CONTRATO “BUILT TO SUIT” E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

CONTRATO “BUILT TO SUIT” E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

24 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

CONTRACT “BUILT TO SUIT” AND ITS APPLICATION IN BRAZILIAN LAW

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Giovana Benedita Jáber Rossini Ramos[1]
Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira[2]

RESUMO: A sociedade globalizada busca o desenvolvimento de empreendimentos econômicos que possibilitem aos agentes atuantes do mercado, a ampliação de lucros e a garantia da viabilidade futura dos investimentos. Neste sentido, o dinamismo da economia reflete-se na necessidade de desenvolvimento de instrumentos jurídicos específicos, hábeis à consecução dos fins almejados, dentre eles, os contratos. Este estudo partir-se-á da análise da contemporânea principiologia dos contratos que transcende o normativo. Mostrar-se-á que destas “aberturas legais” frente à moderna visão de contrato, materializou-se a modalidade do contrato “Built to suit”. Na seara do Direito Imobiliário/Econômico, esta expressão surge como um contrato de construção ajustada – permitindo uma ampla e nova conectividade entre partícipes do fenômeno negocial com origem norte-americana. Juntamente, elaborar-se-á um exame das principais características deste contrato, as obrigações e deveres das partes contratantes. Estruturar-se-á este contrato sob os enfoques da Lei 8.245/91 e sua inserção no Direito brasileiro.  Por fim, este estudo pretenderá responder as seguintes questões que se impõem: qual a natureza jurídica do contrato em exame? Sua previsão na lei de locação – Lei 8.245/91 – o faz submeter-se às normas protetivas contidas no Estatuto? Seria um contrato atípico? Direito à revisão contratual em tempos de pandemia? O artigo será desenvolvido utilizando-se o método dedutivo, num formato analítico-descritivo, sistematizando-se normas e doutrina aplicáveis, sem abrir mão de exame dialético dos pontos fulcrais de discussão.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato “Built to Suit”. Inserção no Direito Brasileiro. Reflexos da pandemia da COVID-19.

ABSTRACT: The globalized society seeks the development of economic enterprises that enable the agents operating in the market to increase profits and ensure the future viability of investments. In this sense, the dynamism of the economy is reflected in the need to develop specific legal instruments skilled to achieve the desired purposes, among them, contracts. This study will start from the analysis of the contemporary principle of contracts, which transcends normative. It will be shown that these “legal openings” in the face of the modern vision of contract, the modality of the contract “Built to suit” materialized. In the real estate/economic law field, this expression emerges as an adjusted construction contract – allowing a wide and new connectivity between participants in the business phenomenon, with North American origin. Together, an examination of the main characteristics of this contract, the obligations and duties of the Contracting Parties shall be drawn up. This contract will be structured under the approaches of Law 8.245/91 and its insertion in Brazilian law. Finally, this study aims to answer the following questions: what is the legal nature of the contract under examination? Does your provision in the rental law – Law 8.245/91 – make you submit to the protective rules contained in the Statute? Would it be an atypical contract? Right to contractual review in times of pandemic? The article was developed using the deductive method, in an analytical-descriptive format, systematizing applicable norms and doctrine, without giving up dialectical examination of the central points of discussion.

KEYWORDS:Built to Suit” Contract. Insertion in Brazilian law. Covid-19 pandemic reflexes.

INTRODUÇÃO

O dinamismo da economia reflete-se na necessidade do desenvolvimento de instrumentos jurídicos específicos hábeis à consecução dos fins almejados, dentre eles, os contratos. Na seara do Direito Imobiliário/Econômico, com influência norte americana, surge o denominado Contrato “Built to Suit” – Contrato de Construção Ajustada – manejado para contratos de longa duração, destinados a grandes empreendimentos que  permitem uma ampla e nova conectividade entre partícipes do fenômeno negocial: de um lado, o proprietário de um bem imóvel que será edificado, de outro, o empreendedor que caracterizará o formato de seu negócio, estabelecendo o tipo de construção e, como destinatário final, a sociedade, que se beneficiará da movimentação de riquezas, além da ampliação do mercado consumidor e de emprego, atendendo, pois, aos anseios coletivos.

Pretender-se-á analisar primeiramente, a contemporânea principiologia dos contratos, que transcende o normativo. Mostrar-se-á que destas “aberturas legais” frente à moderna visão de contrato, materializou-se a modalidade “Built to Suit” como uma implementação do desenvolvimento do mercado imobiliário, facilitando negócios e criando, por conseguinte, novos postos de emprego, atendendo aos princípios constitucionais que devem nortear a atividade econômica, incluindo o Estado como partícipe deste “movimento” negocial.

A modalidade “Built to Suit” enquadrada como hipótese de locação de imóvel por força da Lei 12.744/12, propicia ao Locador a expectativa de obtenção de vantagens a longo prazo e ao empreendedor/Locatário, a exploração do negócio sem custo com infraestrutura.

A modalidade estudada flexibiliza direitos para o contrato em exame, protege o Inquilino em outras normas, como a que estabelece penalidades proporcionais em caso de rescisão unilateral da avença, critérios de renovação da relação locatícia e revisional de aluguel.

Após esta análise, abordar-se-á o Contrato “Built to Suit” ou “Construção Ajustada”, sob os enfoques da Lei 8.245/91 do Código Civil e da atividade prática contratual contemporânea, indicando seu real alcance prático e doutrinário.

