MULHER INDÍGENA E TRANSNACIONALIDADE: ENTRE A VIOLÊNCIA E A LUTA PELA PROTEÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS
1 de junho de 2021INDIGENOUS WOMEN AND TRANSNATIONALITY: BETWEEN VIOLENCE AND THE STRUGGLE FOR THE PROTECTION AND GUARANTEE OF RIGHTS
Cognitio Juris Ano XI – Número 35 – Junho de 2021 ISSN 2236-3009 |
Resumo: As questões dos povos indígenas são consideradas como temas sensíveis e marcadas por significativa capacidade de repercussão em escala mundial, uma vez que existe por parte das Nações Unidas expressiva preocupação com as condições de vida e proteção dessa população, reconhecida pela comunidade internacional como povos sujeitos do Direito Internacional, emergindo neste cenário a mulher indígena e sua luta a favor de seus direitos. Sob este enfoque, o presente estudo visa apresentar uma discussão sobre a violência contra a mulher indígena enquanto demanda da transnacionalidade, tendo como foco o fortalecimento do protagonismo dessa população e a proteção de seus direitos humanos. Trata-se de uma revisão teórica baseada em artigos de livros e periódicos, relacionados às questões levantadas. As ideias básicas submetidas à análise, mostram que a mulher indígena brasileira é afetada por diversos tipos de violência, seja em sua vida cotidiana na aldeia, seja em comunidades urbanas, em virtude da persistência de práticas (decorrentes do patriarcalismo) que insistem em desvalorizar a figura da mulher indígena e a desmotivar sua participação social, colocando-a em situação de vulnerabilidade, exposta a discriminação e violações dos seus direitos. Porém, enquanto demanda da transnacionalidade, as questões relativas às condições de vida da mulher indígena brasileira passaram a ser discutidas por entidades internacionais, como a ONU Mulher e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que determinou que os Estados garantam a esta população a manutenção de seus direitos humanos e condições de empoderamento, protegendo-as contra todo tipo de preconceitos e violência de gênero.
Palavras-chave: Mulher indígena. Formas de violência. Transnacionalidade.
Abstract: The issues of indigenous peoples are considered as sensitive issues and marked by a significant capacity for repercussion on a global scale, since there is an expressive concern by the United Nations with the living conditions and protection of this population, recognized by the international community as subject peoples of the International Law, with indigenous women and their struggle for their rights emerging in this scenario. Under this focus, the present study aims to present a discussion on violence against indigenous women as a demand for transnationality, focusing on strengthening the role of this population and protecting their human rights. It is a theoretical review based on articles from books and periodicals, related to the issues raised. The basic ideas submitted for analysis show that Brazilian indigenous women are affected by different types of violence, whether in their daily life in the village or in urban communities, due to the persistence of practices (resulting from patriarchy) that insist on devaluing the figure of indigenous women and to discourage their social participation, placing them in a situation of vulnerability, exposed to discrimination and violations of their rights. However, as a demand for transnationality, issues related to the living conditions of Brazilian indigenous women started to be discussed by international entities, such as UN Women and the Inter-American Commission on Human Rights, which determined that States guarantee this population the maintenance of their human rights and conditions of empowerment, protecting them from all kinds of prejudices and gender violence.
Keywords: Indigenous woman. Forms of violence. Transnationality.
1. Introdução
A transnacionalidade é descrita como um fenômeno que ocorre a partir das chamadas demandas transnacionais, consideradas como fundamentais para os seres humanos e classificadas pela doutrina como ‘novos’ direitos, que se encontram associadas aos chamados direitos difusos e transfronteiriços. “As questões transnacionais devem ser abordadas e enfrentadas por toda a Comunidade Internacional de forma diferente da prevista nas legislações interna e internacional existente”, adverte Garcia (2014, p. 138) considerando ser esta uma condição difícil de ser evitada e afirmando que as demandas transnacionais se justificam a partir da necessidade de geração de espaços públicos para que neles sejam tratadas as questões relativas a fenômenos novos, que se apresentam como ‘novos’ direitos ou ‘novos direitos fundamentais’, que tendem a ter resultados ineficazes se tratados somente dentro do espaço do tradicional Estado nacional.
Em relação às demandas transnacionais, estas, segundo ainda Garcia (2014), referem-se não somente a questões associadas com globalização econômica, que se encontram na base de algumas questões transnacionais como entendem muito autores, mas também relacionadas com condições fundamentais de direitos alusivos à sobrevivência do ser humano e manutenção de seus direitos.
A cooperação e a defesa de direitos transnacionais também são expressões diretivas para questões alusivas às condições de vida das mulheres indígenas, que cada vez mais se empenham em conquistar espaços em suas comunidades e na sociedade, aspirando liberdade, autonomia e direitos, seja como líderes, cacicas ou pajés, embora a invisibilidade e o silêncio impostos forçosamente às mulheres indígenas nessas lutas permaneçam sendo uma realidade incontestável por conta do patriarcado no qual o destaque continua sendo dado aos homens. “Os povos indígenas não estiveram isentos dos efeitos nefastos da colonização. Isso tem reflexo na ausência de muitas personagens femininas na história dos povos indígenas”, argumentam Leal e Schillaci (2019, p. 7).
O presente artigo volta-se para estas questões, tendo como objetivo geral apresentar uma discussão sobre a violência contra a mulher indígena enquanto demanda da transnacionalidade, tendo como foco o fortalecimento do protagonismo dessa população e a proteção de seus direitos humanos.
