MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL E EQUILIBRADO COMO MEIO PARA A PROMOÇÃO DO TRABALHO DECENTE

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL E EQUILIBRADO COMO MEIO PARA A PROMOÇÃO DO TRABALHO DECENTE

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

HEALTHY AND BALANCED WORK ENVIRONMENT AS A MEANS TO PROMOTE DECENT WORK

Artigo submetido em 30 de novembro de 2022
Artigo aprovado em 3 de dezembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autor:
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson[1]

* Artigo de investigação elaborado de estudo desenvolvido na linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais”, inscrito no Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Brasil.

RESUMO: O presente estudo trata da temática do trabalho decente propugnado pelo Organização Internacional do Trabalho (OIT). A escolha do tema se justifica em face da busca de implementar o trabalho decente como oitavo objetivo de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica e documental, em que se visita a legislação, a doutrina e a jurisprudência, tem por desiderato analisar a regra constitucional que impõe o dever de assegurar um meio ambiente do trabalho sadio como mínimo existencial e pressuposto a consecução do trabalho decente.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho decente. Meio ambiente do trabalho. Mínimo existencial.

ABSTRACT: The present study deals with the issue of decent work advocated by the International Labor Organization (ILO). The choice of theme is justified in view of the quest to implement decent work as the eighth objective of sustainable development of the 2030 Agenda. The research on screen, using a methodology of qualitative analysis, using the methods of approach hypothetical-deductive of descriptive and analytical character, adopting a technique of bibliographic and documental research, in which legislation, doctrine and jurisprudence are visited, with the aim of analyzing the constitutional rule that imposes the duty to ensure an environment of healthy work as an existential minimum and presupposition of achieving decent work.

KEYWORDS: Decent work. Work environment. Existential minimum.

1. DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente ensaio versa sobre a temática sobre o meio ambiente do trabalho sadio como elemento de efetivação do direito fundamental humano do trabalho decente.[2]

A escolha da temática justifica-se em face de constituir como oitavo objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030 a busca pela promoção do crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos.

A questão problema perpassa em determinar se o meio ambiente do trabalho sadio pode ser atribuído o status de “mínimo do mínimo existencial” para concretização do direito ao trabalho decente?

Em face do exposto, a pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de abordagem qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica e documental, em que se visita a legislação, a doutrina e a jurisprudência, tem por desiderato analisar a regra constitucional que impõe o dever de assegurar redução dos riscos inerente ao trabalho por meios de normas de saúde, higiene e segurança de sorte a promover um meio ambiente do trabalho sadio de sorte a constituir como um mínimo existencial e pressuposto a consecução do trabalho decente.

Para tanto, o presente ensaio se estruturará da seguinte maneira: explicitação do surgimento do conceito de trabalho decente, bem como sua definição; descrição das bases jurídicas do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho sadio; e análise dogmática da teoria do mínimo existencial e as razões justificadoras de reconhecer o meio ambiente do trabalho sadio como conditio sine qua non para a efetivação do direito ao trabalho decente.

2. DO TRABALHO DECENTE

O conceito de trabalho decente[3] fora ventilado na 87° Conferência Internacional do Trabalho de 1999 com o desiderato de imprimir um foco a atuação da OIT para os desafios do século XXI decorrente da globalização, sendo apresentado pelo diretor geral o relatório intitulado “Decent work”, no qual ofertou a seguinte definição ao conceito de trabalho decente:

(…). Trabalho decente significa trabalho produtivo em que os direitos são protegidos, que gera uma renda adequada, com proteção social adequada. Significa também trabalho suficiente, no sentido de que todos devem ter pleno acesso a oportunidades de geração de renda. Ele marca o caminho para o desenvolvimento econômico e social, um caminho no qual o emprego, a renda e a proteção social podem ser alcançados sem comprometer os direitos dos trabalhadores e as normas sociais. O tripartismo e o diálogo social são objetivos por direito próprio, garantindo a participação e o processo democrático, e um meio para alcançar todos os outros objetivos estratégicos da OIT. A economia global em evolução oferece oportunidades das quais todos podem ganhar.[4]

