jurídicas fixadas no Alcorão que, à época da revelação, destinavam-se a um contexto histórico específico, mas cujos princípios podem ser aplicados a contextos contemporâneos diversos. Esta possibilidade de aplicação contextualizada é que permite ao Direito islâmico adaptar-se a novas realidades sem abandonar suas fontes originárias.
4.1.2 Sunnah
A palavra Sunnah (transliteração) possui raízes no árabe e pode ser compreendida como “Tradição”. Vista como uma das fontes primárias do Direito islâmico, a Sunnah refere-se às tradições estabelecidas pelo Profeta Muhammad durante sua profecia, sua metodologia e jeito de vida.
A importância da Sunnah é ressaltada através de uma transmissão atribuída a Malik, coletada pelo Imam Malik em sua obra Al-Muwatta: “O Mensageiro de Allah, que a paz e as bênçãos estejam com ele, disse: Deixo-vos duas coisas que nunca vos desviarão, desde que as sigais: o Livro de Allah e a Sunnah do seu Profeta” (FADEL, 219).
A Sunnah constitui uma espécie pertencente ao gênero Hadith, que se refere aos atos praticados pelo Profeta durante toda a sua vida, mesmo aqueles ocorridos apenas uma vez ou presenciados e narrados por uma única pessoa. A Sunnah vem, portanto, para preencher certas lacunas interpretativas sobre aquilo que está prescrito no Alcorão, a partir da interpretação do próprio Profeta (MEDEIROS, 2018, f. 18).
Existem diversas maneiras de classificar os ditos proféticos; no entanto, para a matér ia do Direito islâmico, a classificação primordial diz respeito ao fato de o Hadith ser aceito ou rejeitado pelos estudiosos. Os Hadiths aceitos (Maqbool) cumprem as condições de aceitabilidade e são adequados para serem citados como evidência. Os Hadiths rejeitados (Mardood) não cumprem estas condições. Adicionalmente, os Hadiths aceitos subdividem-se em duas categorias: Saheeh (cumpre as condições mais elevadas de aceitabilidade) e Hasan (cumpre as condições mínimas de aceitabilidade). Os Hadiths rejeitados classificam-se como Daeef (fraco, não cumpre qualquer condição de aceitabilidade) ou Mawdoo (fabricado, cujo isnad – cadeia de transmissão – inclui alguém tido por mentiroso), segundo (HASAN, 1996, p. 14-18).
Para que um Hadith seja elevado ao nível de uma Sunnah, é necessário que este seja classificado como aceito e se consolide como um ato do Profeta repetido, não ocorrendo de forma isolada. Ademais, deve ter conexão com sua metodologia e estilo de vida, estando em comum acordo com aquilo estabelecido no Alcorão.
É imperioso destacar os critérios de classificação de um Hadith. Primeiro, a continuidade na corrente de narração, uma vez que esta deve ser ininterrupta, e cada um de seus narradores deve ter conhecido pessoalmente o narrador anterior. Ato contínuo, cada narrador deve ser conhecido, pois caso seja anônimo, a corrente será quebrada. Segundo, a integridade do narrador deve ser pessoa de reputação ilibada entre sua comunidade, conhecida por observar o permitido e não cometer muitos pecados. Se o narrador for considerado pouco confiável ou mentiroso, o Hadith automaticamente se torna fraco. Terceiro, a precisão do narrador diz respeito à investigação sobre cada responsável por narrar o Hadith e transmiti-lo adiante, passando por critérios como sua reputação, nível de conhecimento e averiguação de lucidez e maturidade à época da narração. O nível de precisão do narrador decide se o Hadith será Sahih ou Hasan. Quarto, a conformidade, ponto fundamental, é essencial que o Hadith não entre em conflito com aquilo estabelecido no Alcorão ou em outras narrações já pacificadas como verdadeiras. O Hadith não deve conter obscuridades, e todos os critérios supracitados devem ser devidamente investigados, não admitindo-se a classificação de qualquer texto caso ainda restem dúvidas (HASAN, 1996, p. 19-50).
4.2 FONTES DERIVADAS
Enquanto as fontes originárias derivam diretamente da revelação divina, as fontes derivadas do Direito islâmico emergem de processos racionais de interpretação e dedução realizados por estudiosos qualificados da tradição islâmica. As fontes derivadas não possuem caráter de revelação direta, mas representam esforços humanos sistematizados de aplicação e extensão dos princípios estabelecidos nas fontes originárias – o Alcorão e a Sunnah – a fim de resolver questões jurídicas que carecem de normatização específica ou que emergem em contextos históricos posteriores àqueles em que a revelação original ocorreu (HALLAQ, 2009, p. 19-21). Importa ressaltar que, não obstante seu caráter derivado, estas fontes possuem legitimidade e autoridade no sistema jurídico islâmico, desde que fundamentadas adequadamente nas fontes primárias e realizadas conforme metodologia reconhecida pela comunidade islâmica de estudiosos.
A hierarquia entre as fontes derivadas não é absoluta, variando conforme a escola jurídica islâmica considerada. Entretanto, de forma generalizada, o consenso dos estudiosos, denominado Ijma, é reconhecido como a fonte derivada de maior autoridade, seguido pelo princípio da analogia, chamado Qiyaas.
A importância das fontes derivadas reside na sua função de operacionalizar o Direito islâmico. Enquanto o Alcorão e a Sunnah estabelecem princípios, normas e diretrizes de caráter geral ou específico para contextos particulares, frequentemente não cobrem de forma explícita todas as situações jurídicas que emergem na prática. As fontes derivadas, portanto, funcionam como instrumentos de extensão sistemática destes ensinamentos originários, permitindo que o Direito islâmico permaneça vivo e aplicável a diferentes épocas, culturas e circunstâncias, sem necessidade de modificação de seus fundamentos essenciais. Este mecanismo de continuidade através de reinterpretação controlada representa um aspecto sofisticado do sistema jurídico islâmico, demonstrando como um ordenamento baseado em fontes fixas pode paradoxalmente manter relevância prática ao longo de séculos (HALLAQ, 2009, p. 19-21). As próximas seções dedicam-se a explorar em detalhe o funcionamento e as características destas duas fontes derivadas fundamentais.