Tratando-se de uma revisão teórica baseada tanto em artigos de livros como de periódicos disponibilizados na internet, estes últimos serão pesquisados nos bancos de dados oficiais, usando descritores como “Transnacionalidade”, “Feminismo indígena”, “Direitos da mulher indígena”, “Luta da Mulher indígena”, “Violência contra a mulher indígena”, “Proteção nacional e internacional à mulher indígena”, na linguagem portuguesa, no recorte temporal de 2000 a 2020.
2. Quadro interpretativo da transnacionalidade
A transnacionalização é um efeito da globalização, fenômeno que ultrapassa o nacional, transpõe o Estado, indo além de sua concepção soberana e trazendo consigo ausência da dicotomia público e privado. Com a transnacionalização, um novo contexto mundial revela-se provocado pela intensificação das operações econômicas e sociais surgidas no pós-guerra, tendo como características, especialmente, a desterritorialização e a expansão capitalista, provocando o surgimento de novas posturas, consolidando outras identificações culturais, promovendo e assegurando a paz e vida qualitativa, não fundamentadas somente em critérios econômicos (PICANÇO, 2020; DEVIN, 2016; NASCIMENTO e CARPENA, 2013)
Fazendo uma referência a Beck (1999)[3] Stelzer e Gonçalves (2017) argumentam que a transnacionalização ocorre tanto na transição do Estado nacional para a era transnacional, quanto pela substituição monocêntrica de poder dos Estados nacionais que competem entre si por uma distribuição policêntrica de poder.
Com dificuldades para dar atenção a uma ampla gama de dificuldades, o Estado-nacional já não é mais visto como sujeito exclusivo das relações externas, em que pese ser o detentor do poder soberano (summa potestas), pois enfrenta crises que abalam sua identidade. (STELZER e GONÇALVES, 2017, p. 55).
Nesta seara, muitos são os atores transnacionais (conhecidos também como grupos de pressão) como as pessoas, as Organizações Não-Governamentais, entre outros (que que tanto podem manter-se em clima de cooperação quanto de concorrência). A Transnacionalização, portanto, estende sua influência a variadas vertentes da sociedade, sejam elas econômicas ou sociais. Esses atores transnacionais, conforme observa Moura (2008), podem ser classificados como grupos setoriais, que se direcionam para a proteção de interesse específico na sociedade e grupos promocionais que se voltam para causas mais amplas como superação da pobreza, promoção do desarmamento nuclear, defesa das minorias e assim por diante, ações estas que não podem ser concebidas em termos políticos e como uma questão de um único país.
Neste sentido, observa a autora que a rede formada em torno de temas dessa natureza, mostra que existem na transnacionalidade atividades que podem ser conectadas a diferentes grupos de pressão e que isso leva à conclusão de que não é a integração via burocracia que explica a transnacionalidade, mas sim a integração temática valorativa que alicerça a ação dos diversos grupos.
Neste viés,
A tendência, portanto, é de que novas questões modelem o caráter desta transnacionalidade e que o encaminhamento de problemas específicos, principalmente os de cunho social, sejam articulados por atores de diferentes países, sem que se recorra à esfera do Estado. Isto não equivale dizer, todavia, que os desafios e novas ações não venham a influir na agenda estatal, na ação dos governos e, em escala mais concreta, na prestação de serviços pela administração pública (MOURA, 2008, p. 246).
Diante dessas tendências, não há dúvida de que na atualidade, em decorrência da globalização e do reconhecimento universal dos direitos humanos, a sociedade, como bem observa Figueiredo (2019, p. 32), “vê-se transformada para além da figura dos Estados. Não vemos mais uma “sociedade de Estados”, mas uma comunidade cosmopolita de cidadãos com compromissos de ordem nacional e internacional”. Trata-se, portanto, de uma sociedade, segundo o autor, incrementada e influenciada não apenas pela regulação de fato do estado, mas também pelas relações intergovernamentais, pelas redes não-governamentais pública e privadas que respondem pelo poder econômico, pelas empresas de toda ordem e por outros atores que produzem o chamado Soft Law[4].
Neste intento, ainda com base nas ideias de Figueiredo (2019), o conceito de soberania nesses novos tempos precisa ser entendido e manejado como uma noção relativa, de maneira que os órgãos supranacionais possam atuar na proteção dos direitos humanos, possibilitando, inclusive, que em caso de violação desses direitos, o sistema possa reagir e fazer prevalecer o Direito Internacional dos direitos humanos, que se integra ao direito nacional por meio das mais variadas formas que os próprios objetivos do Direito Constitucional Nacional não conseguirá atingir, sem a participação do Estado nas organizações internacionais reconhecidas.
Em suma, a verdade é que, se vai longe o tempo em que as relações internacionais eram pautadas somente pelo Ministério das relações Exteriores. Hoje a Constituição reconhece e protege a participação de seus cidadãos, de seus parlamentos e de organizações governamentais ou não governamentais em organizações transnacionais em um processo cada vez mais integrados (FIGUEIREDO, 2019 p. 24).
Essas observações levam necessariamente a uma reflexão sobre o fato de que, conforme supõe Neves (2014), os problemas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do poder mostram-se cada vez mais significativos para mais de uma ordem jurídica, muitas vezes não estatais, chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução.
Isso implica uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns. O direito constitucional, nesse sentido, embora tenha a sua base originária no Estado, dele se emancipa, não precisamente porque surgiu uma multidão de novas Constituições, mas sim tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos, prevalecendo, em muitos casos, contra a orientação das respectivas ordens estatais. Além do mais, surgem permanentemente relações diretas entre Estados para tratar de problemas constitucionais comuns (NEVES, 2014, p. 206).
