GIG ECONOMY E O PRECEDENTE DO TRT-4: UM NOVO PARADIGMA TRANSCONSTITUCIONAL A RESPEITO DA CONTROVERSA DECLARAÇÃO DE EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE VÍNCULO TRABALHISTA NA PLATAFORMA UBER

GIG ECONOMY E O PRECEDENTE DO TRT-4: UM NOVO PARADIGMA TRANSCONSTITUCIONAL A RESPEITO DA CONTROVERSA DECLARAÇÃO DE EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE VÍNCULO TRABALHISTA NA PLATAFORMA UBER

31 de maio de 2023 Off Por Cognitio Juris

GIG ECONOMY AND THE TRT-4 PRECEDENT: A NEW TRANSCONSTITUTIONAL PARADIGM REGARDING THE CONTROVERSIAL DECLARATION OF THE EXISTENCE (OR NOT) OF LABOR RELATIONSHIP ON THE UBER PLATFORM

Artigo submetido em 30 de abril de 2023
Artigo aprovado em 09 de maio de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Bruno Gentil Dore[1]
Paulo Henrique Tavares da Silva[2]

Resumo

A Gig Economy, conceito recente que engloba formas de emprego alternativo e “modernizadas”, trouxe diversos desafios para o âmbito de discussões das relações de trabalho. Nesse campo, temos o célebre caso da empresa Uber, um aplicativo de mobilidade que conecta passageiros e motoristas, contudo, a plataforma não possui carros de sua propriedade, contando apenas com a plataforma que faz a intermediação. Esses fatores ensejam árduas controvérsias no campo da declaração de existência de vínculo trabalhista entre os motoristas e o Uber. Com isso, o Superior Tribunal de Justiça e a 4ª e 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiram, em algumas ocasiões, que o vínculo não existe, entretanto, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o referido vínculo existia. Para além disso, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ancorado em uma decisão proferida pela Suprema Corte do Reino Unido entendeu que existia o vínculo, condenando o Uber ao pagamento das verbas, assim como em um milhão de reais por dumping social. Esses contornos nos levam ao principal problema analisado neste estudo: estamos diante de um novo paradigma transconstitucional em termos de declaração de existência de vínculo de trabalho entre Uber e seus motoristas? Essa é a questão que será explorado neste artigo científico.

Palavras-chave: Direito do Trabalho; Direito Constitucional; Transconstitucionalismo; Uber; Gig Economy.

Abstract

The Gig Economy, a recent concept that encompasses alternative and “modernized” forms of employment, brought several challenges to the level of discussions of labor relations. In this field, we have the famous case of the company Uber, a mobility application that connects passengers and drivers, however, the platform does not own cars, relying only on the platform that makes the intermediation. These factors give rise to arduous controversies in the field of declaring the existence of an employment relationship between drivers and Uber. As a result, the Superior Court of Justice and the 4th and 5th Panels of the Superior Labor Court decided, on some occasions, that the bond does not exist, however, the 3rd Panel of the Superior Labor Court decided that the said bond existed. In addition, the Regional Labor Court of the 4th Region, based on a decision handed down by the Supreme Court of the United Kingdom, understood that the link existed, condemning Uber to pay the sums, as well as one million reais for social dumping. These contours lead us to the main problem analyzed in this study: are we facing a new transconstitutional paradigm in terms of declaring the existence of an employment relationship between Uber and its drivers? This is the question that will be explored in this scientific article.

Keywords: Labor Law; Constitutional right; Transconstitutionalism; Uber; Gig Economy.

Introdução

A Gig Economy (economia sob demanda) trouxe enormes desafios para as relações de trabalho na sociedade moderna, com respostas que o ordenamento jurídico atual ainda não consegue entregar de forma condizente com as novas realidades trabalhistas. Um dos casos mais célebres nesse conflito é o do aplicativo digital de transporte: a Uber.

Na plataforma da Uber, os usuários podem acionar motoristas para serviços de transporte sob demanda, não necessitando contratá-los formalmente para esse desígnio, de modo que os usuários sequer sabem previamente ao chamado quem será o motorista escolhido.

Ocorre que, no contexto da Gig Economy, o “prestador de serviço” não possui um vínculo formal com a empresa para qual ele presta seus serviços. Curiosamente, sequer a Uber possui veículos de sua propriedade para prestação do transporte, sendo os carros fornecidos pelos próprios motoristas que se inscrevem na plataforma.

Dito isso, vemos que a Uber conta com relações formais no mundo digital e simultaneamente informais no aspecto do trabalho. Nesse ínterim, a Gig Economy ficou conhecida no Brasil como “Uberização”, sendo, por vezes, utilizado o termo como sinônimo de precarização das relações de trabalho, trazendo à baila uma controvérsia moderna entre a evolução das relações na economia 4.0 e a intensificação do trabalho.

Diante dessa colisão de valores, não se verifica um consenso a nível global a respeito de como lidar com essas relações de trabalho na era 4.0, suscitando decisões contraditórias em diversos países, inclusive, o Brasil. Sob os auspícios de decisões exaradas pelos Ministros que compõem as 4ª e 5ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Uber tem operado como tem feito em todo o globo, sem efetivação de vínculos trabalhistas com os seus motoristas.

No entanto, em decisão não unânime, a maioria da 3ª Turma do TST (dois dos três ministros) entendeu pela existência de vínculo trabalhista entre a Uber e os motoristas cadastrados na plataforma, estabelecendo um novo precedente nesse campo no Brasil, notadamente a nível de Tribunal Superior.

Ademais, existem Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) que entendem existir vínculo de natureza trabalhista entre o motorista e a empresa Uber, assim, o caso paradigmático para o presente trabalho é o do TRT da 4ª Região, pertencente à circunscrição jurídica do Rio Grande do Sul, precedente que será investigado neste artigo.

Em resumo, na data de setembro de 2021, o TRT-4 reconheceu o vínculo entre motorista e a Uber, condenando a empresa por dumping social e decidindo com utilização de premissas decorrentes de precedente firmado anteriormente pela Suprema Corte do Reino Unido. Dessa feita, vê-se que o TRT-4 aplicou a teoria do Transconstitucionalismo de Marcelo Neves como fundamento cognitivo para o deslinde da ação n. 0020750-38.2020.5.04.0405, promovendo um diálogo entre a ordem jurídica brasileira e a inglesa.

