MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS E A EFETIVIDADE DA TUTELA: EM BUSCA DE SEGURANÇA JURÍDICA NAS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS E A EFETIVIDADE DA TUTELA: EM BUSCA DE SEGURANÇA JURÍDICA NAS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

ATYPICAL EXECUTIVE MEANS AND THE EFFECTIVENESS OF GUARDIANSHIP: IN SEARCH OF LEGAL SECURITY IN BUSINESS RELATIONS

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Maria Macena de Oliveira[1]
Bruno Bastos de Oliveira[2]

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de demonstrar a importância do emprego das medidas executivas atípicas, previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, para a promoção da efetividade da tutela executiva. Para tanto, serão apresentados conceitos cruciais para a melhor compreensão do assunto, serão abordados os requisitos para a aplicação das medidas atípicas e os limites a serem observados para sua adoção. Ainda, serão analisadas jurisprudências atinentes ao tema, que em conjunto com as demais explicações expostas, possibilitarão concluir que a adoção da medida ora debatida, se aplicada de forma adequada e fundamentada, tem potencial para ser uma grande aliada à efetividade da tutela executiva, dando mais segurança jurídica nas relações empresariais, que muitas vezes apresentam litígios que acabam chegando ao Poder Judiciário. A pesquisa utiliza-se do método dedutivo, sendo qualitativa e utilizando-se de coleta de material bibliográfico.

PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Civil;medidas atípicas; tutela executiva; efetividade.

ABSTRACT: This article aims to demonstrate the importance of using atypical executive measures, provided for in article 139, item IV, of the Civil Procedure Code, to promote the effectiveness of executive protection. In order to do so, crucial concepts will be presented for a better understanding of the subject, the requirements for the application of atypical measures and the limits to be observed for their adoption will be addressed. Also, case law relating to the subject will be analyzed, which together with the other explanations exposed, will make it possible to conclude that the adoption of the measure discussed herein, if applied in an adequate and substantiated way, has the potential to be a great ally to the effectiveness of executive protection, giving more legal certainty in business relationships, which often present litigation that ends up reaching the Judiciary. The research uses the deductive method, being qualitative and using the collection of bibliographic material.

KEYWORDS: Code of Civil Procedure; atypical enforcement measures; effectiveness.

1 INTRODUÇÃO

A execução em sentido amplo, que abrange a fase de cumprimento de sentença e o processo de execução autônomo, tem o intuito de promover a satisfação de um crédito ou de um direito assegurado por um título executivo judicial ou extrajudicial, ou seja, de uma pretensão, que é postulada por um indivíduo que ingressa com um processo em juízo.

Nesse sentido, há uma série de princípios aplicáveis na busca da efetividade da tutela almejada, e um deles é denominado “Princípio da atipicidade dos meios executivos”.

O objetivo do presente trabalho é analisar de que forma o princípio da atipicidade dos meios executivos facilita a obtenção da efetividade do direito postulado e, para tanto, serão expostos conceitos relativos à teoria geral do processo e a execução, ao princípio supramencionado, à efetividade da tutela, para que, ao fim, seja debatido o tema deste artigo.

Importante destacar ainda que se vive há tempos uma grave crise de efetividade da tutela jurisdicional, especialmente executiva, gerando demasiada insegurança jurídica, especialmente dentre do microssistema empresarial, vez que aí, não raras vezes, as questões acabam sendo levadas ao Poder Judiciário.

Assim, através do método dedutivo e de uma pesquisa qualitativa, pretende-se percorrer um caminho válido que sustente as hipóteses levantadas na presente pesquisa.

2 TEORIA GERAL DO PROCESSO E A EXECUÇÃO

O processo civil, em síntese, pode ser compreendido como uma ferramenta apta a proteger direitos, solucionar lides que não puderam ser resolvidas extrajudicialmente mediante cooperação entre as partes envolvidas, a reconhecer situações jurídicas, e dentre diversas finalidades, visa a pacificação social. Nesse sentido, salienta-se que o processo é uma ferramenta utilizada pelo Estado que, por sua vez, possui o poder e o dever de solucionar lides, bem como de apreciar as situações jurídicas que são levadas a seu conhecimento. Sobre referido conceito, o ilustre Alexandre Freitas Câmara preceitua que:

[…] o Código de Processo Civil afirma expressamente o princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, o princípio que assegura o amplo e universal acesso ao Judiciário (art. 3º do CPC; art. 5o, XXXV, da Constituição da República), estabelecendo que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” […]. (CÂMARA, 2017, p. 18).

