DESMISTIFICANDO A TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO POR TECNOLOGIAS JURÍDICAS
31 de maio de 2023DEMYSTIFYING THE THEORY OF SUBSTITUTION OF LEGAL PROFESSIONALS BY LEGAL TECHNOLOGIES
Artigo submetido em 06 de abril de 2023
Artigo aprovado em 13 de abril de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023 ISSN 2236-3009 |
Resumo: O presente trabalho examina se o surgimento de novas tecnologias, que realizam tarefas em substituição aos profissionais da área jurídica, seria uma real ameaça. Analisa a automação de rotinas jurídico-administrativas como contribuição ao exercício das profissões jurídicas, sobretudo da advocacia, mas também chama a atenção para a necessidade de o advogado desenvolver novas competências para a sua adoção. Aborda os cuidados relacionados à escolha de ferramentas tecnológicas adequadas, aos investimentos necessários e, ainda, a importância do profissional se atualizar constantemente para credenciá-lo a oferecer novas formas de prestação dos serviços e manter a sua relevância no competitivo mercado jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: tecnologia, profissões jurídicas, robôs, substituição de advogados.
ABSTRACT: The present work examines whether the emergence of new technologies, which perform tasks in place of legal professionals, would be a real threat to the future exercise of the professions or myth. It analyzes the automation of legal-administrative routines as a contribution to the exercise of legal professions, especially law, but also draws attention to the need for lawyers to develop new skills for their adoption. It addresses the care related to the choice of adequate technological tools, the necessary investments and, also, the importance of the professional to constantly update himself to accredit him to offer new ways of providing services and maintain his relevance in the competitive legal market.
KEYWORDS: technology, legal professions, robots, replacement of lawyers.
First Law: A robot may not injure a human being or, through inaction, allow a human being to come to harm.
Second Law: A robot must obey the orders given it by human beings except where such orders would conflict with the First Law.
Third Law: A robot must protect its own existence as long as such protection does not conflict with the First or Second Law.
Zeroth Law: A robot may not harm humanity, or, by inaction, allow humanity to come to harm.
(Isaac Asimov)[3]
Introdução
Este artigo discute a teoria de que o trabalho dos advogados poderia ser substituído pelas tecnologias jurídicas que se proliferam e são adotadas no mercado atual.
O texto abordará a circunstância de que mídias especializadas e outros meios de comunicação propagam informações, muitas vezes imprecisas, as quais geram temor na comunidade jurídica. São comuns opiniões que levantam questões relativas à extinção de certas profissões em futuro próximo, não sendo diferente no meio jurídico.
Profissionais do direito não familiarizados com termos e características dessas tecnologias apavoram-se com a possibilidade de perderem suas posições. Quem nunca ouviu falar que a inteligência artificial (IA), um subcampo da engenharia e da computação, substituirá os advogados na prestação de serviços jurídicos? No futuro, segundo alarmistas defendem (Mirshawka, 2022)[4], a advocacia perderá espaço para a IA na prestação de serviços jurídicos, sendo petições escritas por robôs e decisões judiciais tomadas através de algoritmos. Haverá, na visão destes, um encolhimento da profissão ou até a sua extinção.
Neste artigo se esclarecerá que essa visão nos parece insustentável (Susskind, 2018)[5], na medida em que a atual advocacia, especialmente a empresarial, já faz uso de tecnologia na prestação de serviços jurídicos na busca pela otimização de tarefas, não tendo esta substituído os advogados. Serão indicados impactos do uso da tecnologia no desenvolvimento das atividades do advogado e os efeitos daí decorrentes, com o objetivo de argumentar que não existem evidências para crer que profissionais do direito serão extintos e substituídos por robôs.
Ao longo do texto, esclareceremos no que consiste inovação e tecnologia aplicadas aos serviços jurídicos e apontaremos os efeitos positivos da sua utilização, sem ignorar a necessidade de que os profissionais do direito se atualizem e se adaptem ao novo cenário denominado Advocacia 4.0[6]. Argumentaremos que a automação de tarefas jurídico-administrativas auxilia na rotina de escritórios de advocacia e permite ganho em escala. No tópico conclusivo, além de retomar os principais pontos do texto, faremos recomendações e indicaremos cautelas para lidar com o tema.