Essas questões remetem ao transconstitucionalismo, uma teoria criada por Marcelo Neves, a partir da qual o Direito Constitucional ficaria destituído de sua base original para cuidar de questões de cunho transconstitucionais, desfazendo-se da noção de localidade e voltando-se para o que é global. Para o autor:
Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envolver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na busca de sua solução (NEVES, 2014, p. 207).
Dando um parecer sobre a questão, Soliano (2016) comenta que o transconstitucionalismo encontra-se atrelado às relações que se desenvolvem entre as diversas ordens jurídicas da sociedade mundial moderna (estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais) e que embora possuam seus próprios elementos, seus critérios, programas e processos, que lhe confere diferenciação e identidade própria, não mantêm, necessariamente entre si, isolamento recíproco, um entrelaçamento de forma não impositiva.
O transconstitucionalismo se desenvolve a partir de questões e problemas constitucionais. O entrelaçamento não ocorre por causa da existência de uma constituição única ligando as ordens jurídicas envolvidas, nem por causa de uma relação de hierarquia entre uma ordem e outra. Ele ocorre, pois problemas essencialmente constitucionais (proteção dos direitos humanos fundamentais e limitação de poder) surgem nas diversas ordens jurídicas que podem se envolver em relações transconstitucionais (SOLIANO, 2016, p. 150).
O importante na adoção de uma perspectiva transconstitucional é que essa, conforme afirma Torelly (2016), não significa necessariamente que o direito comparado, internacional ou transnacional, precise prevalecer sobre o doméstico. Ao contrário disso, ele pode ser considerado como elemento de construção de uma melhor interpretação ou de uma solução jurídica mais apropriada para múltiplos regimes de governança. A transconstitucionalização, portanto, esclarece o autor, não quer dizer perda da identidade constitucional doméstica, mas sim sua reconstrução em relação (harmoniosa ou dissonante) à normatividade e soluções estrangeiras, globais ou transnacionais, auxiliando na delimitação da suprapositividade dos direitos fundamentais[5].
Nas premissas de Neves (2014), o transconstitucionalismo volta-se para o reconhecimento de que as inúmeras ordens jurídicas entrelaçadas na solução de um problema constitucional (direitos fundamentais ou humanos) que lhes sejam relevantes devem buscar formas transversais de articulação para a sua solução, com cada uma dela observando a outra, para compreender os seus próprios limites e possibilidades de contribuição na solução do caso.
Sua identidade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação do outro. Isso me parece frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo observador tem um limite de visão no “ponto cego”, aquele que o observador não pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação […] Nesse sentido, pode-se afirmar que o transconstitucionalismo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determinada ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver (NEVES, 2014, p. 227).
Desse modo, a questão-chave do transconstitucionalismo é o reconhecimento de que os problemas constitucionais surgem de diversas ordens jurídicas, exigindo soluções fundamentadas no entrelaçamento entre elas. Assim, um problema de direitos humanos pode apresentar-se diante de uma ordem estatal, local, internacional, supranacional e transnacional, ou com frequência diante de mais de uma dessas ordens, gerando cooperações e conflitos e exigindo aprendizado recíproco, inclusive no caso das desordens jurídicas transnacionais, que envolvem atores privados e quase públicos, nas quais é inevitável que questões de direitos humanos surjam perante elas (SERRANO e PAZETO, 2013).
Sob esta perspectiva, pode-se destacar as reivindicações dos povos indígenas acerca da melhoria de suas relações com os Estados nacionais, impondo-se neste contexto as lutas das mulheres indígenas brasileira por seus direitos e contras as violências sofridas, que se refletem no mundo inteiro, servindo de parâmetros para instrumentos internacionais e leis nacionais (MATHIAS e YAMADA, 2010).
3. A mulher indígena: a vida sob o patriarcado e a luta contra as variadas formas de violência
A proteção aos indígenas, buscada por todos os povos do mundo, passa necessariamente pela manutenção de sua cultura, tradições, modos de vida e rituais. Como cita Luciano (2006, p. 18): “Os povos indígenas não são seres ou sociedades do passado. São povos de hoje, que representam uma parcela significativa da população brasileira e que por sua diversidade cultural, territórios, conhecimentos e valores ajudaram a construir o Brasil”.
Neste contexto insere-se a mulher indígena brasileira cuja problemática revela a originalidade de um movimento político assinalado por relativa novidade, mas marcado por tímidas ações de intervenção, apesar do número de associações específicas e o pequeno espaço dado a elas nas organizações indígenas (SANTOS, 2012).
Em virtude de sua identidade multidimensional, as mulheres indígenas encontram-se exposta a uma junção de formas de discriminação baseada em sua identidade cultural, sexual e de gênero, tanto fora como no interior de suas próprias comunidades ou como resultado dos resquícios históricos e estruturais do colonialismo, que ao longo dos tempos criou camadas sobrepostas de violações aos direitos humanos dessa população, continuamente reforçadas (RIVERO, 2017).
Nesse nível de reflexão, Bianchini (2019), em seu estudo sobre a I Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília, entre os dias 9 e 14 de agosto de 2019, comenta que a cosmovisão indígena foi afetada pela colonização, que espalhou entre os povos indígenas, a ideia capitalista do patriarcado, da superioridade masculina.