Pois bem, feitas essas breves considerações iniciais, destaca-se que, em que pese o processo seja um importante dispositivo utilizado para o reconhecimento e tutela de direitos dos indivíduos, a Execução (em sentido amplo) é a responsável pela concretização, ou seja, para a efetivação dos direitos almejados e postulados em juízo, no plano prático. Nas palavras do estudioso Marcelo Abelha, a execução trata-se “não mais de “declarar”, mas de “efetivar” o direito declarado, certamente a premissa a ser tomada como parâmetro e referência pelo órgão jurisdicional é […]: será preciso satisfazer o direito revelado na norma jurídica concreta”. (ABELHA, 2015, p. 36).

Importante ainda destacar que a execução pode ser feita de forma direta, também conhecida por sub-rogação, ou indireta, também denominada “coerção”. Na primeira modalidade, o Estado sub-roga-se no lugar do executado, para tomar as providências que deveriam ter sido tomadas para a satisfação da obrigação. Na segunda, por sua vez, o Estado vale-se de uma espécie de coação com o objetivo de que a tutela seja efetivada.

A execução indireta, também chamada de coerção indireta, não realiza, por si só, o direito material, mas apenas atua sobre a vontade do devedor com o objetivo de convencê-lo a adimplir. Constitui exemplo de execução indireta o emprego da multa com a finalidade de constranger o demandado ao cumprimento. (PINHO, 2020, p. 1.247-1.248).

Assim, a execução (que abrange o cumprimento de sentença e a execução autônoma) visa promover a efetividade do título executivo, que prevê uma obrigação a ser cumprida por um indivíduo que é polo passivo do processo.

Pois bem, cumpre destacar, no que tange ao cumprimento da obrigação prevista no título executivo, que a efetividade se dá por meio do patrimônio do executado, nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil, em observância ao princípio da responsabilidade patrimonial, com exceção da impenhorabilidade de bens em nome do princípio da dignidade da pessoa humana, como é o caso, por exemplo, dos vestuários e pertences de uso pessoal do executado, consoante disposto no artigo 833, inciso III do Código de Processo Civil.

Superados esses conceitos iniciais referentes à teoria geral do processo e à execução, passa-se à análise da efetividade.

3 EFETIVIDADE DA TUTELA EXECUTIVA

          O termo ou princípio da efetividade pode ser conceituado como a obtenção da prestação almejada pelo autor, consoante definido no título executivo. Veja-se:

O fim e o resultado da execução devem, como regra, coincidir no sentido de dar ao credor aquilo a que ele faz jus segundo o título executivo. O resultado prático equivalente, isto é, a conversão da obrigação em prestação pecuniária equivalente, deverá ocorrer apenas quando não for possível se alcançar a prestação específica prevista no título executivo. (PINHO, 2020, p. 1.197).

Para promover uma melhor compreensão do tema, veja-se o seguinte trecho da obra de Câmara:

Execução é a atividade processual de transformação da realidade prática. Trata-se de uma atividade de natureza jurisdicional, destinada a fazer com que aquilo que deve ser, seja. Dito de outro modo: havendo algum ato certificador de um direito (como uma sentença, ou algum ato cuja eficácia lhe seja equiparada), a atividade processual destinada a transformar em realidade prática aquele direito, satisfazendo seu titular, chama-se execução. É, pois, uma atividade destinada a fazer com que se produza, na prática, o mesmo resultado prático, ou um equivalente seu, do que se produziria se o direito tivesse sido voluntariamente realizado pelo sujeito passivo da relação jurídica obrigacional. A princípio, o que se espera é que o devedor da obrigação a realize voluntariamente, adimplindo com seu dever jurídico (ou seja, executando voluntariamente a prestação). Caso não ocorra a execução voluntária, porém, é lícito ao credor postular a execução forçada. (CÂMARA, 2017, p. 277).