A ideia de trabalho decente seria o resultado da efetivação de 4 objetivos estratégicos da OIT: a) respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho; b) criação de maiores oportunidade de emprego e renda para homens e mulheres; c) reforço a proteção social; e d) fortalecimento do diálogo social.[5]

Aponta-se que os princípios e direitos fundamentais no trabalho são aqueles, especialmente, contidos na Declaração da OIT, fruto da 86° Conferência Internacional do Trabalho de 1998, os quais são:

a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e

d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.[6]

A doutrina da lavra do professor José Cláudio Monteiro de Brito Filho, assim define o trabalho decente:

(…) um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e, à proteção contra os riscos sociais.[7]

Evidencia-se que essa definição fora construída de certa maneira a partir dos princípios e direitos fundamentais no trabalho da Declaração da OIT.

Converge com definição acima as lições dos professores Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto:

(…) trabalho decente é o trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de assegurar uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho. Em suma: no trabalho decente há o respeito aos direitos do trabalhador, como forma de resguardo a sua dignidade.[8]

Sobre o trabalho decente, assim explicita Gustavo Filipe Barbosa Garcia quanto a sua abrangência:

1) plano individual:

a) direito ao trabalho, havendo a obrigação do Estado de criar condições para que o trabalhador exerça ocupação que permita a sua subsistência e de sua família;

b) liberdade de escolha do trabalho;

c) igualdade de oportunidades para e no exercício do trabalho (ausência de discriminação no ambiente de trabalho e concessão de iguais oportunidades a todos os trabalhadores);

d) direito de exercer o trabalho em condições que preservem a saúde e a segurança do trabalhador no meio ambiente de trabalho;

e) direito a uma justa remuneração, compatível com as atividades desempenhadas pelo trabalhador e suficiente à satisfação de suas necessidades e de sua família;

f) direito a justas condições de trabalho, principalmente quanto à limitação da jornada e ao intervalo destinado a repouso e alimentação;

g) proibição do trabalho infantil, responsável por ocasionar graves complicações para o desenvolvimento físico e mental da criança e do adolescente.

2) plano coletivo: a liberdade sindical, garantindo-se o livre exercício da atividade sindical;

3) plano da seguridade social: a proteção contra o desemprego e outros riscos sociais.[9]

Posteriormente, a questão do trabalho decente/digno é retomada na Declaração sobre Justiça Social da OIT, decorrente da 97° Conferência Internacional do Trabalho de 2008, em que reconhece os 4 pilares/objetivos da agenda do trabalho decente/digno, sendo apontado a necessidade de uma coordenação global para sua implementação. In verbis:

Estes quatro objectivos estratégicos são indissociáveis, interdependentes e reforçam-se mutuamente. A não promoção de qualquer desses objectivos prejudicaria a realização dos restantes. Para maximizar o seu impacto, os esforços envidados para os promover devem inserir-se numa estratégia global e integrada da OIT para a promoção do trabalho digno. A igualdade entre homens e mulheres e a não discriminação devem ser consideradas questões transversais aos objectivos estratégicos atrás referidos.[10]

A importância da busca de promover o trabalho decente ganha maior notoriedade e atenção na comunidade internacional com a Agenda 2030, proposta no âmbito da Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, em que se ventilou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançado até 2030, constituindo-se o 8° ODS a temática do trabalho decente/digno e o crescimento econômico, na qual destaca-se os seguintes desdobramentos desse objetivo:

(…)

8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor

8.6 Até 2020, reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação;

8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas;

8.8 Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários;

(…)[11] (Grifos nossos)