Por fim, investigar-se-á se, em razão da COVID-19, o locatário desta modalidade de contrato poderá requerer a redução do valor dos alugueres pelas dificuldades impostas no cumprimento do contrato em decorrência dos efeitos desta pandemia.

Este estudo pretende responder as seguintes questões que se impõem: qual a natureza jurídica do contrato em exame? Sua previsão na lei de locação o faz submeter-se às normas protetivas contidas no Estatuto? Seria um contrato atípicvo? Direito à revisão contratual em tempos de pandemia? 

Para o desenvolvimento do estudo utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica sobre o Contrato “Built to Suit” e sua incorporação no Direito brasileiro. Proceder-se-á o levantamento de doutrina elaborada sobre o tema desde o período em que o Contrato “Built to Suit” era “atípico” até sua inserção na Lei 8.245/91, inclusive investigando materiais que elucidam os efeitos da pandemia da COVID-19 sobre esta modalidade de contrato.

1 MUDANÇA DE EIXO NA HERMENÊUTICA CONTRATUAL: CONTRATOS APRESENTANDO UMA NATUREZA DE “FENÔMENO SOCIAL”, COM VALORES DE UTILIDADE SOCIAIS

Para se chegar às particularidades do contrato “Built to Suit” pretende-se partir da análise da moderna principiologia contratual, que superou a visão voluntarista de antanho.

 Em outras palavras: o contrato deixa de ser fenômeno apenas fruto de vontade incondicionada, liberalismo do século XVIII e XIX, passando a ser motivado por necessidades sociais, fruto da denominada Teoria Econômica Preceptiva (utilidade).

Lenio Luis Streck enfatiza:

A compreensão do novo modelo de Direito (e de Estado) estabelecido pelo Estado Democrático de Direito implica a construção de possibilidades para sua interpretação. Olhar o novo com os olhos do velho transforma o novo no velho! Interpretar o Estado Democrático de Direito – e seu programa de metas deontológico – a partir do horizonte do sentido proporcionado pelo modelo liberal-individualista-normativista (que o vê como um conjunto meramente axiológico de princípios), redefine e esvazia as possibilidades do novo modelo. Se estamos desde sempre na linguagem e falamos a partir da tradição, os pré-juízos, representados pelo velho modelo de Direito pré-formam o nosso olhar sobre o novo que, neste caso, nem sequer pode ser visto como novo, pois o novo somente será novo se tivermos a linguagem apropriada (que é condição de possibilidade) para dizê-lo/compreendê-lo, isto é, se pudermos tratá-lo (fazê-lo ser) pela linguagem. Enfim, sem o necessário horizonte crítico para fundir com a tradição, a interpretação resultará em mal-entendido (STRECK, 2003, p. 277).

Desta feita, os princípios clássicos dos contratos, autonomia da vontade, obrigatoriedade, relatividade, dão lugar a novos paradigmas, inserindo tais princípios em um contexto de sociedade plural e marcada por desigualdades social e econômica.

Claudia Lima Marques explica:

[…] para a concepção clássica de contrato, a vontade é o elemento essencial, a fonte, a legitimação da relação contratual; se, como vimos, até mesmo a sociedade politicamente organizada tem sua fonte em um contrato social; se o homem é livre para manifestar a sua vontade e para aceitar somente as obrigações que sua vontade cria; fica claro que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a ideia de superioridade da vontade sobre a lei. O direito deve moldar-se à vontade, deve protege-la e reconhecer a sua força criadora. O contrato, como diz o art. 1.134 do Código Civil francês, será a lei entre as partes. A própria lei, oriunda do Estado, vai buscar o seu poder vinculante na ideia de um contrato entre todos os indivíduos desta sociedade. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos (MARQUES, 1998, p. 3).

Os contratos passaram a ser vistos como instrumentos decorrentes de fenômenos econômico-sociais (Teoria Perceptiva), condicionados não apenas pela vontade, como também pela necessidade dos indivíduos, muitas vezes em condição de desigualdade material. Em decorrência disto, visando evitar o conflito social e promover o bem comum, o Estado, cada vez mais, passou a interferir nos negócios jurídicos.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, verificou-se verdadeira mudança de paradigma para o direito e sociedade brasileiros. Nesta Carta Magna foi dada maior importância para a Dignidade da Pessoa Humana, princípio visto como fonte de todos os demais, sendo um dos fundamentos da República. Após este fato, todas as áreas do direito foram balizadas por meio deste novo viés, havendo verdadeira constitucionalização do direito civil com o Código Civil de 2002, seguido pela jurisprudência que adotou uma postura mais intervencionista no direito privado.

Esta mudança de paradigma apesar de ser louvável em ganho social, representou menor segurança jurídica aos negociantes, especialmente quando aliada às divergências interpretativas observadas na jurisprudência.

Assim, pode-se afirmar que o conceito clássico de contrato, acordo de vontades, dá lugar a uma percepção dinâmica reconhecedora da pluralidade negocial havida na sociedade, marcada pela massificação das cidades, ampliação das relações de consumo, ao mesmo tempo, em que se deve atender aos interesses do bem comum.