Em suma, considerando um marco teórico que foca na tarefa e não no trabalho como um todo, a pergunta que se responderá é a seguinte: é plausível a tese de que a tecnologia substituirá o advogado?
1. Tecnologia e profissões jurídicas
O primeiro aspecto a ser abordado é a relação existente entre tecnologia e profissões jurídicas. Qual é o ponto de contato entre ambas? Como se relacionam? A utilização da tecnologia é uma ameaça aos profissionais do direito?
Neste contexto, o judiciário e a advocacia passam por constantes evoluções, sendo exemplo disso a digitalização dos processos judiciais no Brasil: há cerca de 16 anos, a rotina dos advogados era muito desgastante, pois os processos judiciais tramitavam fisicamente, obrigando os profissionais a deslocarem-se constantemente aos fóruns, enfrentando filas nos balcões das Varas para verificação de andamentos processuais. Hoje, mesmo não tendo resolvido esse abarrotamento de processos, a tramitação das ações tornou-se mais célere, mas longe ainda do ponto ótimo.[7]
Não só o Poder Judiciário buscou sua evolução, mas também os advogados precisaram se reinventar ante o surgimento de inovações tecnológicas aplicadas a todos os segmentos de mercado. Os escritórios de advocacia mudaram a forma de prestar serviços jurídicos, considerado um mercado extremamente concorrido, em que os resistentes ao uso da tecnologia ficarão superados.[8]
Considerando o aumento de competitividade, softwares jurídicos começaram a ser comercializados, sendo que alguns escritórios realizaram investimentos expressivos e customizaram suas próprias plataformas visando oferecer um serviço mais célere e eficiente. Algumas tarefas, notadamente as tarefas menos complexas e repetitivas (como protocolos, extrações de cópias dos sites dos tribunais, agendamento de prazos, dentre outras), passaram a ser automatizadas.
Essa automação não implicou massiva substituição dos profissionais do direito, mas os auxiliou a desempenhar tarefas simples e rotineiras com maior rapidez, o que, em contrapartida, significou um ganho de tempo que permitiu aos operadores do direito explorarem mais o seu potencial intelectual, alocando tempo e intelecto naquilo que efetivamente demanda uma atuação idiossincrática.
Sendo assim, diante da questão sobre os impactos da tecnologia no âmbito profissional, é importante olhar não só para o trabalho jurídico como um todo, mas para as tarefas que os compõem. Conforme sustenta Scott E. Sampson, a “automação não acontece no nível dos trabalhos como um todo, mas no nível da tarefa. Um trabalho tomado como um todo pode não ser suscetível de automação, mas tarefas individuais que o compõem podem facilmente ser automatizadas.”[9]
Por menor que seja a estrutura em que inserido o profissional, o ponto é que a tecnologia – mas não somente ela – impacta o exercício da profissão, sendo exemplo disso a introdução do já citado processo eletrônico, que hoje é a realidade para todos os operadores do direito, independentemente da sua classe, da sua qualificação, porte econômico, atuação pública ou privada etc.
As evidências acima sugerem que as tecnologias auxiliam as tarefas e permitem a permanência do profissional no mercado e não o contrário. A utilização da tecnologia, como destacado em “Advocacia 4.0: o manual completo do advogado do futuro”[10] não visa apenas a “obtenção de resultados” na prestação de serviços pelo advogado, mas “a resolução de tarefas de forma otimizada, prática e com a melhor qualidade de trabalho possível”, sendo imprescindível para que o profissional não seja superado pela concorrência.
2. Automação das tarefas e rotinas jurídico-administrativas
Como visto, a tecnologia se mostrou aliada no exercício das profissões jurídicas, na medida em que tarefas rotineiras exercidas pelos profissionais de tal setor passaram a ser automatizadas.
