CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA X DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: NOVOS PARADIGMAS À ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
1 de março de 2023ADMINISTRATIVE CONSENSUALITY X SANCTIONING ADMINISTRATIVE LAW: NEW PARADIGMS FOR PUBLIC ADMINISTRATION PERFORMANCE?
Artigo submetido em 20 de dezembro de 2022
Artigo aprovado em 23 de dezembro de 2022
Artigo publicado em 01 de março de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 45 – Março de 2023 ISSN 2236-3009 |
RESUMO: No presente estudo, apresentado em forma de artigo, será enfatizada a consensualidade na Administração Pública, ensejando o gerenciamento de conflitos, adotando-se posturas de consenso em substituição ao agir administrativo, impositivo e unilateral. Destacar-se-á a inserção do consensualismo no direito administrativo sancionador, relativizando-o, tornando-se a sanção administrativa preventiva e dissuasória, deixando de ser meramente retributiva, instalando-se gradualmente o consensualismo como forma de solucionar os conflitos entre o cidadão e o poder punitivo estatal. A flexibilização do poder administrativo sancionador constitui-se na concretização do próprio interesse público, solucionando-se de forma eficiente os conflitos da sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Consensualidade; Administração Pública; Direito Sancionador.
ABSTRACT: In the present study, presented in the form of an article, consensuality in Public Administration will be emphasized, giving rise to conflict management, adopting consensus postures in place of administrative, imposing and unilateral action. It will be highlighted the insertion of consensualism in sanctioning administrative law, relativizing it, making it the preventive and dissuasive administrative sanction, ceasing to be merely retributive, gradually installing consensualism as a way of solving conflicts between the citizen and state punitive power. The flexibilization of the sanctioning administrative power constitutes the realization of the public interest itself, efficiently solving the conflicts of contemporary society.
Keywords: Consensus; Public administration; Sanctioning Law.
INTRODUÇÃO
No presente artigo, abordar-se-á a consensualidade na Administração Pública brasileira, ingressando paulatinamente no Poder Público e relativizando o direito administrativo sancionador.
Destarte discorrer-se-á, sinteticamente, sobre o consensualismo na Admnistração Pública brasileira, a qual se tornou mais evidente com a redemocratização do Brasil e pós-Constituição Federal de 1988.
O Estado, realmente, passa a adotar a negociação, em substituição aos atos unilaterais, e imperativos, embora não se despindo totalmente de suas prerrogativas, concrentizando-se a releitura dos princípios da supremacia, e indisponibilidade, do interesse público, deiixando-se considerados, por parte da doutrina brasileira, como obstáulos à concertação administrativa, mormente quando se considera a negociação como uma garantia do cidadão nos conflitos com o Poder Público, concretizando o próprio interesse público, concedendo uma segurança jurídida entre os mesmos.
Demonstrar-se-á o consenso ingressando no direito adminstrativo sancionador, o qual não permaneceu imune às transformações do consensualismo contemporâneo, passando a adotar a escola do pragmatismo estadunidense, deixando a sanção administrativa de ser somente retributiva, assumindo um caráter preventivo e dissuassório.
A consensualidade, conforme demonstrar-se-á, sinteticamente, foi adotada proveniente de uma atuação administrativa consensual, num caminho sem retorno, como perfecç ão da eficência, em prol da resolução dos conflitos.
A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA
A Administração Pública contemporânea é marcada por um diálogo entre o poder público e o cidadão, e os demais atores do aparato administrativo, configurando um novo modelo de Administração Pública calcada no consenso, com maior participação social nas esferas das decisões públicas, num consensualismo ou concertação lastreados numa democracia substantiva, em que a busca pela eficiência, e o crescimento da contratualização, passam a exercer papel de destaque no âmbito de uma administração consensual:
A administração consensual traduz-se assim com os significados de (a) “dialogicidade” — abertura da Administração Pública ao diálogo franco com o mercado, os cidadãos e a sociedade civil; (b) “contratualização” – a denotar a crescente utilização da técnica contratual em variados domínios da atuação administrativa. [3]
As expressões “consensualidade”, “consensualismo”, “concertação”, “Administração concertada”, “Administração consensual”, em relação ao seu conteúdo, são utilizadas para a representação do mesmo fenômeno contemporâneo, no qual o Poder Público deixa de decidir unicamente de forma unilateral, passando a atrair os cidadãos para uma discussão de interesses conjuntos, cada vez mais complexos, conciliando a eficiência da ação estatal, viabilizando a solução dos conflitos administrativos mediante negociação.
Odete Medauar, declinando que malgrado se realizassem práticas consensuais na Administração Pública, o estudo da consensualidade, e sua expansão, intensificaram-se nos primórdios do século XXI, assegurando que a matéria possui nominações diversas, tais como “Administração Consensual”, “Direito Administrativo do Consenso” e “transigibilidade”, assegurando que o interesse público em diversas situações “se cumpre de modo mais eficiente, ágil, sem questionamentos, mediante a obtenção de consenso, a celebração de acordos. E ainda: as práticas consensuais geram, nos cidadãos, a sensação de confiabilidade, credibilidade e boa fé na Administração e levam à adesão às medidas projetadas” (MEDAUAR, 2017, p. 355 ).