Antonio Junqueira de Azevedo em seu texto leciona:

Estamos em época de hipercomplexidade, os dados se acrescentam, sem se eliminarem, de tal forma que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três – os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos mas, certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princípios. Quais são esses novos princípios? A boa fé, equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato (AZEVEDO, 1988, p. 115).

Com inserção de novos princípios, nitidamente, há uma mudança de eixo na hermenêutica contratual, com os contratos apresentando uma natureza de “fenômenos sociais”, com valores de utilidade sociais, onde os interesses individuais devem, necessariamente, ser lidos em consonância aos interesses gerais (Teoria Preceptiva).

Cesar Fiuza indica:

Valores são verdades básicas, premissas. Segundo Stein e Shand, os valores fundamentais da sociedade ocidental seriam três: ordem (segurança), justiça e liberdade. A eles acrescentamos a dignidade humana. É com base nesses valores que o contrato intenta promover o bem comum, o progresso econômico e o bem estar social. À liberdade, corresponde o princípio da autonomia privada. À ordem (segurança), o princípio da boa fé. À justiça, o princípio da justiça contratual. À dignidade do homem, correspondem todos eles e os princípios da dignidade humana e da função social dos contratos (FIUZA, 2011, p. 460-461).

A norma privada vem refletir a moderna principiologia contratual, que, superando o voluntarismo dos séculos passados, é relida em contexto mais humanístico e social.

Claudio Luiz Bueno de Godoy indica:

Reflexo da passagem do chamado Estado Liberal para o welfarestate, o contrato ganha dimensão nova, que determina sua recompreensão sob o influxo de novos princípios que lhe dão conteúdo.

Com efeito, cede lugar o dogma da vontade – até então fonte motriz do estabelecimento das relações contratuais, base do conceito absoluto, o quase, da autonomia negocial – à admissão de que o contrato encerra também uma dimensão social, que vai além da esfera jurídica das partes contratantes e, mais, que resulta de fontes que, a rigor, não se circunscrevem ao quanto declarado no ajuste (GODOY, 2004, p. 4).

Os princípios da dignidade humana, da função social dos contratos, a autonomia privada e seus consectários (liberdade contratual, consensualismo, auto-responsabilidade, intangibilidade), a boa fé e justiça contratual devem, pois, nortearem toda a atividade negocial, sob pena de desvirtuamento do fenômeno volitivo.

Teresa Negreiros, em sua “Teoria do contrato: novos paradigmas”, propõe assim a adoção, no âmbito da teoria contratual, do paradigma da essencialidade, configurado como decorrência das transformações ocorridas, o direito dos contratos e da supremacia dos valores existenciais sobre os valores patrimoniais. Propõe também que os contratos que tenham por objeto a aquisição ou a utilização pessoal de bens classificados como essenciais, estejam sujeitos a uma disciplina legal de índole tutelar, diversa da disciplina aplicável às demais espécies de contratos (NEGREIROS, 2006, p. 448-470).

Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e André Luís Cateli Rosa ensinam:

O paradigma da essencialidade indicou que se deve fazer leitura constitucional do direito dos contratos, porque os bens devem ser classificados de acordo com a essencialidade para quem deles necessita, afastando-se, assim, o contexto meramente patrimonialista tradicional. Decorre disso que o ordenamento jurídico e seus intérpretes devem realçar os aspectos existenciais do ser humano, entre os quais se encontram as expectativas legítimas do consumidor, que integram sua dignidade e personalidade (FERREIRA; ROSA, 2020).

Neste contexto, o novo formato de contratação faz criar atuais modalidades, dentre elas, o objeto do presente estudo: “Built to Suit”.

2 DOS CONTRATOS “BUILT TO SUIT”. ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Em um mundo cada vez mais conectado, globalizado e com as relações empresariais cada vez mais dinâmicas, não é de se surpreender que com o passar do tempo, surgiriam ou seriam absorvidas pelo mercado brasileiro diversas modalidades contratuais.

Deste modo, há a necessidade de desenvolvimento de instrumentos jurídicos específicos, hábeis à consecução dos fins almejados, dentre eles, os contratos.

Na seara do Direito Imobiliário/Econômico, com influência norte americana, surge o denominado Contrato “Built to Suit” – Contrato de Construção Ajustada – permitindo uma ampla e nova conectividade entre partícipes do fenômeno negocial.

É modalidade de contrato já bem utilizada nos Estados Unidos, desde a década de 1950 e, posteriormente, em países da Europa e Ásia. A expressão “Built to Suit”, na língua inglesa, pode ser traduzida em “construir para servir”, já denotando sua principal característica.

Paula Miralles de Araujo explica que não há estudos sobre o assunto e sua precisão da afirmação acima:

Por sua vez, os textos estrangeiros disponíveis sobre o assunto, a grande maioria norte americanos e poucos de cunho estritamente acadêmico, também não são claros a respeito do surgimento e do tratamento jurídico desse tipo de contrato. A conclusão a que se chega é a de que, no mercado norte-americano, embora haja figuras contratuais semelhantes que podem ter dado origem ao modelo contratual do built to suit nos moldes utilizado no Brasil, não há uma estrutura contratual rígida que espelhe exatamente a mesma formatação e possa fornecer, diretamente, subsídio para a determinação das regras aplicáveis (grifo original) (ARAUJO, 2015, p. 29).

