ENCARCERAMENTO DE LGBT E A AUTODECLARAÇÃO COMO FATOR DETERMINANTE NA ALOCAÇÃO DA CLASSE NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

ENCARCERAMENTO DE LGBT E A AUTODECLARAÇÃO COMO FATOR DETERMINANTE NA ALOCAÇÃO DA CLASSE NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

1 de dezembro de 2021 Off Por Cognitio Juris

INCARCERATION OF LGBT AND SELF-DECLARATION AS A DETERMINING FACTOR IN THE ALLOCATION OF CLASS IN BRAZILIAN PRISONS

Cognitio Juris
Ano XI – Número 37 – Dezembro de 2021
ISSN 2236-3009
Autores:
Lua Yamaoka Mariz Maia Pitanga[1]
Felipe Augusto Forte de Negreiros Deodato[2]

Resumo: A comunidade LGBT é a que mais sofre com violência e discriminação, sendo  principal vítima da exclusão social. O Brasil é campeão mundial na violência contra transgêneros, resultado lamentável para qualquer política de segurança pública. Esse padrão de violência reverbera nas unidades prisionais, que reproduzem as regras de gênero e sexualidade reinantes na sociedade. Em apoio à população carcerária LGBT, torna-se cogente a averiguação se deve ser ou não ser separada do restante da massa prisional, para preservação da própria integridade física e moral. A metodologia utilizada foi bibliográfica e descritiva, sendo analisados estudos sobre o tema, com base nos Princípios de Yogyakarta, Resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU e Resolução nº 348 do Conselho Nacional de Justiça. Objetiva-se analisar a alocação de pessoas LGBT em espaços prisionais (alas, galerias ou celas destinadas unicamente a esse público que diverge do padrão heteronormativo/hetero-cissexista/cisgeneridade e da heterossexualidade, de acordo com sua autodeclaração). Conclui-se pela imperiosa necessidade de desenvolver suportes às iniciativas públicas e cidadãs que atuem nessa área, com adoção de medidas para reformas nos estabelecimentos prisionais, tanto em termos físicos, como também no pensamento punitivo, sobretudo como garantia à integridade física e psíquica da pessoa LGBT privada de liberdade.

Palavras-chave: Encarceramento LGBT; Direitos Humanos; Autodeclaração; Alocação prisional; Ala/Galeria/Cela reservada.

Abstract: The LGBT community suffers the most from prejudice, violence and discrimination, being the main victim of social exclusion. Brazil leads the world ranking of violence against transgender people, regrettable result for any public security policy. This type of pattern of violence also reverberates in prisons, which reproduce the norms of gender and sexuality that prevail in society. For the LGBT prison population it becomes cogent to ascertain whether or not it should be separated from the rest of the prison population, to preserve its own physical and moral integrity. The methodology used was bibliographic and descriptive, analyzing studies on the theme, taking into account the Yogyakarta Principles, UN Human Rights Council Resolution and Resolution No. 348 of the National Council of Justice. It aims to analyze the allocation of LGBT people in specific prison spaces, such as wards, galleries or cells intended solely for this audience that diverges from the heteronormative/hetero-cissexist/cisgenerity pattern and heterosexuality, according to their self-declaration. It is concluded that there is a pressing need for more support for public and citizen initiatives that act in this area. Measures should be adopted for broad reforms in prisons, both in material terms, more urgently, means of ensuring the physical and psychic integrity of the LGBT person deprived of liberty.    

Keywords: LGBT incarceration. Human Rights. Self-declaration. Prison allocation. Ala/Gallery/Cell reserved.

1. Introdução

Questões relativas à sexualidade sempre estão envoltas em mitos e tabus, e comportamentos sexuais que fogem do padrão dominante na sociedade são erroneamente classificados como “transtornos” ou “desvios”, considerados uma afronta à moral e aos bons costumes, alvos de rejeição social. Esse conservadorismo impregnado por valores morais e religiosos cotidianamente propagados, principalmente pelas instituições do Estado, igreja, escola e família, acaba por inibir a regulamentação legal dos direitos de minorias, que, muitas vezes, se veem privados de direitos básicos fundamentais. Contudo, fechar os olhos para a realidade social não resolve o problema, e a omissão estatal fomenta ainda mais a violência e a opressão contra aqueles que não se enquadram no padrão tradicional heteronormativo.

Dentre os segmentos minoritários, a comunidade LGBT é a que mais sofre com preconceito, discriminação e violência, sendo a principal vítima da exclusão social, assim como projetos de leis ou iniciativas direcionados à proteção de seus direitos acabam não atraindo a atividade legislativa, pois constituem questões morais sensíveis que não têm amplo apoio popular e quase sempre suscitam polêmicas sociais.

O Brasil é campeão mundial de violência contra transgêneros, um resultado lamentável para toda política de segurança pública de combate à violência contra as minorias, e os ainda poucos levantamentos oficiais existentes sobre o tema LGBT só mostram a urgência e importância do debate público sobre a questão da LGBTfobia no país, pois envolve um segmento social desamparado de dados oficiais seguros, de levantamentos demográficos, sociais, econômicos, culturais, entre outros, que possibilitem subsidiar satisfatoriamente políticas públicas e campanhas em favor dos direitos das pessoas LGBT, para garantia do exercício pleno da cidadania.

Esse tipo de padrão de violência reverbera também nas unidades prisionais, que reproduzem as normas de gênero e sexualidade que imperam na sociedade. Em um Estado que nunca atingiu o ideal de bem-estar e proteção social, onde a prisão se firmou como o principal meio de punição estatal, e nem mesmo as necessidades básicas de um ser humano aprisionado são inteiramente atendidas, a realidade dos integrantes LGBT custodiados é de extrema vulnerabilidade.

É nesse contexto de lutas perenes que vem se formatando o direito LGBT, num embate árduo para extirpar o estigma que ainda insiste em perseguir as pessoas que fogem ao padrão heteronormativo social reinante, relegados, muitas vezes, a um universo paralelo. Contudo, nos últimos anos, a sociedade vem apresentando níveis mais elevados de tolerância com esse segmento minoritário e, paulatinamente, evoluindo sua concepção de encarar as relações entre iguais. As pessoas LGBT ganham visibilidade a cada dia e lutam por justiça e reconhecimento de direitos. Mas a batalha ainda é longa e árdua.

Fala-se em dupla vulnerabilidade, derivada da situação de encarceramento em si, assim como da sua identidade de gênero, abrangendo pessoas ainda mais vulneráveis à violência e à violação de direitos que o preso comum. Diante dessa realidade atual, alguns presídios contam com alas ou celas reservadas ao segmento LGBT, e apesar de todas as garantias lhes dispensadas pela lei, pela Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais e outros documentos, os homossexuais e transexuais privados de liberdade ainda são as maiores vítimas do preconceito, a violência, a exclusão e a discriminação dentro e fora do cárcere, daí a necessidade imperiosa de um olhar mais sensível e de políticas efetivas a minimizar a crítica situação carcerária atual da classe LGBT. Nesse sentido, torna-se cogente a averiguação se deve ser ou não esse grupo separado do restante da população carcerária, para preservação da sua própria integridade física e moral.

