CONSIDERAÇÕES SOBRE A TENTATIVA DE UNIFICAÇÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
20 de setembro de 2023CONSIDERATIONS ON THE ATTEMPT TO UNIFY PROVISIONAL INJUNCTIONS IN THE 2015 CODE OF CIVIL PROCEDURE
Artigo submetido em 15 de setembro de 2023
Artigo aprovado em 19 de setembro de 2023
Artigo publicado em 20 de setembro de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 49 – Setembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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Autores: Lívia Baptiston Herdy Alves[1] |
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SUMÁRIO: O presente artigo tem por objetivo trazer algumas considerações sobre a tentativa de unificação do instituto das tutelas provisórias no CPC/2015. Para tanto, serão analisadas as previsões contidas no CPC/1973 bem como o texto proposto pelo Anteprojeto do Novo CPC, assim como o texto promulgado. O artigo será concluído com comentários críticos sobre o instituto e sua aplicação na prática.
PALAVRAS CHAVES: Tutelas provisórias. Cautelar. Antecipada.
ABSTRACT: This article aims to bring some considerations on the attempt to unify the institute of injunctions in the CPC/2015. To this end, we will analyze the provisions contained in CPC/1973 as well as the text proposed by the New CPC/2015, and the text enacted. The article will conclude with critical comments on the institute and its application in practice.
KEYWORDS: Injunction. Preliminary Injunction. Antecipated.
I. INTRODUÇÃO
A tutela provisória é um instituto que foi introduzido no sistema processual com a finalidade de dar efetividade à tutela jurisdicional em razão da demora no julgamento das demandas judiciais.
Em algumas situações não é possível aguardar o julgamento final do processo para obter a tutela jurisdicional, tendo a tutela de urgência o papel fundamental para garantir que o direito não pereça.
O referido instituto já existia no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), tendo sido substancialmente alterado com a edição do Novo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015).
Muito embora tenha havido a tentativa de unificar os requisitos e procedimentos das tutelas provisórias, o que se verifica em comparação ao Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil é que o texto final ficou dissociado da proposta inicial.
Assim, a proposta do presente trabalho é fazer uma breve síntese sobre a evolução das tutelas provisórias desde o CPC/73 até o CPC/2015, comparando o texto final com a proposta contida no Anteprojeto, adicionando comentários pontuais sobre o instituto e a tentativa da sua unificação.
II. TUTELAS PROVISÓRIAS: NOÇÕES PRELIMINARES
A Tutela Provisória é um instituto processual pelo qual o provimento judicial é antecipado a uma das partes antes da decisão final, seja ele de mérito ou como medida acautelatória. Sua concessão ocorre por meio de uma cognição sumária em juízo de probabilidade (NEVES, 2015).
A sua origem decorre da própria Constituição Federal que prevê, em seu artigo 5º, XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão de direito”, consagrando, entre outros princípios a efetividade da tutela jurisdicional.
Como nos ensina Olavo de Oliveira Neto[2], o ordenamento jurídico deve permitir que quem dele se utilize, tenha a sua pretensão satisfeita, não podendo se permitir que a ausência de uma via processual adequada impeça a realização do direito material.
Obviamente e, intrinsicamente ligado a este conceito, destaca-se a efetividade do processo, que diz respeito a realização prática dos fins colimados do processo.
Conforme nos ensina João Batista Lopes, a efetividade do processo inclui a fase de cognição, na qual o juiz define o direito requerido, mas também a execução, ou seja, a atividade prática de realização do direito[3].
Sob outro ponto de vista, a Constituição Federal também assegura a duração razoável ao processo, de onde se conclui que o elemento tempo é essencial para que o jurisdicionado tenha seus direitos processuais constitucionais devidamente garantidos, especialmente o acesso a tutela jurisdicional efetiva (RIBEIRO, 2013).
De acordo com a doutrina, as tutelas provisórias podem ser satisfativas, visando a antecipação provisória do resultado útil do processo, o bem da vida pretendido pela parte e não-satisfativa que, diferente da primeira, tem por objetivo assegurar o resultado útil do processo principal (GODOY, 2012).