Do precedente acima surge o tema central deste trabalho: analisar a aplicação do transconstitucionalismo, para, consequentemente, avaliar seu potencial para gerar um novo paradigma na controvérsia referente à (in)existência de vínculo trabalhista nas relações envolvendo os motoristas e a Uber. Para atingir o objetivo de estudo, o presente artigo será dividido em 3 (três) capítulos.

Inicialmente, no primeiro tópico, avaliar-se-á brevemente o cenário da discussão da existência de vínculo trabalhista no aplicativo Uber, assim como os contornos fáticos envolvendo o caso que ocasionou o acórdão da reclamação trabalhista n. 0020750-38.2020.5.04.0405, do TRT-4. Pretende-se também analisar o conceito de Dumping Social, haja vista a relevância da condenação aplicada no precedente retromencionado.

O segundo capítulo contempla o estudo e conceituação da teoria do transconstitucionalismo, cuja autoria é atribuída ao professor Marcelo Neves, autor do livro nomeado a partir da teoria, o qual será, inclusive, uma das bases bibliográficas deste trabalho. Já no terceiro capítulo será explorada a aplicação do transconstitucionalismo na reclamação trabalhista n. 0020750-38.2020.5.04.0405, avaliando seu potencial para gerar um novo paradigma no embate entre a existência de vínculo trabalhista ou não nos casos envolvendo a Uber.

Por fim, esta pesquisa possui natureza bibliográfica, com fundamento na teoria do transconstitucionalismo, assim como outros livros, precedentes judiciais da justiça do trabalho, artigos acadêmicos e notícias. Quanto à metodologia de pesquisa, utilizar-se-á o método dedutivo, de acordo com PASOLD (2008, p.86), com o objetivo de permitir a sistematização e conclusão do resultado pretendido por este artigo, partindo da aplicação da teoria do transconstitucionalismo ao precedente trabalhista do TRT-4.  

2 A CONTROVÉRSIA DA EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE VÍNCULO TRABALHISTA ENTRE MOTORISTAS E A UBER NO BRASIL.

O presente tópico será subdividido em três seções. Na primeira, o contexto fático envolvendo a Uber no Brasil será analisado. Em um segundo momento, os precedentes judiciais referentes à controvérsia da existência de vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber. Ao fim, o estudo do acórdão exarado pela 8ª Turma do TRT-4, com incursão no embasamento pelo Tribunal de precedente firmado pela Suprema Corte Inglesa.

2.1 A RELAÇÃO ENTRE GIG ECONOMY E A UBER.

A princípio, para compreendermos a controvérsia existente nos Tribunais do Trabalho, é fundamental entender o que significa a Gig Economy, sendo, em curtas palavras, um arranjo alternativo ao trabalho. Juliana Marques sustenta que “mercado de trabalho no qual se baseia a Gig Economy é caracterizado pela prevalência de contratos de curto prazo ou trabalho freelancer, em oposição a empregos permanentes” (MARQUES, 2020, p. 70).

No afã de explicar as implicações práticas dessa nova economia, Juliana esclarece ainda que “Tanto é assim que a prestação de serviço não é chamada de ‘trabalho’, mas sim ‘gigs’, ‘tarefas’, ‘favores’. ‘serviços’, ‘caronas’.” (MARQUES, 2020, p. 72). Na visão da autora, essa perspectiva de trabalho cria a “ilusão de uma dimensão paralela”, onde inexiste proteção e regulação do trabalho, deixando os trabalhadores desamparados nesse aspecto.

No contexto dessa economia surge a empresa Uber, um aplicativo digital de transportes, estando presente em território nacional desde 2014, e sendo utilizado em mais de 500 cidades ao redor do globo[3]. Henrique Sousa e Uérlei Morais esclarecem que:

A Uber Technologies Inc. é uma empresa de capital fechado criada nos Estados Unidos, na cidade de São Francisco, Califórnia. A empresa é responsável por fornecer, desde 2009, serviços de transporte urbano privado por meio de um aplicativo elaborado para uso em dispositivos móveis. (SOUSA E MORAIS, 2021, p. 06)

Ocorre que, apesar de ser um aplicativo de transportes, a empresa não detém propriedade de veículos com essa finalidade. No cadastro de pessoas jurídicas da Receita Federal brasileira, consta no cadastro da empresa como atividade primária “o desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis.”. Nessa perspectiva, a empresa atua como uma espécie de intermediária na relação firmada entre o cliente e o motorista. A existência do aplicativo de mobilidade no Brasil é permeada de questões jurídicas controversas.

Em 2019, contestou-se a ausência de licenciamento junto ao poder público por parte da Uber, esse questionamento adveio de diversos protestos[4] que ocorreram no Brasil de taxistas que consideravam injusto o favorecimento ao aplicativo decorrente da omissão legislativa em diversos aspectos que as cooperativas de taxis precisavam cumprir. Sob esse argumento, entendia-se que existia uma concorrência desleal em função do vácuo legislativo.

A pressão social pela regularização dessa questão culminou na publicação da Lei nº 13.640/2018, que regulamentou o transporte remunerado privado individual de passageiros, trazendo uma série de exigências para aplicativos de transporte[5]. Apesar da regulamentação mais específica dos aplicativos de transporte, a questão de existência ou não de vínculo trabalhista ficou em uma “área cinzenta”, estando obnubilada até o presente momento.

2.2 O CENÁRIO JURISPRUDENCIAL DA EXISTÊNCIA (OU NÃO) DE VÍNCULO TRABALHISTA ENTRE A UBER E SEUS MOTORISTAS.

Antes de ingressar no âmbito dos Tribunais do Trabalho, é preciso mencionar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu, em 2019, por ocasião de julgamento do Conflito de Competência nº 164544/MG que inexiste o referido vínculo empregatício, sendo da competência da Justiça Comum Estadual o julgamento de causas envolvendo a Uber e os motoristas cadastrados na plataforma:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, geralmente, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual. (STJ – CC: 164544 MG 2019/0079952-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, DJ: 28/08/2019, S2 – Segunda Seção, Data de Publicação: DJe 04/09/2019) (BRASIL, 2019)

Como se depreende do acórdão acima transcrito, antes mesmo de o TST se debruçar sobre o tema o STJ já possuía entendimento na orientação de que não existia o aludido vínculo empregatício, definindo a competência dos tribunais estaduais para dirimir questões envolvendo motoristas e a Uber.