Destarte a resistência à utilização de instrumentos consensuais encontra-se presente na doutrina brasileira, numa concepção arcaica da absoluta indisponibilidade do interesse público e supremacia do interesse público sobre o privado, contraditando o próprio ordenamento jurídico brasileiro, conforme demonstrar-se-á no arcabouço deste estudo, ignorando-se as práticas democráticas incrementadoras da atuação consensual do Estado brasileiro.
Tratando a consensualidade na atividade administrativa como um tema incandescente no direito mundial, introduzido em moldes inovadores e reformadores do Estado, numa cultura do diálogo, constituindo-se em um fenômeno global, o doutrinador Gabriel Machado (2021), preceituando que a Administração concertada, Administração consensual ou soft administration, denotam formas de democracia participativa, em que o Poder Público deixa de decidir unilateralmente, proclamando seus cidadãos a uma efetiva participação nas decisões de interesses comuns, assegurando a concretização dos direitos fundamentais preconizados na Constituição do país.
Inobstante considerar a consensualidade um fenômeno global, o doutrinador, em pauta, ressalva que a imperatividade administrativa subsiste mesmo perante a consensualidade:
As transformações operadas em favor da consensualidade, contudo, não eliminam a imperatividade administrativa, compreendida como consequência do chamado “poder controverso”, isto é, aquele “que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações”. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “a consensualidade não exclui, porém, a imperatividade, senão que com ela coexiste in potentia, restrita ao que a lei estabeleça como indisponível. Assim é que, mesmo na busca do consenso, a Administração não chega ao ponto de ficar em posição de absoluta igualdade com o particular. [4]
A consensualidade trata-se de elemento fundamental à Administração Pública perante a realidade social, e econômica, contemporâneas, a ensejar um gerenciamento de conflitos, substituindo-se a imperatividade das decisões administrativas, passando-se a adotar posturas de consenso em sua atuação com os interessados, embora a Administração concertada não tenha suprimido, na totalidade, a Administração Pública impositiva, permanecendo a mesma na sua seara complexa de atuação, convivendo-se as transformações com os velhos dogmas do direito administrativo, os quais somente encontrar-se-ão em consonância com o ordenamento jurídico, desde que sejam conformados às diretrizes constitucionais.
A concertação permeia as relações internacionais entre os Estados, e entre os Estados e distintos organismos internacionais, caracterizando-se por coordenação, reciprocidade e cooperação nos mais variados âmbitos, desde a economia aos direitos humanos, apresentando-se de formas distintas. De acordo com o magistério de Eurico Bitencourt:
A Constituição de 1988 estabelece, entre os princípios que regem o Estado brasileiro nas relações externas, a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), a solução pacífica dos conflitos (art. 4º, VII) e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX). Tais princípios impõem, no âmbito das relações externas, a negociação, a colaboração, a cooperação e a busca de consensos como valores relevantes no âmbito de uma “orientação internacionalista” do ordenamento constitucional[5].
Nas relações internas, concertação, via de regra, é considerada como “método flexível de governar ou de administrar em que os representantes do Governo ou da Administração participam em debates conjuntos com representantes doutros corpos sociais autônomos (…) com vista à formação de um consenso” (BITENCOURT, 2017).
A consensualidade no âmbito das relações internas do Brasil passa a ampliar-se na década de 90, tornando-se imprescindível aos interesses coordenados, no escopo de estabelecer uma ordem social justa, equilibrada, deixando de ser força propulsora de conflitos, estabelecendo-se numa maior participação social, destacando-se as suas duas facetas: i) consensualidade enquanto participação na Administração Pública, na qual atribui-se ao particular abertura para efetivamente influenciar nas decisões administrativas, redundando numa nova maneira de administrar; ii) a consensualidade, enquanto acordo administrativo pactuado entre particulares e Administração Pública, origina-se de procedimentos adstritos ao cerne da atuação estatal, identificados com o próprio poder de polícia, subdivindo-se em acordos substitutos de sanção ou do próprio curso da ação, e os acordos integrativos, decorrentes da mútua cooperação entre aqueles, nos procedimentos administrativos. Essa dicotomia descrita demonstra os múltiplos aspectos da concertação administrativa.
Destarte, a concertação no âmbito administrativo é multifacetada, envolvendo a celebração de acordos com particulares, entre entidades estatais e entre órgãos despersonalizados, considerando-se este último a denominada “concertação interorgânica”, a qual ocorre dentro da função administrativa, significando uma relação entre dois ou mais órgãos administrativos despersonalizados, no escopo de uma atuação convencionada, defendida por Eurico Bittencourt Neto:
Pode-se dizer que há três concepções principais quanto à consideração da concertação administrativa interorgânica no Direito Administrativo: a) uma que a rejeita integralmente; b) outra que a admite, mas confina os concertos interorgânicos ao campo da atuação administrativa informal, que considera desprovida de repercussões jurídicas; e, por fim, c) uma terceira posição, que admite a existência de concertação administrativa interorgânica com relevância jurídica, embora variando, de acordo com o autor e o sistema jurídico-positivo, a intensidade e a extensão de tal relevância[6].