4.2.1 O Consenso dos Estudiosos – Ijma
Em termos linguísticos, Ijma significa “deliberação e consenso”. A partir da perspectiva do Direito islâmico, Ijma refere-se a um tópico, lide ou problemática sobre a qual os estudiosos do Islã possuem comum e total acordo, abarcando matérias que carecem de explanação pertinentes ao sistema normativo islâmico após a morte do Profeta, de modo que, conforme a função descrita por Ferraz Junior (2018) para consenso em ordenamentos pragmáticos, opera como mecanismo de calibração que legitima decisões jurídicas por meio do reconhecimento comunitário de estudiosos qualificados, convertendo deliberação sistemática em norma válida para comunidade islâmica.
Deve-se notar que a estudiosos (Ulama) não podem concordar com algo que seja contrário a um texto sahih claro e não revogado, haja vista que o consenso dos estudiosos submete-se às fontes originárias do Islã. O consenso dos estudiosos divide-se em dois tipos: definitivo, referente a entendimento pacificado ou que possui prova em si mesmo, sem abertura para possível novo entendimento; e presuntivo, referente a matéria em discussão que pode ser conhecida apenas por meio de pesquisa e estudo, sendo que os estudiosos podem divergir quanto à existência ou não de Ijma sobre questão específica (HALAQ, 1996, p. 22).
De acordo com o Xeique Ibn Taymiyyah, o consenso dos Sahabah (transliteração) – companheiros do Profeta – é considerado como o mais alto grau de autoridade. Quanto ao período posterior aos Sahabah, o Xeique segue a opinião de que, devido às crescentes diferenças entre os estudiosos e à disseminação global do Islã, torna-se impossível verificar o Ijma de forma absoluta (IBN TAYMIYYAH, 2004).
4.2.2 Analogia – Qiyaas
A Analogia (Qiyaas) constitui definitivamente a fonte que mais se assemelha ao direito brasileiro, especificamente ao instituto da analogia reconhecido no Direito Civil. Assim como este, a analogia dentro do Direito islâmico preocupa-se em sanar matérias nas quais nenhuma norma específica existe para regular o caso concreto, suprindo-se a falta de norma com a aplicação de outra que regule hipótese semelhante ou idêntica.
Um exemplo prático dentro do Direito islâmico seria a necessidade de regular a permissibilidade do uso de cigarros eletrônicos. À época do Profeta Muhammad, não havia necessidade de regulamentar esse assunto específico. No entanto, as diretrizes do Islã preliminarmente estabelecem normas como o direito do corpo sobre o indivíduo e a proibição de substâncias tóxicas que possam levar ao vício. Baseando-se em disposição corânica que declara: “Ó fiéis, as bebidas inebriantes, os jogos de azar, a dedicação às pedras e as adivinhações com setas, são manobras abomináveis de Satanás. Evitai-os, pois, para que prospereis” (Alcorão, Surah Al-Maidah, 5:90), a partir da analogia, é possível enquadrar o uso do cigarro eletrônico como algo proibido ao muçulmano, haram.
Outro exemplo seria a compensação por danos sofridos por mulheres em caso de delito. O Alcorão não estabelece porcentagem exata neste cenário; no entanto, possui prerrogativa no direito de herança, ao estabelecer que a parte da mulher é metade da do homem. Assim, por meio da analogia, a compensação da mulher seria a metade que o homem receberia ao ser vítima do mesmo delito ou similar. Este processo de extensão analógica permite que princípios estabelecidos em contextos específicos sejam adaptados a realidades novas, mantendo a coerência interna do sistema (LOSANO, 2007, p. 407).
4.3 OS COSTUMES DENTRO DO DIREITO ISLÂMICO
O princípio básico no que diz respeito aos costumes dentro do Direito islâmico é que eles são permitidos apenas quando não acarretarem obscuridade, conflito ou sejam expressamente proibidos quando comparados à Shariah. Pela sua pouca utilidade e menor relevância, os costumes não são considerados como uma fonte formal do Direito muçulmano, atuando mais como um fator de exclusão do que de validação. Em verdade, a integralização dos costumes dentro do Direito islâmico é rara, principalmente por dois fatores. Primeiro, o advento do Islã, como visto anteriormente, busca romper com o enlace das práticas tribais da Arábia antiga, as quais dependem primordialmente do uso de costumes para manter sua supremacia, e transicionar a sociedade da época para um sistema social-normativo final e imutável. Segundo, o Islã, tanto enquanto religião quanto conjunto regulamentar, abomina a ideia de inovação (bid’ah). Isto significa que qualquer coisa que não seja especificamente mencionada na Shariah, e para a qual não haja daleel (transliteração) – evidência no Alcorão ou na Sunnah – deve ser rejeitada (HANBALI, 2018, p. 3-6).
A lógica por trás desta noção é dupla. Primeiro, haja vista que o Islã é uma religião perfeita e que seu Profeta é o último mensageiro de Deus, entender a inovação de costumes no Islam como algo permitido significaria dizer que existe potencial para melhora na fé, o que tornaria a primeira afirmação incorreta. Segundo, significaria que o Profeta Muhammad é culpado de não conhecer sobre esta inovação, ou que, sabendo dela, não a revelou aos povos (HANBALI, 2018, p. 23). É válido ressaltar que esta noção não abarca inovações mundanas – tais como a criação de celulares ou carros – ou costumes inconsequentes do dia a dia – como o costume de tomar café toda manhã. O enfoque islâmico sobre rejeição de inovação restringe-se especificamente a inovações religiosas e jurídicas que intentem modificar o entendimento dos textos sagrados.