Por um certo tempo, o TST possuía decisões em harmonia com o precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça. Para ilustrar esse entendimento, cita-se o Recurso de Revista nº 1000123-89.2017.5.02.0038, por ocasião do julgamento do recurso, em fevereiro de 2020, a 5ª Turma do TST afirmou:

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar “off line” , sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 10001238920175020038, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 05/02/2020, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/02/2020) (BRASIL, 2020)

 O precedente transcrito acima firmou premissas de extrema relevância para definição  de jurisprudência quanto ao tema. Na perspectiva do Ministro relator, Breno Medeiros, o percentual reservado ao motorista (de 75% a 80%) caracteriza vantagem remuneratória não condizente com as perspectivas de uma relação trabalhista strictu sensu, declarando inexistir vínculo trabalhista no caso.

Em setembro do mesmo ano, a 4ª Turma do TST reiterou o posicionamento aplicado pela 5ª Turma do TST, agora no julgamento do Recurso de Revista nº 0010575-88.2019.5.03.0003, de relatoria do Ministro Alexandre Luiz Ramos, que afirmou em seu voto não existir vínculo em razão de o motorista poder dispor livremente a respeito do momento em que prestará o serviço, inexistindo a exigência de trabalho ou número mínimo de viagens para permanecer na plataforma. Ainda nessa perspectiva, o ministro destacou que:

O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquele prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020) (TST – RR: 0010575882019503.0003, Relator: Alexandre Luiz Ramos Data de Julgamento: 09/09/2020, 5ª Turma) (BRASIL, 2020)

Conforme se verificou na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, a 4ª Turma comungou com o entendimento estabelecido pela 5ª Turma, no sentido que inexiste o vínculo, diante de razões como a eventualidade da prestação do serviço, assim como a mera intermediação digital por parte da Uber, fator inerente à Gig Economy. Ocorre que houve uma cisão do entendimento predominante por parte do TST em dezembro de 2021, quando a maioria da 3ª Turma reconheceu vínculo entre motorista e o aplicativo

O caso em questão se refere ao Recurso de Revista n. 100353-02.2017.5.01.0066, ainda pendente de julgamento definitivo. No entanto, o Ministro relator Maurício Godinho Delgado e o Min. Alberto Bresciani já se manifestaram no sentido de reconhecer o vínculo, Em seu voto, Godinho entendeu que de um lado há uma pessoa humana e de outro uma entidade empresarial que realiza a gestão do serviço, de modo que a Uber conseguiria realizar um controle minucioso da prestação do serviço, ainda nas palavras do Ministro, o “controle é mais preciso do que o previsto originalmente na CLT.” (BRASIL, 2021).

Por ser uma realidade recente e desafiadora, a Gig Economy ocasionada diversas interpretações distintas a respeito de suas repercussões no mundo do trabalho, com a decisão divergente, o TST abriu um novo precedente que enseja novas incursões sobre a temática, principalmente se levarmos em conta as palavras de Godinho: “Essa empresa não teria um único ganho se o serviço não fosse realizado. Então é um sistema empresarial bastante inteligente, admirável, mas que não escapa – ao contrário, sofistica – a subordinação.” (BRASIL, 2021)

2.3 DUMPING SOCIAL E O PRECEDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO 

O acórdão objeto de estudo neste artigo comunga do entendimento exarado pela 3ª Turma do TST, a despeito de ter sido proferido meses antes. Na decisão colegiada, verificamos a relevância de decisões tomadas por Cortes Constitucionais estrangeiras, atraindo a incidência da teoria do Transconstitucionalismo de Marcelo Neves, que será melhor analisada oportunamente.

Quanto à causa de pedir da reclamação trabalhista, tombada sob o n. 0020750-38.2020.5.04.0405, a ação foi ajuizada sob o pretexto de que o autor teria sido bloqueado da Uber em 06/07/2020, tendo prestado seus serviços durante 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, objetivando a declaração de vínculo trabalhista, com pagamento das verbas referentes às repercussões da eventual procedência da demanda.

O autor da reclamação (designado como reclamante na seara trabalhista) entendeu que haveria dispensa sem justa causa, razão por qual pleiteou o reconhecimento de vínculo trabalhista e parcelas decorrentes. No primeiro grau, a 5ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul/RS, o processo foi julgado improcedente, razão pela qual o autor apresentou recurso ordinário encaminhado ao TRT-4. O recurso aportou à 8ª Turma do Tribunal, que reformou a sentença, reconhecendo a existência de vínculo trabalhista, sob a seguinte argumentação:

A chamada uberização das relações de trabalho (não por casualidade originada no próprio nome da ré), no capitalismo de plataforma, gig economy, crowdwork, trabalho digital, etc., operam figuras derivadas da quarta revolução industrial (a tecno-informática) que pretensamente criariam “novas formas” de relações de trabalho quando, na verdade, os elementos que as compõem são exatamente os mesmos de uma relação de emprego, escamoteados por nomes pomposos (normalmente estrangeiros), que transmudam a figura do empregador no “facilitador”, “gestor” ou “aproximador de pessoas”; a figura da pessoa trabalhadora no indivíduo microempreendedor de si mesmo ou no autônomo, que pretensamente não precisa “bater ponto” e não tem “patrão”, mas cuja sobrevivência depende da prestação de serviços por longos períodos (normalmente acima de 10 horas de trabalho ao dia), sete dias por semana, trinta dias por mês e doze meses por ano, sem direito a adoecer (não há recolhimento previdenciário), sem férias, sem décimo terceiro, sem FGTS, sem nenhuma garantia, cuja avaliação e cobrança é feita pelo usuário da plataforma e repassada instantaneamente pelo algoritmo (o controle e a subordinação são mais eficazez do que na relação de trabalho tradicional). Portanto, só o que muda é a máscara, a fraude emprestada e aperfeiçoada pelo algoritmo que tenta (e muitas vezes com sucesso), confundir as pessoas para elidir o respeito aos Direitos Humanos do Trabalho e descumprir a legislação social. Obviamente, a forma de prestação de serviços não desnatura a essência da relação de emprego, fundada na exploração de trabalho por conta alheia, pois os meios de produção continuam na propriedade da plataforma. Por outras palavras, não há nada de novo nisso, a não ser o novo método fraudulento de engenharia informática para mascarar a relação de emprego. Sentença reformada e vínculo empregatício reconhecido. (TRT-4 – RORSUM: 00207503820205040405, Desembargador Relator Marcelo José Ferlin D’Ambroso, Data de Julgamento: 23/09/2021, 8ª Turma) (RIO GRANDE DO SUL, 2021)