Por outro lado, diante da situação de extrema vulnerabilidade, além da indagação acerca da forma de segregação do grupo LGBT nas unidades prisionais do Brasil como melhor solução para essa minoria, questiona-se também como deve ser realizada a alocação desses presos nos termos da recente Resolução nº 348, que prevê a autodeclaração do custodiado como fator determinante para indicar o local onde ele cumprirá sua pena.

Criar ferramentas e mecanismos para reverter esse quadro atual de insegurança e violência, com o objetivo de implantar uma realidade carcerária decente aos integrantes da população LGBT, para que cumpram suas penas dignamente, é um dos grandes desafios do sistema penitenciário criminal dos dias de hoje.

Diante do exposto, dá-se a origem da problemática estabelecida do estudo, com as seguintes questões. É indicada a separação dos presos LGBT em celas reservadas para essa minoria? A escolha feita pelos presos LGBT, mediante autodeclaração, deve ser atendida? Deve-se analisar se essa escolha pessoal é a melhor medida a ser tomada quando houver perigo de aumentar a vulnerabilidade do preso LGBT?.

A metodologia utilizada foi bibliográfica e descritiva, com utilização de literatura exploratória e abordagem qualitativa, em que se evidencia a trajetória do Movimento LGBT, no plano nacional e internacional, e a sua luta incessante pelo reconhecimento da cidadania LGBT, sendo analisados estudos sobre a relação entre o sistema penitenciário e o encarceramento LGBT no Brasil, como: (1) o histórico do movimento LGBT; (2) o enquadramento dos direitos LGBT como Direitos Humanos; (3) A violência perpetrada contra essa minoria social no Brasil; (4) o encarceramento da população LGBT à luz da Resolução 348[3] do Conselho Nacional de Justiça. Além da doutrina classicamente utilizada, filmes e documentários que embasaram toda a pesquisa.

O referido estudo tem como objetivo: analisar a alocação de pessoas LGBT em espaços prisionais específicos, como alas, galerias ou celas destinadas unicamente ao público gay, lésbico, bissexual, travesti, transexual ou outro que diverge do padrão heteronormativo/hetero-cissexista/cisgeneridade e da heterossexualidade, de acordo com a opção manifestada por meio de autodeclaração.

O estudo traz um breve relato sobre como surgiu e evoluiu o movimento LGBT no Brasil e no mundo, o enquadramento dos direitos LGBT como Direitos Humanos, o quadro de violência empreendida contra essa minoria social, detendo-se, então no encarceramento do grupo LGBT e sua alocação nos presídios brasileiros de acordo com sua autodeclaração, nos termos da recente Resolução 348 do Conselho Nacional de Justiça. Números alarmantes apontam a extrema situação de vulnerabilidade da classe que luta para conseguir sobreviver na prisão. A discriminação, o preconceito, a exclusão e a hostilidade são fatores permanentes na vida carcerária. Portanto, justifica-se o estudo como sendo de grande relevância para profissionais da esfera penal e outras áreas afins.

2. Direitos Humanos e população LGBT

Direitos Humanos são os direitos do homem, que protegem os valores mais preciosos do ser humano.

Segundo a ONU – Organização das Nações Unidas, os Direitos Humanos são definidos como garantia fundamental e universal para a proteção dos indivíduos e grupos sociais contra as diversas ações ou omissões que atentem contra a dignidade da pessoa humana:

“são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. Todos têm direito a estes direitos, sem discriminação”.[4]

Uma grande conquista das Nações Unidas foi a criação de um conjunto de leis de direitos humanos, protegido internacionalmente, que envolve direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, em que todas as nações podem se inscrever e que se entende como uma representação dos anseios da sociedade. Também foram estabelecidos mecanismos para promoção e proteção desses direitos, bem como meios para auxiliar os Estados a cumprirem suas responsabilidades.

As bases desse corpo legal são a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotadas pela Assembleia Geral da ONU em 1945 e em 1948, respetivamente, e que foram expandidas de forma gradual, para abarcar padrões específicos também voltados para mulheres, crianças, pessoas com deficiência, minorias e outros grupos vulneráveis.[5]

Igualmente se destacam os dois Pactos Internacionais de 1966, e, no caso do Brasil, a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, assinado em 1969 e ratificado pelo Brasil em 1992. O Direito Internacional Contemporâneo dividiu os Direitos Humanos em dois grandes grupos: Direitos Civis e Políticos, que incorporou essa matéria constante da Declaração de 1948 e a estende às minorias aqui abordadas; e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

E assim os Direitos Humanos foram alçados ao patamar da universalidade através da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E esse mais alto degrau da abrangência universal foi corroborado pela Declaração de Viena de 1993:

“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e culturais”.[6]

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2011, adotou uma resolução sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero, primeira vez que um organismo intergovernamental agiu nesse sentido. A Resolução 17/19 asseverou a “grave preocupação” do Conselho com a violência e a discriminação contra pessoas, em razão em sua orientação sexual e identidade de gênero, e solicitou uma pesquisa sobre o alcance e a extensão destas violações e de quais medidas seriam necessárias para sua solução. O estudo foi elaborado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), inaugurada no mês de dezembro de 2011, com apresentação de um padrão de violência e discriminação dirigido a indivíduos devido à sua orientação sexual e identidade de gênero. Em março de 2012, suas conclusões e recomendações serviram de fundamentação para um painel de discussão ocorrido no Conselho, também primeira vez que se realizou um debate intergovernamental formal sobre o assunto nas Nações Unidas[7].

E assim, no ano de 2011, os direitos LGBT foram declarados pela ONU como integrantes dos Direitos Humanos, mediante afirmação expressa da Resolução nº A/HRC/17/L.9, do Conselho de Direitos Humanos, no sentido de que o país que não velar por seus cidadãos pertencentes ao grupo LGBT estará em desacordo com o dever de respeito aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ou seja, passa a violar diretamente os Direitos Humanos e Tratados de Direitos Humanos. A Resolução da ONU, de junho de 2011, também foi bastante clara no sentido de sinalizar aos Estados-partes que alterem suas legislações para incluir a homofobia como crime[8].

Dessa forma, o direito à vida, à vida sexual, à intimidade, à liberdade na orientação sexual e identidade de gênero, à livre manifestação sexual e o direito básico à felicidade constituem princípios basilares dos Direitos Humanos LGBT, com a percepção que a sexualidade faz parte da essência do ser humano, mesmo que seja divergente do padrão, de modo que qualquer empecilho a uma pessoa expressar livremente os sentimentos de sua sexualidade diversa da heteronormalidade constitui afronta ao direito fundamental à vida, já que impede o desenvolvimento livre das relações homoafetivas e torna o ser humano incompleto.

Ao assinar e se tornarem partes de tratados internacionais, os Estados assumem deveres e obrigações sob a lei internacional de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos. A obrigação de respeitar significa que os Estados devem se abster de interferir ou cercear o gozo dos direitos humanos; a obrigação de proteger impõe que os Estados protejam os indivíduos e grupos contra violações de direitos humanos por terceiros; e a obrigação de cumprir significa que os Estados devem tomar medidas para facilitar o gozo dos direitos humanos básicos.[9]

Assim, mediante a ratificação de tratados internacionais de direitos humanos, os Estados se comprometem a adotar medidas e criar uma legislação nacional compatível com as obrigações decorrentes desses tratados.