5 IJTIHAD, INTERPRETAÇÃO NO DIREITO ISLÂMICO
O termo Ijtihad (transliteração do árabe) não possui tradução específica para o português, referindo-se fundamentalmente à capacidade de raciocinar de forma independente, sistemática e metodologicamente rigorosa por parte de estudiosos qualificados a fim de derivar decisões jurídicas sobre questões que não se encontram de forma evidente ou explícita nos textos sagrados, o qual, no contexto islâmico, funciona de forma análoga àquilo que Nader (2014) e Ferraz Junior (2018) descrevem para interpretação jurídica em ordenamentos ocidentais, cuidando-se de atividade sistemática e metodologicamente rigorosa que opera tanto retrospectivamente (vinculada às fontes primárias) quanto prospectivamente (orientada para aplicação em contextos contemporâneos), exigindo do intérprete qualificado domínio profundo da tradição e teleologia dos princípios islâmicos.
Trata-se, como vislumbrado acima, de um aspecto central da ciência do Fiqh (transliteração, significando jurisprudência islâmica), permitindo que o Direito islâmico se adapte a novas circunstâncias e desafios contemporâneos, mantendo-se simultaneamente enraizado na orientação divina emanada do Alcorão e da Sunnah (TAHIR-UL-QADRI, 2009, p. 21) O Ijtihad não representa inovação arbitrária ou interpretação caprichosa, mas constitui um processo disciplinado e sistemático de extensão dos princípios islâmicos fundamentais a contextos históricos e sociais nos quais a revelação original não ofereceu resposta explícita (TAHIR-UL-QADRI, 2009, p. 29).
O estudioso que possui a capacidade intelectual, formação adequada e autoridade para realizar Ijtihad denomina-se Mujtahid (transliteração). Qualificar-se como Mujtahid não é privilégio imediato, mas resultado de anos de estudo intensivo e demonstração de competência excepcional em várias disciplinas islâmicas. A tradição islâmica estabeleceu critérios rigorosos que um estudioso deve satisfazer para ser reconhecido como legítimo Mujtahid. Estes critérios não apenas garantem a qualidade das decisões jurídicas emitidas, mas também protegem a comunidade muçulmana de interpretações infundadas ou enviesadas (AHKAAM ISLAM, 2016).
5.1 QUALIFICAÇÕES NECESSÁRIAS DO MUJTAHID
Esclarecido a importância da Ijtihab no processo de desenvolvimento da Sha’ria, torna-se imperioso especificar as qualificações específicas necessárias impostas sobre os juristas responsáveis por executar este aspecto da Lei.
Segundo Hilal e al-Beirawi (2009, p. 146), estudiosos como Abu’ Husayn al-Basri’s,Fakhr al-Islam ‘Ali b. Muhammad al-Bazdawi, `Ubaydullah ibn Mas’ud Sadr al-Shar’iah e outros, compilaram ao decorrer de suas vidas os principais requisitos para que o Mujatahib exerça plenamente a Ijtihad, quais sejam:
O primeiro requisito que um Mujtahid deve satisfazer é ter atingido um elevado nível de competência intelectual sobre os assuntos pertinentes ao Islã e à jurisprudência islâmica. Isto não significa meramente conhecimento superficial, mas domínio profundo e multidimensional dos textos, conceitos e metodologias islâmicas. A competência intelectual deve ser aferida não por autossuficiência, mas através do reconhecimento pela comunidade de estudiosos e pelo público muçulmano informado. Em segundo lugar, o Mujtahid deve ser proficiente na língua árabe. Esta exigência é crítica, pois os textos sagrados – o Alcorão e a Sunnah – foram revelados e transmitidos em árabe, e a precisão de interpretação depende fundamentalmente de compreensão e das nuances da linguagem árabe clássica, incluindo suas sutilezas gramaticais, semânticas e retóricas. A perda de nuances linguísticas através de tradução ou interpretação superficial pode levar a conclusões jurídicas incorretas (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 146-149).
Em terceiro lugar, o Mujtahid deve ser especialista nos versículos do Alcorão, possuindo conhecimento não apenas do conteúdo de cada versículo, mas também da distinção entre aqueles revelados em Makkah (período mais inicial da profecia) em detrimento do Medinah (período posterior), compreendendo as ocasiões específicas de revelação (Asbab Al-Nuzul) e possuindo compreensão completa do conteúdo jurídico pertencente aos versículos corânicos. Quarto, o estudioso deve possuir profundo conhecimento sobre a Sunnah do Profeta Muhammad, incluindo capacidade de distinguir entre diferentes tipos de Hadith, compreender o conceito de ab-rogação (Naskh) na Sunnah (situações em que um mandamento anterior foi revogado por um posterior), e avaliar a confiabilidade dos narradores dos Hadith através de aplicação rigorosa de critérios de autenticidade (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 146-149).
Quinto, o Mujtahid deve possuir conhecimento abrangente sobre o Usul Al-Fiqh (transliteração, significando “princípios da jurisprudência islâmica”), a disciplina que estabelece metodologia sistematizada para derivação de decisões jurídicas a partir das fontes islâmicas. Sexto, deve ter conhecimento extensivo das opiniões, posicionamentos, evidências e metodologias de juristas clássicos e contemporâneos, permitindo compreender o desenvolvimento histórico do pensamento jurídico islâmico e evitar repetição de erros previamente identificados. Sétimo e finalmente, o estudioso deve possuir compreensão vasta de todos os aspectos que compõem a questão ou lide específica sobre a qual pretende emitir parecer; caso contrário, estará proibido de expedir decisão válida. Um exemplo ilustrativo seria que para discutir as implicações jurídicas islâmicas de fertilização in vitro, o Mujtahid deve dominar não apenas a Shariah, mas também compreender o próprio processo biológico de fertilização, podendo consultar especialistas técnicos quando necessário (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 146-149).