Alguns doutrinadores arriscam afirmar que o contrato “Built to suit” nasce da necessidade de desenvolvimento do empreendedorismo do século XXI, devendo, obviamente, levar-se em conta todos os investimentos que o Locador/proprietário fará no imóvel para adequá-lo às necessidades do Locatário.

Neste contrato, figurarão como partes: de um lado, o proprietário de um bem imóvel que será edificado, e de outro, o empreendedor que caracterizará o formato de seu negócio, estabelecendo o tipo de construção e, como destinatário final, a sociedade, que se beneficiará da movimentação de riquezas, além da ampliação do mercado consumidor e de emprego, atendendo, pois, aos anseios coletivos.

A ideia do “Built to Suit” é atender ao Locador, proprietário do bem, ao Locatário, o futuro empreendedor, o Estado e a sociedade beneficiária direta do empreendimento, que terão suas demandas sociais realizadas.

O proprietário dará destinação ao seu bem, atendendo sua função social, prevista no artigo 5º, XXIII da CF/88. A propriedade não ficará ociosa e terá viabilidade econômica.

O contrato, também, atende aos princípios gerais da atividade econômica, previstos, expressamente, no artigo 170 da CF, notadamente a propriedade privada, sua função social, a livre concorrência, defesa do consumidor, a redução das desigualdades regional e social e a busca do pleno emprego.

Fernanda Henneberg Benemond define o instituto:

Um modelo de negócio jurídico no qual a parte interessada em ocupar um imóvel para o desenvolvimento de uma atividade (contratante) contrata com um empreendedor: (i) a construção, pelo próprio empreendedor ou por terceiros, de um empreendimento (edificação) em um determinado terreno (imóvel) e/ou a sua reforma substancial, de forma a atender as especificações e os interesses da contratante; e; após o término da construção ou reforma substancial, (ii) a cessão do uso e fruição (locação) do terreno com o empreendimento, por um valor que permita ao empreendedor remunerar a quantia investida na execução da obra, bem como o período de uso e fruição do imóvel, de modo a lhe proporcionar certa margem de lucro (BENEMOND, 2013, p. 24).

Rodrigo Ruede Gasparetto conceitua o contrato de “Built to Suit”:

Trata-se de um negócio jurídico por meio do qual uma empresa contrata outra, usualmente do ramo imobiliário ou de construção, para identificar um terreno e nele construir uma unidade comercial ou industrial que atenda às exigências específicas da empresa contratante, tanto no que diz respeito à localização, como no que tange às características físicas da unidade a ser construída. Uma vez construída, tal unidade será disponibilizada, por meio de locação à empresa contratante, por determinado tempo ajustado entre as partes (GASPARETTO, 2009, p. 31).

Ou ainda na visão de Sylvio Capanema de Souza:

No contrato de ‘Built to Suit’, o investidor, pessoa natural ou jurídica, mas geralmente fundos de investimentos imobiliários, se dispõe a construir um imóvel, por encomenda de terceiro, que promete alugá-lo, por tempo determinado e aluguel já avençado, tão logo lhe seja entregue, com o respectivo “habite-se”. Para o futuro locatário, o grande atrativo desse contrato é o de obter uma sede um espaço físico, adequado às suas necessidades, e por ele especificado, sem precisar descapitalizar-se, com aquisição de terreno ou com a construção. Ele receberá o imóvel pronto para nele se estabelecer.

Já para o investidor, e futuro locador, o interesse é o de garantir uma rentabilidade para o capital investido, representado pela percepção dos aluguéis, durante todo o tempo do contrato.

Esse retorno do capital investido não fica sujeito aos humores e à turbulências do mercado de ações ou de outros ativos imobiliários (SOUZA, 2014, p. 239).

Entre as principais características do contrato “Built to Suit” destacar-se-ão que o locatário – aquele que vai utilizar o bem – deve ser pré-determinado; a especificidade do objeto deve atender a necessidade do usuário; contrato com longo prazo contratual suficiente para que seja possível que o locador recupere todo capital investido, além dos alugueres; o objeto poderá ser construído ou adaptado; impossibilidade de denúncia realizada de forma unilateral pelo locador; aplicação da Lei das locações – n. 8.245/91; possibilidade de denúncia antecipada do vínculo pelo locatário, mediante multa convencionada; faculdade de dispensar à revisão da remuneração dos alugueres; possibilidade de revisão contratual; dificuldade de realocação do bem em caso de denúncia ou descumprimento contratual.

Relevante destacar que neste contrato, o empreendedor imobiliário está sujeito a maiores riscos do que o locatário, pois despenderá elevados recursos financeiros para construir ou reformar o imóvel.

Sua responsabilidade não está apenas no fato da cessão do uso (obrigação de dar), mas, também, na obrigação de fazer – construir ou reformar o bem.

Em razão destes investimentos é que normalmente os contratos “Built to Suit” possuem elevada cláusula penal para o caso de denúncia antecipada do vínculo.

Além disso, aos contratantes é facultado que renunciem ao direito de revisão do valor dos alugueres durante o prazo de vigência do contrato de locação, conforme disposto no artigo 54-A, § 1º da Lei 8.245/91, o qual será analisado posteriormente.