E como identificar a tarefa que pode ser desempenhada de outra forma, que não através de um advogado altamente qualificado? Sampson (2021) mediu o grau de automatização de tarefas em diversas profissões e propôs que, quanto mais elevado o nível de criatividade e de habilidades interpessoais exigidas para a realização de uma tarefa, menor a chance de que seja automatizada.
O foco são as tarefas repetitivas e não a atividade do advogado. O raciocínio por detrás da automação destas tarefas que detém baixo grau de complexidade é o ganho em escala, viabilizado pela possibilidade da prestação de serviços mais céleres, redução de custos e aumento de competitividade.
A análise a partir das tarefas que integram as diversas profissões é vantajosa, na medida em que permite refletir sobre a reconfiguração da prestação de serviços, consideradas as especificidades e o contexto de cada profissão, de modo a se propor o grau de automação a que cada uma delas está sujeita:
“A preocupação imediata [para os profissionais] deve ser como a automação fará com que as tarefas se alterem e que papéis haverá para profissionais, semi-profissionais e clientes. (…) Em vez de perguntar quais trabalhos existirão no futuro, podemos perguntar quais tarefas dentro de cada trabalho são propícias para diferentes aplicações da automação: a ampliação (augmenting), a simplificação (deskilling), a centralização, ou a capacitação do próprio consumidor”.[11]
A utilização da tecnologia envolve quebra de paradigmas, conceitos e mudanças em formas consolidadas da prestação de serviços jurídicos, demandando investimentos que podem ser num primeiro momento encarados como custos, mas que ao final se traduzirão na otimização do trabalho jurídico e, consequentemente, no ganho de eficiência.
Tarefas automatizadas impactam positivamente rotinas de escritórios de advocacia, permitindo o atingimento de melhores resultados. Isso significa “comoditizar” serviços anteriormente realizados por advogados, que despendiam seu tempo com tarefas repetitivas, mas que hoje podem se dedicar a tarefas mais complexas, como avaliação da melhor estratégia para seus clientes.
Como observado por Ana Luiza Melo Maciel e Pollyana Presoti Tibúrcio, “A ideia de comoditização surgiu em meados dos anos 90 (CASSIONALTO, 1999)”, sendo possível destacar que “esse termo traduz a transformação de bens e serviços em uma commodity, que seria um produto que segue um tipo de padronização, expressão geralmente associada às matérias primas, produtos de base com pequeno grau de industrialização.” E concluem:
“Tal percepção surgiu em um contexto no qual as vantagens competitivas estavam se tornando insustentáveis diante da globalização e das rupturas tecnológicas e começou a ocorrer no momento em que os produtores de bens e serviços deixaram de modernizar suas mercadorias e começaram a recusar as tendências inovadoras que já estavam em vigor”.[12]
Essas importantes ferramentas, aplicadas à prestação de serviços de advocacia empresarial, principalmente quando auxiliam a gestão de volumosos números de processos, permitem o atingimento de altos níveis de eficiência e competitividade dentro do mercado.
Há um cuidado para o qual se deve chamar a atenção. Essa “nova” atuação demanda estudo e aprendizado, tanto teórico como prático, não dispensando que os profissionais do direito se aliem a técnicos de outras áreas, por exemplo, engenheiros de dados e Project Management Office (PMO).
Esta cautela está relacionada ao investimento financeiro em tecnologia e à busca do fornecedor correto. Isso porque, em um mercado extremamente saturado de advogados, espalhados pelos milhares de escritórios de advocacia que concorrem entre si, a demanda por novos serviços comoditizados aquece a oferta tecnológica.
Essa profusão de ofertas acaba por confundir profissionais do direito, que até pela sua formação não estão familiarizados com esta temática. Essa é a receita perfeita para oferta de serviços tidos por milagrosos, os quais não agregam às rotinas de escritórios e traduzem-se em desperdício de recursos.
Os profissionais do direito precisam estar preparados e alinhados com a nova forma de prestação dos serviços e conhecer estas atuais ferramentas.