3. Violência contra a comunidade LGBT

Segundo Ronald Dworkin (2011), existem duas formas de discriminação: aquela em que o grupo pode ser tão marginalizado social, financeira e politicamente, que lhe faltem meios de chamar a atenção dos políticos e de outros eleitores para os seus interesses, de modo que não detém esse grupo poder nas urnas ou de alianças e barganhas com outros agrupamentos, como é o caso dos negros; e aquela outra forma de discriminação em que uma classe de pessoas é vítima de vieses, ódios, preconceitos ou estereótipos tão graves que fazem com que a maioria queira reprimi-la ou puni-la por esse motivo, mesmo quando essas repreensões não sirvam a nenhum outro interesse maior de outros grupos, como ocorre com os homossexuais. São classes que sofrem de deficiências sistêmicas.[10]

O Brasil apresenta uma lamentável estatística: é o campeão no ranking mundial de violência contra transgêneros, os quais possuem expectativa média de vida de 35 anos, em contraposição aos quase 80 anos de vida do brasileiro médio, conforme dados emitidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.[11]

Em 2020, nosso país permaneceu no pódio como o país líder onde mais pessoas LGBT foram assassinadas em todo o mundo, um péssimo e lamentável resultado para toda política de segurança pública que procura alcançar resultados positivos no combate às violências contra as minorias, vítimas de um processo histórico dominado por discursos religiosos, médicos e jurídicos, que produzem e reproduzem efeitos materiais existentes até os dias de hoje e que resultaram em acentuada subalternização e deficit de cidadania, além da privação de direitos elementares que deveriam ser assegurados a toda população inserida num Estado Constitucional Democrático de Direito.[12]

E sendo o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais em todo o mundo, tem-se que esse padrão comportamental de violência se reverbera, igualmente, nos estabelecimentos prisionais brasileiros.[13]

Segundo Sepulveda A., e Sepulveda D. (2006)[14], as condutas atribuídas aos homossexuais são baseadas em concepções políticas de cunho conservador, levando-se a um discurso de hegemonia que destaca a heterossexualidade como a padrão do comportamento sexual e é capaz de gerar preconceitos contra aquelas pessoas que não se encaixam nesse padrão comportamental, e que serve de um poderoso instrumento para perpetuar as hierarquias sociais, morais e políticas.

LGBTfobia é definida como qualquer tipo de conduta que decorra de aversão à identidade de gênero e/ou orientação sexual de uma pessoa e que causar dano moral e/ou material, lesão ou qualquer tipo de sofrimento físico, psicológico e/ou sexual ou morte. A criminalização de atos LGBTfóbicos somente foi consolidada em 2019, após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou seu enquadramento como crime de racismo, nos termos da Lei nº 7.716/89, até a promulgação de lei específica para criminalização da conduta pelo Congresso Nacional[15].

Costumeiramente, a população LGBT tem sido alvo constante de manifestações homofóbicas e, por ser integrante de minorias sociais, com baixa representatividade política, carece de maior proteção estatal, pois são hipossuficientes social e juridicamente. Em pleno século XXI, ainda existem países onde há previsão legal de punição com pena de morte para práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Um estudo[16] divulgado em 2019 pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais) analisou a legislação de 193 países e mostrou que, em 70 deles, a prática homossexual ainda é crime, punível, inclusive, com pena de morte, apedrejamento público, chicotadas ou prisão perpétua. O Estado passa assim a figurar como o grande violador dos Direitos Humanos LGBT, a partir do momento em que não envida os esforços necessários para uma resposta estatal célere efetiva à proteção desses direitos.

Uma recente pesquisa sobre “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil – intolerância e respeito às diferenças sexuais”, realizada em 25 estados da Federação e 150 municípios, apresentou dados estarrecedores sobre a existência de homofobia de forma escancarada, pois 92% dos entrevistados creem haver preconceito contra homossexuais no Brasil, enquanto que 96% se disseram preconceituosos contra gays e 97% contra lésbicas.[17] O Brasil garante assim sua vergonhosa posição de líder mundial de assassinatos homofóbicos, abarcando o percentual de 44% do total de execuções de todo mundo.

 Em 2019, somente no período compreendido entre janeiro a 15 de maio, o Brasil registrou 141 mortes de pessoas LGBT, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), sendo 126 homicídios e 15 suicídios, o que aponta a média de uma morte a cada 23 horas.[18]

Neste contexto, enfatiza-se que é fundamental que as políticas públicas voltadas à população LGBT sigam o caminho da transversalidade, abrangendo diversas áreas – educação, cultura, trabalho, assistência social, saúde, moradia, segurança pública, dentre outras, para desenvolvimento de políticas de respeito e tolerância à diversidade que atinjam toda a sociedade.

3.1. LGBT Encarcerados

Se o cenário mundial atual é sinalizado pela intolerância em relação à diversidade de gênero e orientação sexual, o que leva a população LGBT a enfrentar graves momentos de violência, exclusão e discriminação no seu quotidiano, a situação se agrava no âmbito prisional, onde a população carcerária LGBT é marcada por forte estigma social e extrema vulnerabilidade, submetida a um sistema de prisão impregnado de falhas estruturais graves e de ausência de políticas públicas efetivas, em total desrespeito aos Direitos Humanos.

Em um Estado que nunca atingiu o ideal de bem-estar e proteção social, onde a prisão se consolidou como uma forma principal de punição estatal, e nem mesmo as necessidades básicas de um ser humano aprisionado são inteiramente atendidas, a realidade dos integrantes LGBT custodiados é de extrema vulnerabilidade e altamente preocupante.

Na prisão, são reproduzidas as normas de gênero e sexualidade que imperam na sociedade em geral. As representações sociais ligadas à heteronormatividade são reproduzidas no âmbito das prisões, muitas vezes de maneira ainda mais dura e cruel.[19] Baseadas na ideia de normalidade como modelo padrão, essas representações oprimem alguns grupos sociais considerados de pessoas avessas à natureza ou anormais, algo a ser rechaçado, proibido e punido. A desqualificação do público LGBT, exteriorizada em repulsa, aversão, ódio, preconceito, violência e discriminação, é uma realidade constante e tratada, muitas vezes, como fenômeno banal. Os próprios agentes do Estado, responsáveis pela custódia e segurança de detidos, bem como os demais presos e as facções, invocam a superioridade biológica e moral dos comportamentos heterossexuais.

Fortemente influenciados pelas marcações gênero e sexualidade, os códigos internos de determinadas facções para o convívio com pessoas LGBT nas prisões regulam desde formas usuais de se vestirem e como se comportarem, formas de exploração de trabalhos nas celas, castigos e punições, ou até a repulsa completa.

Segundo relatos de presidiários homossexuais publicados no relatório O Brasil Atrás das Grades: Abusos Entre os Presos, da ONG Human Rights Watch, em 1997, detentos de diversos estabelecimentos penais brasileiros denunciam a falta de dignidade, honra e direitos dentro dos presídios, onde os custodiados heterossexuais propagam orgulhosamente que são homens, bandidos e durões; enquanto enxergam os segregados LGBT como objetos para serem usados, como escravos para trabalharem lavando roupas para outros prisioneiros e fazendo diversos tipos de “serviços femininos”, incluindo prostituição no interior das celas. Se há uma rebelião, os presos LGBT são os que mais sofrem abusos e violências por parte dos rebelados e, muitas vezes, a segurança penitenciária não consegue manter o controle da situação.