Daniel Gomes aponta que ao escolher o imóvel, objeto deste contrato, as partes deverão observar que o mesmo tenha os seguintes pontos, antes da concretização da avença:

 […] existência de diversas vias de acesso que facilitem o recebimento de matérias primas e/ou escoamento de sua produção; proximidade a grandes centros urbanos, portos/aeroportos; proximidade aos produtores de matérias primas, equipamentos e/ou insumos necessários para atividade empresarial; enquadramento do imóvel em zonas urbanas que permitam o exercício de sua atividade; possibilidade de fornecimento de energia elétrica em grandes quantidades, etc (GOMES, 2019. p. 71).

A questão ambiental também merece uma atenção diferenciada das partes contratantes durante a elaboração do contrato, pois o meio ambiente tem natureza propter rem, e Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ensinam:

São efetivamente obrigações, em sentido estrito, que decorrem de um direito real sobre determinada coisa, aderindo a essa e, por isso, acompanhando-a nas modificações do seu titular. Ao contrário das relações jurídicas obrigacionais em geral, que se referem pessoalmente ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem se transmitem automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam (STOLZE, 2020, p. 1.528).

Deste modo, a aquisição de um local com problemas ambientais passa a ser de responsabilidade do novo proprietário, que também é igualmente responsável se o locatário, no exercício da sua atividade empresarial, agredir o meio ambiente.

Todas estas características propiciarão aos investidores uma segurança de que terão retorno do valor aplicado na construção ou adaptação do bem proporcionando uma previsão dos lucros que receberá. 

Os usuários/locatários também possuem vantagens ao realizar este contrato, uma vez que satisfazerá suas necessidades específicas, justificando a tradução da expressão “Built to Suit”:  construído para servir.

Por fim, pode-se concluir que a sociedade também será beneficiária final desta modalidade de contrato, pois ele servirá como instrumento de circulação de riquezas, viabilizando a aplicação de recursos na atividade fim a ser exercida, contribuindo para geração de empregos.

3 DA NATUREZA JURÍDICA E INSERÇÃO DO CONTRATO “BUILT TO SUIT” NO DIREITO BRASILEIRO

A chegada de tal modalidade de contrato no Brasil é recente, mostrando-se expressiva apenas a partir da segunda metade da década de 1990.

Sabe-se que o contrato “Built to Suit” é modelo de negócio jurídico em que o empreendedor imobiliário reforma ou edifica determinado imóvel sob medida ao ocupante e finalizada a obra, cede o uso da edificação por período determinado. Como se nota, algumas prestações obrigacionais estão presentes nesta modalidade contratual.

Destaca-se, entre alguns dos elementos essenciais desta modalidade de contrato, as obrigações de prestações assumidas por cada contratante. Para o empreendedor esta obrigação ultrapassa a obrigação de disponibilizar – cessão da fruição e uso da coisa – mediante remuneração. Nesta prestação também está incluída a de construir ou reformar o imóvel conforme ajustado.

De outro lado, à prestação do Locatário atribui-se não só a remuneração pelo uso do imóvel, mas também a obrigação de remunerar o Locador do valor investido na construção ou reforma do mesmo.

Um fato importante para a expansão destes empreendimentos que demandam vastas somas de capital, foi o Sistema Financeiro Imobiliário promover ao mercado imobiliário nacional de modo a positivar em seu artigo 8º a operação de securitização, por meio de Termo de Securitização de Créditos lavrado em companhia securitizadora, uma instituição não financeira que pode emitir estes créditos em empreendimento imobiliários para o mercado financeiro por meio de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). A partir daí tornou-se possível antecipar os alugueres futuros mediante um processo de securitização imobiliária, onde o empreendedor cede seus créditos imobiliários (“aluguéis”) a uma companhia securitizadora que, por sua vez, emite títulos (CRIs) no mercado financeiro e/ou de capitais, lastreados nos referidos créditos imobiliários. 

 Visando dar maior segurança jurídica ao “Built to Suit” e até para evitar-se desequilíbrios entre os contratantes, os legisladores regulamentaram este contrato pela Lei nº 12.744/12, que introduziu na Lei das Locações – Lei 8.245/91 – a construção ajustada como modalidade de contrato de locação sob a forma do art. 54-A, cujo “caput” traz os requisitos característicos deste negócio jurídico, possibilitando indicação um pouco mais precisa dos elementos do “Built to Suit” brasileiro, caracterizando-o como modalidade de locação, tipicamente de natureza de empreendimento econômico.

Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei (BRASIL, LEI Nº 8.245, 1991).

Desta forma, foi inserida no caput do artigo, a previsão legal do contrato de “Built to Suit” denominando-os como “locação nos contratos de construção ajustada”.

Assim, no contexto legislativo esta modalidade de contrato é conceituada como locação não residencial de imóvel urbano, na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja este locado por prazo determinado, geralmente em tempo não inferior a 10 (dez) anos, a fim de viabilizar o investimento do locador, prevalecendo as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas em lei.

Apesar da previsão normativa, discute-se a aplicabilidade da Lei 8.245/91, em sua inteireza, a tal modalidade. Isso porque a estruturação de um contrato “Built to Suit” apresenta ampla conectividade de relações jurídicas: a ligação jurídica entre o empreendedor e o construtor, com a participação do Usuário Final/Locatário, na elaboração de projetos, etapas de edificação, prazo, pagamento e a locação final entre o empreendedor e o usuário, o “Built to Suit”, propriamente dito, transformando a avença em “intuito personae”.