5.2 FATAWA: a decisão jurídica do Mujtahid
Após validação rigorosa de todos os critérios supracitados, o estudioso qualificado encontra-se habilitado para expedir o que se denomina Fatawa (transliteração; plural: Fatawas), termo que não possui tradução específica em português, significando essencialmente um parecer ou decisão formal emitido em resposta a uma obscuridade, dúvida ou questão que necessita ser elucidada conforme os princípios islâmicos. É importante ressaltar que os pareceres dos Mujtahids não se limitam exclusivamente a atos ou fatos de natureza estritamente jurídica no sentido ocidental, mas abrange virtualmente qualquer ponto de dúvida pertencente ao entendimento e exercício prático da religião islâmica. Consequentemente, uma Fatawa pode tratar desde questões de homicídio e compensação (matérias claramente jurídicas) até questões aparentemente mundanas como a permissibilidade de comemoração de aniversários ou consumo de alimentos específicos (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 13-15).
Geralmente, o muçulmano comum segue o entendimento do Mujtahid presente em sua jurisdição geográfica ou comunidade, papel frequentemente assumido pelo líder religioso da comunidade, designado Xeique ou Mufti (transliteração). Este líder comumente adota e aplica o método de interpretação específico de uma escola jurídica (Madhab) na qual se especializou. Entretanto, é imperioso ressaltar que não é obrigatório ao muçulmano comum especializar-se ou seguir exclusivamente determinada Madhab específica. É suficiente que o muçulmano comum siga aquilo que lhe for ensinado com evidências claras, lógica transparente e fundamentos sólidos pelo Mujtahid de sua jurisdição (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 201-202).
Reconhecendo que os Mujtahids, sendo seres humanos, também são passíveis de cometer erros no processo de interpretação, a tradição islâmica incentiva o muçulmano comum a se especializar progressivamente e buscar conhecimento acerca daquilo que lhe seja essencialmente relevante. Consequentemente, é expressamente proibido ao muçulmano seguir a opinião de um estudioso em quem não confia, que não possua reputação inquestionável, ou que não fundamente adequadamente suas decisões jurídicas. Afinal, diferentemente daquilo que frequentemente se perpetua no pensamento popular, o Islã consolida-se fundamentalmente como uma religião pautada na busca rigorosa da justiça e ponderação cuidadosa, rejeitando completamente a noção de fé cega e sem fundamentação racional (HILAL; AL-BEIRAWI, 2009, p. 205-206).
5.3 A BUSCA PELA JUSTIÇA E VERDADE NO ISLÃ
A busca pelo que é justo e virtuoso constitui comando encontrado em diversos versículos do Alcorão. Particularmente nos seguintes versículos:
Ó vós que credes! Sede constantes na equanimidade, testemunhando por Allah, ainda que contra vós mesmos, ou contra os pais e os parentes. Quer se trate de rico ou pobre, Allah terá prioridade sobre ambos. Então, não sigais as paixões, para serdes justos. E, se deturpais o testemunho ou dais de ombros, por certo, Allah, do que fazeis, é Conhecedor (Alcorão, Surah An-Nisa, 4:135).
E, se duas facções dos crentes pelejam, reconciliai-as. E, se uma delas comete transgressão contra a outra, combatei a que transgride, até que ela volte para a ordem de Allah Então, se ela volta, reconciliai-as, com a justiça, e sede equânimes. Por certo, Allah ama os equânimes (Alcorão, Surah Al-Hujurat, 49:9).
Por certo, Allah ordena a justiça e a benevolência e a liberalidade para com os parentes, e coíbe a obscenidade e o reprovável e a transgressão. Ele vos exorta, para meditardes (Alcorão, Surah An-Nahl, 16:90).
Este versículo encapsula princípio fundamental: a justiça transcende considerações pessoais, familiares ou financeiras, devendo ser perseguida de forma incondicional e, adicionalmente, busca da verdade e a proibição expressa de seguir de modo inadequado os mandatos e costumes sem verificação, algo amplamente incentivado pelo Alcorão e a Sunnah.
O Alcorão ordena: “E não disfarceis a verdade com a falsidade, nem a oculteis, sabendo-a” (Alcorão, Surah Al-Baqara, 2:42). Correlato a isto, há transmissão atribuída ao Profeta Muhammad, no sentido de que:
Narrou Abdullah: O Profeta disse: “A veracidade leva à retidão, e a retidão leva ao Paraíso. E um homem continua a dizer a verdade até se tornar uma pessoa verdadeira. A falsidade leva ao Al-Fajur (ou seja, maldade, más ações), e o Al-Fajur (maldade) leva ao Fogo (do Inferno), e um homem pode continuar a dizer mentiras até ser considerado um mentiroso perante Allah (Sahih al-Bukhari, Hadith 6094 – tradução nossa).[5]
Estes mandamentos deixam cristalino que a procura da verdade, a justiça rigorosa e a recusa da interpretação superficial ou enviesada constituem pilares fundamentais do sistema jurídico islâmico.
6 O PRINCÍPIO DA SHURA NO ISLÃ
O princípio da Shura (transliteração do árabe, significando “consultar” ou “assessorar”) refere-se a um conceito fundamental no ordenamento jurídico e político islâmico, encontrado explicitamente no Alcorão e exemplificado pela prática do Profeta Muhammad. A Shura diz respeito ao processo segundo o qual indivíduos com formação adequada e conhecimento suficiente sobre determinada questão reúnem-se para deliberar, discutir e oferecer recomendações fundamentadas sobre problemáticas que carecem de solução ou orientação. Estas recomendações são subsequentemente encaminhadas à autoridade responsável pela tomada de decisão final, que as considera como instrumento de consulta ao exercer sua autoridade.