Conclui-se, portanto, que a tutela provisória tem por finalidade minimizar os prejuízos advindos da morosidade processual, antecipando ou assegurando provisoriamente a tutela jurisdicional pretendida em situações em que não é possível aguardar a sentença, por meio de cognição sumária e do atendimento dos requisitos legais aplicáveis.
III. CPC/73: PROCESSOS CAUTELARES E TUTELA ANTECIPADA
O CPC/73 foi promulgado por meio da Lei nº 5.869/1973, fruto do trabalho de Alfredo Buzaid, o qual dedicou um livro inteiro para o Processo Cautelar (artigos 796 a 889).
No antigo diploma legal continham disposições especificas para cada tipo de Processo Cautelar Nominado, entre os quais destacam-se o arresto, sequestro, caução, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação, protestos, notificações e interpelações, homologação de penhor legal, posse em nome do nascituro, atentado, protesto e apreensão de títulos e outras medidas provisionais.
Para cada um deles havia a indicação dos requisitos para a concessão da medida, os quais estavam intrinsicamente ligados à pretensão que se buscava. Por consequência, tais regras eram justamente as diferenciava uma medida cautelar das outras.
No entanto, também existiam normas gerais que garantiam a utilização do processo cautelar de forma subsidiária, quando não houvesse previsão específica para algum procedimento.
De acordo com Liebman[4], o processo cautelar possuía a finalidade de auxiliar o processo principal, assegurando e garantindo o curso e o resultado útil do processo de conhecimento e de execução – o qual existia de forma independente no CPC/1973 – concorrendo, indiretamente, para a consecução dos objetivos da jurisdição
Por sua vez, o processo cautelar tinha como características a autonomia, a instrumentalidade, preventividade, provisoriedade e revogabilidade. De acordo com Theodoro Júnior (2011, p. 506) a autonomia decorre dos fins próprios que são alcançados, independentemente da solução da ação principal. Segundo o autor, as “três espécies de atividade judicial são: cognição, execução e cautelar, sendo que a cautelar integra o tertium genus de processo contencioso, concomitamentente com o de cognição e execução”.
A instrumentalidade é a segunda característica, especialmente por garantir a efetividade do processo principal. Nesse sentido, Calmon de Passos discorre que “o processo cautelar é o processo a serviço do ‘processo’, não o processo a serviço do direito material”, haja vista que era requisito da sua validade a propositura de uma ação principal para discutir o mérito.
Por sua vez, a preventividade é a característica que está diretamente ligada a assegurar um direito, uma situação jurídica necessária para o exercício de um direito futuro.
A quarta e última característica é a provisoriedade, visto que as medidas cautelares tinham duração temporal limitada ao período entre a sua decretação e a superveniência do provimento principal ou definitivo, pois estavam destinadas a serem absorvidas ou substituídas pela solução definitiva de mérito[5].
A concessão da medida cautelar dependia da configuração dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, os quais significam, respectivamente, a plausibilidade do direito invocado e o perigo da demora.
O procedimento cautelar constituía em um processo autônomo, com o necessário atendimento a todos os requisitos gerais para a propositura de ação, incluindo inicial específica, custas, verificação de competência, valor da causa, entre outros.
Sua propositura poderia ser preparatória ou incidental à ação principal, sendo que no caso da primeira, havia prazo específico para a propositura da ação principal, sob pena de preclusão.
Como já mencionado, a ação cautelar não tinha o objetivo de resolver o litígio, mas somente assegurar determinada situação processual que deveria ser resolvida no bojo da ação que trataria do direito material[6].
Ao ser citado, o réu tinha o prazo de 5 (cinco) dias para contestar, independentemente do tipo de procedimento cautelar. Contestada ou não a ação, o juiz possuía o prazo de iguais 5 (cinco) dias para julgar a ação cautelar no estado em que se encontrava.
Muito embora as medidas cautelares tivessem como objetivo assegurar o direito pretendido sem antecipar a tutela jurisdicional de mérito, sua aplicação passou a ser desvirtuada.