Um preso homossexual asseverou que: “Ela se torna uma escrava sexual também (…). Nós cumprimos duas sentenças aqui: uma imposta pelo juiz e outra imposta pelos prisioneiros. Nós não temos valor para eles. Ninguém presta atenção para a palavra de um homossexual.[20]

O Ministro Roberto Barroso, em decisão proferida nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 527, destacou que ‘transexuais e travestis encarceradas são, assim, um grupo sujeito a uma dupla vulnerabilidade, decorrente tanto da situação de encarceramento em si, quanto da sua identidade de gênero. Trata-se de pessoas ainda mais expostas e sujeitas à violência e à violação de direitos que o preso comum’[21].

Segundo o relator Barroso, transexuais e travestis pertencem “a um grupo extremamente estigmatizado”, com dificuldade de permanência na escola, de se inserir no mercado de trabalho e de até mesmo receber atendimento médico em hospitais públicos. No tocante ao contexto prisional, o Ministro aponta a necessidade de proteção, reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta, aprovados pela comunidade internacional no ano de 2007:

“Trata-se, ademais, de um grupo exposto a graves situações de violência, que colocam em risco a sua integridade física e psíquica e a sua própria vida. Basta lembrar que o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra transgêneros, cuja expectativa média de vida, no país, gira em torno de 30 anos, contra os quase 75 anos de vida do brasileiro médio”[22].

As prisões, em geral, seguem o modelo do androcentrismo. O regime de gênero dos presídios reproduz a desigualdade entre homens e mulheres existente na sociedade, ainda reinante a ideia milenar de crime como algo da essência masculina. Baratta (1999), citando Sandra Harding, argumenta como o modelo hegemônico “normal” da consciência científica fundamenta-se na oposição clássica entre “sujeito e objeto”, “razão e emoção”, “espírito e corpo”, onde o masculino é sempre correspondente ao primeiro termo e prevalente; enquanto o feminino está para o segundo, em oposição[23]. Tudo isso conduz a esfera criminal à dominação do masculino, de modo a perceber o feminino como exceção, algo fora do padrão. Além disso, a esfera jurídica e penal nunca conseguiu superar o paradigma biológico que procura associar a criminalidade feminina aos atributos das mulheres. A homofobia perpetrada nas prisões, são, desta forma, resultados oriundos da dominação masculina e do androcentrismo reinantes na sociedade, porque representam o ódio ao feminino e o ódio ao masculino que se feminiza. Nesse sentido, o estereótipo do modelo binário de gênero é repetido vigorosamente nas prisões, com clivagens de homens e de mulheres, a partir de uma perspectiva biologicista do sexo.[24]

Eles passam a conviver, na maior parte das vezes, com outros reclusos heterossexuais, os quais os exploram de várias maneiras, inclusive sexualmente, assim como os obrigam à realização de determinadas atividades domésticas no interior das celas, ou até mesmo permitir a inserção de drogas, celulares ou outros objetos, no interior do canal anal, para receberem benefícios dos apenados superiores, por exemplo. Os detentos integrantes do segmento LGBT necessitam lidar com as regras institucionais de política criminal, e também com aquelas impostas pelos outros presos, servindo, muitas vezes, de “mulas” (isto é, ocultar, na via anal, drogas no interior do corpo) para as organizações criminosas do tráfico de entorpecentes, submetidos a atos de violência sexual pelos próprios companheiros de celas e, muitas vezes, trabalhando em tarefas subvalorizadas. Em inúmeros casos, não se reconhece o nome social nem se permite o uso das vestimentas de acordo com o gênero, bem como é proibido o tratamento hormonoterapêufico. Igualmente são discriminados ou têm acesso restringido a serviços de saúde, educação, trabalho e geração de renda.[25]

Foi o que ocorreu com Lourdes Helena Moreira, transexual vencedora do concurso “O direito do olhar”, da Penitenciária Feminina do Tatuapé-SP. A curadoria do livro não registrou o seu nome social e sim o nome registral, sempre referindo-se a ele como uma mulher, quando, na realidade, cuida-se de um homem transexual. O sistema penitenciário brasileiro comete erro grave ao alocar homens trans em presídios femininos e mulheres trans em presídios masculinos, em total desrespeito à identidade sexual dessas pessoas, o que gera situações de assédio, estupro, violência sexual e prostituição. A verificação de para onde encaminhar cada preso é baseada na mera aferição do órgão genital, apesar da medicina e do próprio Estado já reconhecerem que existem outros fatores que determinam a sexualidade que não seja apenas um pênis ou uma vagina.[26]

Diante da negativa institucional, para recomporem suas identidades, as travestis também se utilizam de barganhas para obtenção de roupas e acessórios com visitantes, com a finalidade de manterem os aspectos femininos performatizados[27]. Impende ainda destacar o fenômeno do abandono ou o rompimento de vínculos familiares e afetivos que ocorrem com alguns presos LGBT depois do ingresso na prisão, sendo os detentos que menos recebem visitas no presídio e, constantemente, não têm acesso à visita íntima, dificultando a ressocialização do preso.

A homossexualidade nos estabelecimentos prisionais femininos é superior à dos presídios masculinos. Uma pesquisa, realizada em 1983, apresentou estimativa que ela ocorria em torno de 50%. Atualmente, após o fortalecimento do movimento gay, uma relativa liberação sexual e tolerância da sociedade, os casos foram assumidos mais abertamente, visto que, para as mulheres a afetividade pode moldar e/ou exasperar a sexualidade, sobretudo quando restringidas em sua liberdade. Na sua maioria, são mulheres que se declaravam heterossexuais antes da detenção e confirmam que, unidas pelo companheirismo na prisão, com apoio nos momentos de medo e de depressão, iniciaram um envolvimento com outras mulheres, onde descobrem sentimentos novos, desejo e, às vezes, o amor. Determinadas detentas chegam a afirmar que não são, mas “estão lésbicas”. Não raras as vezes, duas mulheres envolvidas numa relação pedem transferência para a mesma cela e compartilham tudo o que têm”[28].

O preconceito é de tamanha institucionalização que até a resolução do Ministério da Justiça que regulamentou a extensão do direito à visita íntima às mulheres presas,  consignou que o benefício representava uma forma de combate à homossexualidade: “[…] não se pode desconhecer a grave problemática que os estabelecimentos penais enfrentam tocantemente à abstinência sexual dos presos, geradora não só de danos fisiológicos pessoais, como de desvios propiciantes da larga prática de homossexualismo”.[29]

Em contrapartida, aprovados em 2007 pela comunidade internacional, referente à aplicação da legislação internacional de direitos humanos no tocante à orientação sexual e identidade de gênero, os Princípios de Yogyakarta reconhecem e defendem a necessidade urgente de proteção do grupo LGBT, no sentido que os Estados devem tomar medidas direcionadas à população LGBT privada de liberdade, no intuito de reduzir riscos de abusos e maus tratos, evitar restrições mais graves de direitos e garantir que participem das decisões relacionadas ao adequado local para cumprimento da pena.[30]

Um levantamento técnico inédito publicado em 2020 apresentou o relatório nacional sobre o tratamento penal de pessoas LGBT nas prisões do Brasil.[31] 

Trata-se de um diagnóstico realizado por pesquisa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Proteção Global e Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT, que utilizou dados quantitativos de pessoas LGBT nas prisões do Brasil, embora não seja considerado instrumento de censo, haja vista não haver garantia que todas os custodiados nas unidades prisionais respondentes foram de fato consultados e que detinham plena liberdade para expressar sua sexualidade e sua identidade de gênero, sem risco de sofrerem sanções administrativas ou mesmo por parte dos outros  detentos.