O autor supracitado, assegura ser a concepção mais adequada à Administração Pública de um Estado de Direito Democrático e Social, perante a Carta da República de 1988, aquela admitindo a concertação administrativa interorgânica não como uma simples operação material ou informal, porém como um modo de expressão interno da Administração Concertada.
O consensualismo, por seu turno, é fundamentado sobre os moldes de utilidade ao interesse público, no exercício do poder sancionador estatal, significando que o Estado celebra pactuações para imposição de sanção por intermédio de negociações, não despindo-se do seu poder sancionador, valendo destacar que não se pode desconsiderar o princípio do interesse público, nem o seu predicado de indisponibilidade, lecionando o Wallace Paiva Martins Junior:
Nas convenções sujeitas ao Direito Público, é assaz relevante timbrar como argumento basal a inexistência de desvalia ao princípio do interesse público nem ao seu predicado de indisponibilidade, senão uma releitura de sua compreensão fomentada por princípios como eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, que oferecem outras perspectivas baseadas na consensualidade, e cujo fim é a efetividade. Persiste a indisponibilidade do interesse público, embora seja diferente o modo de seu exercício. Neste sentido, é convêniente destacar a adoção mais sistemática da consensualidade no âmbito das relações da Administração Pública pelas modificações havidas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro pela Lei n. 13.655/18. Assim, por exemplo, o compromisso de ajustamento de conduta previsto no art. 26, emergindo como instrumento de solução negociada para eliminação de irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do Direito Público (inclusive nos casos de licenciamento). O art. 27, por sua vez, prevê compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais, preventiva ou não, mediante compromisso processual. Também converge a compreensão da indisponibilidade compatível com a transigibilidade dentro dos limites normativos, de modo que há direitos absolutamente indisponíveis assim como há direitos indisponíveis, porém, transigíveis.[7]
A compreensão da indisponibilidade deve ser compatível com a transigibilidade nos limites do ordenamento jurídico, devendo distinguir-se entre direitos indisponíveis de fim, o qual é absolutamente indeclinável e irrenunciável, do interesse meio – comportando a escolha de alternativas, salvo quando a lei não oferece escolha. Realmente, não há disponibilidade para a consensualidade quando o sistema normativo preponderantemente é impositor de obrigações à Administração Pública, derivado do princípio do interesse público e, nesse caso, existe uma ausência de disponibilidade de meios, podendo ocorrer, inclusive, uma resistência ou desinteresse dos interessados particulares a solução por esse instrumento. Nesses casos, a Administração deve recorrer às decisões unilaterais com suas prerrogativas e restrições fundamentadas no ordenamento jurídico. O doutrinador Wallace Paiva Martins Junior (2021) assevera:
Envolvendo num dos polos do concerto atores que se guiam pelo interesse público, como as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, fundações públicas) e órgãos constitucionais autônomos (Ministério Público), a voluntariedade não é absoluta, e não tem o mesmo grau de intensidade que os particulares gozam sob os auspícios da autonomia da vontade. O conteúdo e o sentido do princípio da legalidade, a observância dos vetores da impessoalidade (em especial, a igualdade e finalidade pública), a incidência da imparcialidade e da moralidade, entre outros, são hígidas limitações objetivas que introduzem parâmetros genéricos, aos quais é salutar a adição da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança, e, com maior ênfase, da própria compreensão do princípio de interesse público.[8]
O modelo de consensualidade adotado, premente no Brasil, como solução de conflitos, passa a incidir no direito administrativo sancionador, relativizando-o, de forma que a sanção eminentemente repressiva, punitiva e disciplinar deixa o seu aspecto puramente retributivo, adotando uma postura preventiva dissuassória, conforme, em síntese, demonstrar-se-á neste artigo.
NOVAS PERSPECTIVAS NO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR
O direito administrativo sancionador surge após a Revolução Francesa, quando inexistentes as formas de separação de poderes, como atualmente configuradas, numa subdivisão do direito administrativo, desvinculando-se do direito penal propriamente dito, embora exista uma frágil divisão entre os mesmos, possuindo raiz comum no direito punitivo estatal, principalmente quando se considera a atribuição ao processo administrativo de garantias preconizadas no processo judicial, tais como o devido processo legal e a ampla defesa.
O surgimento do direito administrativo sancionador possui o escopo de “disciplinar a imposição da sanção pela Administração Pública, visando auferir maior segurança jurídica às relações travadas com os administrados” (OLIVEIRA, 2012, p. 17).