Com efeito, consoante verificamos na ementa transcrita acima, o relator, Desembargador Marcelo D’Ambroso define que a Gig Economy representa uma coletânea de termos modernos utilizadas sob o pretexto de transmudar a relação entre empregados e empregadores, excluindo os direitos trabalhistas e deixando os motoristas a mercê de uma economia 4.0 destituída de garantias e seguranças. Destaca-se na ementa: “Por outras palavras, não há nada de novo nisso, a não ser o novo método fraudulento de engenharia informática para mascarar a relação de emprego” (RIO GRANDE DO SUL, 2021).

Com essas considerações, a 8ª Turma do TRT-4 reformou, à unanimidade, a sentença de improcedência do primeiro grau, reconhecendo o vínculo empregatício entre reclamante e a Uber, e condenando-a, de ofício, ao pagamento de indenização por dano social, no importe de R$1.000.000,00, a ser revertida a entidade pública e/ou filantrópica a critério do Ministério Público do Trabalho. O dano social que se referiu os Desembargadores advém da compreensão de que a Uber praticou dumping social por meio de suas plataformas. Ao conceituar o que seria o dumping social, importante trazer a conceituação de Enoque Ribeiro Dos Santos a respeito desse fenômeno:

como uma prática de gestão empresarial antijurídica, moldada pela concorrência desleal e ausência de boa-fé objetiva, que busca primacialmente a conquista de fatias de mercado para produtos e serviços, seja no mercado nacional ou internacional, provocando prejuízos não apenas aos trabalhadores hipossuficientes contratados em condições irregulares, com sonegação a direitos trabalhistas e previdenciários, bem como às demais empresas do setor. (SANTOS, 2015, p. 02)

Diante dessas premissas, o dumping social pode ser resumido como uma conduta reiterada de gestão empresarial cuja finalidade é lesar direitos sociais trabalhistas. Nessa perspectiva, a 8ª Turma do TRT-4 entendeu que a Uber praticou dumping social ao violar de forma reincidente e inescusável os direitos trabalhistas.

Entretanto, levando em consideração o objetivo precípuo deste estudo deste artigo, é imprescindível apontar a menção no acórdão de fundamentos oriundos de premissas aplicadas pela Suprema Corte Inglesa, caracterizando a aplicação do Transconstitucionalismo. Conforme salientado no início deste capítulo, não há dúvida de que a Gig Economy gera debates em todo o globo, haja vista que diversas empresas transnacionais se inserem nessa nova realidade do trabalho.

Inclusive, deparando-se com a mesma problemática, a Suprema Corte Inglesa reconheceu que há subordinação dos motoristas do aplicativo à empresa Uber. O Relator citou expressivo trecho da decisão da Corte Constitucional situada no Reino Unido, o qual segue transcrito a seguir:

“Parece-nos que o caso geral dos demandados e os termos escritos nos quais eles se baseiam não correspondem à realidade prática. A noção de que Uber em Londres é um mosaico de 30.000 pequenas empresas vinculadas por uma plataforma comum é um pouco ridícula para nossas mentes. Em cada caso, o “negócio” consiste em um homem com um carro que procura ganhar a vida dirigindo-o. o Sr. Bertram falou em ajudar os motoristas a “expandir” seus negócios, mas nenhum motorista está em posição de fazer algo desse tipo, a menos que expandir seus negócios signifique simplesmente passar mais horas no volante. A função da Uber também não pode ser caracterizada como fornecedora de “vantagens” aos motoristas. Isso sugere que o motorista é colocado em contato com um possível passageiro com quem ele tem a oportunidade de negociar e fazer uma pechincha. Mas os motoristas não negociam e não podem negociar com os passageiros (exceto para concordar com uma redução da tarifa estabelecida pela Uber). Eles são oferecidos e aceitam viagens estritamente nos termos da Uber.[6] (INGLATERRA, 2020)

Na ótica da Corte Inglesa, os motoristas estão subordinados às políticas e termos estabelecidos pela Uber, argumento no sentido de que existe um vínculo entre esses motoristas. Essa visão se alinha com o que fora decidido pelo TRT-4 na ocasião aqui estudada, assim como pela 3ª Turma do TST, visto no subtópicos prévio.

Assim, expostos os contornos fáticos, prosseguimos no problema central deste trabalho, estamos diante de um novo paradigma transconstitucional em termos de declaração de existência de vínculo de trabalho entre a Uber e seus motoristas? Antes de tentar responder o questionamento, é imprescindível o estudo da teoria do transconstitucionalismo, do professor Marcelo Neves.

3 A TEORIA DO TRANSCONSTITUCIONALISMO DE MARCELO NEVES: CONCEITOS E PREMISSAS BÁSICAS.

No Brasil, a teoria do transconstitucionalismo é atribuída ao professor Marcelo Neves, que lançou em 2009 o livro homônimo sobre a teoria. Para firmar algumas premissas básicas sobre o transconstitucionalismo, é preciso enfrentar, ao menos perfunctoriamente, a compreensão do que seria o constitucionalismo. Sobre o aludido termo, Montcho, Ferreira e Soares são categóricos:

Tornou-se  óbvio  que  o  constitucionalismo  se  desenvolveu  no  mundo  de  maneira  espetacular.  Historicamente,  pode-se  dizer  que  a  palavra  constitucionalismo  refere-se  ao  movimento  de  aparecimento  das  Constituições  como  o  principal  meio  de  limitar  o  poder.  O  constitucionalismo  é  uma  teoria  do  Direito  que  sustenta  que  o  poder  soberano  e  os  direitos  fundamentais devem ser garantidos por uma constituição escrita e, assim, baseia-se na ideia da supremacia concedida à Constituição na hierarquia das normas. (MONTCHO et al. 2021, p. 3)