Os números são então indicativos, obtidos em resposta a ofício enviado com o link para o questionário aos órgãos de administração penitenciária de cada Estado nacional. Houve 499 respostas, que representa 34% dos 1449 estabelecimentos penais no país.

O relatório “LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento” destaca a ausência de equalização das práticas dispensadas a essa população, havendo unidades prisionais que sequer possuem a identificação dos indivíduos LGBT sob sua custódia, em total desrespeito aos direitos fundamentais dessas pessoas, custodiadas pelo Estado. Registra também a falta de consenso entre o movimento social organizado e o relato de algumas travestis e mulheres trans custodiadas, no que se refere à alocação para cumprimento da pena privativa de liberdade, para se aferir se é mais adequada a segregação em estabelecimentos femininos ou se é preferível a reserva de alas/espaços nas unidades masculinas.

De acordo com a pesquisa, a configuração da ocupação dos espaços físicos em presídios de acordo com alguns marcadores da diferença não se apresenta como uma prática inaugural com os agrupamentos da população LGBT custodiada, uma vez que a segregação de detentos acusados de crimes sexuais, violência doméstica, pertencimento a facções criminosas, LGBT, religiões praticadas e ex policiais é uma prática vastamente utilizada na organização institucional das prisões do Brasil e confere aos agentes penitenciários e administradores de prisões estratégias para diminuição de conflitos que possam gerar rebeliões. As variáveis de risco, deste modo, representam a possibilidade de definição do espaço nos presídios, apesar de não previstas na lei de execução penal formalmente, já que se mostram meios mais eficientes do exercício de controle sobre os custodiados, assim como pode levar à redução e controle de eventuais situações de conflito.[32]

 Todavia, o mapeamento e divisão, no caso do grupo LGBT, somente são indicados após e mediante consulta individual, ou seja, por autodeclaração. Com efeito, ao contrário de outros marcadores, assumir declaradamente ser homossexual pode gerar risco ainda maior ao segregado, haja vista que a população LGBT é a maior vítima de violência perpetrada por outros presos, daí a presunção que o quantitativo do encarceramento de LGBT é ainda subnotificado.

No caso das 508 unidades prisionais respondentes à pesquisa, 106 unidades, todas masculinas, sinalizaram dispor de espaço reservado à segregação de homens cisgênero homossexuais, bissexuais, travestis, mulheres trans e, em diversas hipóteses, homens cisgênero heterossexuais que possuem relações afetivas e sexuais com esse grupo. E, a partir dos dados coletados dos questionários respondidos, verificou-se que mais da metade dos custodiados LGBT possuem entre 18 e 29 anos de idade; que a população de pessoas negras atinge 51,3% das autodeclarações das pessoas LGBT nos presídios masculinos; 69,5% das autodeclarações no âmbito das prisões femininas; e apenas 40% do segmento LGBT têm visitas cadastradas nos presídios. Com exceção do quesito visita, de uma maneira abrangente, marcadores como cor, raça e idade se aproximam dos dados totais da população encarcerada.[33]

No Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça colhidos junto ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), somente 3% dos estabelecimentos prisionais (36 cadeias) possuem alas destinadas à comunidade LGBT. Outros 100 presídios possuem celas reservadas exclusivamente para esse público, mas, no cômputo geral, 90% das penitenciárias não dispõem de cela, espaço ou ala a eles reservada.[34]

As pessoas LGBT encarceradas nas prisões masculinas são as que menos recebem visitação familiar, tornando-se ainda mais vulneráveis, já que necessitam suprir suas necessidades pessoais com alimentação, vestimentas, calçados, dentre outros, contudo não possuem acesso aos produtos oriundos do meio externo aos presídios. Nesse contexto, como meio de subsistência, elas findam por colocar à venda sua força de trabalho, lavando roupas, higienizando celas e banheiros, e/ou até mesmo se prostituindo sexualmente para os demais internos.[35]

As peculiaridades regionais também se apresentam determinantes para a elaboração dos mecanismos institucionais, na acuidade de importância e emergência da instalação de celas, espaços ou alas para o público LGBT, assim como nos depoimentos de experiência das pessoas ouvidas, mas um dos pontos convergentes nacionalmente é a percepção de vulnerabilidade a que estão sujeitos os custodiados LGBT nas prisões masculinas, submetidos a uma situação constante de risco, de violência física, psicológica e sexual, nomeadamente oriunda dos outros detentos. Mesmo os presos LGBT que se encontram em estabelecimentos com celas, espaços ou alas específicos, podem não correr risco imediato, mas igualmente estão em situação de vulnerabilidade, diante da precariedade das demais políticas institucionais penitenciárias.[36]

A temática da alocação das pessoas LGBT presas, principalmente das  mulheres transexuais, não encerra um consenso nem mesmo no seio do movimento social organizado, pois alguns defendem a transferência desse grupo minoritário para unidades femininas; ao passo que outras entidades, sobretudo aquelas que tradicionalmente trabalham com o tema do encarceramento, em sua maioria, sustentam a defesa da reserva de espaço específico para essa população em unidades prisionais masculinas.[37]

Essas organizações que promovem o acompanhamento da vida institucional de  transexuais e travestis custodiadas em celas, espaços ou alas reservados para essa minoria firmam seu posicionamento técnico emergente do campo de estudos. Os relatos dessas pessoas em privação de liberdade apontam para a vontade majoritária de permanecerem nas unidades masculinas, desde que com acesso a um local que garanta distanciamento de segregados que as hostilizam. São raras as opiniões contrárias. Os dados coletados no âmbito da pesquisa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam para duas grandes visões divergentes: de um lado, as poucas travestis que pretendem alocação em unidades femininas, ao argumento que lá receberiam tratamento mais humanizado e com maior identidade feminina, conforme é conferido às mulheres cisgêneras; do outro, tem-se o discurso das travestis e mulheres trans que não pretendem ser transferidas para presídios femininos por motivos de cunho material e de formação de vínculos.[38]

Acerca da necessidade de separação de alas/celas para a população LGBT, mesmo se levando em consideração o elevado número de estabelecimentos prisionais pesquisados que não possuem política institucional de reserva de espaços para esse grupo, quando perguntadas se pensavam ser importante, cerca de 58% das unidades responderam afirmativamente, embora frequentes os relatos de superlotação e dificuldades estruturais. Contudo, o crescimento de espaços específicos destinados à segregação de indivíduos LGBT em presídios masculinos, além de coadunar com a opinião de maior parte dos operadores dos sistemas de segurança, corrobora a relevância dessa política institucional, indicando que a reserva de alas/celas/espaços específicos representa uma tendência de tratamento penal.[39]

Segundo Toni Reis, ex-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a existência de espaços reservados nos presídios não seria o ideal, contudo pode representar um meio válido para tratar um problema imediato: “Achamos que as pessoas não deveriam ser segregadas, mas por causa de toda a violência, isso acaba acontecendo para preservá-las”[40].