O fundamento corânico do princípio da Shura encontra-se em diversos versículos, sendo particularmente ilustrativo aquele que diz:
E por uma misericórdia de Allah, tu, Muhammad, te tornaste dócil para eles. E se houvesses sido ríspido e duro de coração, eles se haveriam debandado de teu redor. Então, indulta-os e implora perdão para eles e consulta-os sobre a decisão. E, se decidires algo, confia em Allah. Por certo, Allah ama os confiantes nEle (Alcorão, Surah Al-Imran, 3:159).
De acordo com a compreensão de parte dos pensadores, a Shura seria compreendida da seguinte maneira:
[…] um princípio capaz de suportar a democracia islâmica por estar alicerçada em três preceitos básicos: o da igualdade dos indivíduos, a decisão das questões públicas pela maioria e pelo fato dos princípios da justiça, igualdade e dignidade humana, os quais constituem o núcleo moral do islã, serem mais adequadamente alcançados sob a governança da Shura (DEMARCHI; LIPPMANN, 2015, p. 110).
Equivocadamente, é possível interpretar o princípio da Shura como uma interseção entre a modernidade da democracia e o conservadorismo dos moldes islâmicos; no entanto, este pensamento está errado, segundo teorizam Ferraz Junior (2018) e Nader (2014), toda ordem normativa repousa em premissa acerca da fonte última de autoridade – questão que não é meramente formal, mas profundamente zetética (fundamentadora). Enquanto democracias ocidentais modernas postulam povo como fonte de autoridade normativa, sistemas islâmicos postulam Deus como fonte última, refletindo pressupostos distintos sobre natureza da legitimidade jurídica, embora ambos operem mecanismos de consulta (Shura) e validação (Ijma) para operacionalizar essa autoridade.
Dessa forma, é imperioso destacar os principais pontos de divergência entre o instituto da Shura e o modelo democrático: No estado Democrático, o poder emana do povo. Dessa maneira, as normas e seus processos de criação e/ou modificação são geridos pelas massas; enquanto que um dos princípios básicos do Islam é que a Lei de Deus, encontrada no Alcorão e na Sunnah, jamais deverá ser modificada, seja em sua literalidade ou interpretação. Enquanto que no estado democrático a voz do povo, possui autoridade impositiva; a Shura é uma análise, uma recomendação, que não vincula a autoridade a seguir a opinião apresentada (KHAN, 2014).
Outrossim, a Shura é um processo de consulta extremamente restritivo. Os critérios para que uma pessoa seja habilitada para compor um comitê responsável por emitir um parecer ao líder de um estado é deveras rigoroso; sendo um processo de seleção, realizado pelo próprio líder, que busca escolher os melhores dentre aqueles habilitados capazes de realizar a interpretação dos textos sagrados. Um exemplo dessa exclusividade seria a Assembleia Consultiva da Arábia Saudita, que conta com a presença de 150 estudiosos, em um país cuja população conta com cerca de 34 milhões de pessoas. Algo que diferencia-se muito do caráter amplo do estado democrático no que se refere à formação de opinião (HALLAQ, 2009, p. 27).
A Shura, nessa linha de intelecção, não deve ser confundida com a democracia, pois embora envolva um processo de consulta, sua finalidade não se confunde com aquela.
Enquanto a democracia baseia-se na soberania popular e na vontade da maioria, a Shura serve apenas como instrumento de aconselhamento ao governante. Assim, o poder decisório não é transferido ao povo, mas permanece nas mãos da autoridade local, que deve agir conforme os ensinamentos do Alcorão e da Sunnah.
7 MADHABS, ESCOLAS DE JURISPRUDÊNCIA ISLÂMICA
Após a morte do Profeta Muhammad, seus companheiros, denominados Sahabah (transliteração), dispersaram-se pelo mundo com a missão de difundir o Islã, atuando como professores, governadores e juízes em contextos culturais e geográficos vastamente diferentes. Esta dispersão criou necessidade imperiosa de desenvolvimento de metodologias sistematizadas e estruturadas para o ensino da jurisprudência islâmica, adaptando-a às diversas culturas, idiomas e circunstâncias encontradas em diferentes regiões (HASAN, 1996 p. 32-34). Enquanto os Hadiths foram sendo compilados em coleções escritas, simultaneamente o número de estudiosos dedicados a memorizá-los e interpretá-los aumentou exponencialmente, cristalizando diferentes abordagens metodológicas à hermenêutica jurídica islâmica.
Inevitavelmente, novos cenários jurídicos que não se encontravam explicitamente detalhados no Alcorão e na Sunnah passaram a emergir com o evoluir das sociedades islâmicas, necessitando que estudiosos qualificados utilizassem metodologia sistemática de interpretação dos textos sagrados. Como expressou magistralmente Emad Hamdeh:
O número de leis explicitamente mencionadas no Alcorão e na Sunnah é finito, mas elas se referem a um conjunto de circunstâncias em constante mudança e evolução. Isto exige que a aplicação da lei mude para fornecer soluções em diferentes contextos. Como resultado, os Companheiros e juristas fizeram o possível para compreender novas circunstâncias que não estavam explicitadas nas escrituras, exercendo seu melhor esforço ijtihad para tentar aplicar as máximas gerais do Alcorão e da Sunnah às novas questões que encontraram (EMAD HAMDEH, 2020 – tradução nossa).[6]
Desta necessidade prática emergiram as primeiras Madhabs, termo árabe que significa “caminho” ou “modo” de proceder, referindo-se especificamente a uma metodologia de interpretação jurídica desenvolvida por um jurista eminente e posteriormente perpetuada e refinada por seus sucessores.