Também a multidisciplinariedade das equipes é fundamental para entender e diferenciar os serviços inovadores, os quais impingem mudança de cultura, técnicas de gestão, utilização de expedientes de outsourcing, dentre outras.
Essa nova forma de prestação de serviços contribuiu para o surgimento de startups jurídicas, as chamadas Law Techs ou Legaltechs, que oferecem uma gama de serviços rotineiros de escritórios de advocacia e jurídicos de empresas, sem patrocinar os processos. Algumas delas, por exemplo, são responsáveis pela logística de departamentos jurídicos, desempenhando atividades como captura de publicações e intimações nos Diários Eletrônicos de Justiça, com o respectivo agendamento das tarefas/prazos para os advogados constituídos.
O que se vê é que a utilização da tecnologia permite a automação de determinadas tarefas, gera ganho em escala pela otimização de certas práticas, o que aponta a sua convivência harmônica com as profissões jurídicas, nada obstante os cuidados que devem ser adotados pelos profissionais como a necessidade de aperfeiçoamento ao novo modelo de prestação de serviços.
Neste cenário, considerando que tarefas antes realizadas pelos profissionais do direito passaram e cada vez mais passarão a ser desempenhadas pelas máquinas, indaga-se se tais profissionais correm o risco de serem definitivamente substituídos por tecnologias jurídicas.
3. Desmistificando a teoria da substituição dos profissionais do direito por tecnologias jurídicas
Adiantou-se na introdução deste artigo que a utilização da tecnologia no exercício das profissões jurídicas causa verdadeiro temor, pois se acredita que, por meio de seu uso, os profissionais do direito serão substituídos.
Contudo, a discussão causa temor porque muitos profissionais não compreendem no que consiste lançar mão de rotinas automatizadas e tecnologias disponíveis no mercado, que em nada relacionam-se ao trabalho intelectual do advogado, mas sim a tarefas rotineiras das bancas de advocacia[13].
A percepção é a de que advogados não serão substituídos pelos robôs, mas sim poderão otimizar suas rotinas administrativo-jurídicas, economizando tempo e recursos gastos com tarefas corriqueiras e que não requerem nenhuma sofisticação.
Estima-se que soluções tecnológicas poderiam diminuir em até 60% o número de horas gastas em revisão e análise de documentos. Estudo realizado por Dana Remus (2016, p. 46), da Universidade da Carolina do Norte, concluiu que, se todas as tecnologias jurídicas fossem implementadas, isso teria como consequência uma redução de 13% nas horas trabalhadas por advogados[14].
Se, por um lado, isso diminuiria os custos e a demanda por profissionais que fazem esse tipo de trabalho, por outro, deixaria os advogados mais livres para a realização de outras tarefas.
O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO SP)[15] analisou relatório da consultoria Deloitte (2016, p. 4)[16], concluindo que a maioria das pessoas tende a superestimar o impacto negativo da tecnologia no trabalho: embora a empresa estime que aproximadamente 100 mil funções do setor jurídico nos Estados Unidos tenham elevada probabilidade de ser automatizadas até 2036, mostra que, no Reino Unido, a automação gerou mais oportunidades de trabalho do que as que foram extintas.
De todo modo, o avanço tecnológico é uma tendência que parece ter vindo para ficar: de 2012 a 2017, estima-se que startups de tecnologia jurídica captaram aproximadamente 800 milhões de dólares em investimentos.[17]
Levantamento realizado pelo World Economic Forum (WEF) indica que até 2025 poderá ocorrer a substituição de 85 milhões de postos de trabalho, ante o uso da automação. Em contrapartida, o mesmo levantamento aponta que 97 milhões de novas posições serão oportunizadas[18]:
O ponto não é se a automação de tarefas implicará a substituição de profissionais por máquinas, mas a pedra de toque é indagar, como decorre do estudo realizado pelo (CEPI-FGV DIREITO SP): (i) “em que medida os profissionais da área jurídica estão preparados para que a sua atividade seja desempenhada com base em tecnologia?”; e (ii) “como eles podem se preparar para as profissões jurídicas baseadas em tecnologia?”[19]
Não é objeto deste artigo responder às duas perguntas formuladas no referido estudo – até porque o tema foi extensamente enfrentado pelos seus autores -, mas ir direto ao resultado da sua pesquisa, de modo a, a partir daí, incorporá-lo ao quanto se propõe o presente texto.