O direito administrativo sancionador, em apertada síntese, consiste numa teoria jurídica sobre normas punitivas, numa dificuldade de se estabelecer os limites entre o direito administrativo e o direito penal, premente no Brasil, arraigado na tradição da civil law, na qual o Poder Público, dentre suas funções, regula os instrumentos de sanções, limitando direitos e liberdades de particulares e agentes públicos. A propósito do tema, Fábio Medina Osório, conceituando sanção administrativa como premissa fundamental à delimitação do cerne de incidência do direito administrativo sancionador, destaca os seus elementos, perfazendo a diferença de aplicação entre o direito europeu e o brasileiro:
Do exame particularizado dos possíveis elementos da sanção administrativa pode, sem embargo, emergir um novo e distinto conceito e significado, como viemos sustentando em trabalhos já mencionados. Isso porque, embora a proposta conceitual aqui analisada e criticada seja a que vigore majoritariamente em nosso próprio país, o certo é que, em realidade, tal proposta padece de vício substancial, relacionado ao próprio conceito do Direito Administrativo nos cenários de jurisdição dual. Quer-se dizer que o conceito europeu de sanção administrativa não se há de aplicar ao modelo brasileiro, porque, aqui, o Direito Administrativo não nasce e se desenvolve com o exclusivo fito de configurar Estatuto da Administração Pública. Não temos jurisdição administrativa, ou Justiça Administrativa, como ocorre na Europa, particularmente nos sistemas influenciados pelo Direito francês. Assim, o nosso conceito pode percorrer caminhos próprios, se buscar referências normativas, é dizer, sustentáculos que transcendam as meras reproduções de lições de doutrinadores estrangeiros.[9]
De acordo com Diogo Uehbe Lima (2021), a influência do direito da Europa continental, especialmente da França e, nas últimas décadas, também da Espanha, sobre o direito administrativo brasileiro possui aspectos positivos, sobretudo em relação à compreensão da necessidade de concretização dos direitos fundamentais nos processos administrativos sancionadores, possuindo um reconhecimento da origem compartilhada entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, qual seja, o jus puniendi estatal. O mencionado autor assegura a respeito da influência do direito europeu: “Sem sombra de dúvidas, essa influência foi responsável, em grande medida, pela luta travada por doutrinadores e operadores do direito em defesa dos direitos fundamentais, durante os períodos antidemocráticos que permearam nossa República” (LIMA, 2021, p.313).
A consensualidade na seara do direito administrativo sancionador ,no Brasil, possuiu influência direta estadunidense, da denominada escola do pragmatismo, alicerçada numa perspectiva de proximidade entre teoria e experiência e, no dizer do supramencionado autor, assentada em três pilares:
- “Antifundacionalismo”(superação da ideia de uma verdade absoluta e apriorística e adoção de uma postura crítica e experimental diante de proposições teóricas; ii) “contextualismo” (consideração, na crítica e na construção de proposições teóricas, da experiência prática passada, do cenário histórico, político, cultural social e econômico); e (iii) “consequencialismo” (busca de uma confirmação na experiência prática das proposições teóricas, com emprego do empirismo, experimentalismo e responsividade.[10]
A referida escola do pragmatismo, com raízes fincadas nos Estados Unidos, amoldou-se num perfazimento do sistema jurídico do referido país, consolidando a funções públicas estabelecidas por sua constituição, derivando a economização do poder de polícia, partindo-se para a consensualidade, incindindo sobre o poder público estatal a necessidade de demonstração das vantagens da solução consensual num sopesamento do custo e benefício entre uma finalidade mais dissuassória do que simplesmente retributiva, no qual o particular possui mais garantia jurídica, com a rápida resolução de sua situação conflituosa submetida ao Estado em seu poder punitivo.
O direito sancionador brasileiro resistiu à consensualidade, e paulatinamente se modificou, graças ao reconhecimento da concertação como mecanismo de maior celeridade e eficiência, perante as sanções lesivas ao meio sociopolítico, sobretudo a partir de 1990, com a redemocratização do Brasil e a imperatividade de um modelo moderno socioeconômico.
O autor Diogo Uehbe Lima prescreve:
A partir dos 1990, no entanto, com a redemocratização do país (“giro democrático-constitucional”) e a necessidade de modernização socioeconômica, a influência da experiência estadunidense se acentuou sobre o direito administrativo brasileiro, especialmente sob esse viés pragmático (“giro pragmático”) que dá sustento ao emprego de soluções consensuais na atividade ordenadora. Impô-se, então, a superação de preconceitos teóricos e o reconhecimento da consensualidade como legítima técnica de gestão à disposição da Administração Pública.[11]
A atuação da Administração Pública, em que pese a concepção retromencionada, voltada para o alcance da eficiência, significando a plenitude dos fins públicos com menor dispêndio, mitigou mandamentos estabelecidos no ordenamento do Estado, máxime a prática consolidada de atos unilaterais e exclusivamente imperativos. Diogo Uehbe Lima assenta:
Esse movimento pendular para a “contratualização da ação pública” e consolidação de uma “cultura da negociação” no direito público dá espaço para a substituição de métodos unilaterais por instrumentos convencionais, buscando-se melhores incentivos para a cooperação dos particulares com o Estado. Isso, por óbvio, não significa a renúncia completa à posição de superioridade do Estado ou à assimetria nas relações travadas entre este e os particulares – não se trata, portanto, da mera adoção dos contratos clássicos das relações privadas, mas “contratos forçados”, em que a imperatividade estatal se reveste de alguma consensualidade, sem, por isso, desaparecer. Tal descrição ampla se amolda perfeitamente à evolução que se verifica no jus puniendi estatal, no qual se situa o direito administrativo sancionador.[12]
A consensualidade e seus reflexos firmaram-se no direito brasileiro, de forma que, paulatinamente, o direito sancionador passa a sofrer a intervenção do consensualismo, comutando o sistema punitivo por consenso. De fato, deixa-se a concepção de punição imposta unilateralmente pelo Estado, calcada na compreensão tradicional de que somente o ato unilateral seria capaz de concretizar o interesse público, passando-se ao entendimento da sanção negociada, utilizada em algumas hipóteses, conferindo maior efetividade, e eficiência, com a aplicação da sanção e reparação do dano, obtendo-se resultados rápidos a menor dispêndio, perfazendo o referido interesse público, por métodos racionais, atribuindo uma segurança jurídica a todas as partes.