Afira que fora firmado textualmente que o ambiente de trabalho seguro e protegido constitui um desdobramento da dimensão do trabalho decente/digno. Importa relatar que o meio ambiente do trabalho sadio é condição sine qua non para a efetivação de quaisquer direitos fundamentais do trabalhador, constituindo o mesmo desdobramento lógico ou um direito implícito decorrente da expressão “trabalho decente”, cuja terminologia, importa relatar, encontra-se envolto em um alto nível de vaguidade.[12]

3. DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

A proteção ao meio ambiente faz parte do plexo de direitos da terceira dimensão dos direitos fundamentais, sendo elencado como bem jurídico fundamental, tutelado no art. 225 da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Destaca-se que se adota, no Brasil, o conceito amplo de meio ambiente, sendo este composto por elementos naturais e sociais, de sorte que o meio ambiente do trabalho fica albergado, também, nas prescrições constitucionais do art. 225 e, de forma mais específica, no art. 200, VIII:[13]&

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Esse entendimento alargado de meio ambiente encontra-se respaldado na jurisprudência do STF, em específico na ação direta de inconstitucionalidade nº 3.540/05.[14]

É importante explicitar que a proteção ao meio ambiente do trabalho ainda é regrada na constituição Federal através do art. 7º, XXII, que garante direito aos trabalhadores urbanos e rurais quanto a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Percebe-se a superposição da 3º e 2° dimensões dos direitos fundamentais, no qual o direito ao meio ambiente sadio se entrelaça normativamente com o direito trabalhista no que tange a segurança e saúde do trabalhador.[15]

No plano do puro “dever-ser” busca-se um ambiente laboral em que os riscos ocupacionais possam ter neutralizados por completo. Sendo isso inviável, na práxis laboral, tem-se a monetização desses riscos ocupacionais o qual se dá pela percepção dos adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade possuindo status de regra constitucional de direito social. In verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

(…)

Como se afere da prescrição normativa constitucional está se diante de institutos de caráter essencialmente tutelar que para se efetivar necessita de regulamentação em lei o que lhe conferem natureza de norma constitucional de eficácia limitada.

O meio ambiente laboral sadio constitui direito fundamental do trabalhador. Não sendo possível ofertar um ambiente seguro e sadio vem por pecuniarizar a saúde do trabalhador, seja em face de condições que agridem a saúde do trabalhador continuamente, seja em face de um ambiente com riscos.

A CLT, em sua redação original não possuía um capítulo ou seção específica sobre a temática, sendo a normatização dado pela Lei n° 6.514/77 que alterou sensivelmente a CLT, à época.

Assim, na atualidade, além da previsão da Constituição Federal de 1988, tendo citado acima alguns dispositivos, a tutela quanto ao meio ambiente do trabalho é disciplinada no Capítulo V da CLT, intitulado “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, entre os arts. 154 a 201, que regula a matéria de forma geral.

Além disso, através da função normativa que possui o Poder Executivo, as seções do Capítulo V da CLT foram normatizadas no que tange aos seus aspectos técnicos, visto a natureza multidisciplinar da matéria (envolve conhecimento da medicina, psicologia, engenharia, dentre outros), através das normas regulamentares de segurança do trabalho (NR’s) expedido pelo Ministério do Trabalho.

As primeiras NR’s (28 à época) foram expedidas através da Portaria n° 3.214, de 8 de junho de 1978.

Através do Decreto nº 7.602/11 fora instituído pelo governo federal a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST.

Em 2018, por meio da Portaria nº 787 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, é baixado regras quanto a aplicação, interpretação e estruturação das Normas Regulamentadoras.

Além das normas de cunho doméstico, há diversas convenções internacionais sobre saúde e segurança do trabalho, seja como objeto principal ou de forma incidental.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT pode-se elencar mais de 20 convenções a tratar sobre a segurança do trabalho, tendo sido sua grande maioria recepcionado pelo sistema jurídico brasileiro, destacando-se, v.g.: Convenção n° 42 (Concernente à indenização das moléstias profissionais); Convenção n° 81 (Concernente à inspeção do trabalho na indústria e no comércio); Convenção n° 115 (Relativa à proteção dos trabalhadores contra as radiações ionizantes); Convenção n° 127 (Relativa ao peso máximo das cargas que podem ser transportadas por um só trabalhador); Convenção n° 155 (Sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho); Convenção n° 161 (Relativa aos serviços de saúde do trabalho); Convenção n° 174 (Sobre a prevenção de acidentes industriais maiores), dentre outras convenções.