O Estado trouxe a ideia de cacique homem, pajé homem, polícia indígena homem, deu funções aos nossos indígenas homens para que as mulheres ficassem em casa, vulneráveis. O homem era o guerreiro, forte. Foi se normatizando essa ideia de que o homem tem a resistência física. Só que não é bem assim. Tem muitas mulheres que a história não conta. Mas nós estamos lá (INDÍGENA CRISTIANE JULIÃO DO POVO PANKARARU, PERNAMBUCO apud BIANCHINI, 2019, p. 2)
Assim, na vida cotidiana das aldeias, as mulheres indígenas não estão livres de situações de subalternidade e vulnerabilidade. “Ainda existe, entre os homens, a prática de desvalorizar e desmotivar o poder de fala das mulheres em espaços de deliberações e debates”, assevera Mukani Shanenawa[6], a cacique da aldeia Feijó, localizada no estado do Acre, complementando (Apud Bianchini, 2019, p. 2):
Há muito tempo nós somos muito desvalorizadas. Não são todos, mas alguns homens querem deixar a gente muito pra baixo, nos desmotivam, não dão oportunidade de falar em uma reunião, participar de palestra. A gente não tem que ser aquela mulher só de ter voto, mas também de ter voz em qualquer instituição, em qualquer lugar que seja, temos que ser mulheres fortes, e continuar sendo guerreiras.
Posicionando-se sobre a problemática, Pinto (2010, p. 4) assevera que essas condições de sujeição e indefensabilidade afeta mulheres indígena mundo afora, provocadas, especialmente por tradições e pelo influxo da sociedade externa. “Elas passaram a sofrer também as condições sociais hegemônicas ocidentais […] também têm problemas próprios […] como […] o patriarcado, o machismo, alguns ritos religiosos que denigram à mulher”, enfatiza Pinto (2010, p. 4), que, fazendo outros comentários, diz que os direitos territoriais, tão importantes para os povos indígenas, também são motivos de reveses para as mulheres indígena. Exemplificando, a mesma autora cita o caso da região dos Grandes Lagos (África Central), onde os direitos das mulheres Twa[7] foram enfraquecidos pelo sistema de propriedade individual, opostos a seus sistemas tradicionais baseados na propriedade comunitária de terras e bosques. “Hoje em dia quando as famílias twa possuem parcelas familiares, são geralmente os homens os que são considerados como proprietários, e isto faz às mulheres mais dependentes”, observa Pinto (2010, p. 4).
Destacando outras condições que aviltam as mulheres indígenas, Pinto (2010) cita as tradições que provocam a desvalorização das mulheres e alguns costumes, como por exemplo a circuncisão feminina (parte das tradições das comunidades pastoralistas do Kenia), uma violação dos direitos humanos das jovens vítimas; os conflitos externos ou mesmo no entorno doméstico, quando as mulheres são utilizadas como tática para controlar e humilhar sistematicamente um povo; a discriminação étnica, um tipo de opressão no qual se encontram expostas as mulheres indígenas, além dos casamentos forçados.
Hamdan (2020), por sua vez, listando outras condições adversas na vida da mulher indígena aponta a sobrecarga de trabalho no dia a dia, a dificuldade em ter renda própria, a dependência do companheiro, o machismo contra aquelas que ocupam cargos de liderança, a brutalidade na hora do parto, a falta de apoio familiar, os ataques verbais e físicos, entre outros.
Sumarizando, a verdade é que as sociedades indígenas com suas tradições, costumes e cosmovisão, foram impactadas pelo colonialismo e racismo que provocaram radicais mudanças nos valores relacionados à valorização da mulher, impondo novas pautas e/ou cânones de organização. Nesse panorama, a violência doméstica também se impõe como uma das mais graves violações dos direitos humanos da mulher indígena, geralmente relacionada com o alcoolismo dos homens, uma situação degradante que causa alteração violenta na convivência familiar (PINTO, 2010).
De acordo com Reinholz e Marko (2020), representando a metade da população indígena[8], as mulheres indígenas são atingidas pelas violências que toda mulher passa e de acordo com relatório da ONU (divulgado há mais de uma década), mais de uma em cada três mulheres indígenas são estupradas ao longo da vida.
Informam ainda as mesmas autoras que dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, mostrou que entre 2007 e 2017, foram registradas 8.221 notificações de casos de violência contra mulheres indígenas, a maioria entre 10 e 19 anos. A essas violências somam-se o preconceito, racismo, assédio e invisibilidade.
Na Amazônia, a violência contra a mulher indígena e as raízes do problema mostram variadas faces. Segundo Hamdan (2020), no município de São Gabriel da Cachoeira, localizado no Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas, onde existem povos de 23 etnias indígenas, os números mostram a gravidade da situação, conforme Pesquisa do Projeto Mulheres Indígenas, Gênero e Violência no Rio Negro[9], realizado pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn/Foirn), em parceria com o Observatório da Violência de Gênero no Amazonas (Ovgam), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com o Instituto Socioambiental (ISA) e com Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que revela que no período de dez anos, (de janeiro de 2010 a dezembro de 2019) foram registrados na delegacia da cidade 4.681 casos de violência contra a mulher.
Ainda segundo a mesma autora, os dados levantados pelo Observatório da Violência de Gênero no Amazonas (Ovgam/Ufam), mostram também que São Gabriel da Cachoeira é a primeira cidade do Amazonas a ter dados sobre a violência de gênero, coletado no período de dez anos. Embora não tenha concluído a análise dos crimes de violência contra a mulher indígena, por tipificação, conforme Código Penal, referente ao período de 2010 a 2019, estatísticas realizada entre 2010 e 2014 indicam que dos 1.181 crimes registrado, 590 foram de lesão corporal; 139 de ameaças; 110 ameaças de morte; 115 de calúnia, injúria e difamação; 50 estupros; 26 violência domésticas e familiar (Não foram observados, neste período, nos boletins de ocorrência casos de homicídios e feminicídios, embora não signifique que estes não tenham ocorrido).