O jus puniendi do Estado, em verdade, revela um caráter da sanção mais dissuasório do que simplesmente retributivo, assegurando o supramencionado doutrinador:
[…] Nessa seara deve-se buscar principalmente a conformação de condutas para a satisfação do interesse público, de sorte que o Estado deve projetar essa função sob viés prospectivo e consequencialista desafetado de uma justificação exclusivamente moral para legitimar a vingança estatal. Visualiza-se, então, eminentemente estrutural da sanção administrativa, inexistindo um mandato lógico-jurídico que estabeleça de modo insuperável que somente a ação, estabelecida por meio de atos imperativos e unilaterais, realizaria o interesse público, como se fosse uma finalidade ensimesmada.[13]
As soluções consensuais na atividade do Poder Público passaram a ser reconhecidas como métodos de gestão disponíveis à Administração Pública, requerendo uma releitura do entendimento de supremacia e indisponibilidade do interesse público, no desiderato de remover dogmas ultrapassados, de que a consensualidade no direito administrativo sancionador brasileiro encontra-se obstacularizada pelos princípios mencionados, mormente quando se considera constituir-se a concertação num meio para alcançar a plena efetivação do interesse público, quer por via legislativa, quer pelo gestor público, o qual pode incumbir-se a prerrogativa de identificar as condições propícias à utilização dos instrumentos de consenso.
Incontestável o fato de o direito administrativo sancionador ter comportado normas instrumentalizadoras e impulsionadoras do consenso nos seus variados sistemas de responsabilização, a partir da inserção do princípio da eficiência na seara dos princípios constitucionais da Administração Pública mediante a Emenda Constitucional nº 19/1998, no desiderato de obter-se desfechos eficazes e eficientes no âmbito do poder público, impactando os referenciais sancionadores do referido direito.
Fábio Medina Osório (2022) assevera que os direitos e garantias constitucionais sempre foram considerados com atenção no direito administrativo sancionador, podendo ser classificados como princípios materiais e processuais.
De fato, conforme preleciona Oliveira (2021), consideram-se materiais os incidentais influenciadores diretos da relação jurídico-material-sancionadora – legalidade, irretroatividade da norma mais gravosa, retroatividade da norma mais benigna, razoabilidade, tipicidade, proporcionalidade, prescritibilidade e non bis in idem, enquanto constituem-se princípios processuais aqueles que incidem na relação jurídico- processual- sancionadora – devido processo legal, contraditório, ampla defesa, garantia da não autoincriminação, presunção de inocência, não aceitação de provas ilícitas, boa-fé, imparcialidade, duração razoável do processo e non bis in idem.
Nesses moldes, o consensualismo foi se consolidando derivado do mandamento constitucional de eficiência e eficácia, em verdadeiros influxos nutridos pelo pragmatismo e consenquencialismo, vigentes atualmente como ponto de estudo e debates dos doutrinadores na concepção da teoria geral do direito administrativo.
Dentre as inúmeras normas em prol de uma Administração Pública consensual, declinam-se, porém, as incidentes sobre a evolução do consensualismo no direito administrativo sancionador. A instituição do ajustamento de conduta, no cerne da tutela dos direitos transindividuais, inserto na Lei nº 7.347/1985 pela Lei nº 8.078/1990; o termo de compromisso no mercado de valores mobiliários, introduzido na Lei nº 6.385/1976, substituída pela Lei nº 13.506/2017; o acordo de leniência na Lei Antitruste, vigente na Lei nº 12.529/2011; o acordo de leniência, proveniente da Lei Anticorrupção – 12.846/2013, possuindo como objeto reparar os atos ilícitos danosos à Administração Pública, constituindo-se numa solução consensual, no cerne das competências sancionadoras; as alterações da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), introduzidas pela 13.655/2018, incrementando a utilização de soluções consensuais; e, por fim, a superação da proibição à celebração de acordos na Lei de Improbidade Administrativa, efetuada pela Lei nº 13.964/2019, com o disciplinamento preconizado na Lei nº 14.230/2021.
Essa evolução legislativa consensual, supradescrita, influiu na instauração do consenso no direito administrativo sancionador, premente quando comezinho atribuírem uma segurança jurídica aos particulares, integrando o país num modelo global de mercado: “Parece-nos, todavia, que a busca por sanções administrativas negociadas é um verdadeiro caminho sem volta e tende a permear as diversas relações travadas pelos particulares com o Poder Público” (LIMA, 2021, p. 316).