7.1 NATUREZA E FUNCIONAMENTO DAS MADHABS
É imperioso ressaltar que as Fatawas (pareceres jurídicos) proferidas por uma Madhab não representam a opinião pessoal ou arbitrária de um único jurista, mas constituem o resultado de um processo lógico e estruturado desenvolvido ao longo de séculos com a colaboração de múltiplos especialistas qualificados, responsáveis pela elaboração sistemática de parecer com conclusões satisfatórias sobre questões pertinentes aos muçulmanos (HASAN, 1996 p. 37). O processo de consolidação de uma Madhab ocorre de forma orgânica e historicamente contingente. Inicialmente, o jurista fundador (Mujtahid) emite um parecer fundamentado sobre um problema jurídico específico, utilizando metodologia rigorosa de interpretação dos textos sagrados. Em seguida, seus estudantes e sucessores replicam estes pareceres, transmitindo-os a gerações posteriores, emitindo Fatawas adicionais derivadas dos princípios estabelecidos pelo fundador, consolidando progressivamente diretrizes metodológicas para compreensão apropriada dos textos sagrados (HASAN, 1996 p. 37).
Uma característica fundamental das Madhabs é sua função não de criação de novo direito, mas de sistematização e racionalização de metodologias preexistentes de interpretação. Cada Madhab desenvolve princípios hermenêuticos específicos, reconhecidos como válidos pela comunidade islâmica, permitindo que diferentes contextos geográficos e culturais aplicam a Shariah de forma coerente e consistente com seus fundamentos. As Madhabs não representam divisão religiosa ou sectarismo, mas constituem diferentes caminhos legítimos para chegar às mesmas conclusões substantivas, frequentemente convergindo em questões fundamentais apesar de divergirem em detalhes metodológicos (HAMDEH, 2020).
7.2 AS QUATRO PRINCIPAIS MADHABS SUNITAS
A tradição islâmica sunita reconhece quatro principais Madhabs, cada uma contribuindo com uma perspectiva distinta à jurisprudência islâmica. Estas quatro escolas emergiram historicamente em períodos e locais distintos, desenvolvendo características e ênfases particulares que refletem tanto a personalidade intelectual de seus fundadores quanto às circunstâncias históricas de suas respectivas épocas.
7.3 MADHAB HANAFI
A Madhab Hanafi, atribuída ao Imam Abu Hanifah An-Numan ibn Thabit, representa a primeira das quatro principais escolas sunitas. Abu Hanifah recebeu educação formal desde idade muito jovem, realizando o notável feito de ser instruído por seis dos companheiros do Profeta Muhammad pessoalmente (RAHMAT, 2021). A metodologia desenvolvida por Abu Hanifah introduziu importância significativa do raciocínio lógico sistemático e da análise racional na emissão de decisões jurídicas, particularmente quando o problema específico carecia de menção explícita nos textos sagrados. Esta ênfase no raciocínio lógico tornou a Madhab Hanafi particularmente apropriada para resolução de questões jurídicas em contextos de rápida transformação social e complexidade institucional. Atualmente, a escola de pensamento Hanafi é praticada predominantemente no subcontinente indiano, na Ásia Central, na Turquia e nos Bálcãs, localizados no sudeste europeu, abrangendo aproximadamente 37% dos muçulmanos sunitas globalmente (RAHMAT, 2021).
7.4 MADHAB MALIKI
A Madhab Maliki, atribuída ao Imam Malik ibn Anas, representa a segunda das escolas principais. Diferentemente de Abu Hanifah, Malik permaneceu em Medina durante toda sua trajetória educacional, dedicando-se à busca de conhecimento junto aos grandes estudiosos islâmicos antes de se estabelecer como professor. Renomado e designado como “Professor de Medina” (Xeique de Medina), Imam Malik conquistou reputação internacional. Autor de múltiplas obras jurídicas, destacando-se particularmente o célebre Al Muwatta, Imam Malik desenvolveu metodologia que considerava as ações acordadas e pacificadas pelo povo de Medina como fonte legítima da Lei Islâmica, fundamentando-se na premissa de que os habitantes de Medina na época de seus ensinamentos eram descendentes próximos dos Sahabah, portadores de conhecimento direto da prática profética. Esta escola é também reconhecida por sua priorização particular da Sunnah em suas decisões jurídicas. A Madhab Maliki é atualmente predominante nas regiões do Norte e Oeste da África (RAHMAT, 2021).
7.5 MADHAB SHAFII
A Madhab Shafii, atribuída ao Imam Muhammad ibn Idris, mais conhecido como Imam As-Shafii, representa a terceira escola principal. Distinto de seus predecessores, Imam As-Shafii dedicou sua vida a viagens extensivas buscando conhecimento junto aos maiores estudiosos islâmicos de sua época. Iniciou sua educação em Makkah, seu local de nascimento, demonstrando proficiência extraordinária na língua árabe, após a qual foi incentivado a especializar-se em jurisprudência islâmica. Posteriormente viajou para Medina para estudar sob Imam Malik, onde memorizou a celebrada obra Muwatta. Após sua formação em Medina, Imam As-Shafii viajou para o Iraque, onde aprofundou-se nas ciências jurídicas islâmicas sob instrução de Imam Muhammad ibn Hasan As-Syaibani, aluno do Imam Abu Hanifah (RAHMAT, 2021). Através destas duas viagens significativas, Imam As-Shafii efetuou síntese criativa, integrando a jurisprudência iraquiana, que enfatizava raciocínio e análise lógica, com a jurisprudência medinense, fundamentada fortemente em precedentes textuais e práticas consolidadas, criando assim sua própria metodologia jurídica distinta Atualmente, a Madhab Shafii é praticada predominantemente no Egito, na África Oriental e na região do Sudeste Asiático (RAHMAT, 2021).