A ideia de uma constituição federal defensora dos direitos fundamentais tomou contornos mais relevantes com as sociedades contemporâneas, mormente com o Estado Social, malgrado o Estado Liberal já tenha fixado alguns preceitos com base nos interesses da burguesia. No entanto, consoante aponta Leonardo Furlan:

À guisa de conclusão, sem rememorar o que já se argumentou no desenvolvimento do texto, é necessário ressaltar os principais legados desse período do constitucionalismo e do Estado social. Para tanto deve se ter presente que esse período da história constitucional ocorreu de formas e modos diversos em cada país, com suas características locais diferenciadas, e cada qual com seu reflexo na realidade constitucional. De todo modo é possível sim sintetizar os legados, mesmo com essa ressalva, em dois grandes vértices:  possibilidade de intervenção do estado na economia e  igualdade material. Assim, desde o constitucionalismo social não se discute a possibilidade do Estado intervir na economia, embora em diferentes graus, é certo que há essa possibilidade e é certo que as Constituições preveem essa forma de atuação estatal, nem que seja, ao menos, para regulamentá-la. Do mesmo modo, não mais contenta-se com a igualdade meramente formal dos textos legais, pois necessário buscar uma igualdade material para possibilitar um mínimo existencial para cada indivíduo. E, para tanto, deve o Estado e toda coletividade agir de forma a possibilitar a minoração das desigualdades sociais. forma, o Estado social possibilitou a subida de mais um degrau na evolução do constitucionalismo e das Constituições dando outras possibilidades de ação que o constitucionalismo liberal não vislumbrava. (FURLAN, 2014, p. 04)

A partir do ideário transcrito acima, pode-se concluir que o constitucionalismo é uma expressão do Estado Social, colocando a constituição como centro da atuação estatal, tornando imperativos os direitos e deveres fundamentais e norteando a aplicação da legislação.

Nas palavras de Luhmann, “Do ponto de vista jurídico, justifica-se, então, individuar a novidade do conceito de Constituição criado pela revolução na positividade de uma lei que funda todo o direito, e até a legislação e o governo” (LUHMANN, 1990, p.10). Luhmann acrescenta que a “novidade evolutiva” das constituições na sociedade moderna advém da crescente importância delas na sistemática política e jurídica moderna (1990, p. 18).

Nessa perspectiva, Marcelo Neves aponta que o conceito de Constituição do constitucionalismo exsurge de dois problemas: a emergência, decorrente de uma sociedade em crescente nível de complexidade e heterogeneidade social, e a “questão organizacional da limitação e do controle interno e externo do poder” (2014, p. 205/206).

Enfrentada, ao menos superficialmente, a discussão do constitucionalismo, antes de explicar o conceito de transconstitucionalismo, traz-se à tona a concepção de Luhmann a respeito da sociedade mundial multicêntrica, cujo ideário é resumido por Eliane Leal:

A sociedade mundial multicêntrica, formada por pluralidade de esferas de comunicação com pretensão de autonomia e conflitantes entre si, estaria condenada a própria autodestruição, mas desenvolve mecanismos que possibilitam vínculos construtivos de aprendizado e influência recíproca entre as diversas esferas sociais. (LEAL, 2011, p. 27)

Nessa ótica, a respeito da sociedade multicêntrica, Marcelo Neves conclui que: “a diferença entre sistema e ambiente desenvolve-se em diversos âmbitos de comunicação, de tal maneira que se afirmam distintas pretensões contrapostas de autonomia sistêmica” e “toda diferença se torna ‘centro do mundo’, a policontexturalidade implica uma pluralidade de autodescrições da sociedade, levando à formação de diversas racionalidades parciais conflitantes” (NEVES, 2009, p. 23-24).

Assim, a sociedade contemporânea apresenta multiplicidade de centros, não possuindo um ponto privilegiado em relação aos demais. Por ser multicêntrica, esse fator eleva à sociedade à condição de “sociedade mundial”, em que a grande maioria dos problemas não podem ser vistos isoladamente, mormente os problemas de natureza ambiental. Neves é categórico ao afirmar que a sociedade mundial necessita da aplicação transconstitucionalismo para solucionar diversos de seus problemas:

As ordens estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais e locais, consideradas como tipos específicos, são incapazes de oferecer, isoladamente, respostas complexamente adequadas para os problemas normativos da sociedade mundial. Os modelos de constitucionalismo internacional, supranacional ou transnacional, como alternativas à fragilidade do constitucionalismo estatal para enfrentar os graves problemas da sociedade mundial, levam a perspectivas parciais e unilaterais, não oferecendo, quando considerados isoladamente, soluções adequadas para os problemas constitucionais do presente. (NEVES, 2009, p. 131)

Com essas premissas, e a partir da obra de Marcelo Neves, podemos concluir que o transconstitucionalismo é o diálogo a respeito de problemas constitucionais entre sociedades mundiais, o qual é protagonizado pelas cortes judiciais supremas dos Estados. Trazendo outra definição à baila, Araújo define o transconstitucionalismo como fenômeno que consiste na “existência de ordens jurídicas distintas tratando de uma mesma questão constitucional (2015, p. 65)”.

Além disso, o autor destaca que o transconstitucionalismo é um gênero do qual o interconstitucionalismo é espécie, ao passo que, o primeiro abarca relações “entre ordens constitucionais e anticonstitucionais” e o segundo “só comporta relações entre ordens jurídicas que satisfazem as exigências constitucionais”.

Importante fazer essa distinção antes de visualizarmos o transconstitucionalismo na prática. Dando continuidade, a Teoria da Interconstitucionalidade é desenvolvida por Canotilho (2008, p. 265) como necessária à compreensão do processo de construção europeia, permitindo o enfrentamento da seguinte questão:

[…] o intrincado problema da articulação entre constituições e da afirmação de poderes constituintes com fontes e legitimidade diversas. Tentar-se-á, por isso, uma compreensão da fenomenologia jurídica e política de constelações ou formações políticas compostas e complexas, a partir de uma perspectiva amiga do pluralismo de ordenamentos e de normatividades […] (CANOTILHO, 2008, p. 265)

No afã de melhor exemplificar a aplicação da teoria do transconstitucionalismo, interessa-nos citar o próprio Marcelo Neves em entrevista concedida ao ConJur, que respondeu sinteticamente o que é transconstitucionalismo, e como ele se aplica:

ConJur — O que é transconstitucionalismo?