Rodrigo Gasparetto explica que o contrato “Built to Suit” não pode ser totalmente regido pela Lei de Locações (8.245/91):

Conforme esclarecido, o contrato que se forma entre empreendedor-locador e usuária-locatária se utiliza de muitos dispositivos inseridos na Lei 8.245/91, porém não pode ser considerado como de mera locação, no qual o proprietário disponibiliza imóvel de sua propriedade apenas para uso e gozo do locatário. No contrato denominado built to suit, existem outros elementos essenciais que devem ser considerados, tais como: (i) a compra do imóvel de escolha de quem vai utilizá-lo; (ii) a realização de obra por encomenda também de quem o utilizará, tudo isso demandando grande investimento do empreendedor-locador, que conta com uma remuneração mínima de longo prazo para poder fazer frente ao montante investido na operação. A Lei de Locações, portanto, não pode ser aplicada em sua integralidade, uma vez que esta poderia descaracterizar totalmente a operação imobiliária pretendida pelas partes (grifo original) (GASPARETTO, 2014, p. 50).

Marco Aurélio Bezerra de Melo destaca a relevância deste contrato para todas as partes envolvidas, inclusive a sociedade:

Esse modelo contratual interessa, portanto, ao locador pela possibilidade de retorno financeiro do investimento com lucro, ao locatário que poderá prosseguir com a sua atividade empresarial sem a preocupação de imobilizar importante capital para a construção do imóvel adequado e é importante para a sociedade, pois a um só tempo se confere função social à propriedade que poderia estar sem a utilização devida e ao próprio contrato que conferirá segurança jurídica aos parceiros contratuais (grifo original) (JUSBRASIL, 2018).

Entende-se, assim, que o contrato “Built to Suit” é um mecanismo hábil ao desenvolvimento de empreendimentos econômicos, sendo fator relevante para a movimentação da economia.

3.1 DA ANÁLISE DO CONTEXTO DE “BUILT TO SUIT” FACE AOS INSTRUMENTOS PREVISTOS NA LEI 8.245/91: DA DENÚNCIA ANTECIPADA DO VÍNCULO LOCATÍCIO, DIREITO À RENOVATÓRIA DE CONTRATO E A POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO EXTEMPORÂNEA DO BEM PELO INQUILINO

Como explanado anteriormente, tal contrato é considerado como sendo atípico, inserindo-o na Lei 8.245/91 pela Lei 12.744 de 19.12.2012, através do artigo 54-A, parágrafos primeiro e segundo, trazendo uma ideia de maior flexibilização à modalidade.

Importante analisar o disposto no parágrafo segundo do referido artigo 54-A da lei de regência, no que tange ao instrumento de denúncia antecipada do vínculo locatício: “§ 2º. Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos alugueres a receber até o termo final da locação” (BRASIL, LEI Nº 8.245, 1991).

Tal aspecto se observa, notadamente, na hipótese de denúncia antecipada do vínculo locacional por aquele, quando poderá ser submetido ao pagamento de multa até a soma dos alugueres vincendos até o fim da avença.

Apesar de, em abstrato, as questões da revisional de aluguel e multa pela devolução antecipada do imóvel terem sido solucionadas pela Lei 12.744/12, outros aspectos hão de ser esmiuçados.

Primeiramente, o sistema de Lei de Locações é protetivo e garantista dos direitos que envolvem os atores da relação jurídica, notadamente, o Locatário, no que tange à certas prerrogativas constantes da norma.

Podemos exemplificar, sem exaustividade, as previsões de direito à renovatória de contrato e a possibilidade de devolução extemporânea do bem pelo Inquilino, fixados nos artigos 71 e 4º da Lei.

O direito de renovação, nas palavras de Gildo dos Santos:

É atuado pelo exercício desse direito, por meio da ação renovatória, do mesmo modo que o direito à revisão é atingido pelo exercício desse direito, que se dá por meio da ação revisional, e o direito à rescisão do contrato se dá com o exercício desse direito, para o que o autor se vale da ação de despejo.

Autor dessa ação é o locatário, o cessionário ou o sucessor da locação, e o sublocatário.

A petição inicial da renovação, além dos requisitos da lei processual civil, deve também indicar, de maneira mais objetiva possível, as condições para a renovação do contrato, precisando dia, mês e ano de começo e término do novo prazo locativo, aluguem para o início da renovação, forma e índice de reajuste de renda, fiador com a devida e integral qualificação, além da sua idoneidade financeira, seja ele pessoa natural ou jurídica, mesmo que não haja alteração desse garante, como se vê do inciso V, com redação dada pela recente Lei 12.112/2009 (SANTOS, 2011, p. 565-568).

O direito de devolução do imóvel extemporaneamente, também, vem sufragado pela Lei, possibilitando ao Locatário o pagamento de penalidade reduzida, proporcionalmente ao tempo restante da locação.

Esta proporcionalidade, antes fruto das interpretações pretorianas, vem baseada nas verdadeiras regras/princípios constantes do Código Civil Brasileiro, especialmente em seu artigo 413, que elenca a redução equitativa pelo juiz da multa se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

3.2 DA RENÚNCIA AO DIREITO DE REVISÃO DO VALOR DO ALUGUEL NO CONTRATO “BUILT TO SUIT”. POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DA REMUNERAÇÃO MENSAL EM RAZÃO DA PANDEMIA. 