A Pesquisa, neste período, mostrou também que a violência doméstica contra a mulher indígena, na grande maioria dos casos, é praticada pelo agressor que tem alguma ligação com a vítima. “Em pelo menos 499 das 1.181 ocorrências, os responsáveis pela violência foram companheiros ou ex companheiros”, salienta Hamdan (2020, p. 2), esclarecendo que entre as mulheres que foram agredidas, 622 tinham idade entre 25 a 64 anos e 331 eram jovens adolescentes.
Nas informações de Ribeiro (2020), espancamento e ameaças são as formas mais comuns de agressão às mulheres indígenas, sendo a residência o local onde a maioria dos casos acontece. “A denúncia costuma ser o último estágio para a resolução do conflito, pois a maioria das comunidades tenta resolver o problema internamente”, comenta Telma Taurepang, [10](apud RIBEIRO, 2020, p. 2).
Além dos obstáculos que se assemelham ao que todas as mulheres vítimas de violência doméstica enfrentam como medo, vergonha e falta de acolhimento, a mulher indígena ainda precisa lidar com a desinformação sobre seus direitos, barreiras do idioma e grande distância para chegar até uma delegacia mais próxima (RIBEIRO, 2020).
Nas palavras do cacique Izael Morales[11] (apud ARAÚJO, 2019, p. 2):
Muitas delas não rompem o silêncio por medo de ameaças, por causa dos filhos e por não terem onde morar. Mas também existem aquelas que denunciam, voltam atrás, livram os maridos e ainda vão morar juntos. Há muitas medidas protetivas na Reserva, mas as mulheres acabam procurando o marido. Isso faz com que o agressor se empodere em relação a vítima porque ele tem a certeza da impunidade. A consequência pode custar a vida da vítima.
Em meio a este embate destaca-se a falta de informação sobre a Lei Maria da Penha para a mulher indígena, seja por questão de idioma, seja por questões culturais. Segundo Ribeiro (2020, p. 3), a necessidade de aplicação da Lei Maria da Penha nas aldeias vem sendo tema constante nos encontros de mulheres indígenas, inclusive foi um dos assuntos discutidos durante o Encontro da Associação Indígenas Vale do Araguaia (Asiva), que aconteceu em novembro de 2019, na aldeia Fontoura, na Ilha do Bananal. “O encontro reuniu cerca de cem mulheres vindas de diferentes aldeias. Homens também foram convidados e acolhidos nos debates”, salienta a autora.
Em síntese, as mulheres indígenas são constantemente vítimas de violência em contextos específicos, seja no contexto de conflitos armados, seja na violência doméstica, na privação de liberdade, nos centros urbanos, além de sofrerem preconceito no mercado de trabalho, de apresentarem as mais altas taxas de analfabetismo, de terem seus direitos culturais desrespeitados e de viverem sob grave situação de pobreza e exclusão social. Enfim, a violência contra essa população encontra-se fortemente vinculada às formas interseccionais de discriminação que elas enfrentam (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2020).
Apesar dessa realidade marcada por discriminações e violações, as mulheres indígenas, não devem ser consideradas somente como vítimas, pois desempenham papel fundamental na luta pela autodeterminação de seus povos, na manutenção de suas famílias e comunidade, com forte apoio no âmbito internacional, que as reconhecem como sujeitos de direitos, com liberdade para participar ativamente de todos os processos que exercem influência em seus direitos (CAMARGO, 2017).
4. A luta da mulher indígena e a influência da transnacionalidade na afirmação de seus direitos
Com base no discurso de Ramos e Silva (2019, p. 9), as lideranças femininas indígenas surgem a cada momento. Além de servirem como referência para as outras mulheres das comunidades, elas estão no cenário nacional e internacional, ocupando variados papéis de poder e de mobilizações a favor dos direitos coletivos dos povos indígenas. “São nossas grandes líderes! São guerreiras que vão lutar sem medo de defender seu território e o Bem Viver de seu povo”, afirmam as autoras.
Com efeito, as mulheres indígenas, nestes tempos em que problemas sociais diversos acabam necessitando de regulação transnacional para obterem solução efetiva, estão se manifestando com maior frequência a favor de seus direitos e enfrentando as condições adversas como a violência doméstica com determinação maior. Nesta perspectiva, frisa Bianchini (2019) que o empoderamento almejado pela mulher indígena encontra-se inserido em uma visão de mundo coletiva e cíclica, em que mulheres e homens coexistem em benefício do bem estar de todo, desta e das próximas gerações, demonstrando, assim, a transnacionalidade do tema.
Nas ponderações de Pinto (2010), apesar de serem escassos os estudos sobre como o tema gênero e o feminismo têm causado impacto às comunidades indígenas, o protagonismo de algumas mulheres indígenas se deve especialmente por conta dessas temáticas que visam a igualdade e equidade na diferença, sendo temas de direitos humanos internacional. No caso do feminismo (que surgiu em países de economia capitalista, onde viviam as mulheres em condição de exclusão e opressão) este foi, segundo a mesma autora, recebido pelas mulheres indígenas de maneira diferenciada.
Desde espaços locais, nacionais e transnacionais seus discursos e práticas têm vindo a questionar as visões excludentes dos feminismos latino-americanos e pôr em evidencia as limitações de uma agenda política que parte de perspectivas liberais de igualdade e de visões universalizantes de cidadania. Poderia-se dizer que estas mulheres têm vindo a enriquecer as agendas políticas feministas latino-americanas e do mundo em geral, forçando-nos a reflexionar sobre a necessidade de construir uma política de solidariedade que parta do estabelecimento de alianças que reconhecem e respeitem a diversidade de interesses das mulheres (PINTO, 2010, p. 4).