O estudo em questão concluiu, considerando “esse ambiente de intensa incorporação da tecnologia e da automação no cotidiano”, que se impõem “aos profissionais do Direito novos conhecimentos, habilidades e competências, que deverão ser integrados à formação [e incluímos transformação], a fim de capacitar adequadamente os futuros [e também os atuais] profissionais” (p. 15).
Neste contexto, o que se percebe é a necessidade de se superar “a perspectiva comum dos perigos de substituição do trabalho humano por máquinas” (p. 16), para se focar no que realmente interessa: (i) adaptação “a novas características das relações com os saberes”; e (ii) formação de “pessoas para que ainda tenham espaços profissionais, mesmo em cenários de alta automação e substituição de tarefas pelas inteligências artificiais” (p. 66).
Nesta linha de ideias, como observado por Marina Feferbaum[20], “o mercado de trabalho no Direito se modificou e se diversificou bastante”, exigindo “que o profissional se atualize e corte custos operacionais, o que tem feito com que ele acabe incorporando a tecnologia no seu dia a dia”, com o objetivo de “substituir tarefas repetitivas”, na medida em que “hoje há máquinas que fazem com menos risco de erro as mesmas rotinas”, surgindo “mais possibilidades de mensurar e combinar dados, permitindo análises e otimização do trabalho”.
A professora Feferbaum não afastou os perigos que podem afetar os profissionais que não se adaptarem, mas trouxe à reflexão a realidade com a qual nos alinhamos, ao observar que “devemos discutir as ameaças reais para a sociedade, e não temores individuais”.
O temor de que os robôs ou as máquinas substituirão totalmente os profissionais não se sustenta e “o trabalho intelectual dos juristas pode e deve ser valorizado mais do que nunca a partir dessas mudanças”, até “porque estamos nos dando conta de que muito (muito mesmo) da carga de trabalho que vem sendo realizada pelos profissionais pode ser automatizada, liberando-nos para nos debruçar em funções mais específicas e estratégicas” (Feferbaum).
O profissional da área jurídica dispõe de conhecimento técnico e intelectual que não se substituirá pela utilização única da máquina, sendo exemplo disso o aconselhamento aos seus clientes, considerado o sistema normativo. O profissional desenvolve estratégias, se vale da sua experiência em casos e negociações anteriores, considerando todas as possibilidades que gravitam em torno da questão a ele submetida prevendo e antevendo consequências.
Não se pode perder de vista, ainda, a capacidade argumentativa do profissional da área jurídica, em conjunto com a sua empatia, utilizadas com a finalidade de influenciar, por exemplo, os jurados em uma questão que envolva essa formação de tribunal.
Destaca-se, por oportuno e como exemplo, a prestação de serviços por empresas que utilizam a tecnologia para o mapeamento de informações que subsidiam advogados a selecionar jurados. Os dados são coletados e fornecidos ao advogado, mas a sensibilidade para se aceitar ou rejeitar um jurado é do próprio profissional, ser humano, capaz de analisar, no momento da formação do júri, o comportamento de outros seres humanos que ali se colocam como aptos a julgar o seu cliente.
O mesmo se aplica às sustentações orais, no desenvolvimento do trabalho na condução de audiências, na interlocução com outros profissionais na discussão de contratos.
Esses aspectos, nos permitimos destacar, demandam elementos que não são intrínsecos à máquina, mas ao ser humano que os desempenha com expressões e emoções capazes de obter resultados talvez improváveis de se conseguir apenas com a intervenção da tecnologia.