A Paraíba é quarto estado do país e o segundo estado do Nordeste com o maior número de prisões onde existem espaços reservados para pessoas LGBT. São nove unidades prisionais, num total de 79 penitenciárias em todo o Estado, segundo dados de relatório publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Em São Paulo, existem 51 unidades, em Pernambuco, 11, e em Goiás, 10 presídios com alas LGBT. Ceará e Maranhão dispõem duas unidades cada. Alagoas, Bahia e Sergipe têm somente uma unidade cada. E o Rio Grande do Norte e Piauí não possuem de nenhuma penitenciária com ala LGBT.[41]

Embora a Paraíba se encontrar em posição privilegiada em relação aos demais estados da Federação, proporcionalmente, o percentual ainda é pequeno e representa apenas 11% das unidades prisionais que disponibilizam espaços reservados para as pessoas LGBT.

O Presídio Desembargador Flósculo da Nóbrega, em João Pessoa, é uma das nove unidades prisionais localizadas na Paraíba que dispõem das alas especiais. Nos termos do referido relatório, atualmente, a unidade prisional faz a custódia tanto de presos provisórios, quanto de presos condenados, contando com 1054 pessoas presas em uma estrutura prevista para 470. A prisão conta com uma cela reservada para a população LGBT que atualmente tem 22 pessoas. Os companheiros dos LGBT não ficam constritados na mesma cela. O banho de sol da cela LGBT é realizado conjuntamente com os presos que se encontram no “seguro”, cela reservada que abriga presos privados do convívio de outros internos pela condição ou pelo crime que cometeram.

No interior do relatório, há relatos de gays, transexuais e travestis sobre a situação que passaram dentro de alguns presídios paraibanos, dentre eles:

Eu cheguei em Esperança. Fiquei confortável lá porque já tinha travesti lá. Passei 9 meses lá. De lá eu fui pra Araras e lá só era eu no meio de cento e poucos homens. Só eu de travesti. Sofri, viu. A coisa do psicológico. Me senti sozinha lá. Não tinha ninguém pra conversar. Era só conversa de homem, de bandido. Eu ficava trancada na minha cachanga. Emagreci muito. Minha mãe ficou com pena de mim. Vim fumar na cadeia. Eu não fumava na rua. Eu ficava com medo, ficava assustada. A gente tinha vergonha de ficar nua. Botavam a gente no bolo nua. Revista e tal. Eu morrendo de vergonha. Lá passei um ano e pouco e foi sentenciada e fui para Guarabira. Nenhum desses lugares tem ala. Nesse último eu fui pra uma cela de crente. Nas outras celas eles não me aceitavam. Daí chegou um papel pra mim. Eu nem sabia o que era. Quando eu fui ver era uma transferência pra mim. Quando que eles me falaram “oi você está sendo transferida pro Roger” e eu disse “Roger? Por que?”. “Lá tem uma ala LGBT pra você. Você tem que ir pra lá.[42] 

Uma das conclusões do relatório foi no sentido de que indivíduos LGBT  custodiados nas prisões masculinas que não possuem espaços específicos estão submetidos a um regime de risco permanente, ou seja, em situação de vulnerabilidade à violência física, sexual e psicológica, principalmente por parte dos outros segregados.[43]

Em outubro de 2020, em razão das graves situações de violência e vulnerabilidade sofridas pela população carcerária LGBT no país, o plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que pessoas presas devem ser encaminhadas a presídios e cadeias conforme sua autoidentificação de gênero. A matéria se encontra disciplinada pelo Ato Normativo 0003733-03.2020.2.00.0000, convertida na Resolução Nº 348 do CNJ[44], de 13/10/2020, que traça as diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário no âmbito criminal, em relação ao tratamento da população LGBT custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. A medida passa a permitir que lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis ou intersexo possam cumprir suas penas em locais adequados ao seu gênero autodeclarado.

O relator do processo, Conselheiro Mário Guerreiro afirmou que “Em um sistema penitenciário marcado por falhas estruturais e total desrespeito a direitos fundamentais, a população LGBTI é duplamente exposta à violação de direitos”. E a norma aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça está de acordo com tratados internacionais ratificados pelo Brasil, assim como em conformidade com a legislação nacional relativa a Direitos Humanos e com a Constituição Federal, na proteção às “minorias e no reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, como destacou o Ministro Luiz Fux. As regras da Resolução também deverão ser aplicadas aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem integrantes da população LGBT, enquanto não elaborada lei própria.[45]

A nova Resolução nº 348, de 13/10/2020, determina que o Poder Judiciário passe a considerar a autodeclaração das pessoas restringidas em sua liberdade, que o sistema penal respeite seus direitos, e os magistrados concedam a possibilidade do cumprimento de pena dos detentos LGBT em presídios que possuam setor diferenciado para essa população, com análise de caso a caso. O texto prevê ainda as visitas íntimas em igualdade de condições, um anseio dessas minorias que até então tem encontrado forte resistência em diversos presídios do país.

O reconhecimento da pessoa como integrante do grupo LGBT passa a ser feito, exclusivamente, através da autodeclaração, garantidos os direitos à privacidade e à integridade do custodiado, que deverá ser tomada pelo juiz através de audiência em qualquer fase do procedimento penal, inclusive em audiência de custódia, até a fase de extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena. E uma vez informado que a pessoa ouvida em juízo pertence à população LGBT, o magistrado deverá informar ao declarante, em linguagem acessível, os direitos que a resolução lhe garante.[46]

No art. 6º da Resolução 348 do CNJ, está disposto que “Pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI submetidas à persecução penal têm o direito de ser tratadas pelo nome social, de acordo com sua identidade de gênero, mesmo que distinto do nome que conste de seu registro civil…”, assim como, nos termos do seu parágrafo único, caberá ao magistrado, quando solicitado pela pessoa autodeclarada parte da comunidade LGBT, ou pela defesa, com autorização expressa da pessoa interessada, diligenciar pela emissão e retificação de documentos, de forma gratuita (art. 11, VII, “c”).

Também está previsto na Resolução referida, no art. 9º, a preferência na apreciação dos pedidos de transferência de custodiados LGBT para outro estabelecimento, depois de requerimento prévio do requerente, assim como, no art. 10, está expressamente previsto que os direitos assegurados às mulheres deverão ser estendidos às mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais[47].

Confere ainda, no art. 11, o dever do magistrado responsável pela execução penal zelar pela garantia de assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa do detento integrando do grupo LGBT. No tocante à autodeterminação e dignidade, a Resolução garante o direito de utilizar vestimentas e manter as características pessoais socialmente adequadas ao gênero autodeclarado, assim como também disciplina que a visita social seja feita em local apropriado, inclusive em relação aos cônjuges ou companheiros que estejam custodiados no mesmo estabelecimento prisional. No mais, veda-se a transferência compulsória entre ambientes prisionais como meio de sanção em razão da condição de pessoa autodeclarada parte do segmento LGBT e assegura o direito ao atendimento psicossocial, em respeito aos princípios de igualdade e não discriminação e do direito ao autorreconhecimento, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero[48].