Isso porque o processo visa, dentre outras coisas, resolver uma lide e, para tanto, são observados uma série de procedimentos previstos na legislação com o propósito de garantir o reconhecimento de um direito – na fase de conhecimento – bem como a efetivação, ou seja, a consolidação desse direito, que foi reconhecido, no plano prático ou físico, fato esse que ocorre na fase de execução, tendo como base um título executivo, que pode ser conceituado como instrumento dotado de eficácia executiva e que permite a incidência do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor.

Para promover a efetividade dessa tutela, o Estado pode valer-se da execução direta ou sub-rogação, que consiste na atuação do juiz de forma direta sobre o bem que é objeto da obrigação, e da execução indireta ou coerção, que ocorre por meio da realização de coação sobre o devedor, para que cumpra a obrigação.

Dessa forma, para que a efetividade seja alcançada, é crucial que seja observado o devido processo legal, com todas as garantias previstas em lei, sobretudo disciplinadas na Lei Maior, a fim de que as medidas executivas sejam desempenhadas de forma justa. Por outro lado, cumpre salientar nesse ponto que, quando maior a flexibilidade conferida ao magistrado, maiores são as chances de sucesso da tutela executiva.

Além do mais, cabe ressaltar que a efetividade deve ser interpretada de forma harmônica com os demais princípios que englobam a Teoria Geral da Execução, quais sejam, o princípio da menor onerosidade e o princípio da proporcionalidade. O primeiro, previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil, determina que a execução seja feita da forma menos gravosa ao executado. Por sua vez, o segundo, implica na adoção da solução mais razoável e adequada ao caso concreto e, para tanto, deve ser mantido o equilíbrio entre a efetividade que o exequente busca e a dignidade da pessoa em relação ao executado. Nessa senda, Marcelo Abelha explica:

4 O PRINCÍPIO DA ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS

Conforme já exposto, a tutela executiva visa promover efetividade à execução e, para tanto, a obrigação deve ser cumprida de forma adequada e conforme definida no título executivo, de forma justa, e em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e da forma menos gravosa ao executado. Para atingir tal objetivo, há o princípio da atipicidade dos meios executivos, segundo o qual, para o cumprimento do dever de entregar a tutela executiva, é permitido que o magistrado utilize também meios executivos que não estão tipificados em lei, segundo a interpretação do §1º do artigo 536 do Código de Processo Civil[3].

Marcelo Abelha explica:

A motivação constitucional trazida pelo Estado social de realizar os direitos do cidadão – neles incluído o direito à tutela justa e efetiva – fez com que o juiz saísse de uma postura tímida e inerte para assumir uma conduta participativa e comprometida com a entrega, em tempo razoável, da tutela jurisdicional. Esse papel participativo é, na verdade, desejado pelo próprio legislador processual, que tem, aos poucos, modificado institutos e introduzido novas técnicas processuais que são adequadas aos ditames do Estado social. (ABELHA, 2015, p. 97).

No mesmo sentido, caminha o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil ao determinar que ao magistrado incumbe dirigir o processo, o que inclui “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Esse poder que o juiz possui, vez que lhe é permitido adotar as medidas necessárias para garantir a efetividade da obrigação denomina-se poder geral de efetivação, que é controlado por meio da legalidade, proporcionalidade, necessidade, dentre outras coisas.

Interessante o fato de que o Código de Processo Civil de 2015 externou sua preocupação com a satisfação das obrigações, consoante se verifica da leitura dos artigos acima mencionados, bem como do artigo 497 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: “Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”.

É importante ainda ressaltar, a fim de possibilitar uma melhor compreensão do tema debatido, fragmentos da obra de Elpídio Donizetti, nos quais o ilustre autor leciona sobre os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, segundo os quais a decisão do magistrado, ao optar pela utilização de medida executiva atípica, deve obedecer à critérios como motivação e necessidade do ato, bem como prudência e coerência. Confira-se:

A análise da […] – proporcionalidade em sentido estrito – consiste em uma ponderação entre os interesses envolvidos. Para que uma medida seja considerada proporcional (em sentido estrito), os motivos que a fundamentam devem superar a restrição imposta. Aqui se pode falar em “máxima efetividade e mínima restrição”. (DONIZETTI, 2017. p. 91).