Com efeito, os profissionais da área jurídica podem e devem se adaptar e se aperfeiçoar para que a tecnologia seja uma aliada e potencialize o desenvolvimento da sua atividade profissional.
4. Conclusão
Conclui-se que a substituição total e definitiva dos profissionais do direito pelas ferramentas tecnológicas é um mito. As teorias fatalistas de que as profissões jurídicas estariam com os dias contados não se sustentam e são desprovidas de fundamentos, na medida em que a tecnologia deve e pode ser explorada como aliada no desenvolvimento das atividades dos profissionais da área jurídica, aplicando-a para otimizar determinadas tarefas que permitirão ao profissional dedicar tempo à realização de outras atividades, obtendo-se maior eficiência.
Essa conclusão decorre do quanto foi exposto ao longo deste artigo, sendo desnecessária a sua repetição. A síntese é a de que não se deve analisar a utilização da tecnologia em relação ao trabalho jurídico como um todo, mas como se aplica separada e individualmente às tarefas que são desempenhadas pelos profissionais da área jurídica.
Argumentou-se que tarefas repetitivas podem e devem ser automatizadas, liberando-se os profissionais do direito para a realização de outras que demandem a sua atuação idiossincrática.
Considerando o que foi concluído e levando em conta as deficiências na formação de muitos operadores do direito quanto ao tema da tecnologia, entendemos ser relevante, antes de se chegar ao ponto final deste ensaio, recomendar e indicar algumas cautelas a serem adotadas pelos profissionais da área jurídica.
O primeiro ponto de atenção diz com a necessidade, antes de se temer a utilização da tecnologia, de que sejam preenchidas as lacunas de competência para se atuar como profissional do direito. O ajustamento das questões fundamentais e básicas para a formação dos profissionais da área jurídica deve ser enfrentado preliminarmente.
Essa questão inicial permite concluir que algumas competências dos profissionais da área jurídica precisam ser estimuladas, antes até de se focar a preocupação com o desenvolvimento de habilidades relacionadas à utilização da tecnologia. Em síntese, o aprendizado da tecnologia não é o único driver de mudança necessário aos operadores do direito.
O levantamento do WEF anteriormente referido apontou que, em 2025, as principais habilidades que serão esperadas dos profissionais se concentram no pensamento analítico, na criatividade, na flexibilidade, “no pensamento crítico, na análise e a resolução de problemas”[21] e não somente no conhecimento de como utilizar a tecnologia:
Superado esse primeiro foco, a atenção pode ser direcionada ao uso da tecnologia. Atualmente, empresas de tecnologia, como as citadas Lawtechs,ofertam uma gama de serviços, que, se utilizadas por profissionais do direito com mente aberta para novas práticas, possibilitam o atingimento de resultados surpreendentes.
Hoje, softwares jurídicos que permitem a extração de relatórios e uma visão ampla e detalhada de dados processuais e de negócio do cliente não são mais reconhecidos como um diferencial de mercado. São ferramentas incorporadas e que os clientes acreditam que os prestadores já utilizam.
Os clientes, sobretudo as empresas, procuram velocidade, assertividade e objetividade de informações, a um preço cada vez menor. A busca por serviços inovadores e que forneçam serviços escorados em tecnologia é uma necessidade de mercado.
O ponto de atenção e cuidado é que todos os profissionais do direito devem acompanhar a evolução e o surgimento de novas tecnologias e tendências do mercado jurídico, pois, na graduação, os acadêmicos que se tornarão juízes, promotores, advogados e outros profissionais do direito não têm essa incursão.
As faculdades de direito não têm em suas grades curriculares disciplinas voltadas para atuação prática e moderna da advocacia, impingindo a cada profissional a necessidade de suprir esta lacuna.
A recomendação é a de que, para não perderem espaço e serem superados pela concorrência, os escritórios de advocacia necessitam reavaliar suas rotinas e novos modelos de gestão jurídica, de modo que possam adotar, na medida do possível, mecanismos de automação das tarefas repetitivas.