Para alguns doutrinadores a concessão de algumas das medidas iam além de uma providência cautelar e prestavam mais do que uma tutela de mera segurança[7].
De acordo com Humberto Theodoro Junior, a tutela cautelar passou a ser utilizada de forma indevida como meio de satisfação da pretensão da parte, ainda que de forma provisória:
“Para tentar contornar a inadequação do processo tradicional e superar a irritante e intolerável lentidão da justiça, muitos operadores do direito encontraram, na ação cautelar uma válvula para se alcançar algum tipo de aceleração na tutela jurisdicional e alguma forma de antecipar efeitos da solução de mérito esperada para a causa. Havia, porém, dificuldades de ordem técnica, visto que a concepção da tutela cautelar não havia sido elaborada para tal fim. Múltiplas foram as controvérsias e quase sempre se considerava abusiva a prática e generalizar as cautelares para obter, de plano, a satisfação do direito subjetivo da parte, mormente porque não havia, nem na lei, nem na doutrina, uma disciplina que desse apoio e segurança ao desvio do poder de cautela para cumprir a missão nova que se lhe atribuía.” (THEODORO JUNIOR, 2000).
Com o objetivo de sanar esse desvio de finalidade, foi editada a Lei n. 8.952/1994 que, entre outros dispositivos, alterou o artigo 273 do CPC/1973 para prever a possibilidade de ser antecipada a tutela jurisdicional de mérito, total ou parcialmente, no bojo do processo ordinário, como forma de preservar o bem da vida diante do risco de dano, desde que houvesse prova inequívoca da verossimilhança da alegação e houvesse fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou estivesse caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Assim, restou criado o instituto da antecipação da tutela, de natureza satisfativa, isto que sua concessão provia os efeitos da tutela de mérito, ainda que de forma provisória, haja vista que sua confirmação dependia da prolação da sentença.
Se por um lado a inserção desse instituto teria sanado uma omissão do CPC/73, por outro gerou inúmeras dúvidas na aplicação de ambas, visto que ambas passaram a ser consideradas pela maior parte da doutrina como espécies de um mesmo gênero, haja vista que a concessão das duas tinha como requisito a urgência para assegurar o resultado útil do processo ou para evitar o dano.
Visando a simplificação, a celeridade processual e a efetividade jurisdicional, a Comissão de Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil, buscou modernizar os procedimentos da Lei Processual, apresentando em 2010 uma proposta de redação que acarretasse melhor funcionamento das instituições, inclusive, no que tange às tutelas provisórias.
IV. O ANTEPROJETO CPC/2015 E A PROPOSTA DE UM PROCEDIMENTO UNIFICADO PARA AS TUTELAS CAUTELARES
O texto legal proposto pelo Anteprojeto do Novo CPC/2015 se preocupou com a celeridade processual e sua efetividade. Na exposição de motivos, constou de forma expressa que o objetivo primordial da proposta no novo código era prover um sistema processual que assegurasse a realização de direitos, ameaçados ou violados:
“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.”
Assim, no que diz respeito a efetividade em assegurar o interesse jurídico, o Anteprojeto extinguiu os Processos Cautelares e previu, de forma única as previsões legais aplicáveis às tutelas de urgência e da evidência.
De acordo com a sugestão trazida pela Comissão de Juristas, bastava que a parte demonstrasse a existência do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional para que a providência pleiteada pudesse ser deferida.
Também restou prevista a tutela para proteger o direito cuja prova era evidente (tutela de evidência), independentemente da comprovação do periculum in mora. Além disso, tanto a tutela de urgência como a de evidência poderiam ser requeridas antes ou no curso do procedimento em que se discutia o mérito da demanda.
Qualquer uma da duas tutelas (urgência ou evidência) poderiam ter natureza cautelar ou satisfativa e, na construção do texto normativo, haviam sido unificados os requisitos para excluir a discussão a respeito dos graus de certeza para fins de cabimento de tutela cautelar ou antecipada.