Marcelo Neves — Em poucas palavras, o transconstitucionalismo é o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e limitação de poder que são discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas. Por exemplo, o comércio de pneus usados, que envolve questões ambientais e de liberdade econômica. Essas questões são discutidas ao mesmo tempo pela Organização Mundial do Comércio, pelo Mercosul e pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil. O fato de a mesma questão de natureza constitucional ser enfrentada concomitantemente por diversas ordens leva ao que eu chamei de transconstitucionalismo.

(CONJUR, 2019)  

Por esse ângulo, conclui-se que o diálogo e a utilização por Tribunais Superiores de decisões estrangeiras culminam na teoria do transconstitucionalismo. Além disso, a teoria exige, nas palavras de Marcelo Neves, “o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional.”. O mundo globalizado proporciona e facilita o diálogo entre ordens jurídicas de Estados distintos, permitindo a compreensão de como uma corte de um país distinto resolveu uma questão comum entre nações soberanas.

É o caso do precedente estudado neste artigo, o TRT-4 utilizou como fundamento decisório entendimento aplicado pela Corte Inglesa, caracterizando-se, sem dúvida, como a análise da questão sob a ótica da teoria do Transconstitucionalismo. Com essas considerações, podemos proceder ao capítulo central deste artigo, que tratará da análise da criação de um novo paradigma a partir da teoria do transconstitucionalismo no campo das relações de trabalho envolvendo a Uber.

4 UM NOVO PARADIGMA TRANSCONSTITUCIONAL NO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA DECLARAÇÃO DE VÍNCULO TRABALHISTA NO CASO UBER.

Neste tópico, objetiva-se analisar se a aplicação do transconstitucionalismo tem potencial para gerar um novo paradigma na controvérsia referente à (in)existência de vínculo trabalhista nas relações envolvendo os motoristas e a Uber. Verificamos no tópico introdutório que os precedentes firmados pelo TST, bem como o acórdão prolatado pelo TRT-4, tratam de decisões que evocam problemas de natureza constitucional com entrelaçamento de ordens jurídicas diversas e mundiais, estando essa problemática em sintonia com o que a teoria do transconstitucionalismo comunga.

Inclusive, nessa perspectiva, relevante citar a conclusão do grupo Ius Laboris (Global HR Lawyers), revista jurídica que conduziu estudo em escala global a respeito da Gig Economy;

Pode ser que controle e subordinação sejam conceitos ultrapassados ​​que se tornarão cada vez menos relevantes à medida que as relações de trabalho evoluem. Talvez um caminho a seguir seja focar na dependência econômica. Onde os trabalhadores dependem de uma plataforma específica para ganhar a vida, realmente importa quanto controle o operador dessa plataforma exerce sobre quando e como eles trabalham? Como vimos, no Canadá, Eslovênia e Coréia do Sul, a dependência econômica pode, pelo menos, fazer com que o trabalhador goze de um piso básico de direitos – mesmo que isso possa ficar aquém da proteção total do empregado. Outros países estão considerando ativamente abordagens semelhantes. Apesar da pressão generalizada por reforma, está claro que ainda estamos longe de qualquer tipo de mudança de paradigma sobre o que constitui “emprego” e que tipo de trabalho precisa ser protegido legalmente. Embora a legislação trabalhista até agora tenha falhado em acompanhar o desenvolvimento da Gig Economy, nossa pesquisa mostra que a pressão está aumentando sobre os governos. Se a Gig Economy continuar crescendo, eles terão que encontrar novas maneiras de pensar em como fornecer segurança e estabilidade para quem trabalha nela. (IUS LABORIS, 2018, p. 12).[7]

O grupo executou, em 2018, um levantamento da legislação de 40[8] países a respeito do reconhecimento de vínculo empregatício, tendo chegado à conclusão de que a probabilidade  desse reconhecimento é bastante baixa, chegando a 13%. Ao revés, a probabilidade de não reconhecimento do vínculo é de 53%, ficando 34% com resposta indefinida, o que denota, mais uma vez, a controvérsia global existente nessa discussão[9]. Nessa ótica, está bem definido que estamos diante de um problema que provoca o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, com aplicação diferente caso a caso. Ainda nas palavras do Marcelo Neves:

(…) quando os tribunais nacionais pretendem partir exclusivamente da ordem jurídico-constitucional, confrontam-se – sobretudo quando se trata de um caso extremo de jus cogens – com a crescente dificuldade de deixar de lado as instituições e as normas do direito internacional público em nome da soberania, pois essa não pode ser mais legitimada simplesmente como um conceito de autonomia territorial, mas sim cada vez mais como uma noção relativa à ‘uma responsabilidade política regional nas condições estruturais da sociedade mundial. (NEVES, 2009, p. 134)

Consoante disposto no tópico anterior, o Transconstitucionalismo se refere precipuamente à aplicação de precedentes estrangeiros por Cortes Constitucionais que se debruçam com problemas jurídicos de nível mundial. É o que se verifica no precedente adotado pelo TRT-4. Os Tribunais Regionais do Trabalho exercem seu papel constitucional de observar e aplicar os direitos fundamentais dos trabalhadores, conforme disposto no art. 114 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Além disso, o processo n. 0020750-38.2020.5.04.0405 ainda está pendente de trânsito em julgado, tendo a Uber interposto Recurso de Revista, objetivando a reforma da decisão colegiada proferida pelo TRT-4, visando a descaracterização do vínculo, bem como a reforma da multa por dumping social.

Quanto ao juízo de admissibilidade[10], o Recurso foi admitido no TRT-4 em relação à questão da possibilidade de aplicação (ou não) de multa de ofício referente ao dumping social. Ato contínuo, os autos foram encaminhados ao TST, estando sob relatoria do Ministro Alberto Bastos Balazeiro, da 3ª Turma do Tribunal Superior, estando pendente de apreciação para decisão de recebimento do recurso desde 27/09/2022. Repisa-se que a 3ª Turma do TST já decidiu favoravelmente aos motoristas em casos similares, entendendo que existe vínculo trabalhista entre a Uber e os motoristas.