Nesse contexto, tem-se que marcadores como cor, raça e idade, em certo ponto, aproximam-se dos dados totais da população carcerária brasileira. Todavia, o incremento de espaços reservados especificamente para a segregação de pessoas integrantes da comunidade LGBT nos presídios masculinos representam um indicativo nacional de importante tendência de política institucional de tratamento penal, além de constituir juízo de opinião majoritário entre os operadores da segurança penitenciária que tradicionalmente laboram com o tema do encarceramento.

4. Considerações finais

Os Direitos LGBT são reconhecidos como Direitos Humanos, e a DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos) possui força vinculante e obrigatória a todos os Estados, razão pela qual está protegida a identidade de gênero e a orientação sexual, já que inerentes a todo ser humano, e a obstaculização de sua livre manifestação atinge de morte a sexualidade do indivíduo e ceifa o direito pleno à vida digna. Igualmente garantidos estão o direito à liberdade, à dignidade, à igualdade, à proibição de tratamento cruel, desumano ou degradante, à proibição de interferência na vida privada e também à proteção contra a discriminação.

A homossexualidade integra a sexualidade humana, assim como a heterossexualidade, de modo que a identidade sexual é determinante para o livre desenvolvimento da pessoa humana. Mas a realidade dessa minoria social é bem diferente: é a classe que mais sofre violência, opressão, preconceito e discriminação, pois quem não se encaixa no perfil cisgênero, heterossexual, branco e masculino e, se possível, tudo isso junto, é mais passível de sofrer limitações a seus direitos fundamentais.

Essa violência irracional contra a classe LGBT é reproduzida nas unidades prisionais brasileiras, que repetem as normas de gênero e sexualidade predominantes na sociedade. Num país que nunca atingiu o modelo ideal de bem-estar e proteção social, tem-se que o cárcere se consolidou como a principal forma de punição estatal, e nem mesmo as necessidades básicas fundamentais de um ser humano aprisionado são inteiramente atendidas, de maneira que realidade dos integrantes LGBT custodiados é de extrema vulnerabilidade.

Por seu turno, o Estado tem o dever de proteger e promover o direito de todos, independentemente da orientação sexual. E quando não é o Estado agente direto causador de danos à população LGBT, pode ser, ainda, aquele que não oferece nenhuma proteção para esse grupo vulnerável.

Verifica-se ainda a imperiosa necessidade de coleta de dados oficiais e maior apoio às políticas públicas e ações cidadãs que atuem nessa área, pois a violência contra a população LGBT deve ser enfrentada de modo transversal e ainda se encontra sub-representada na esfera política e sub-notificada estatisticamente.

O sistema penitenciário brasileiro ainda é considerado extremamente precário, razão pela qual devem ser adotadas medidas para amplas reformas nas prisões, tanto em nível material, no plano estrutural físico, quanto na forma do pensamento punitivo e nos meios de penalização. E, em termos mais imediatos, como meio de garantir a integridade física e psíquica da pessoa LGBT custodiada, as administrações penitenciárias devem oportunizar espaços designados a custódia específica dessa população, que será encaminhada pela justiça criminal a partir da análise de caso a caso, mediante autodeclaração oportunizada aos presos LGBT em qualquer fase do processo.

Isso não significa necessariamente afirmar que todos os estabelecimentos prisionais do país necessitam de espaços reservados especificamente ao público LGBT, pois as peculiaridades regionais são fatores determinantes na organização institucional penitenciária. Mas é necessária a garantia que, uma vez identificada a demanda, esses espaços de proteção estejam disponíveis, após consulta no que se refere à sexualidade, identidade de gênero e mediante consentimento expresso do custodiado, por meio de autodeclaração. E ainda, se durante o cumprimento da pena, o detento manifestar o desejo posterior de transferência para estabelecimento prisional de acordo com sua identidade de gênero, esse requerimento deve ser encaminhado ao juízo da execução penal, com prioridade na análise.

Nesse contexto, é fundamental a atuação efetiva do Estado nas demandas prisionais no país para o cumprimento de penas mais justas e para a garantia dos direitos fundamentais dos custodiados. Os presos pertencentes à minoria LGBT necessitam de maior visibilidade em relação aos demais segregados, devido à situação de extrema vulnerabilidade que enfrentam dentro e fora da prisão. Sendo assim, a alocação em espaço específico reservado para os integrantes do movimento LGBT se apresenta atualmente como a solução mais indicada, com a finalidade de conferir um tratamento mais humanizado no interior dos estabelecimentos prisionais e, com isso, evitar a perpetuação da violência e opressão a que estão submetidos diariamente.

É necessário coibir os abusos aos Direitos Fundamentais LGBT, com a garantia de uma vida sem discriminação nem violência, e adequação de leis obsoletas às regras internacionais no que se refere aos Direitos Humanos.

Referências

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[1] Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento Sustentável do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPE.

[2] Professor e Doutor em Ciências Criminais pela Faculdade de Coimbra.

[3] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 348 de 13/10/2020.

[4] ONU, Organização das Nações Unidas. Direito Internacional dos Direitos Humanos, 2020.

[5] ONU, Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas e o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, 2009.

[6] USP. Universidade de São Paulo. Biblioteca virtual de Direitos Humanos. Declaração e Programa de Ação de Viena – 1993, 2020.

[7] UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Office of the High Commissioner.Levante-se aos direitos iguais e tratamento justo para pessoas lésbicas, gay, bi, trans e intersex em todos os lugares, 2020.

[8] GENERAL ASSEMBLY. Human Rights Council. 17th session, Follow-up and implementation of the Vienna Declaration, 2011.

[9] UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Office of the High Commissioner. Levante-se aos direitos iguais e tratamento justo para pessoas lésbicas, gay, bi, trans e intersex em todos os lugares, 2020.

[10] DWORKIN, R. A virtude soberana a teoria e prática da igualdade, p. 655-656.

[11] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. LGBTI: CNJ reconhece identificação de gênero no sistema prisional, 2020.

[12] GONÇALVES; SPINELLI; FERRAZZO et al. Protocolo Policial para Enfrentamento da Violência LGBTfóbica no Brasil, 2020.

[13] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento.2020b.

[14] SEPULVEDA, J. A.; SEPULVEDA, D. Conservadorismo e Educação Escolar: um exemplo de exclusão, p. 91.

[15] GONÇALVES, A. C. A violência LGBTQIA+ no Brasil, Clínica de Políticas de Diversidade da FGV Direito SP.2020.

[16] ILGA World. The International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex Association, 2019.

[17] VENTURI, G.; BOKANY, V. Diversidade sexual e homofobia no Brasil, 2011.

[18]  G1, GLOBO. Brasil registra uma morte por homofobia a cada 23 horas, aponta entidade LGBT, 2019.

[19] BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade, 2013.

[20] HUMAN RIGHTS WATCH. O Brasil atrás das grades, 2020.

[21] STF. Supremo Tribunal Federal. Ministro garante a presas transexuais direito a recolhimento em presídios femininos, 2019. Acerca do assunto, ver também, BARROSO, L. R. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil, 2011.

[22] STF. Supremo Tribunal Federal. Ministro garante a presas transexuais direito a recolhimento em presídios femininos, 2019.

[23] BARATTA, A. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen Hein de. (Org.). Criminologia e feminismo, 1999.