A consensualidade pode oscilar entre dois movimentos extremos: submissão ou plenitude de transação. Na submissão prevalece um desequilíbrio entre interessados puramente privados, ou entre esses e agentes públicos, quando advinda uma superioridade política ou econômica de uma das partes, premente em razão da indisponibilidade do interesse. Diametralmente oposta encontra-se a possibilidade de uma transação ampla, na qual os envolvidos encontram-se numa igualdade formal e material, pactuando ilimitadamente seus interesses, constituindo-se num obstáculo de sua aplicação perante o interesse público, em que pese a sua releitura. Pode-se discernir outros modelos, como o híbrido, no qual coexistem a submissão e a plena transação na pactuação, impondo-se liberdade e limites às partes.
Emerson Garcia, a respeito dos modelos de consensualidade, mormente referindo-se ao direito administrativo sancionador, destaca:
No âmbito do direito sancionador, em razão de suas próprias características estruturais, já que o Estado deve zelar pelos bens jurídicos tutelados e o infrator pode sofrer sanções que restrinjam aspectos de sua esfera jurídica insuscetíveis de plena disposição, como a liberdade ou, a depender do sistema, a própria vida, o modelo da plena transação dificilmente será adotado. Afinal, caso houvesse total liberdade entre os pactuantes, seria plenamente possível que o Estado deixasse de estabelecer qualquer reprimenda ou afastasse por completo o dever de reparação. Ou, no extremo oposto, que o infrator incursionasse na própria essência das sanções a serem aplicadas. Portanto, em seu rigor lógico, o direito sancionador mais se afeiçoa ao modelo da submissão ou a um modelo híbrido. Apesar da compatabilidade conceitual com o modelo da submissão, não se pode deixar de observar que a plena e irrestrita sujeição às cominações legais será atrativa aos infratores, que certamente optarão por aguardar o desfecho da relação processual ao invés de sofrerem a sanção de maneira antecipada. A tendência é a adoção de um modelo híbrido, em que o Estado, sem dispor por completo do bem jurídico tutelado, transige em relação a alguns aspectos afetos à sua essência ou de natureza periférica, enquanto infrator aceita as imposições antes da resolução do processo, judicial ou administrativo, ou, mesmo, do seu próprio início.[14]
Nessa linha de intelecção, o direito sancionador brasileiro possui na sua conformação, e exercício, a própria sanção administrativa, originada do Poder de Polícia, de caráter preventivo, o qual emancipou-se do Poder Punitivo estatal, tornando-se independente. Paralelamente, o direito sancionador desenvolveu mecanismos de substituição dos métodos de imposição de sanções, preconizadas em lei, pelas autoridades competentes por meios solucionadores consensuais.
A sanção administrativa, segundo preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello, constitui-se “[…] na providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada própria da Administração” (MELLO, 2014, p. 866), originando-se da própria atividade administrativa, somente podendo ser imposta pela Administração Pública, distinguindo-se da pena pelo aspecto formal de aplicação – a primeira pela Administração, e a segunda, pelo Poder Judiciário, possuindo um fim instrumental, incentivando o cumprimento da legislação pelo administrado, não gerando restrição de liberdade, não comportando uma finalidade prevalecente retributiva, como estatuído no direito penal.
A sanção administrativa, por seu aspecto dissuasório, pode ser vista como instrumento para alcançar a finalidade pública, permeada de incentivos e repressão, possuindo uma preponderância de políticas públicas voltadas à interrupção do desvirtuamento da probidade administrativa. Nessa senda, demonstra-se a compatibilidade da composição no direito sancionatório perante o interesse público, deixando de ser uma mera prerrogativa do Poder Público indisponível, derivando da consensualidade na Administração Pública, deslocada para o direito sancionador (LANE, 2021).
A Administração Pública possui o dever, em virtude do direito positivo, de perseguir o interesse público, não se encontrando o mesmo à disposição aleatória da vontade do gestor público (MELLO, 2014), constituindo-se uma redução da discricionariedade. Portanto, o consenso somente pode ser realizado para concretizar o referido interesse, mantendo-se as prerrogativas do Poder Público.
A possibilidade de aplicar-se consenso, substituindo-se a sanção por convenção, não aplicando-a de forma impositiva e unilateral, salvo as vedações a consensualidades, especificadas em lei, ou sendo inoperantes a negociações consensuais, revela-se atualmente uma realidade no direito administrativo sancionador, possibilitando acordo, em substituição à aplicação da sanção administrativa, inclusive com os instrumentos premiais derivados da colaboração dos particulares com informações sobre ilícitos (LANE, 2021).
A substituição da sanção pelo consenso não é absoluta, mormente quando improcedente, ou insuficiente, uma negociação entre a Administração Pública e o particular, situação que atrai a imposição da sanção administrativa pelo Poder Público:
É plenamente possível, por exemplo, que a Administração entenda que as condições ofertadas pelo particular no bojo de eventual negociação são insuficientes ou inadequadas para o alcance da finalidade pretendida. Também não se pode desconsiderar a hipótese de o agente constatar que os objetivos públicos serão melhor atendidos por meio do exercício de sua prerrogativa imperativa de atuação. Em casos tais, resta claro que inexiste justificativa para que a via consensual seja prestigiada em detrimento do ato unilateral[15].