Constate a elevada preocupação em sede nacional e internacional quanto a promoção de um meio ambiente do trabalho que propicie a devida segurança e saúde ao trabalhador de forma a garantir a sua higidez física e mental.

Não há como não reconhecer o status de direitos humano fundamental do trabalhador quanto a questão do meio ambiente do trabalho sadio.

4. DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL COMO MÍNIMO DOS MÍNIMOS

A doutrina do mínimo existencial remonta a doutrina alemã com destaque ao artigo intitulado “Conceito e essência dos Estados Sociais de Direito” do juiz e professor Otto Bachof no ano de 1954.

Essencialmente, defendia Otto Bachof para efetivar a dignidade da pessoa humana não bastava ao Estado garantir a esfera de liberdade do indivíduo em face de uma não intervenção, mas também, o de prover meio materiais mínimos a existência do indivíduo. A inviolabilidade da dignidade humana não consiste, tão somente, numa barreira protetora contra a não destruição/extermínio do indivíduo como também em um dever positivo do Estado quanto a sua subsistência.[16]

Como exercer o direito de liberdade se ausente um contexto mínimo de segurança social?

No que tange a doutrina brasileira, o primeiro a versar sobre o assunto foi o professor Ricardo Lobo Torres, em artigo publicado em 1989, vindo a definir mínimo existencial da seguinte maneira: “(…) um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”.[17]

Identifica-se que o direito ao mínimo existencial provém como um desdobramento lógico do direito à liberdade, posto que sem o mínimo material se oblitera a possibilidade de condições do exercício da liberdade.[18]

Tem-se no direito ao mínimo existencial a proteção negativa contra a intervenção do Estado e, simultaneamente, a garantia de prestação positiva do Estado de sorte que o status negativo e positivo acabam por convergir se co-aplicando simultaneamente.[19]

O professor Flávio Martins explicita que o mínimo existencial seria o gênero e desdobraria em duas espécies: a) mínimo fisiológico,  o qual se as condições matérias mínimas para o desenvolvimento da vida com dignidade de sorte que se associa aos direitos a alimentação, saúde, moradia, dentre outros;  e o b) mínimo sociocultural: o qual se refere a inserção no indivíduo na convivência social como reflexo do princípio da igualdade material.[20]

Importa relatar que não se deve confundir o mínimo existencial com o mínimo vital, o qual encontra-se abarcado pela dimensão do mínimo existencial, todavia, associa-se especificamente e exclusivamente ao direito à vida. E o mínimo existencial é muito mais que apenas garantia do direito à vida. [21]

Destaca-se o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet que vislumbra o mínimo existencial como direito autônomo não se resumido a concretização dos direitos sociais:

(…). No   caso   do   Brasil,   onde   também   não   houve   uma   previsão   constitucional   expressa consagrando  um  direito  geral  à  garantia  do  mínimo  existencial,  os  próprios  direitos  sociais específicos  (como  a  assistência  social,  a  saúde,  a  moradia,  a  previdência  social,  o  salário mínimo  dos  trabalhadores,  entre  outros)  acabaram  por  abarcar  algumas  das  dimensões  do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser (os direitos sociais) reduzidos pura  e  simplesmente  a  concretizações  e  garantias  do  mínimo  existencial,  como,  de  resto,  já anunciado. Por outro lado, a previsão de direitos sociais não retira do mínimo existencial sua condição de direito-garantia fundamental autônomo e muito menos afasta a necessidade de se interpretar  os  demais  direitos  sociais  à  luz  do  próprio  mínimo  existencial,  notadamente  para alguns efeitos específicos, (…).[22]