Entretanto, o julgado certamente tem o potencial de fixar um paradigma em termos de aplicação do transconstitucionalismo na discussão envolvendo a Gig Economy e a declaração de vínculo trabalhista. A decisão do TRT-4 é marcadamente embasada no precedente estabelecido pela Corte Inglesa. O julgamento pela Corte do Reino Unido decorre do Case Ors v Aslam & Ors [2018] EWCA Civ 2748, quanto à decisão inglesa, é imprescindível transcrever a seguinte passagem:

161. A única base na qual o ET considerou que eles estão, no entanto, sob uma obrigação contratual com o Uber enquanto o aplicativo estiver ligado é que eles podem ser desconectados por um período especificado se rejeitarem viagens ou cancelá-las com muita frequência. Mas, como digo no par. 138 acima, não acredito que isso implique uma obrigação contratual positiva por parte dos motoristas de aceitar (e não cancelar posteriormente) um número mínimo de viagens oferecidas. Acrescentaria que, se existisse tal obrigação, seria necessário especificar qual era a obrigação mínima. O ET não se baseou, na sua fundamentação real, em qualquer conclusão quanto a isso. O EAT, no entanto, baseou-se num documento citado pelo ET nas suas conclusões que se referia à obrigatoriedade de os condutores aceitarem 80% das viagens oferecidas: ver par. 51 de seu julgamento (citado por meus Lordes no para. 21) e para. 89 do acórdão do EAT. M. Rose alegou que a recitação desse documento não constituía uma constatação e que, de fato, a prova oral era que não se tratava de um valor aplicado pela Uber no Reino Unido. Pode haver alguma força nessa objeção, mas de forma alguma considero o ponto central. Se, contrariamente ao meu ponto de vista, o direito de desligar os condutores que recusaram ofertas ou cancelaram com demasiada frequência refletisse uma obrigação positiva da sua parte de aceitar a maioria das viagens, não seria impossível encontrar uma formulação adequada para essa obrigação por referência a um critério de razoabilidade e/ou evidências sobre o que aconteceu na prática.[11] (INGLATERRA, 2020).

Nesse caso, imprescindível mencionar que a Suprema Corte do Reino Unido reconheceu dois profissionais que eram vinculados à Uber como “workers” uma categoria intermediária que se situa entre profissional autônomo e empregados efetivos. Não é possível fazer um paralelo com a situação do Brasil, pois inexiste figura similar no nosso direito. Na prática, é um profissional que goza de um patamar intermediário de direitos trabalhistas, fazendo jus à fixação de salário-mínimo, recolhimentos previdenciários e férias[12].

Assim, pode-se concluir que o precedente exarado pela Corte Inglesa tem o potencial de fixar um paradigma em termos de aplicação do transconstitucionalismo na discussão envolvendo a Gig Economy e a declaração de vínculo trabalhista, ao passo que provoca a análise sob a seguinte ótica: o fato de os motoristas terem o “poder” de desligar o aplicativo não reflete, na prática, uma condição positiva para eles.

Por vezes, a faculdade de atender ou não as chamadas da Uber (ou de outra empresa que funcione em formato similar) é encarada como argumento para a inexistência de vínculo, no entanto, não atender os chamados coloca o motorista em posição de desvantagem, trazendo impactos à sua posição nas plataformas.

Soma-se à situação acima as condições em que a Uber coloca seus motoristas: por meio de algoritmos complexos e sofisticados, impõe-se condições desumanas para que atingimento de um mínimo de renda passível de cumprir o objetivo do mínimo existencial necessário. Nesse diapasão, os algoritmos, como qualquer outra tecnologia, são produzidos a partir do trabalho humano para empresas de tecnologia, controlando e dando a tónica  da relação laboral.

Rafael Grohmann já conceituou, inclusive, um “capitalismo de plataformas”, consistente na “concretização da acumulação e extração de valor a partir dos mecanismos de dados e das mediações algorítmicas; por outro, significam sua face mais visível (ou interface amigável)” (2020, p. 06). Grohmann acrescenta que a plataformização do trabalho cria uma espécie de dependência, potencializando a subsunção do trabalho intelectual (perda de autonomia do trabalhador) e colocando os trabalhadores em uma posição desfavorável (GROHMANN, 2020, p. 07)

Diante dessa perspectiva, e do precedente firmado pela Corte Inglesa, pode-se concluir que estamos diante de um novo paradigma ancorado na transconstitucionalidade, cujas premissas fáticas revolvem na perspectiva de que a Gig Economy não deixa seus trabalhadores com essa “liberdade” que se prega. Ao revés, consoante pontuado pela Justiça Britânica, é ridículo pensar que o Uber seria, em Londres, 30.000 (trinta mil) pequenas empresas conectadas a uma plataforma em comum.

Nessa perspectiva, a utilização do TRT-4 da teoria do transconstitucionalismo foi de fundamental importância para o deslinde dessa questão. Não obstante, a resposta definitiva para a questão ainda é distante, tendo em vista que o TST não possui hoje um consenso entre suas turmas a respeito dessa temática, resta esperar que a decisão seja levada para o Pleno, para que se decida, com base na legislação local e transnacional, qual é o melhor caminho a ser seguido nos casos oriundos da Gig Economy.

Considerações Finais

A Gig Economy provoca diversos desafios modernos em termos de relações de trabalho, principalmente em relação à plataformização das relações. Um dos casos mais célebres, sem dúvida, é o do aplicativo digital de mobilidade, a Uber. No primeiro tópico do trabalho, estudamos os contornos fáticos envolvendo a Uber no Brasil, bem como os precedentes firmados pelo Tribunal Superior do Trabalho, e o do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, cuja decisão foi o principal precedente estudado neste artigo.

No segundo capítulo, analisou-se a teoria do transconstitucionalismo de Marcelo Neves, nas palavras do professor, a teoria pode ser definida como “(…) o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional”. O caso retratado da Uber traz essas questões, sendo um problema de ordem mundial, com soluções diversas para a exata mesma problemática: existe (ou não) vínculo empregatício entre o Uber e seus motoristas?

Ainda rememorando o primeiro capítulo, vimos que a 4ª e 5ª Turma do TST entenderam que não existia o vínculo. Em seguida, a 3ª Turma do TST entendeu que era caso de se reconhecer o liame entre empregador e empregado. Todavia, foi o TRT-4 que aplicou o transconstitucionalismo em seu acórdão, trazendo à baila uma expressiva decisão da Suprema Corte Inglesa.