Não havendo resistência à liminar concedida, depois da efetivação da medida, o juiz deveria extinguir o processo, preservando-se a eficácia da medida, sem cogitar a sua proteção pela coisa julgada.
Da mesma forma, introduziu dispositivo legal referente ao poder geral de cautela, estabelecendo a possibilidade de o magistrado adotar a medida necessária ao caso concreto, por meio de um procedimento único.
Igualmente, a possibilidade da concessão da tutela de urgência de ofício foi textualmente inserida no Anteprojeto, com previsão para casos excepcionais ou previstos em lei:
Art. 278. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Parágrafo único. A medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.
Sem sombra de dúvidas, o maior avanço proposto pelo Anteprojeto era um procedimento único para as tutelas de urgência e da evidência, independente se haveria caráter satisfativo ou não das medidas. A única diferenciação era se o seu requerimento seria em caráter antecedente ou incidental[8].
A estabilização da tutela concedida em caráter antecedente foi uma grande inovação:
Art. 286. A petição inicial da medida requerida em caráter antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão.
Art. 287. O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.
(…)
Art. 288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias.
Contudo, conforme já mencionado anteriormente, o texto final aprovado para o CPC/2015, não privilegiou a simplicidade proposta pela Comissão de Juristas, tendo sido promulgado um texto final que, não obstante tenha contemplado algumas das sugestões, não privilegiou a unificação do instituto nos termos propostos pelo Anteprojeto.
V. COMENTÁRIOS SOBRE O INSTITUTO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS PREVISTO NO CPC/2015
Durante a tramitação do projeto de Lei referente ao CPC/2015, houve muitas mudanças no texto e, inclusive, grande parte da redação que foi sancionada não guarda relação com as versões que tramitaram previamente à promulgação.
Como já manifestado anteriormente, o objetivo primordial de simplificação do procedimento não foi atendido e, muito embora seja perceptível a evolução do instituto em comparação com o CPC/73, ouso afirmar que a tentativa de unificação do regime das tutelas foi um tanto quanto frustrada. Veja-se.
A redação final do CPC/15 deu destaque para a tutela provisória, como sendo o ponto focal do sistema, de forma diversa do que constava do Anteprojeto, cujo foco eram as “tutelas de urgência”.
A terminologia provisória nunca foi utilizada durante o processo legislativo. E não é só. De acordo com Cassio Scarpinella Bueno[9], esse termo limita o alcance do instituto proposto desde o Anteprojeto, a algo que se somente poderia ser provisório e não definitivo.
Foi mantida a diferenciação entre as tutelas de urgência e a antecipada, o que acabou por não resolver o problema referente a efetividade da tutela jurisdicional que já vinha há muito tempo sendo discutida, especialmente porque em determinadas situações a identificação de uma ou de outra é dificultosa, não só na teoria, mas principalmente para a sua aplicação prática.
Por consequência, entendo que tal separação não corrobora com a eficácia da atuação jurisdicional como mecanismo de proteção à violação do direito material, pois não há um critério claro e objetivo para identificar a natureza cautelar ou antecipada de um pedido, como bem destaca Cassio Scarpinella Bueno[10].
Particularmente, concordo com a redação proposta pelo Anteprojeto, a qual extinguiu a diferença entre tutela cautelar e antecipada, porém manteve o foco na satisfatividade ou não da medida.
Isso porque, para maior efetividade da atividade jurisdicional, deveria ficar a cargo do magistrado identificar a medida adequada à pretensão requerida pelo jurisdicionado, seja com fundamento no poder geral de cautela, seja pela fungibilidade das medidas que devem estar presentes para garantir a correta aplicação da lei ao caso concreto.
É exatamente isso que Luiz Fux nos ensina ao ressaltar que “a tutela cautelar reclama certa fungibilidade para que o juiz possa conferir à situação fenomênica retratada uma solução sob medida, nada justificando a existência de figuras abundantes de medidas cautelares, várias com o mesmo pressuposto e objetivo (constrição de bens ou restrição de direitos), ostentando, apenas, nomem júris diferente” (FUX, 2011).