Nessa toada, é notável que os artigos supracitados impõem um desafio interpretativo aos que estão inseridos no universo jurídico, na medida que traz à tona a reflexão acerca dos limites das medidas atípicas a serem adotadas pelo juiz na busca da satisfação da tutela.

Para solucionar esse desafio que consequentemente ocasiona insegurança jurídica, sobretudo ao executado, entende-se que o princípio da atipicidade dos meios executivos, na busca da efetividade deve ser aplicado apenas quando for necessário, e em equilíbrio aos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa do executado, visando a solução mais adequada e razoável que for possível, de forma a evitar injustiças e arbitrariedades.

Acerca da questão da aplicação do princípio da atipicidade dos meios executivos, no que envolve a necessidade, cita-se como pressuposto de aplicação o esgotamento das medidas tipificadas em lei para o procedimento de execução (em sentido amplo), de tal forma que o juiz, ao decidir trilhar o caminho aqui debatido para a promoção de efetividade, deverá fundamentar sua decisão.

Assim, conclui-se que as medidas atípicas visam garantir a efetividade do processo e, portanto, a necessidade de sua adoção deve ser analisada caso a caso. Isso porque o magistrado, para sua aplicação, deve respeitar determinados pressupostos como o esgotamento das medidas tipificadas em lei, a necessidade, a motivação da decisão, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de que o devedor seja compelido à cumprir a obrigação, porém não seja vítima de arbitrariedades e abusos.

No tocante à aplicação prática desse princípio, destaca-se decisão relativamente recente, do ano de 2018, exarada no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 97.876/SP, de Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, que envolve obrigação de pagar quantia certa e medidas atípicas de apreensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação do executado, para cobrança de débito. Pois bem, diante do deferimento da apreensão dos documentos supra, o indivíduo sentiu que houve injusta violação à sua liberdade de ir e vir, por motivos de dívida decorrente de contrato. Sob o argumento de desrespeito ao contraditório, bem como de ausência de fundamentação na escolha da medida atípica, o recurso foi parcialmente provido, com o intuito de destituir a medida executiva de apreensão do passaporte do executado, e fora mantido o não reconhecimento

Da análise dos fragmentos supra, verifica-se o reconhecimento e aplicação de medidas atípicas para a efetividade da tutela executiva, e a importância do respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que devem ser ponderados, bem como ao contraditório e à fundamentação da decisão judicial que determina a medida ora discutida, a fim de que se evite possíveis arbitrariedades do magistrado e seja resguardada a dignidade da pessoa humana.

Outrossim, é de extrema importância ressaltar que a atipicidade dos meios executivos se trata de medida coercitiva e não punitiva, que visa alcançar, de forma eficiente, os resultados almejados no processo. Além disso, há que se ter em mente que, em virtude da necessidade de fundamentação da decisão atrelada à atipicidade dos meios executivos, entende-se, neste trabalho, que a adoção da medida pressupõe o esgotamento dos meios executivos elencados na legislação.

5 RELAÇÃO ENTRE A ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS E A EFETIVIDADE

            O poder-dever do magistrado, no sentido de valer-se de meios executivos não tipificados na legislação, conforme já debatido neste trabalho, é fundamental para a garantia da efetividade da tutela executiva, na medida em que promove liberdade ao juiz na busca pelos meios mais satisfatórios e adequados para o pagamento da dívida ou cumprimento da obrigação. No mesmo sentido caminha o entendimento de Pinho, segundo o qual “Quanto maior a flexibilidade conferida ao juízo em relação aos meios executivos utilizáveis à satisfação do credor, maior a possibilidade de se alcançar a execução específica, isto é, fornecer ao credor a prestação justamente a que anseia”. (PINHO, 2020. p. 1.247).

          Ainda, o Enunciado de nº 48 do ENFAM estabelece que “O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais”.