O professor Flávio Martins utiliza-se da expressão “mínimo dos mínimos existências” para referir-se ao direito a educação pública de qualidade, posto que esse direito permitiria progressivamente a implantação dos demais direitos sociais.[23]

No que tange especificamente ao direito humano fundamental ao trabalho decente, o qual é um reflexo do direito social do trabalho, propõe, aqui, a tese de se reconhecer o meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado como “mínimo dos mínimos existências” visto que o meio ambiente do trabalho seguro e acolhedor é conditio sine qua non para a efetivação dos demais direitos sociais e individuais do trabalhador.

Em um ambiente de trabalho adequado tem-se, por exemplo, a neutralização dos riscos inerente ao trabalho com o cumprimento das normas de segurança, garantindo a vida e a integridade física do trabalhador;[24] não se tem um tratamento diferenciado em face do gênero, cor, raça, etc.; o trabalho infantil, o trabalho forçado e práticas mobilizantes (assédio moral) não subsiste; a liberdade sindical é exercido sem embaraços, bem como é concretizado o direito a desconexão (efetivação do direito ao descanso);[25] há  devida percepção da renda justa de formar a garantir o sustento do trabalhador e de sua família.

É o meio ambiente do trabalho o pressuposto para o exercício de todos os demais direitos que compõe a ideia de trabalho decente delineado pela OIT. Sem a efetivação do meio ambiente do trabalho sadio todos os demais direitos trabalhistas tendem a não se implementar ou ser implementado com fragilidades.

A título de exemplo, a partir desta perspectiva, vislumbra-se um afronte a eficácia material do regramento constitucional a revogação, pela Portaria SEPRT nº 915, de 30 de julho de 2019, da norma regulamentadora n° 02 do Ministério do Trabalho que versava sobre a inspeção prévia dando eficácia as disposições do art. 160 da CLT que determina que nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção da autoridade responsável pela matéria de segurança e medicina do trabalho.[26]

Perceba a importância dos citados dispositivos para garantir que  os novos estabelecimentos antes de começar suas atividades estevam em conformidade com as regras de saúde e segurança do trabalho.

Importa relatar a tentativa de revogação, por duas vezes, do art. 160 da CLT. Inicialmente, pela Medida Provisória n° 905/19, que institui o contrato de trabalho verde e amarelo, e posteriormente, pela Medida Provisória n° 955/20 que tenta resgatar a proposta do contrato de trabalho verde e amarelo. Nenhuma destas medidas provisórias obtiveram êxito no processo de conversão lei, sendo extintas perda de sua vigência.

O art. 160 da CLT encontra-se, hoje, em vigência, entretanto, não há norma regulamentadora técnica que possa ofertar concretude material a mesma no âmbito das superintendências regionais do trabalho.

4. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de trabalho decente ventila um cenário de superação da pobreza, mitigação das desigualdades associado com o desenvolvimento sustentável de sorte que o trabalho possa ser o caminho provedor da dignidade da pessoa humana e consequentemente da justiça social.[27]

Não se tem dúvida de que a ideia de trabalho decente ventilado pela OIT em 1999 constitui-se, em verdade, um direito humano fundamental, no Brasil, a partir da moldura constitucional dos direitos trabalhistas indisponíveis com destaque aqueles prescritos no arts. 7º e 8º da Constituição de 1988.

Defende-se neste ensaio que o direito fundamental a um meio ambiente do trabalho sadio se apresenta como o mínimo dos mínimos existenciais trabalhistas, posto que auxiliará no concretização de outros direitos que formatam a definição de trabalho decente.

É tão somente em um meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado que se expurga o vírus da discriminação (gênero, racial, orientação sexual, dentre outros), que se permite o exercício da liberdade ao trabalhador, que se garante o direito à saúde (física, mental e social) e se resguarda o direito à vida daquele que labora, que se combate preventivamente a epidemia do assédio moral, as formas de trabalhos forçados e se efetiva a abolição do trabalho infantil.