7.6 MADHAB HANBALI
A Madhab Hanbali, atribuída ao Imam Ahmad ibn Hanbal, representa a quarta e última das principais escolas jurídicas sunitas. Imam Ahmad, natural do Iraque, dedicou muitos anos à busca de conhecimento em diversas regiões geográficas. Ainda que tenha sido aluno de Imam As-Shafii, sua metodologia jurídica apresentava característica distintiva: aplicava auxílio mínimo de análise lógica sistemática quando confrontada com a Sunnah do Profeta, privilegiando em contraposição abordagem textualista mais estreita. Imam Ahmad ficou célebre por suas viagens mundiais em busca de conhecimento, estimando-se que ao longo de sua vida aprendeu com aproximadamente 300 (trezentos) mestres distintos. Notavelmente, tornou-se professor dos renomados Imam Al-Bukhari e Imam Muslim, autores das duas coletâneas mais celebradas de Hadiths: Sahih Bukhari e Sahih Muslim ( AHMAT, 2021). A Madhab Hanbali é atualmente praticada predominantemente na Península Arábica, particularmente na Arábia Saudita (RAHMAT, 2021).
7.7 PLURALIDADE E UNIDADE DENTRO DAS MADHABS
Aspecto crítico que deve ser ressaltado é que as diferentes escolas de jurisprudência islâmica não representam divisão na religião islâmica, não constituem sectarismo religioso, nem indicam fragmentação da comunidade muçulmana. As Madhabs são exclusivamente metodologias distintas de interpretação e aplicação dos textos sagrados, caminhos legítimos alternativos para chegar a conclusões jurídicas válidas (HAMDEH, 2020). Frequentemente, as diferentes Madhabs convergem em conclusões substantivas fundamentais, apesar de divergirem nos detalhes metodológicos ou nas premissas intermediárias através das quais chegam às suas conclusões finais.
Observa-se ainda que as quatro principais Madhabs sunitas encontram-se intrinsecamente conectadas entre si, seja através de seu comprometimento comum com a fé islâmica e a Shariah, seja pelo fato de que seus fundadores encontram-se genealogicamente conectados através de relações de mestrado e de discípulos, direta ou indiretamente. Abu Hanifah precedeu Malik, que precedeu As-Shafii, que foi mestre de Ahmad ibn Hanbal. Esta conexão histórica reflete a continuidade e desenvolvimento orgânico da tradição jurídica islâmica, não fragmentação ou divergência fundamental. Muçulmanos sunitas contemporâneos frequentemente seguem uma Madhab particular conforme contexto geográfico ou preferência pessoal, mas reconhecem a legitimidade das outras três, permitindo considerável fluidez e intercâmbio entre diferentes tradições jurídicas dentro do Islã sunita (RAHMAT, 2021).
O Direito islâmico constitui um sistema normativo complexo, estruturado e historicamente consolidado, que transcende percepções estereotipadas ou superficiais perpetuadas pelo pensamento ocidental. Através das seis seções precedentes, demonstrou-se que este ordenamento jurídico possui características, fontes, metodologias e mecanismos hermenêuticos sofisticados que o qualificam como um dos sistemas normativos mais culturalmente ricos do mundo contemporâneo. Inegavelmente, sua estrutura goza dos elementos formais necessários para caracterizar um sistema normativo estabelecido e estável, possuindo coerência interna robusta e exercendo papel regulador relevante na vida pública e privada de sociedades muçulmanas em múltiplos continentes e contextos históricos. Este reconhecimento não representa mera reificação acadêmica, mas reflexo de realidades jurídicas e sociais concretas que afetam aproximadamente 2,06 bilhões de muçulmanos globalmente, de acordo com dados fornecidos pela ONU em seu relatório “2024 Revision of World Population Prospects”.
Uma das contribuições fundamentais do presente artigo é a demonstração de que o Direito islâmico não constitui amálgama caótico de normas e práticas religioso-jurídicas, representando, ao revés, um sistema jurídico estruturado, com forma sofisticada e altamente racionalizado. A hierarquia estabelecida de fontes normativas – Alcorão como fundamento supremo, Sunnah como complemento interpretativo, Ijma como mecanismo de consenso, e Qiyaas como procedimento analógico – reflete lógica estrutural interna consistente e explícita. Os mecanismos de interpretação jurídica, consubstanciados e incorporados pela instituição do Ijtihad, como também pela autoridade conferida aos Mujtahids, representam sofisticação comparável a sistemas normativos existentes no mundo, sobretudo em sua capacidade de adaptar fontes fixas a contextos novos e complexos.
Adicionalmente, o reconhecimento de múltiplas escolas jurídicas (Madhabs) como válidas e legítimas dentro da tradição islâmica sunita não representa fragmentação ou inconsistência sistêmica, mas reflete mecanismo consciente de pluralismo jurídico controlado, unidade de fé religiosa e de fontes fundamentais. As diferentes Madhabs funcionam analogamente a diferentes correntes doutrinárias, permitindo aplicação contextualizada dos princípios fundamentais conforme particularidades geográficas, culturais e históricas, mantendo simultaneamente coerência com o ordenamento jurídico islâmico universal.