Recomenda-se, ainda, que os profissionais da área jurídica adotem cautelas para que a utilização das ferramentas tecnológicas seja monitorada, procurando evitar que a má gestão do uso da tecnologia possa gerar problemas em vez de soluções.
Os problemas, por exemplo, referem-se ao investimento não consciente e não pesquisado a fundo, que pode comprometer os resultados, como a contratação de empresas que prestam serviços de jurimetria, para leitura massiva de sentenças e acórdãos de determinada matéria, a fim de delinear o tema e identificar o posicionamento dominante de determinado Tribunal, de modo a guiar a estratégia a ser adotada. A acuracidade da sistemática analítica não é 100%, devendo a margem de erro ser contemplada no escopo do trabalho e comunicada ao cliente.
Outra recomendação é a cautela a ser tomada na pesquisa detalhada sobre os serviços de automação de tarefas que se pretende contratar. Aconselhável que sejam buscadas referências de trabalhos anteriores, pois, no mercado jurídico, ainda se vendem muitos sonhos, sendo que os serviços efetivamente entregues estão muito aquém do efetivamente contratado, gerando frustração de expectativa, desperdício de investimentos e potenciais desgastes com os clientes.
Voltando ao ponto de partida, o que se argumentou neste artigo é que a tecnologia pode e deve ser utilizada pelos profissionais da área jurídica – sendo mito a teoria alarmista da completa substituição de humanos por tecnologias jurídicas ou robôs. Argumentou-se, ademais, que as tecnologias podem ser empregadas na automação e na execução de tarefas repetitivas, permitindo aos operadores do direito que concentrem o seu talento e conhecimento em trabalhos mais sofisticados. Para tanto, recomendou-se a busca de treinamento e aperfeiçoamento visando a atualização dos profissionais, com a adoção de cautelas para que se obtenha ganho de performance e se afastem riscos desnecessários no exercício da sua atividade.
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[1] Sócio da Lee Brock Camargo Advogados. Mestrando em Direito dos Negócios pela FGV/SP (Fundação Getúlio Vargas). MBA em Gestão Empresarial pela FGV/SP (Fundação Getúlio Vargas). Especialista em Privacidade e Proteção de Dados pela Data Privacy Brasil. Especialista em Compliance pela PUC-SP. Graduado em Direito pela Universidade de Taubaté (2002). Membro Efetivo da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/SP. Advogado, com atuação em Direito Empresarial nas áreas de Contencioso Civil e Consumidor.
[2] Atualmente é sócio de Freitas e Assad Advogados. Atuação na área jurídica desde 1990, advogado desde 1996, mestrando em Direito dos Negócios na Fundação Getúlio Vargas FGV-SP, possui graduação em Direito pela Universidade Paulista, especialização em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica, LLM em Direito Empresarial pelo IBMEC-SP, Global Immersion Program Business, Business Law na Loyola University Chicago, extensão em Práticas Negociais pela Stetson Unversity – College of Law e em Mediação e Resolução de Conflitos pela Escola Superior do Ministério Público. Membro Efetivo da Comissão de Direito do Agronegócio do IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial. Integra o Núcleo de Pesquisas em Arbitragem do IBMEC-SP. Advogado Mais Admirado – Análise Advocacia 2021 e 2022.
[3] Permitiu-se, preambularmente, invocar as leis da robótica, criadas por Isaac Asimov na sua obra Runaround (1942), que integrou o livro mundialmente conhecido I, Robot (1950), como forma de chamar a atenção para o ponto de que os robôs, pelas leis que regem a sua conduta, não poderiam prejudicar os profissionais do direito, humanos, tomando o seu lugar definitivamente. A invocação da ficção é proposital e provocativa, vez que o texto se propõe a desmistificar a teoria de que a tecnologia, sendo os robôs uns dos seus representantes, seria adversária dos profissionais do direito, representados nos seres humanos.
[4] Inteligência artificial: os advogados estão sendo substituídos por robôs. Disponível em: <http://revistacriatica.com.br/inteligencia-artificial-os-advogados-estao-sendo-substituidos-por-robos/>. Acesso em: 22 ago 2022.