Dizer que o meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado é o mínimo dos mínimos existenciais é impor aos empregadores  que devam garantir prioritariamente esse direito visto que forma um direito líquido e certo, sendo atribuído o Estado o dever de fiscalizar sua promoção adequadamente.

Por fim, vislumbra-se que a concretização do 8º objetivo do desenvolvimento sustentável só ocorrerá de forma satisfatória tendo por foco o meio ambiente do trabalho o que viabilizará atingir os 4 objetivos estratégicos da OIT.

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TORRES, Ricardo   Lobo.   O   Mínimo   existencial   e   os   direitos   fundamentais. IN: Revista   de   direito administrativo, n. 177, p. 29-49,1989, p. 20. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46113>. Acesso em: 29 de novembro de 2022. UNITED NATIONS. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York. 2015. Disponível: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N15/291/89/PDF/N1529189.pdf?OpenElement>. Acesso em: 30 de novembro de 2022.


[1] Doutorando em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar. Especialista em Direito Eletrônico pela Universidade Estácio de Sá. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado a linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Natal-Central. Professor efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Natal-Central. E-mail: rocconelson@hotmail.com

[2] Cf. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Trabalho decente: direito humanos e fundamental. 2° ed. Belo Horizonte: Dialética, 2020, ps. 97-98.

[3] Também se utiliza a expressão trabalho digno.

[4] “(…). Decent work means productive work in which rights are protected, which generates an adequate income, with adequate social protection. It also means sufficient work, in the sense that all should have full access to income-earning opportunities. It marks the high road to economic and social development, a road in which employment, income and social protection can be achieved without compromising workers’ rights and social standards. Tripartism and social dialogue are both objectives in their own right, guaranteeing participation and democratic process, and a means of achieving all the other strategic objectives of the ILO. The evolving global economy offers opportunities from which all can gain, but these have to be grounded in participatory social institutions if they are to confer legitimacy and sustainability on economic and social policies”. (ILO. Report of the Director-General: Decent Work. Geneva, 1999. Disponível: <https://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc87/rep-i.htm#Human%20rights%20and%20work>. Acesso em: 10 de novembro de 2022)

[5] Cf. ILO. Report of the Director-General: Decent Work. Geneva, 1999. Disponível: <https://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc87/rep-i.htm#Human%20rights%20and%20work>. Acesso em: 10 de novembro de 2022.

[6] Cf. OIT. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Genebra, 1998. Disponível: <https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf>. Acesso em: 10 de novembro de 2022.

[7] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho: trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 3° ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 52.

[8] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 9°ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 489.

[9] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 17º ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 101.

[10] OIT. Declaração da OIT Sobre Justiça Social para uma Globalização Justa. Genebra, 2008, p. 11. Disponível: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/—ro-geneva/—ilo-lisbon/documents/publication/wcms_711685.pdf>. Acesso em: 10 de novembro de 2022.

[11] Cf. UNITED NATIONS. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. 2015.  New York. Disponível: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N15/291/89/PDF/N1529189.pdf?OpenElement>. Acesso em: 10 de novembro de 2022.

[12] A vaguidade seria a falta de precisão no que toca ao significado de uma palavra, ou seja, tem-se a incapacidade de determinar que objetos são abarcados em seu conceito o que torna incerto a sua utilização. Com o fito de solucionar esse problema busca-se a definição com o desiderato de delimitar a palavra, posto que na medida que se elege os critérios conotativos restringe-se as possíveis denotações. (Cf. CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-semântico. 6° ed. São Paulo: Noeses, 2019, ps. 825-86). “(…). Um sentido é vago quando não se pode reconhecer e delimitar com precisão os objetos aos quais a palavra se aplica. (…)”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 11ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2019, p. 108)