A propósito dessas colocações, nos últimos anos, a participação das mulheres indígenas em ambientes públicos de discussão política, conforme esclarecem Dutra e Mayorga, (2019) vem aumentando de forma significativa, assim como expandiu-se também a institucionalização das organizações políticas de mulheres indígenas e o debate a respeito de seus direitos e de temas como violência doméstica, entre outros, inclusive em âmbito internacional.
Para Pinto (2010), o discurso político das mulheres indígena, com expressivo potencial emancipatório, denota a busca de um diálogo intercultural que possibilite a construção de alianças políticas baseadas no reconhecimento das diferenças.
Desta forma as mulheres indígenas organizadas estão criando formas diversas de política cultural, através das quais descentram os discursos de poder sobre a cidadania e a nação, e os discursos hegemônicos do movimento indígena e do feminismo sobre a modernidade e tradição. Num sentido amplo, estão redefinindo o que se entende por política e por empoderamento, desde suas lutas coletivas e desde suas práticas cotidianas (PINTO, 2010, p. 5).
Essas ações desenvolvidas pelas mulheres indígenas vêm ocorrendo tanto por meio de suas organizações locais, nacionais, quanto transnacionais. O projeto denominado Voz das Mulheres Indígenas implementando pela ONU Mulheres em cooperação com a Embaixada da Noruega, vem fomentando o empoderamento, a mobilização social e a participação política das mulheres indígenas de mais de uma centena de etnias no Brasil, fortalecendo a atuação dessas mulheres em espaço de decisão dentro e fora de suas comunidades (ONU MULHER BRASIL, 2020).
E mais: o projeto permitiu a um grupo de mulheres indígena, a possibilidade de coletar informações em comunidades indígenas por todo o Brasil por um período de um ano, criando, pela primeira vez, uma pauta nacional comum das mulheres indígenas brasileiras, mas com importância e reflexo para outros países que tratam das questões indigenistas. O projeto conta com cinco eixos temáticos quais sejam: violação dos direitos das mulheres indígenas (incluindo a violência contra mulheres e meninas); empoderamento político; direito à terra e processos de retomada; direito à saúde, educação e segurança e tradições e diálogos intergeracionais (ONU MULHERES BRASIL, 2020).
Sobre estas questões, um estudo de Vitale| et al. (2018, p. 237), tendo como foco principal a ONU Mulher (que no mundo se dispõe a implementar normas internacionais de direitos humanos com foco nos interesses das mulheres) mostra que enquanto geradora de condições para a constituição de uma agenda comum às mulheres indígenas no Brasil com base em normas globais de direitos humanos, esta entidade das Nações Unidas vem atuando como mediadora entre normas e instituições globais, a sociedade brasileira e as sociedades indígenas no Brasil. “O cosmopolitismo das mulheres indígenas coloca em questão o modo como o global, o local e os feminismos costumam ser pensados nas Relações Internacionais”, assinala a autora, afirmando que a ONU Mulheres procura reunir mulheres indígenas de variadas etnias em um mesmo local para a implementação de projetos similares ao documentário Voz das Mulheres Indígenas, objetivando criar um espaço de encontros e trocas, comunicação.
Desse modo, a ONU Mulheres, “aposta na capacidade das próprias mulheres de se situar em relação a suas sociedades e a sociedade brasileira. Ela tenta contribuir para a participação dos povos indígenas em ações globais e a ascensão das mulheres indígenas entre eles”, assegura Vitale et al. (2018, p. 259), esclarecendo ainda que esta instituição abre as vias globais para o ativismo em matéria de gênero, pondo em circulação ideias, categorias, normas e discursos globais entre as mulheres indígenas.
Logo, se por um lado as mulheres indígenas procuram promover espaços de diálogo e ações de interação, compartilhamento de saberes, desenvolvimento profissional e empoderamento, as organizações (nacionais e internacionais) que lutam pela defesa dos direitos dessa população, são enriquecidas pela presença e atuação dessas mulheres, que lutam para trazer aos seus movimentos novas pautas que favoreçam toda a sua comunidade. A Funai vem tendo papel decisivo com relação às questões relativas ao crescimento da atuação da mulher indígena, que cada vez mais assumem papel importante dentro de suas comunidades. “Nosso objetivo […] é fazer com que elas tenham cada vez mais voz. Para isso, criamos uma coordenação específica de gênero para as mulheres indígenas”, salienta o presidente da Fundação Nacional do Índio” (FUNAI, 2020, p. 2).
Assim, como argumenta Melo (2017, p. 2), as mulheres indígenas, que inclusive já ganharam a universidade, não querem mais uma vida invisível, dentro e fora de seus territórios. “Elas querem ter voz, querem ocupar espaços políticos e querem discutir questões de gênero. Tudo isso junto e misturado, mas sem ostentar o rótulo de feministas”.
No que se refere à questão da violência, ainda na análise da mesma autora, com o avanço do empoderamento das mulheres indígenas, esta questão emerge, colocando em xeque tradições seculares. “Violência doméstica e sexual, estupro e feminicídio são temas que, até bem pouco tempo, eram tratados veladamente, ou mesmo proibidos. Hoje, não mais”, afirma Lima (2017, p. 2).
Durante a participação no Acampamento Terra Livre, em Brasília, as mulheres indígenas anunciaram sua adesão à campanha “UNA-SE pelo fim da Violência contra as Mulheres”, lançada pelo secretário geral das Nações Unidas em 2018 cuja iniciativa mobiliza instituições e coletivos em todo o mundo para sinalizar espaços e vestir a cor laranja no dia 25 de cada mês como símbolo da luta contra a violência de gênero. A inserção das mulheres indígenas brasileiras na campanha reforça a pauta de suas reivindicações políticas, que mostram dez pontos prioritários, dentre os quais, o fim da violação de seus direitos, o empoderamento político, entre outros (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2018).