O parágrafo 1º do artigo 54-A dispõe: “§ 1º. Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos alugueres durante o prazo de vigência do contrato de locação” (BRASIL, LEI Nº 8.245, 1991).

Da análise deste dispositivo, tem-se que é facultado ao locatário a possibilidade de renúncia do direito de revisão do valor dos alugueres durante o prazo de vigência do contrato de locação.

Entretanto, Claudia Lima Marques posiciona-se sobre a força obrigatória dos contratos:

À idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do homem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional (MARQUES, 1998, p. 3).

Deste modo, necessário analisar o referido §1º do art. 54-A da Lei 8.245/91 em relação às obrigações assumidas pelos contratantes para responderem a questão que se em razão da pandemia da COVID-19, o locatário poderá requerer a redução do valor dos alugueres por estar passando por dificuldades financeiras impostas no cumprimento do contrato em decorrência dos efeitos da mesma.

Para responder este questionamento, necessário lembrar que num contrato de locação de imóvel não residencial (comercial) o Locador cede a posse direta de seu bem à outra parte – Locatário – que paga o aluguel como contraprestação pela cessão de uso do bem imóvel.

Já no contrato “Built to Suit”, o Locador se obriga a construir ou reformar um imóvel para adaptá-lo às necessidades específicas de um usuário que poderá utilizar este bem por tempo determinado, mediante a remuneração não apenas pelo uso do bem, mas, também, pelo valor investido na construção ou reforma do imóvel.

A pandemia da COVID-19 fez com que muitas cidades brasileiras, em virtude dos decretos impostos por seus governos, acabaram impulsionando um sentimento de obrigação de revisão geral dos valores da contraprestação nos contratos. A sensação que é passada para a sociedade, é a de que há o dever de revisar os contratos.

A partir deste acontecimento, mais propriamente desde MARÇO/2020, percebe-se que muitos locatários/usuários deixaram de cumprir as cláusulas contratuais que antes eram cumpridas rigorosamente, sob a justificativa que tiveram uma queda drástica em seus recebimentos a ponto de resultar na incapacidade total de adimplir com sua obrigação de pagar os alugueres bem como dos encargos locatícios, resultando num desequilíbrio social.

Salomão Resedá opina:

A sensação que é passada para a sociedade é a de que há o dever de revisar os contratos. Pais rejeitam-se a pagar as escolas ou faculdades dos seus filhos, mesmo os centros educacionais ofertando o acesso à conteúdo através de aulas virtuais. Inquilinos impõe aos seus locadores a obrigação de reduzir o valor do aluguel a patamares que são indicados por eles próprios, sem qualquer parâmetro, mas sob a justificativa de uma espécie de fragilidade nascida a partir da situação de excepcionalidade social. Parece que se instalou no país, em matéria contratual, um estado de ‘pânico’ (JUSBRASIL, 2020).

Partindo-se da premissa que todo contrato, quando celebrado, há distribuição de riscos entre credor e devedor, entende-se que em tese, a COVID-19 poderá ser utilizada pelo Locatário como uma hipótese de caso fortuito como disposto no art. 393 do Código Civil/2002.

Porém, para assim ser considerada, o Locatário deverá comprovar que, em razão da pandemia COVID-19, houve impossibilidade absoluta que afetou o cumprimento da prestação, o que não se confunde com dificuldade ou onerosidade. O que se considera é se as imposições do Poder Público à abertura de seu estabelecimento, tornou-se um obstáculo ao cumprimento da obrigação.

Isso implica dizer que há necessidade de demonstração do alcance específico do fato extraordinário na obrigação vinculada ao devedor, conforme preceitua o art. 393 do Código Civil/2002.

Assim, para se evitar uma situação de desequilíbrio entre os contratantes, exige-se que o Locatário demonstre como e em qual amplitude a COVID-19 afetou a sua situação econômica em específico. Não basta esse alegar que sua atividade profissional e situação econômica foram atingidas pela pandemia.

Até porquê este motivo levaria a uma situação de desequilíbrio entre as partes contratantes. O Locador não poderá arcar com prejuízo de um serviço ou até mesmo de um produto já fornecido, antes mesmo do período determinado pelo Governo de isolamento social e fechamento de alguns estabelecimentos.

Evidente que não se nega a gravidade da pandemia, mas a boa-fé deve ser o princípio norteador do contrato, tanto na sua conclusão quanto na sua execução, conforme preceitua o art. 422 do Código Civil/2002: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL, 2002).

Alexandre Junqueira Gomide e José Fernando Simão, trata sobre o assunto:

[..] fosse acolhida a ideia de que a dificuldade financeira superveniente autorizaria a revisão contratual, a segurança das relações jurídicas estaria ameaçada sobremaneira, e aniquilado estaria o princípio do pacta sunt servanda. Não há dúvidas de que o argumento da dificuldade econômica seria tese sedutora ao devedor que pretendesse inadimplir ou mesmo obter melhores condições da sua contraprestação obrigacional (BLOG DO DIREITO CIVIL & IMOBILIÁRIO, 2020).