[13] “Com efeito, a nossa Lei Fundamental de 1988 adota de forma expressa um conceito amplo para o bem jurídico ambiental, contemplando a integração entre os elementos naturais e os elementos humanos (ou sociais). A título de exemplo, o dispositivo constitucional que trata do patrimônio cultural (art. 216, V) evidencia essa abordagem normativa, ao referir que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, incluindo ‘os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico’. Outra previsão constitucional que reflete a amplitude do conceito de ambiente é o art. 200, VIII, especificamente no sentido de incluir também o ambiente do trabalho no seu conteúdo, ao enunciar que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS)’ colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho’. (…)”. (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEITER, Tiago. Direito ambiental – Introdução, fundamentos e teoria geral. São Paulo: São Paulo, 2014, p. 312). “O estudo das normas e princípios sobre proteção da vida e da saúde do trabalhador, portanto, tem início com a estruturação do Direito do Trabalho como disciplina jurídica cientificamente autônoma. A migração desse estudo para o campo do Direito Ambiental só tem início na década de 1970, sobretudo a partir da doutrina italiana que desde o início conjugou os estudos sobre proteção da flora, da fauna, da paisagem e da qualidade do ambiente urbano (combate à poluição sonora, visual, atmosférica) àqueles sobre os espaços confinados nas indústrias ou, num sentido mais preciso, sobre o meio ambiente do trabalho”. (FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito ambiental. 6º ed. São Paulo: RT, 2013, ps. 257-258). Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 10º ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 962.

[14] “(…). Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. (…)”. (Grifos nossos) (STF, Pleno, ADI nº 3.540/95, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em: 01/09/2005, DEJT 03/02/2006)

[15] “No meio ambiente do trabalho, o bem jurídico tutelado é a saúde e a segurança do trabalhador, o qual deve ser salvaguardado das formas de poluição do meio ambiente laboral, a fim de que desfrute de qualidade de vida saudável, vida com dignidade. (…)”. (BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 11º ed. São Paulo: LTR, 2017, p. 694)

[16] BACHOF, Otto. Begriff und Wesen des sozialen Rechtsstaates. IN: Veröffentlichungen der Vereinigung der deutschen Staatsrechtlehrer (VVDStRL), n. 12. Berlin: Walter de Gruyter & Co., 1954, ps. 42-43.

[17] TORRES,   Ricardo   Lobo.   O   Mínimo   existencial   e   os   direitos   fundamentais. IN: Revista   de   direito administrativo, n. 177, p. 29-49,1989, p. 20. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46113>. Acessado em: 29 de novembro de 2022.

[18] “Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. (…).

O fundamento do direito ao mínimo existencial, por conseguinte, está nas condições para o exerc(Cio da liberdade, (…).” (TORRES,   Ricardo   Lobo.   O   Mínimo   existencial   e   os   direitos   fundamentais. IN: Revista   de   direito administrativo, n. 177, p. 29-49,1989, p. 30. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46113>. Acessado em: 29 de novembro de 2022)

[19] TORRES,   Ricardo   Lobo.   O   Mínimo   existencial   e   os   direitos   fundamentais. IN: Revista   de   direito administrativo, n. 177, p. 29-49,1989, p. 35. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46113>. Acessado em: 29 de novembro de 2022.

[20] Cf. MARTINS, Flávio. Direitos Sociais em Tempos de Crise Econômica. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 75.

[21] Cf. MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. 6º ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 500.

[22] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (Da Pessoa) Humana, Mínimo Existencial e Justiça Constitucional: Algumas Aproximações e Alguns Desafios. IN: Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis (SC), v. 1, n. 1, p. 29–44, 2013, ps. 37-38. Disponível em: <https://revistadocejur.tjsc.jus.br/cejur/article/view/24>. Acesso em: 29 de novembro de 2022.

[23] “Não sendo a educação tratada como o ‘mínimo dos mínimos’, a preponderância de outros direitos sociais sobre ela gera uma consequência perniciosa: os direitos sociais tutelados podem ser vistos como manobras políticas a uma sociedade inculta, benesses de uma gestão política ‘salvadora’ (…).