O direito administrativo sancionador converteu-se numa escolha para a repressão de ilícitos e configuração de condutas sociais, sobretudo em face da incapacidade do sistema punitivo penal e do assoberbamento da judicialização, possuindo como consequência uma Justiça morosa e ineficiente.
No âmbito do direito sancionador brasileiro a consensualidade conduz à não instauração de processo sancionatório, e mesmo a suspensão dos processos, possibilitando o cumprimento pelo infrator, extinguindo-se a via processual, e, por fim, a substituição ou redução da sanção aplicável ao final do processo.
A atuação consensual gradativamente alarga sua incidência sobre o direito sancionador, porém esse processo sofreu severas críticas perante as garantias e direitos fundamentais. As críticas residem na concepção de que a atuação consensual seria utilizada pelo Estado como meio de coerção, desequilibrando a relação jurídica entabulada com o particular, e dessa forma prejudicaria de sobremaneira o direito à defesa, e de todos os seus consectários, constituindo-se numa autoincriminação, subversora da presunção de inocência, ensejando a renúncia ou não exercício inconstitucional dos direitos e garantias fundamentais indisponíveis (VASCONCELLOS, 2014, p. 54, apud LINS, 2021).
Nessa perspectiva, os doutrinadores críticos à consensualidade no direito administrativo sancionador asseveram que a punição estatal depende, inevitavelmente, da comprovação da culpabilidade mediante arcabouço probatório produzido pelo próprio acusador, rompendo-se a presunção de inocência, malgrado a proteção aos direitos fundamentais instituídos constitucionalmente, acarretando uma busca desenfreada por celeridade e eficiência, numa postura utilitarista calcada num contexto mercadológico.
Rebatendo as críticas propaladas pelos defensores de um direito administrativo sancionador punitivo, apartado da consensualidade, Raniere Rocha Lins (2021) assegura que os espaços de consenso não vieram para desvirtuar as estruturas e os fins do processo sancionador, nem muito menos para contradizer os direitos e garantias fundamentais dos particulares, mas essa consensualização propicia agilidade e eficiência ao Poder Público perante as infrações cometidas.
A consensualidade no direito administrativo sancionador não se constitui uma mercantilização, contudo, assevere-se, trata-se de uma tentativa de dotar a sociedade moderna de um melhor atendimento, recuperando a credibilidade no sistema punitivo, de molde à pacificação das relações sociais.
Noutro aspecto, não parece a melhor solução obrigar o cidadão a submeter-se à pretensão punitiva do Estado por intermédio de um processo moroso, suprimindo a possibilidade de solucionar sua situação de forma consensual, perfazendo ao direito da duração razoável do processo e da liberdade da autodeterminação, ambos garantidos pela Carta da República. A irrenunciabilidade dos direitos e garantias fundamentais não possui o condão de desconsiderar a consensualidade na esfera do direito sancionador, especialmente quando o direito à defesa, abrigado constitucionalmente, não se limita a mera assunção de postura de resistência à pretensão punitiva estatal.
Ressalva-se a validade da renúncia ao exercício dos direitos fundamentais, realizada pelo seu titular, sem coação, premente quando se considera serem possíveis de restrições mediante ponderação, em prol da eficiência igualmente amparada pela Carta Magna.
Emerson Garcia (2017) leciona sobre a utilidade da consensualidade no direito administrativo sancionador em relação ao Poder Público, considerando constituir-se uma alternativa à investigação direta, nem sempre exitosa, estimulando a volta do infrator à esfera da juridicidade, diminuindo o curso do processo sancionador e possibilitando que sejam levados os infratores que praticam ilícitos em grupo a colaborarem com as autoridades, porém adverte:
A consensualidade no direito sancionador deve ser estruturada com certo cuidado, de modo que os infratores em potencial não venham a utilizá-la, a priori, como mera variável no cálculo das vantagens e desvantagens de suas ações. Esse aspecto torna-se particularmente relevante se o objetivo for generalizá-la para toda e qualquer infração. O bônus decorrente da consensualidade jamais deve ser visto como um prêmio para a ilicitude. Algum ônus deve ser imposto ao colaborador. Somente em situações extremas, pela relevância das informações fornecidas e os reflexos gerados no ambiente sociopolítico, deve ser afastada, de modo amplo e irrestrito, a responsabilização do colaborador. [16]
Nesse compasso, a consensualidade origina-se de uma tomada de decisão coletiva, exigindo do Estado o princípio da eficiência e a adoção de políticas públicas, voltadas ao combate de ilícitos, principalmente aos que atentam à moralidade e à probidade, de forma a aplicar sanções de modo eficiente, afastando-se a impunidade.
Destarte, a consensualidade no direito administrativo sancionador derivou-se da dogmática conceitual de uma atuação administrativa consensual, paulatinamente inserida na Administração Pública, como forma de resolução mais eficiente, sopesando-se o custo-benefício, em prol da solução dos conflitos dos indivíduos com o poder punitivo estatal, no âmbito da sociedade contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Administração Pública consensual emergiu na contemporaneidade, assinalada por um diálogo entre o poder público e o cidadão, deixando o Estado de agir somente de forma unilateral, passando a atrair os particulares para a discussão de interesses em conjunto, conciliando a eficiência estatal, e viabilizando a solução dos conflitos por intermédio da negociação.