A respeito da tentativa de unificação propriamente dita, o CPC/15 trouxe uma grande evolução para o instituto em comparação ao CPC/73, pois unificou os requisitos para concessão de ambas as tutelas de urgência.
Isso porque a nova redação excluiu as previsões que davam margem para se discutir sobre aos graus de certeza para requerimento da tutela e passou a exigir a demonstração (i) da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e (ii) do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora):
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
A título de comparação, vale lembrar que o CPC/73 exigia para a antecipação da tutela a prova inequívoca quanto a verossimilhança da alegação e, para a tutela cautelar, o fumus boni iuris, ou seja, a aparência do direito. Essa diferenciação de critérios quanto a prova da alegação também acarretava discussões quanto ao grau de cognição sumária para análise do pedido.
Em contrapartida, a redação do CPC/15 estabeleceu procedimentos diferentes para a tutela antecipada[11] e tutela cautelar[12] requeridas em caráter antecedente, burocratizando o sistema ao invés de simplificar.
Vale lembrar que o CPC/73 autorizava a concessão da tutela antecipada em qualquer fase do processo, desde que preenchidos os requisitos, sem a necessidade de um procedimento diferenciado.
A respeito da tutela cautelar, sob a vigência do CPC/73, ela poderia ser requerida antes ou durante a discussão do mérito, porém, havia a necessidade de se instaurar uma relação processual autônoma (processo cautelar) que tinha como finalidade exclusiva à apreciação deste pedido.
Porém, embora o CPC/15 tenha abolido os processos cautelares, o que inicialmente teria simplificado o procedimento, ele instituiu procedimentos diversos para a tutela antecipada antecedente e outro para o pedido de tutela cautelar antecedente.
Se tivesse sido mantida a redação proposta pelo Anteprojeto, teria sido estabelecido um só procedimento para a tutela de urgência, simplificando o instituto e o tornando mais efetivo.
Uma grande inovação foi previsão sobre a estabilização da tutela antecipada, muito embora a redação promulgada tenha sido diferente da proposta pela Comissão de Juristas:
Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:
- – o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;
- – o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334 ;
- – não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 .
§ 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
§ 3º O aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.
§ 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.
§ 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer- se do benefício previsto no caput deste artigo.
§ 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.
§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.
§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.
§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.
§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos,
contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.
§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.[13]
Tal previsão trouxe maior efetividade e agilidade ao instituto, quando ambas as partes se satisfazem em resolver a controvérsia sem aprofundar na discussão do mérito da demanda. A duração razoável do processo é privilegiada por meio da aceitação da decisão e não interposição de recurso por parte do requerido, acarretando a extinção do processo.
A tutela conserva seus efeitos após a extinção do feito, sendo possível sua reforma ou invalidação por até dois anos contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.
Sobre a extinção, a lei é omissa quanto a resolução ou não do mérito. No entanto, considerando que não houve análise do mérito por não ter o processo se desenvolvido, presume-se que a extinção se dá sem a solução de mérito.
A estabilização da tutela é um ponto que ainda gera muita discussão no mundo jurídico, especialmente sobre eventual inconstitucionalidade em razão da restrição à ampla defesa.
No entendimento da Professora Teresa Arruda Alvim[14], as garantias do contraditório e ampla defesa estão assegurados antes que a tutela se estabilize, sendo passível de interpretar de forma extensiva o instrumento adequado para se opor à decisão que concedeu a tutela antecipada em caráter antecedente.
Assim e, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça[15], qualquer recurso ou manifestação com oposição expressa é capaz de impedir a sua estabilização, seja por meio de agravo de instrumento, embargos de declaração, contestação, bem como uma simples petição de oposição.
VI. CONCLUSÃO
O presente trabalho não teve o condão de trazer a baila todas as discussões que giram em torno da tentativa de unificação das tutelas provisórias pelo CPC/2015, mas tão somente pontuar algumas questões de relevância.