Assim, após os estudos realizados para feitura deste artigo, constatou-se que eventual insucesso do empreendimento ou dificuldades financeiras estão, inexoravelmente, abrangidos pelo risco inerente a qualquer atividade empresarial, não podendo ser, por si só, considerados caso fortuito ou força maior, aptos a exonerar, seja o Locatário de um contrato de locação de um imóvel não residencial quanto o usuário do contrato “Built to Suit” da responsabilidade do pagamento dos alugueres e encargos locatícios decorrentes da avença entre as partes.

Compreende-se assim que, somente terão direito à revisão contratual em casos excepcionais, e quando restar provado que o ocupante ficou impedido de utilizar o imóvel, em razão do seu negócio jurídico ter sofrido alteração decorrente da pandemia com efeitos não previsíveis, como nos casos de academias de ginástica, escolas, entre outros (PROFESSOR SIMÃO, s. d.).

Alexandre Junqueira Gomide corrobora com essa ideia:

Assim, nesse modelo de contrato, onde os contratantes normalmente são empresas, a alocação de riscos estabelecida no contrato deve ser respeitada pelo intérprete. O respeito às cláusulas do contrato built to suit é imprescindível para o negócio em si, considerando, por exemplo, os elevados riscos envolvidos ao empreendedor, que se obriga a construir imóveis imponentes, dada a promessa de remuneração ao longo dos próximos anos (MIGALHAS, 2020).

Claudia Lima Marques apresenta uma solução sobre a questão:

Ao juiz não cabe modificar e adequar à eqüidade a vontade das partes, manifestada no contrato, ao contrário, na visão tradicional, cabe-lhe respeitá-la e assegurar que as partes atinjam os efeitos queridos pelo seu ato. Lembre-se por último que, como corolário da liberdade e autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos fica limitada às pessoas que dele participaram, manifestando a sua vontade (inter partes) (MARQUES, 1998, p. 3).

O desejável, ou aconselhado pelo Poder Judiciário, é que tais relações contratuais não precisem ser resolvidas pelos contratantes por meio de ingresso de uma medida judicial. Mas sim, através de uma composição amigável entre os contratantes por meio de um parcelamento da contraprestação mensal ao longo de um tempo determinado a ser fixado por elas mesmas, um acordo de vontades.

Salienta-se que este estudo não concorda nem sugere a redução do valor da prestação mensal no contrato “Built to Suit”, ainda mais se levando em conta que esta remuneração mensal abrange não só a cessão de uso, mas ressarcir o valor investido na construção ou reforma do bem imóvel.

Sugere-se uma composição amigável entre as partes contratantes. Um parcelamento desta remuneração mensal durante um determinado período enquanto o contrato está em vigência para se evitar um desequilíbrio entre os contratantes nesta modalidade de contrato “Built to Suit”.

CONCLUSÃO

Constata-se que o contrato “Built to Suit” está sendo utilizado em grande escala por muitas empresas que pretendem expandir sua área de atuação ou até mesmo reformular suas instalações sem imobilizar um alto investimento para aquisição de um imóvel que satisfaz exatamente a necessidade de sua atividade.

A modalidade “Built to Suit” é para o locatário, uma forma inteligente de expandir sua atividade ou modernizá-la sem ter nenhuma construção ou reforma custeada diretamente por ele, assim podendo aplicar todo o seu capital diretamente na atividade empresarial e ainda usufruir de um imóvel com as características personalizadas para sua atividade.

Para o Locador, apesar de ter um grande custo com construção, tal modalidade de contrato é vantajosa, uma vez que o valor gasto na construção ou reforma do imóvel será revertido através do pagamento dos alugueres.

A inserção deste contrato pela Lei nº 12.744/12, a que introduziu esta modalidade na Lei das Locações – Lei 8.245/91 – denominando-a como contrato de locação de construção ajustada – sob a forma do art. 54-A, possibilitou maior segurança jurídica às partes contratantes, minimizando o risco de desequilíbrio contratual, eliminando o risco de alteração da remuneração contratada.

A norma prevê a dispensa da revisão dos alugueres, justificando ser a forma mais segura tanto para locatário que saberá que não haverá reajustes quanto para o Locador que terá certeza que irá receber a remuneração pelo uso e o reembolso dos valores investidos na construção ou reforma do bem.

No entanto, concluiu-se que há possibilidade de revisão desta remuneração dos alugueres, desde que o devedor demonstre o alcance específico do fato extraordinário a sua obrigação, sob pena de violação ao princípio da boa-fé.

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[1] Mestre em Direito pelo PPGD UNIMAR (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília/SP). Aluna especial do Doutorado em Direito do mesmo programa. Docente na Graduação em Direito da UNIMAR.

[2] Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Professora titular do PPGD da Universidade de Marília – UNIMAR e do Programa de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR. Docente da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso – FESMP-MT. Membro efetivo do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI; do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e do Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil. Realizou estudos de Direito Comparado na Universidade Autônoma do México; Universidade Urbaniana -Vaticano; Universidade de Paris – Sorbonne, Universidade de Tel Aviv e Universidade de Londres. Experiência na área do Direito, especializada em Direito Negocial, Direito de Empresa, Direito de Família, Hermenêutica Jurídica. Autora de obras e artigos jurídicos. Advogada e sócia-fundadora do escritório Borges Ferreira Advogados Associados.