Superados os capítulos iniciais, enfrentamos no terceiro tópico o problema estabelecido neste trabalho: estamos diante de um novo paradigma transconstitucional em termos de declaração de existência de vínculo de trabalho entre a Uber e seus motoristas? O terceiro capítulo confirma a tese colocada, demonstrando que o TRT-4 inaugurou no Brasil uma discussão com viés transconstitucionalista no bojo do acórdão de n. 0020750-38.2020.5.04.0405. Por fim, importante relembrar que o caso do TRT-4 ainda pende de julgamento pelo TST.

Não obstante, a utilização de precedentes da Corte Inglesa pode ser a chave para que se caminhe numa solução definitiva a respeito da necessidade de declaração de vínculo trabalhista entre Uber e seus motoristas, ou, de se esboçar uma nova conceituação de trabalho, a exemplo dos Workers na Inglaterra. Resta-nos aguardar qual será a definição do TST sobre a controversa temática.

Referências

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[1] Mestrando em Direito e Desenvolvimento através do programa de pós-graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê-JP. Pós-graduado em Legal Tech; Direito, Inovação e Startups pela PUC-Minas. Graduado em Direito pela UFPB. Advogado em Direito Digital. E-mail: brunogdore@gmail.com. CV: http://lattes.cnpq.br/8779070662363125

[2] Doutor e Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela UFPB; professor dos cursos de graduação e pós-graduação do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê-JP, ESMAT 13 e ESA-PB; Juiz do Trabalho, Titular da 5ª Vara do Trabalho de João Pessoa-PB. E-mail: phsilva13@gmail.com CV: http://lattes.cnpq.br/8783276658095596.

[3] Informação disponível em <https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/> Acesso em 20 de março de 2022.

[4] “Taxistas estacionam em frente ao Congresso em protesto contra Uber” Disponível em <https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/taxistas-estacionam-em-frente-ao-congresso-em-protesto-contra-uber.ghtml>. Acesso em 21 de março de 2022.

[5] A Lei nº 13.640/2018 trouxe diversas exigências, tais como: “Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: I – possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; II – conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; III – emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); IV – apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

[6] Tradução livre de “It seems to us that the respondents ́ general case and the written terms on which they rely do not correspond with the practical reality. the notion that uber in London is a mosaic of 30.000 small businesses linked by a common platform is to our minds faintly ridiculous. in each case, the “business” consists of a man with a car seeking to make a living by driving it. Ms Bertram spoke of Uber assisting the drivers to “grow” their businesses, but no driver is in a position to do anything of the kind, unless growing his business simply means spending more hour at the wheel. Nor can Uber ́s function sensibly be characterised as supplying drivers with “leads”. That suggests that the driver is put into contact with a possible passenger with whom he has the opportunity to negotiate and strike a bargain. But drivers do not and cannot negotiate with passengers (except to agree a reduction of the fare set by Uber). They are offered and accept trips strictly on Uber ́s terms.”

[7] Tradução livre de “It may be that control and subordination are outdated concepts that will become increasingly less relevant as employment relationships evolve. Perhaps one way forward would be to focus on economic dependence instead. Where workers are dependent on one particular platform to make a living, does it really matter how much control the operator of that platform exercises over when and how they work? As we have seen that in Canada, Slovenia and South Korea, economic dependence can at least result in the worker enjoying a basic floor of rights – even though this may fall some distance short of full employee protection. Other countries are actively considering similar approaches Despite the widespread pressure for reform, it is clear that we are still some way from any sort of paradigm shift in what constitutes ‘employment’, and what sort of labour needs to be legislatively protected. While employment law has so far generally failed to keep pace with the development of the gig economy, our research shows that pressure is building on governments. If the gig economy continues to grow, they will have to find new ways to think about how to provide security and stability for those who work within it”.

[8] Países levados em consideração no estudo: Áustria, Bielorrússia, Bélgica, Bulgária, Brasil, Canadá, China, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, França, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria, Índia, Itália, Japão, Cazaquistão, Letônia, Luxemburgo, Malta, México, Holanda , Nova Zelândia, Panamá, Peru, Polônia, Romênia, Rússia, Eslováquia, Eslovênia, Coréia do Sul, Espanha, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Ucrânia e Estados Unidos.

[9] Pesquisa disponível em <https://iuslaboris.com/insights/the-rise-of-the-gig-economy/> Acesso em 23 de março de 2022.

[10] O Recurso de Revista está sujeito ao duplo grau de admissibilidade, primeiramente, o Juiz Presidente do Tribunal Regional do Trabalho analisa os requisitos recursais preliminarmente e autoriza (ou não) o seguimento do recurso. Essa avaliação não limita o juízo de admissibilidade do Tribunal Superior, que será o segundo a examiná-las, podendo rejeitar o recurso anteriormente admitido bem como admitir o anteriormente rejeitado.

[11] Informa-se que nessa tradução, ET significa “Tribunal do Trabalho” e EAT “Tribunal de Apelação Trabalhista”, os quais podem ser equiparados ao primeiro e Segundo grau no nosso contexto, respectivamente. Tradução livre de “The only basis on which the ET held that they are nevertheless under a contractual obligation to Uber while the App is switched on is that they are liable to be disconnected for a specified period if they reject trips, or cancel them, too often. But, as I say at para. 138 above, I do not believe that that implies a positive contractual obligation on the part of drivers to accept (and not cancel thereafter) a minimum number of trips offered. I would add that if there were such an obligation it would be necessary to specify what the minimum obligation was. The ET did not in its actual reasoning rely on any finding as to that. The EAT, however, relied on a document quoted by the ET in its findings which referred to drivers being obliged to accept 80% of trips offered: see para. 51 of its judgment (quoted by my Lords at para. 21) and para. 89 of the judgment of the EAT. Ms Rose objected that the recitation of that document did not amount to a finding and that in fact the oral evidence had been that it was not a figure applied by Uber in the UK. There may be some force in that objection, but I do not in any event regard the point as central. If, contrary to my view, the right to disconnect drivers who declined offers or cancelled too often reflected a positive obligation on their part to accept most trips it would not be impossible to find an appropriate formulation for that obligation by reference to a criterion of reasonableness and/or evidence about what happened in practice.”

[12] O conceito de Workers é muito bem explicado no documento” Briefing temático #5: análise da decisão do Reino Unido contra a Uber e suas repercussões”, organizado pela FGV , estando disponível em <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30826>