[24] FERREIRA, G. G. “É tipo um labirinto”: LGBTs em privação de liberdade, 2018.

[25] FERREIRA, G. G. “É tipo um labirinto”: LGBTs em privação de liberdade, 2018.

[26] QUEIROZ, N. Presos que menstruam, p. 211.

[27] BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade, 2013.

[28] QUEIROZ, N. Presos que menstruam, p. 214-215.

[29] QUEIROZ, N. Presos que menstruam, p. 234.

[30] PRINCÍPIO DE YOGYAKARTA, Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, 2007.

[31] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[32] PASSOS, A. G. da S. O dispositivo bicha: gênero e sexualidade como técnicas de controle prisional. Tese (Doutorado) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, BR-RS, 2019.

[33] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b

[34] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. LGBTI: CNJ reconhece identificação de gênero no sistema prisional, 2020.

[35] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[36] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[37] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[38] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[39] BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. LGBT nas prisões do Brasil:Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento,2020b.

[40] EDC. Presídios estão adotando alas LGBT para reduzir casos de violência contra homossexuais, 2013

[41] G1, GLOBO. Paraíba é quarto estado do país com mais presídios com celas para pessoas LGBT, 2020.

[42] G1, GLOBO. Paraíba é quarto estado do país com mais presídios com celas para pessoas LGBT, 2020.

[43] G1, GLOBO. Paraíba é quarto estado do país com mais presídios com celas para pessoas LGBT,2020.

[44] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 348 de 13/10/2020.

[45] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. LGBTI: CNJ reconhece identificação de gênero no sistema prisional, 2020.

[46] CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 348 de 13/10/2020.

[47] “Art. 9º Em caso de violência ou grave ameaça à pessoa autodeclarada parte da população LGBTI privada de liberdade, o magistrado deverá dar preferência à análise de pedidos de transferência para outro estabelecimento, condicionado a prévio requerimento pela pessoa interessada”.

“Art. 10. Os direitos assegurados às mulheres deverão ser estendidos às mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais, no que couber, especialmente quanto à:

I – excepcionalidade da prisão provisória, especialmente para as gestantes, lactantes, mães e responsáveis por crianças menores de 12 anos ou pessoas com deficiência, nos termos dos artigos 318 e 318-A do Código de Processo Penal e do acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº 143.641/SP; e

II – progressão de regime nos termos do art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal”.

[48] “Art. 11. Nos estabelecimentos prisionais onde houver pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI privadas de liberdade, o juiz da execução penal, no exercício de sua competência de fiscalização, zelará para que seja garantida assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, sem qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual ou identidade de gênero, devendo levarem consideração, especialmente:

I – quanto à assistência à saúde:

a) a observância aos parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP);

b) a garantia à pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI privada de liberdade ou em cumprimento de alternativas penais e monitoração eletrônica do direito ao tratamento hormonal e sua manutenção, bem como o acompanhamento de saúde específico, principalmente à pessoa convivendo com HIV/TB e coinfecções, além de outras doenças crônicas e infecciosas e deficiências, ou demandas decorrentes das necessidades do processo transexualizador;

c) a garantia de testagem da pessoa privada de liberdade ou em cumprimento de alternativas penais e monitoração eletrônica em relação a doenças infectocontagiosas como HIV/TB e coinfecções, bem como outras doenças crônicas e infecciosas e deficiências;

d) a garantia de atendimento psicológico e psiquiátrico, considerando o agravamento da saúde mental dessa população, especialmente voltado à prevenção do suicídio, bem como tratamento ginecológico, urológico e endocrinológico especializado para pessoas transexuais, travestis e intersexo durante todo o período de privação de liberdade;

e) a garantia, com isonomia de tratamento, à distribuição de preservativos; e

f) a garantia do sigilo das informações e diagnósticos constantes dos prontuários médicos, principalmente nos casos de informações sorológicas e outras infecções sexualmente transmissíveis, resguardando-se o direito constitucional à intimidade;

II – quanto à assistência religiosa:

a) a garantia à pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI do direito à assistência religiosa, condicionada à sua expressa anuência, nos termos da Lei nº 9.982/2000, e demais normas que regulamentem tal direito;

b) a garantia, em iguais condições, da liberdade religiosa e de culto e o respeito à objeção da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI presa em receber visita de qualquer representante religioso ou sacerdote, ou de participar de celebrações religiosas;

III – quanto ao trabalho, educação e demais políticas ofertadas nos estabelecimentos prisionais:

a) a garantia de não discriminação e oferecimento de oportunidades em iguais condições em todas as iniciativas realizadas dentro do estabelecimento prisional, não podendo eventual isolamento ou alocação em espaços de convivência específicos representar impedimento ao oferecimento de vagas e oportunidades;

b) a garantia à pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, em igualdade de condições, de acesso e continuidade à sua formação educacional e profissional sob a responsabilidade do Estado; e

c) a vedação ao trabalho humilhante em virtude da identidade de gênero e/ou orientação sexual;

IV – quanto à autodeterminação e dignidade:

a) a garantia aos homens transexuais do direito de utilizar vestimentas socialmente lidas como masculinas e acessórios para a compressão de mamas como instrumento de manutenção da sua identidade de gênero;

b) a garantia às mulheres transexuais e travestis do direito de utilizar vestimentas lidas socialmente como femininas, manter os cabelos compridos, inclusive extensão capilar fixa e o acesso controlado a pinças para extração de pelos e a produtos de maquiagem, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero; e

c) a garantia às pessoas intersexo do direito de utilizar vestimentas e o acesso controlado a utensílios que preservem sua identidade de gênero autorreconhecida;

V – quanto ao direito às visitas:

a) a garantia de que a visita social deve ser realizada em espaço apropriado, respeitando a integridade e privacidade, devendo se evitar que as visitas sejam realizadas nos pavilhões ou celas;

b) a ausência de discriminação de visitas de pessoas pertencentes à população LGBTI, considerando as relações socioafetivas declaradas, não limitadas às oficialmente declaradas e incluindo amigos;

c) a garantia de exercício do direito à visita íntima em igualdade de condições, nos termos da Portaria nº 1.190/2008, do Ministério da Justiça, e da Resolução nº 4/2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, inclusive em relação aos cônjuges ou companheiros que estejam custodiados no mesmo estabelecimento prisional;

VI – quanto ao local de detenção:

a) a garantia de que os espaços de vivência específicos para as pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI privadas de liberdade não sejam utilizados para aplicação de medida disciplinar ou qualquer método coercitivo para elas ou para outros detentos, assegurando-se, inclusive, procedimentos de movimentação interna que garantam seu acesso aos ambientes onde são ofertadas as assistências à saúde, educacional, social, religiosa, material e ao trabalho;

VII – quanto a procedimentos gerais:

a) a garantia de vedação da transferência compulsória entre ambientes como forma de sanção, punição ou castigo em razão da condição de pessoa autodeclarada parte da população LGBTI;

b) a garantia do direito ao atendimento psicossocial, consistente em ações contínuas dirigidas também aos visitantes, para garantia do respeito aos princípios de igualdade e não discriminação e do direito ao autorreconhecimento, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero; e

c) garantia de gratuidade na emissão e retificação dos documentos civis da população LGBTI.”