          Nesse ponto, vale destacar novamente que há limites para a adoção da medida, quais sejam legalidade, proporcionalidade, eficiência da medida, necessidade, em razão do esgotamento dos meios tipificados em lei, e a observância à dignidade da pessoa humana, tudo em observância ao artigo 8º do Código de Processo Civil, que preceitua como norma fundamental:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Ademais, contribui para a observância da dignidade da pessoa humana, o princípio da menor onerosidade possível, uma vez que é vedado ao exequente promover a execução da forma mais gravosa ao executado, com o intuito de satisfazer o seu crédito. O correto é que sejam adotadas soluções que estejam em equilíbrio entre a efetividade e o princípio da menor onerosidade possível, sendo que essa harmonia também deve ser observada na adoção do princípio da atipicidade dos meios executivos.

[…] esse princípio (menor gravosidade possível da execução) deve nortear a realização da tutela executiva justamente porque não é justo nem legítimo submeter o executado (seu patrimônio) a uma situação de maior onerosidade do que a que seria indispensável para a satisfação do direito do exequente. Por outro lado, é importante deixar claro que esse princípio não autoriza que o executado possa dele se valer para trazer alegações metajurídicas do tipo: a execução é absurda; ficará na penúria; o credor não precisa do dinheiro etc. Enfim, as mazelas da vida não devem ser suportadas pelo exequente. (ABELHA, 2015. p. 99-100).

Feitas essas importantes considerações, mostra-se pertinente a análise de casos práticos, a fim de promover uma compreensão mais adequada da conexão existente entre a atipicidade dos meios executivos e a efetividade, bem como da aplicação da referida relação pelos Tribunais.

O primeiro exemplo que será demonstrado trata-se do processo de nº 4001386-13.2013.8.26.0011, que consiste na Execução de Título Extrajudicial, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo/SP invocou o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil para embasar a adoção da medida da atipicidade dos meios executivos no caso concreto, salientando que essa ampliação dos poderes do juiz na busca pela efetividade não deve ser aplicada indiscriminadamente, mas tão somente nos casos em que ocorreu o esgotamento dos meios de satisfação da obrigação tipificados na legislação, bem como se houver suspeita de que o devedor esteja realizando blindagem patrimonial, ou seja, omitindo seu patrimônio com o objetivo de não satisfazer o direito do exequente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS – BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO, SUSPENSÃO DO PASSAPORTE E DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE. 1- A adoção de medidas cautelares atípicas pelo magistrado, prevista no inciso IV do art. 139 do CPC/2015, não permite que sejam adotadas medidas que violem o direito de ir e vir do executado ou prejudiquem a sua subsistência; 2- A execução deve observar o modo menos oneroso para o executado, razão pela qual as medidas atípicas de coerção do devedor devem ser utilizadas subsidiariamente às medidas já previstas em lei. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Foro Regional de Pinheiros/SP, processo de nº:4001386-13.2013.8.26.0011).

Outro ponto importante que fora debatido no caso supracitado, é o fato de que a medida adotada deve respeitar o princípio da menor onerosidade possível, bem como os Direitos e Garantias Constitucionais do indivíduo, o qual está protegido de ser submetido a uma prisão civil em virtude de dívida não adimplida.

Dessa forma, nota-se que as medidas atípicas foram adotadas com observância ao princípio da razoabilidade, por entender-se que se o executado não possui, de fato, condições de adimplir sua dívida, consequentemente também não possui recursos para manter um veículo, um cartão de crédito ou custear uma viagem, pois se o tivesse, imaginar-se-ia que satisfaria o crédito de que o exequente faz jus, em respeito ao princípio da boa-fé. Além disso, o emprego da medida foi justificado pela falta de cooperação do executado, o qual frustrou a execução na medida em que não efetuou o pagamento da dívida, não indicou bens à penhora, não manifestou interesse em propor acordo para o pagamento e nem mesmo cumpriu adequadamente as ordens judiciais que recebeu. Acerca da boa-fé e cooperação processual, Câmara esclarece que:

Na execução se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive e especialmente do executado, que atuem de forma cooperativa e de boa-fé. Por isso, incumbe ao juiz advertir o executado de que seu modo de proceder constitui ato atentatório à dignidade da justiça (art. 772, II). E é atentatória à dignidade da justiça a conduta do executado que frauda a execução; se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos (como seria, por exemplo, esconder todo o seu patrimônio em nome de “laranjas”); dificulta ou embaraça a realização da penhora; resiste injustificadamente às ordens judiciais; ou, intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus (art. 774). Tendo o executado cometido ato atentatório à dignidade da justiça, o juiz fixará multa de até vinte por cento sobre o valor atualizado do débito em execução, a qual reverterá em proveito do exequente, sendo exigível nos próprios autos (art. 774, parágrafo único). Essa sanção é cumulável com outras, de natureza material (como, por exemplo, a pena pela prática do crime de fraude à execução, previsto no art. 179 do Código Penal) ou processual (como a sanção por litigância de má-fé). A execução dessa multa (e de outras que sejam impostas durante o procedimento executivo), bem assim das condenações resultantes da litigância de má-fé se dará nos mesmos autos em que se processa a execução (art. 777). (CÂMARA, 2017. p. 278).

          No mesmo sentido, há o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento nº 1.0408.03.002018-9/001, que fora interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a decisão do juiz que havia indeferido, na fase de cumprimento de sentença, as medidas atípicas consistentes no bloqueio de cartão de crédito, suspensão de passaporte, bem como suspensão e proibição de obtenção de permissão ou habilitação para dirigir veículo, em desfavor dos executados. No caso em tela, o recurso foi improvido, sob o fundamento de que não havia necessidade de adoção das medidas atípicas supracitadas, uma vez que ainda não haviam sido esgotadas as medidas tipificadas em lei para a satisfação do crédito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS – BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO, SUSPENSÃO DO PASSAPORTE E DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE. 1- A adoção de medidas cautelares atípicas pelo magistrado, prevista no inciso IV do art. 139 do CPC/2015, não permite que sejam adotadas medidas que violem o direito de ir e vir do executado ou prejudiquem a sua subsistência; 2- A execução deve observar o modo menos oneroso para o executado, razão pela qual as medidas atípicas de coerção do devedor devem ser utilizadas subsidiariamente às medidas já previstas em lei. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Foro Regional de Pinheiros/SP, processo de nº:4001386-13.2013.8.26.0011).

          Assim, constata-se novamente que, em que pese a satisfação do débito seja o objetivo do processo de execução ou cumprimento de sentença, é necessário que a efetividade da tutela seja promovida primeiramente nos termos tradicionais, quais sejam, aqueles tipificados na legislação, de modo que, apenas se esses meios forem ineficientes, é possível a adoção da medida. Outrossim, para a aplicação do princípio da atipicidade dos meios executivos, devem ser preenchidos os pressupostos da razoabilidade e proporcionalidade, bem como da menor onerosidade ao executado.

          Isso porque a adoção da atipicidade dos meios executivos para a promoção de efetividade da tutela executiva, embora seja uma ferramenta muito eficaz para a execução, deve ser equilibrada e bem fundamentada, a fim de a discricionariedade permitida pela lei não se torne arbitrariedade.

          Nesse diapasão, considera-se que a adoção de medidas atípicas é inovadora e um passo importante na facilitação da efetividade da execução, mas há que se pontuar, já se encaminhando ao fim do presente trabalho, que todo o ordenamento jurídico deve ter como norte o princípio da dignidade da pessoa humana. No que é atinente ao princípio ora invocado, merece destaque a lição do ilustre Alexandre Freitas Câmara, in verbis:

Deve-se entender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada pessoa natural será tratada como algo insubstituível, que deve ser reputada como um fim em si mesmo, tendo cada pessoa responsabilidade pelo sucesso de sua própria vida. Incumbe ao juiz – e aos demais sujeitos do processo – garantir respeito à dignidade humana, assegurando o valor intrínseco de cada vida que é trazida ao processo. Daí se infere, necessariamente, que aos sujeitos do processo é preciso sempre ter claro que os titulares dos interesses em conflito são pessoas reais, cujas vidas serão afetadas pelo resultado do processo e que, por isso mesmo, têm o direito de estabelecer suas estratégias processuais de acordo com aquilo que lhes pareça melhor para suas próprias vidas. É inadmissível tratar as partes como se não fossem pessoas reais, meros dados estatísticos. Afinal, se para o Judiciário cada processo pode parecer apenas mais um processo, para as partes cada processo pode ser o único, o mais relevante, aquele em que sua vida será decidida. E é dever do juiz assegurar que isto seja respeitado. (CÂMARA, 2017. p. 24-25).