Dessa maneira, considerando-se a educação básica de qualidade como um mínimo dos mínimos essenciais, será possível concretizar a progressividade da implantação dos direitos sociais, na medida em que a sociedade estará cada vez mais instrumentalizada para exigir e até mesmo implementar diretamente muitos dos direitos constitucionalmente previstos. (…)”. (MARTINS, Flávio. Direitos Sociais em Tempos de Crise Econômica. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 97)

[24] O Brasil, em 1975, chegou a ser o país com o maior quantitativo de acidentes do trabalho do mundo. Cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de.  Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 12º ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 30. “Durante o ano de 1975, segundo os dados oficiais, dos 12.996.796 de trabalhadores com registro formal no Brasil, 1.916.187 sofreram acidente do trabalho, acarretando 4.001 mortes”. (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de.  Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 12º ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 30)

[25] De acordo com as “Estimativas conjuntas da OMS e da OIT sobre o ônus de doenças e lesões relacionadas ao trabalho, 2000-2016” o risco ocupacional que gerou mias mortes foi o excesso de trabalho decorrente de longas horas de trabalho semanais (igual ou superior a 55 horas). “Globally in 2016, a total of 1.88 (95% uncertainty range (UR): 1.84–1.92) million deaths and 89.72 (95% UR: 88.61–90.83) million disability-adjusted life years (DALYs) were estimated to be attributable to the 41 pairs of occupational risk factor and health outcome. Diseases accounted for 80.7% (1.52 million; 95% UR: 1.47–1.56 million) of the deaths and 70.5% (63.28 million; 95% UR: 62.17–64.39 million) of the DALYs, and injuries accounted for 19.3% (0.36 million; 95% UR: 0.36–0.37 million) of the deaths and 29.5% (26.44 million: 95% UR: 26.42–26.46 million) of the DALYs. All covered diseases are noncommunicable diseases. The occupational risk factor with the largest number of attributable deaths was exposure to long working hours (≥ 55 hours per week) (744 924 deaths; 95% UR: 705 519–784 329), followed by occupational particulate matter, gases and fumes (450 381 deaths; 95% UR: 430 248–470 514) and occupational injuries (363 283 deaths; 95% UR: 358 251–368 315). The health outcome with the largest work-related burden of deaths was chronic obstructive pulmonary disease (450 381 deaths; 95% UR: 430 248–470 514), followed by stroke (398 306 deaths; 95% UR: 369 693–426 919) and ischaemic heart disease (346 618 deaths; 95% UR: 319 524–373 712). A disproportionately large work-related burden of disease is observed in the WHO African Region, South-East Asia Region and the Western Pacific Region, males and older age groups” (Grifos nossos). (OIT. Joint Estimates of the Work-related Burden of Disease and Injury, 2000-2016: Global Monitoring Report. Genebra, 2021, p. 10. Disponível: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_dialogue/—lab_admin/documents/publication/wcms_819788.pdf>. Acesso em: 30 de novembro de 2022)

[26] CLT. Art. 160 – Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho.

§ 1º – Nova inspeção deverá ser feita quando ocorrer modificação substancial nas instalações, inclusive equipamentos, que a empresa fica obrigada a comunicar, prontamente, à Delegacia Regional do Trabalho.

§ 2º – É facultado às empresas solicitar prévia aprovação, pela Delegacia Regional do Trabalho, dos projetos de construção e respectivas instalações.

[27] “Por conseguinte, segue-se aqui o entendimento de que o trabalho digno ou decente incondicional – na perspectiva dos Direitos Humanos, constitui verdadeiro instrumento de transformação social [para se alcançar no âmbito de ordem pública interna e internacional a efetiva justiça social”. (ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. Trabalho decente: direito humanos e fundamental. 2° ed. Belo Horizonte: Dialética, 2020, p. 198)