Contudo, é de se concluir que o texto normativo proposto pelo Anteprojeto era infinitamente mais conciso e objetivo, privilegiando a efetividade jurisdicional.
O texto aprovado ainda gera debates e dá margem à dúvida quanto a sua aplicabilidade, inclusive em razão das terminologias utilizadas e ausência de coerência em alguns aspectos.
Todavia, não se pode negar os avanços trazidos pela lei processual em vigor, especialmente no que diz respeito a (i) unificação dos requisitos para concessão das tutelas cautelares e antecipadas e (ii) possibilidade de acelerar a tramitação processual por meio da estabilização da tutela antecedente, o que acarreta diretamente na redução de ações a serem julgadas.
Pelo que se pode analisar, certamente o instituto das tutelas provisórias evoluiu muito do CPC/1973 para o CPC/2015, porém, ainda há muito o que melhorar a fim de que se alcance um procedimento cada vez mais efetivo e célere.
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[1] Lívia Baptiston Herdy Alves Mestranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Especialista em Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito. Advogada em São Paulo, atuante na área de Direito Administrativo, Regulatório e Civil.
[2] OLIVEIRA NETO, 2021
[3] ASSIS, 2018
[4] LIEBMAN, 2005
[5] THEODORO JÚNIOR, 2011
[6] LEME, 2012
[7] OLIVEIRA NETO, 2021
[8] Anteprojeto do Novo CPC/2015
Seção I – Das medidas requeridas em caráter antecedente
Art. 286. A petição inicial da medida requerida em caráter antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão.
Art. 287. O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.
§ 2º Conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do mandado:
- – de citação devidamente cumprido;
– de intimação do requerido de haver-se efetivado a medida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Art. 288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias.
§ 1º Contestada a medida no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida.
§ 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia.
Art. 289. Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de um mês ou em outro prazo que o juiz fixar.
§ 1º O pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que tiver sido veiculado o requerimento de medida de urgência, não dependendo do pagamento de novas custas processuais.
§ 2º A apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não impugnar a liminar.
§ 3º Na hipótese prevista no § 2º, qualquer das partes poderá propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos efeitos tenham sido antecipados.
Art. 290. As medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas, em decisão fundamentada, exceto quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva.
§ 1º Salvo decisão judicial em contrário, a medida de urgência conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.
§ 2º Nas hipóteses previstas no art. 289, §§ 2º e 3º, as medidas de urgência conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.
Art. 291. Cessa a eficácia da medida concedida em caráter antecedente, se:
– tendo o requerido impugnado a medida liminar, o requerente não deduzir o pedido principal no prazo legal;
– não for efetivada dentro de um mês;
– o juiz julgar improcedente o pedido apresentado pelo requerente ou extinguir o processo em que esse pedido tenha sido veiculado sem resolução de mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da medida, é vedado à parte repetir o pedido, salvo sob novo fundamento.
Art. 292. O indeferimento da medida não obsta a que a parte deduza o pedido principal, nem influi no julgamento deste, salvo se o motivo do indeferimento for a declaração de decadência ou de prescrição.
Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.
Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.
Seção II –
Das medidas requeridas em caráter incidental
Art. 294. As medidas de que trata este Título podem ser requeridas incidentalmente no curso da causa principal, nos próprios autos, independentemente do pagamento de novas custas.
Parágrafo único. Aplicam-se às medidas concedidas incidentalmente as disposições relativas às requeridas em caráter antecedente, no que couber.
Art. 295. Não se aplicam à medida requerida incidentalmente as disposições relativas à estabilização dos efeitos da medida de urgência não contestada.
Art. 296. Tramitarão prioritariamente os processos em que tenha sido concedida tutela da evidência ou de urgência, respeitadas outras preferências legais
[9] BUENO, 2015
[10] BUENO, 2015
[11] CPC/2015 artigos 303 e 304.
[12] CPC/2015 artigos 305 a 310
[13] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
[14] ALVIM, 2021
[15] REsp n. 1.760.966/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 7/12/2018
REsp n. 1.797.365/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 3/10/2019, DJe de 22/10/2019