          Assim, frisa-se que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, preceitua o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento jurídico, segundo o qual o ser humano deve ser o centro da preocupação do Estado. Dessa forma, todos os ramos do direito, inclusive o Direito Processual Civil, devem observar e adotar referido princípio como premissa básica.

          Nesses termos, é de suma importância a observância do princípio da dignidade da pessoa humana nos casos em que se analisa a adoção de medidas atípicas para a promoção de efetividade da tutela executiva. Há que se ter em mente que o respeito ao princípio ora debatido deve se estender aos demais princípios descritos neste trabalho, quais sejam, o da proporcionalidade, razoabilidade, contraditório e ampla defesa, além da averiguação da necessidade da medida e sua fundamentação.

          No mais, é importante sublinhar que as medidas atípicas visam compelir o devedor a cumprir sua obrigação nos casos em que as formas coercitivas de cumprimento previstas na lei não foram suficientes, a fim de alcançar a efetividade almejada. Por isso os Tribunais, ao analisarem casos em que se abre a possibilidade da medida, devem fazê-lo à luz da necessidade e dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.

6 CONCLUSÃO

Como demonstrado no corpo deste artigo, ressalta-se, preliminarmente em sua conclusão a importância do emprego das medidas executivas atípicas, previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, para a promoção da efetividade da tutela executiva.

Isso porque deve-se ter em mente que a execução é feita quando há o almejar de um direito pelo credor, uma obrigação a ser cumprida, portanto é de interesse da referida parte processual a efetividade desse direito, para que a execução cumpra sua função. Acrescenta-se ainda que tal medida é uma solução ao enorme problema consistente no fato de que a Execução, em sentido amplo, é considerada um “gargalo” na Justiça, devido à sua baixa efetividade.

Ao que cerne o tema sobre a atipicidade dos meios executivos, tal medida tem como norte a garantia da efetividade do processo, sendo que sua adoção deve ser analisada caso a caso, em consonância com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como respeitando os pressupostos iniciais como não obter, valendo-se das medidas tipificadas em lei, a efetividade, além da necessidade e a motivação da decisão, para que o devedor seja compelido à cumprir suas obrigações sem onerosidade desleal a seus interesses, pois, mesmo que o objetivo da execução seja a quitação dos débitos, tal satisfação deve ser feita da forma menos onerosa possível ao devedor, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Ademais, é extremamente necessário que o princípio da atipicidade dos meios executivos seja aplicado somente em conjunto com os demais princípios debatidos neste trabalho. Em outras palavras, é de suma importância que o magistrado, no momento de sua aplicação, observe os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade, e do contraditório e ampla defesa ao utilizar-se de uma medida atípica para promover a efetividade de um processo, além da verificação da necessidade e fundamentação.

Por fim, tendo em vista todo o exposto, verifica-se a adoção da Atipicidade dos meios Executivos, se aplicada cuidadosamente e com as condições estabelecidas e muito debatidas neste artigo, tem potencial para auxiliar na efetividade da Execução, promovendo a justiça por meio de um processo saudável para ambas as partes, permitindo que um sacie seu direito sem que interfira de forma arbitrária no direito do outro, resguardando sua dignidade como pessoa e cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 5º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

AMARAL, Alex Penha do; BATISTA, Luiza Veneranda Pereira. A atipicidade dos meios executivos no novo CPC. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60582/a-atipicidade-dos-meios-executivos-no-novo-cpc. Acesso em: 19 ago. 2021.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2017.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20º ed. São Paulo: Atlas, 2017. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. 2º ed.São Paulo: Saraiva Educação, 2020.


[1] Mestre e Doutoranda em Direito no Programa de Pós-graduação em Direito da UNIMAR.

[2] Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da UNIMAR.

[3] Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.