Em contexto contemporâneo de globalização crescente, pluralismo jurídico e interculturalismo, a compreensão profunda do Direito islâmico transcende mero interesse acadêmico, tornando-se imperativa para juristas, filósofos do direito e formuladores de políticas públicas. O reconhecimento de que sistemas jurídicos legítimos não se limitam ao paradigma ocidental de direito legislado positivo, derivado de soberania popular e sujeito a processos de revisão democrática, abre espaço para reinterpretação fundamental de questões básicas sobre natureza da lei, fonte de autoridade normativa, e processos apropriados de interpretação jurídica. O Direito islâmico demonstra que ordenamentos jurídicos complexos e funcionais podem fundamentar-se em fontes consideradas sagradas e imutáveis, não obstante permanecerem vivos, relevantes e adaptativos através de séculos de transformação social e tecnológica.
O presente artigo, ao fundamentar-se em análise rigorosa por meio de fontes acadêmicas, jurídicas e teológicas islâmicas, contribui significativamente para erradicação de equívocos e estigmas persistentes sobre o Direito islâmico na academia jurídica brasileira. A caracterização frequente do sistema islâmico como “violento”, “rudimentar” ou “incompatível com conceitos modernos de direitos humanos” não resiste a escrutínio acadêmico rigoroso, revelando-se resultado de lentes interpretativas enviesadas e falta de familiaridade com textos e conceitos islâmicos. Quando se estuda o Direito islâmico em seus próprios termos, reconhecendo sua lógica estrutural interna e suas próprias categorias de análise, emerge imagem muito diversa, considerando, por exemplo, a dimensão do sistema jurídico, cuja preocupação com justiça, de forma fundamental, equidade, proteção dos vulneráveis, e harmonização entre autoridade e comunidade, valores estes que ressoam profundamente com aspirações jurídicas universais.
A erradicação de estereótipos não representa adoção acrítica do Direito islâmico sem consideração de críticas legítimas às suas aplicações históricas ou contemporâneas. Análise crítica apropriada requer inicialmente compreensão adequada do objeto de crítica, compreensão esta que frequentemente falta em comentários superficiais sobre o Islã no contexto ocidental. Apenas após estabelecer uma compreensão rigorosa dos fundamentos islâmicos é possível formular críticas fundamentadas sobre discrepâncias entre princípios articulados e práticas implementadas em diversos contextos estatais e culturais.
A academia jurídica contemporânea enfrenta desafio fundamental de desenvolver metodologias de análise normativa que reconheçam legitimidade de múltiplas tradições jurídicas sem sucumbir ao relativismo moral ou à fragmentação de padrões universalmente aplicáveis. O Direito islâmico apresenta particularmente interessante caso de estudo, pois representa tradição jurídica simultaneamente particularista (enraizada em contexto específico religioso-cultural) e universalista (reivindicando aplicabilidade a múltiplas culturas e épocas). Este caráter híbrido oferece oportunidade única para exploração crítica de tensões entre particularismo e universalismo, entre continuidade e mudança, entre coerência dogmática e flexibilidade prática.
O diálogo jurídico intercultural, almejado por organizações internacionais de direitos humanos e por estudiosos de direito comparado, necessita fundamentar-se não em apropriação superficial de conceitos externos, mas em compreensão profunda de suas premissas, estrutura lógica e implicações. O presente artigo oferece fundação sólida para tal diálogo, apresentando Direito islâmico com suficiente profundidade para permitir engajamento verdadeiro com suas ideias, evitando simultaneamente simplificações que traem complexidade do sistema.
O Direito islâmico representa oportunidade singular para compreensão de como sistemas jurídicos podem fundamentar-se em fontes consideradas sagradas e imutáveis, não obstante permanecerem relevantes, vivos e adaptativos ao longo de séculos. Sua riqueza intelectual, sua sofisticação estrutural e sua capacidade de oferecer perspectivas alternativas sobre questões jurídicas fundamentais qualificam-no como componente essencial do currículo em direito comparado e em história do direito em instituições de educação superior. O conhecimento profundo de seus fundamentos – as fontes corânicas e sunitas, os processos de interpretação jurídica, as escolas de pensamento jurídico, e os mecanismos de governo e consulta – oferece contribuição inestimável não apenas para compreensão de aproximadamente 2,06 bilhões de pessoas que vivem em sociedades influenciadas pelo Islã, mas para reflexão crítica sobre próprios pressupostos da tradição jurídica ocidental que domina conhecimento acadêmico global.
Esperamos que o presente artigo contribua para abertura de espaço acadêmico verdadeiro para o estudo sério e profundo do Direito islâmico, permitindo progressivamente que o equívoco tenha lugar à compreensão, que o estigma ceda à análise rigorosa, e que a curiosidade superficial seja suplantada por engajamento genuíno com uma das grandes tradições jurídicas da humanidade.
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[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – smyrnahonorata9@gmail.com.
[2] Professor Especialista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – johnny.pinheiro@ufrn.br.
[3] O texto do Alcorão utilizado no âmbito do artigo, para todas as citações, é a tradução de Helmi Nasr. Consultar as referências da obra citada ao final do artigo.
[4] The Messenger of Allah said: “The best generation is my generation, then those who follow them, then those who follow them. Then comes a people after that whose swearing precedes their testimony, or whose testimony precedes their swearing”.
[5] Narrated `Abdullah: The Prophet said, “Truthfulness leads to righteousness, and righteousness leads to Paradise. And a man keeps on telling the truth until he becomes a truthful person. Falsehood leads to Al-Fajur (i.e. wickedness, evil-doing), and Al-Fajur (wickedness) leads to the (Hell) Fire, and a man may keep on telling lies till he is written before Allah, a liar”.
[6] The number of laws explicitly mentioned in the Qur’an and Sunnah are finite but they speak to a constantly changing and evolving set of circumstances. This necessitates that the application of the law must change in order to provide solutions in different contexts. As a result, the Companions and jurists did their best to understand new circumstances that were not spelled out in scripture. They exerted their best effort (ijtihād) to try to apply the broad maxims of the Qur’an and Sunnah to the new issues they encountered.