Nesta direção, conforme orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 2020), para garantir que as mulheres indígenas desfrutem de todos os seus direitos humanos, devem os Estados adotar medidas para empoderá-las, possibilitando sua efetiva participação na esfera civil e política, melhorando sua situação socioeconômica, favorecendo algumas condições como:
– O enfoque holístico, que deve ser incorporado em todas as leis e políticas que afetam as mulheres indígenas para abordar as formas diversas e interconectadas de discriminação, que elas enfrentam;
– A perspectiva de gênero e intercultural, que precisa ser adotada para prevenir, investigar, processar e sancionar todas as formas de violência contra as mulheres indígenas;
– Espaços de coordenação, para que haja articulação entre os sistemas de justiça do estado e sistema de justiça indígena, para aumentar a proteção judicial das mulheres indígenas;
– Espaços para participação, para plena e ativa atuação das mulheres indígenas na formulação e execução de políticas e programas, a nível local, nacional e internacional;
– Favorecer a erradicação da discriminação institucional, reconhecendo os conceitos indígenas de comunidade, cultura e via familiar e reformulando políticas públicas, programas e leis, dentro de uma perspectiva de gênero e intercultural.
Nesta esteira, Silva e Silva (2017, p. 176), propondo a prática do transconstitucionalismo tanto internamente (diálogo de aprendizado entre a ordem jurídica local e as ordens nativas) como externamente (diálogo de aprendizado entre as Cortes e experiências dos diversos países latinos que abrigam em seu território populações indígenas), salienta que enquanto o direito constitucional doméstico vem tendo dificuldade para solucionar todos os problemas constitucionais que surgem na modernidade – porque encontra-se limitado dentro das fronteiras nacionais – os problemas de direitos humanos e fundamentais ganham cada vez mais projeção transterritorial, passando a envolver ordens de níveis múltiplos, que precisam trabalhar unidas para que assim possam solucionar demandas de modo satisfatório e uniforme, como é o caso dos diversos movimentos sociais dos países latino-americanos, detentores de riquíssimas experiências e vivências relacionadas à luta por reconhecimento e direitos dos povos indígenas. “Temos incontáveis instrumentos internacionais, comissões em funcionamento e estudos da comunidade internacional, voltados à estruturação de direitos humanos em prol da conservação e proteção da singularidade indígena e reconhecimento de direitos humanos”, justifica as autoras.
Neste sentido, não restam dúvidas de que os direitos constitucionais da mulher indígena precisam ser harmonizados com os princípios fundamentais do Estado brasileiro, associado aos Direitos Fundamentais, ao conjunto constituído e indivisível dos Direitos Humanos e às convenções e documentos internacionais. “Este se constitui um dos caminhos para a construção de uma sociedade plural, em que o espaço para todos seja garantido e […] o dissenso possibilite o exercício cotidiano da democracia participativa e do seu poder instituinte sempre renovado”, assegura Danta (2011, p. 44), afirmando que para que haja diálogo, precisa-se, primeiramente, superar os erros históricos, assumindo as rédeas na construção do presente em patamares plurais de valores e reconhecimento. “Requer um contexto plural, heterogêneo e igualitário complexo, de onde se possa falar e, acima de tudo, que o sujeito da fala exerça poder”, finaliza.
5. Considerações finais
A literatura pertinente mostra que o mundo move-se de maneira acelerada rumo à constituição de uma sociedade mundial, transformada para além da figura dos Estados, com compromissos de ordem nacional e internacional. Trata-se da transnacionalização, fenômeno que lança sua influência a inúmeras vertentes da sociedade, indo das questões econômicas às sociais, com seus atores classificados como grupos setoriais e promocionais, estes últimos que se voltam para as causas sociais como a superação da pobreza, a defesa das minorias, entre outras que não podem mais ser concebidas como demandas de um único país.
Esta condição remete ao transconstitucionalismo, que, nos dizeres de Marcelo Neves, refere-se a uma teoria segundo a qual o Direito Constitucional afasta-se de sua base original para atender questões de natureza transconstitucionais, deixando de lado a noção de localidade para voltar-se ao que é global, mas sem a perda da identidade constitucional. Deste modo, o transconstitucionalismo procura se reconstituir em relação à normatividade e às soluções estrangeiras, globais, transnacionais, auxiliando na delimitação dos direitos fundamentais, colocando em discussão a premissa de que um problema de direitos humanos pode apresentar-se diante de uma ordem local, internacional, supranacional e transnacional.
Pensando nestas questões o presente estudo visou apresentar uma discussão sobre a violência contra a mulher indígena enquanto demanda da transnacionalidade, tendo como foco o fortalecimento do protagonismo dessa população e a proteção de seus direitos humanos.
O conjunto de dados teóricos analisados evidenciou que a mulher indígena brasileira é afetada por diversos tipos de violência, seja em sua vida cotidiana na aldeia, seja em comunidades urbanas, em virtude da persistência de práticas (decorrentes do patriarcalismo) que insistem em desvalorizar a figura da mulher indígena e a desmotivar sua participação social, colocando-a em situação de subalternidade e vulnerabilidade, exposta a discriminação baseada em sua identidade cultural, sexual e de gênero; opressão e violações dos seus direitos humanos; sobrecarga de trabalho no dia a dia; dificuldade de ter renda própria; ataques verbais e físicos; preconceito no mercado de trabalho; assédio, invisibilidade; vivência em situação de analfabetismo, pobreza extrema e exclusão social, além de terem seus direitos culturais desrespeitados.