[5] O professor Daniel Susskind, em entrevista ao Jornalista Silio Boccanera, enfatizou que “a tecnologia não destrói profissões inteiras, o que ela faz é mudar tarefas”. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2018-jan-03/milenio-daniel-susskindeconomista-professor-oxford-harvard>. Acesso em: 22 ago 2022.
[6] É o exercício das profissões jurídicas com a utilização da tecnologia, objetivando a prestação de serviços em menor tempo e com o uso de ferramentas que tornem possível a realização de tarefas mecanizadas com maior produtividade, agilidade e eficiência.
[7] Segundo o “Justiça em números 2021”, anuário do Conselho Nacional de Justiça, em dezembro de 2020 havia 75,4 milhões processos judiciais pendentes de julgamento Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/justica-em-numeros-sumario-executivo.pdf.>. Acesso em 3.6.2022
[8] Os números da concorrência impressionam: o Brasil, conforme dados da OAB Nacional, conta 1.282.233 advogados. Fonte: https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados. Acesso em 3.6.2022
[9] Sampson, Scott E., A strategic framework for task automation in professional services, in Journal of Service Research, Vol. 24, pp. 122-140, 2021, p. 123, tradução própria.
[10] Blog da freelaw. Disponível em: <https://freelaw.work/blog/advocacia-4-0/>. Acesso em 3.jun.2022.
[11] Sampson, Op. Cit., 2021, pp. 134-35.
[12] CHAVES, Natália Cristina. Direito, Tecnologia & Globalização. Editora Fi. Maciel, Ana Luiza Melo. Tibúrcio, Pollyana Presotti. p.86
[13] Permite-se abrir um parêntese para destacar que há, ainda, uma discussão que pode e deve ser travada relativamente à qualidade do ensino jurídico. Esse outro tema não é o foco deste artigo, mas não pode ser ignorado, pois a ausência de preparo, a falta de base dos profissionais para enfrentar os desafios que virão pela frente podem trazer mais riscos à sua manutenção no mercado de trabalho. É um ponto de atenção ao qual se retornará na conclusão deste texto.
[14] Remus, Dana and Levy, Frank S., Can Robots Be Lawyers? Computers, Lawyers, and the Practice of Law (November 27, 2016). Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2701092> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2701092>. Acesso em: 09 jun 2022.
[15] Transformações no ensino jurídico [recurso eletrônico] / Alexandre Pacheco da Silva, Emerson Ribeiro Fabiani e Marina Feferbaum (organização) – São Paulo: FGV Direito SP, 2021. p. 35.
[16] Disponível em: <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Documents/audit/deloitte-uk-developing-legal-talent-2016.pdf>. Acesso em: 09 jun 2022.
[17] A informação é da consultoria CB Insights, citada em reportagem do New York Times: A.I. Is Doing Legal Work. But It Won’t Replace Lawyers, Yet. – The New York Times (nytimes.com).
[18] Recession and Automation Changes Our Future of Work, But There are Jobs Coming, Report Says. Disponível em: <https://www.weforum.org/press/2020/10/recession-and-automation-changes-our-future-of-work-but-there-are-jobs-coming-report-says-52c5162fce/>. Acesso em: 14 jun 2022.
[19] Transformações no ensino jurídico [recurso eletrônico] / Alexandre Pacheco da Silva, Emerson Ribeiro Fabiani e Marina Feferbaum (organização) – São Paulo: FGV Direito SP, 2021. p. 14.
[20] Quem entende de tecnologia será um profissional jurídico ainda melhor. Disponível em: <https://genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/724678526/quem-entende-de-tecnologia-sera-um-profissional-juridico-ainda-melhor>. Acesso em: 04 jun 2022.
[21] Automation will displace 85 million jobs by 2025: World Economic Forum. Disponível em: <https://hrmasia.com/automation-will-displace-85-million-jobs-by-2025-world-economic-forum/>. Acesso em: 14 jun 2022.