Dentre essas violências, destaca-se a violência doméstica. Um estudo em andamento no município de São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio Negro, onde vivem em torno de 23 etnias), no Estado do Amazonas, desenvolvido pela Universidade Federal do Amazonas conjuntamente com outros órgãos como o Instituto Socioambiental (ISA) e com Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), revelou preliminarmente que no período de dez anos (de janeiro de 2010 a dezembro de 2019) foram registrados na delegacia da cidade 4.681 casos de violência contra a mulher e que no período de 2010 e 2014 foi constatado que dos 1.181 crimes registrado, 590 foram de lesão corporal; 139 de ameaças; 110 ameaças de morte; 115 de calúnia, injúria e difamação; 50 estupros e 26 violência domésticas e familiar.
Porém, enquanto demanda da transnacionalidade, as questões relativas às condições de vida da mulher indígena brasileira passaram a ser discutidas pelas entidades internacionais, como a ONU Mulher que juntamente com a embaixada da Noruega, promoveu a criação do projeto Voz das Mulheres Indígenas, por meio do qual vem fomentando o empoderamento, a mobilização social e a participação política das mulheres indígenas de mais de uma centena de etnias no Brasil, fortalecendo a atuação dessas mulheres em espaço de decisão dentro e fora de suas comunidades, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 2020), que determinou que os Estados garantam as mulheres indígenas a manutenção de seus direitos humanos e condições de empoderamento, possibilitando sua efetiva participação na esfera civil e política, protegendo-as contra todo tipo de preconceitos e violência de gênero.
Além disso, fortalecidas por essas entidades, as mulheres indígenas estão empenhadas em lutas por seus direitos, com as lideranças femininas indígenas surgindo a cada momento, atuando no cenário nacional e internacional, ocupando importantes papéis de poder e de mobilização a favor dos direitos coletivos dos povos indígenas.
Com base nisso, pode-se concluir que nesses novos tempos, marcados pela doutrina dos ‘novos direitos’, associados aos chamados direitos transfronteiriços, com os agentes da transnacionalidade atuando em prol da manutenção dos direitos humanos fundamentais, as mulheres indígenas começam a ter espaço para reagir contra a histórica invisibilidade e violência patriarcal. Mas, certamente trata-se de uma realidade ainda em construção a exigir das mesmas uma longa caminhada rumo a efetivação de uma vida mais justa e digna, que será menos penosa se contarem com o apoio local e internacional.
Por fim, não restam dúvidas de que há necessidade de aprofundar e ampliar as discussões a respeito da mulher indígena e suas condições de vida, bem como também sobre os aspectos que determinam e favorecem sua inserção em âmbito internacional e o modo como a interferência além-fronteiras lhes oferecem proteção, emancipação, desenvolvimento e novas chances de ação.
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[1] Doutora em Ciência Jurídica UNIVALI/SC (2013). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (2008). E-mail: monicapdias@hotmail.com
[2] Advogada. Mestranda em Constitucionalidade e Direitos da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas -UFAM. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Amazonas -UFAM. E – MAIL: adrianalpmendonca@hotmail.com
[3] BECK, Ulrick. 1999. O que é globalização? São Paulo, Paz e Terra.
[4]Trata-se de uma expressão usada no Direito Internacional Público, o qual representa o texto internacional, sob diversas denominações, que são desprovidas de caráter jurídico. Exemplo disso: a vinculação do Brasil à Organização das Nações Unidas, que significa a necessidade de observância não somente dos Estados incorporados de acordo com a Constituição e as orientações jurisprudenciais do Supremo Tribunal, mas também dos princípios e da ética universal que orientam as relações globais de cooperação no âmbito da organização (EBRADI, 2020).
[5]Acervo principiológico de balizamento de decisões administrativas e judiciais (TORELLY, 2016).
[6]Mukani lidera uma aldeia composta em 90% por mulheres. Ela explica que a liderança passa de geração para geração e participar da I Marcha das Mulheres Indígenas, no seu entendimento, ajudará a fortalecer a cultura do empoderamento das mulheres nos povos presentes na Marcha (BIANCHINI, 2019).
[7] Os Tawa foram os primeiros habitantes das florestas nas regiões dos Grandes Lagos, conforme mostra os registros históricos e os próprios relatos desses habitantes (WRM ORG, 2004)
[8]Segundo IBGE os povos indígenas somam 897 mil pessoas de 305 etnias, dentre eles, 448 mil são mulheres, que falam 274 línguas indígenas (REINHOLZ e MARKO, 2020).
[9]Em desenvolvimento desde 2010, o Projeto teve entre suas atividades de 2020 a divulgação de alguns dados e recomendações. Entre as propostas está a criação de uma rede, semelhante ao projeto de promotoras legais populares, prevendo capacitação de mulheres para dar apoio e orientação em casos de violência de gênero. A ação, que teria o nome de promotoras legais indígenas, também busca reduzir um dos problemas identificados pelo departamento: as dificuldades para lidar com a legislação, inclusive a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 22 de setembro de 2006 para punir e coibir atos de violência doméstica contra a mulher no país (HAMDAN, 2020).
[10]Telma Taurepang, faz parte da coordenação da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab)
[11]Cacique geral, terena, da Reserva Indígena de Dourados (considerada como uma das mais perigosas para as mulheres indígenas), que juntamente com mais seis homens, deu início ao combate à violência doméstica, ajudando as mulheres da aldeia a romperem o silêncio e a denunciarem seus agressores. Por meio de um trabalho voluntário e sem nenhuma ajuda do poder público, eles formam a Polícia Comunitária, composta por homens das três tribos existentes na Reserva: a Terena, Guarani e Kaiowá (RIBEIRO, 2019).