A consensualidade não suprimiu, na totalidade, a Administração Pública impositiva, permanecendo a mesma na sua seara complexa de atuação, convivendo as transformações em prol do consenso com os velhos dogmas do direito administrativo, coexistindo, portanto, a imperatividade e o consensualismo, os quais se encontram em consonância com o ordenamento jurídico, desde que sejam conformados às diretrizes constitucionais.
O consensualismo, com efeito, encontra-se calcado sobre os moldes de utilidade ao interesse público, no exercício do poder sancionador estatal, significando que o Estado celebra pactuações para imposição de sanção por intermédio de negociações, não despindo-se do seu poder sancionador, valendo destacar que não se pode desconsiderar o princípio do interesse público, nem o seu predicado de indisponibilidade.
O modelo de consensualismo adotado no Brasil, como solução de conflitos, passa a incidir no direito administrativo sancionador, relativizando-o, de forma que a sanção eminentemente repressiva, punitiva e disciplinar perde seu aspecto puramente retributivo, assumindo uma postura preventiva dissuassória.
O direito europeu exerceu influência sobre o direito administrativo brasileiro, malgrado inexistir no País uma justiça administrativa, significando que o conceito de sanção europeu não se aplica ao Brasil, forçoso reconhecer a influência positiva da França e Espanha, sobretudo em relação à compreensão da necessidade de concretização dos direitos fundamentais nos processos administrativos sancionadores.
Destarte, revela-se primordial destacar a influência da escola do pragmatismo estadunidense no âmbito do direito administrativo sancionador brasileiro, passando-se a adotar paulatinamente a concertação administrativa, premente a partir de 1990, com a redemocratização do Brasil, conferindo maior efetividade, e eficiência, demonstrando-se uma rápida resolutividade, a menor dispêndio, perfazendo o interesse público, por métodos racionais, atribuindo uma segurança jurídica às partes envolvidas.
Nessa perspectiva, ensejando uma releitura do entendimento de supremacia e indisponibilidade do interesse público, despindo-se da concepção ultrapassada de que os referidos princípios obstaculizariam a consensualidade no direito administrativo sancionador, mormente quando se considera que o consensualismo se constitui em um modelo para alcançar a plena efetivação do interesse público.
A edição de normas em prol do consensualismo, numa evolução legislativa, influiu na instauração do consenso no direito administrativo sancionador, considerado como um caminho sem retorno a guiar o agir do Poder Público com os particulares.
A consensualidade no direito administrativo sancionador não se constitui em mercantilização, tratando-se de uma tentativa de prover a sociedade contemporânea de um atendimento mais equilibrado, sem suprimir a possibilidade de o cidadão solucionar sua situação de forma consensual, substituindo a submissão à pretensão punitiva do Estado.
A consensualidade origina-se de uma tomada de decisão coletiva, exigindo do Estado o princípio da eficiência e a adoção de políticas públicas, voltadas ao combate de ilícitos, principalmente aos que atentam à moralidade e à probidade, de forma a aplicar sanções de modo eficiente, afastando-se a impunidade.
A consensualidade no direito administrativo sancionador, em suma, derivou-se da dogmática conceitual de uma atuação administrativa consensual, paulatinamente inserida na Administração Pública, como forma de resolução mais eficiente, sopesando-se o custo-benefício, em prol da solução dos conflitos na sociedade contemporânea.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT NETO, Eurico. Concertação administrativa interorgânica: Direito Administrativo e organização no século XXI. São Paulo: Almedina, 2017.
FERRAZ, Luciano. Controle e consensualidade: fundamentos para o controle consensual da Administração Pública. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
GARCIA, Emerson. A consensualidade no Direito Sancionador Brasileiro: Potencial de Incidência no âmbito da Lei nº 8.429/1992.Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº 66, p. 29-82, out./dez.2017.
LANE, Renata. Acordos na improbidade administrativa: termo de ajustamento de conduta, acordo de não persecução cível e acordo de leniência. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2021.
LEFÉVRE, Mônica Bandeira de Mello. A vinculatividade e o controle dos acordos substitutivos da decisão administrativa. Apud LANE, Renata. Acordos da Improbidade Administrativa: Termo de Ajustamento de Conduta, Acordo de Não Persecução Cível e Acordo de Leniência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.
LIMA, Diogo Uehbe. Consensualidade e processo sancionador no mercado de valores mobiliários: uma análise comparada entre Brasil e EUA. In: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; VIANA, Cristina Aguilar; XAVIER, Marília Barros (Coord.). Direito Administrativo sancionador comparado. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021.
LINS, Raniere Rocha. Consensualidade e o enfrentamento à corrupção: análise empírica dos Acordos de Leniência na prevenção e repressão dos atos corruptivos à luz da Lei nº 12.846/2013.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.
MACHADO, Gabriel. Acordos administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2021.
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Acordo de Não Persecução Cível. In: BARROS, Francisco Dirceu (Org.). Acordos de Não Persecução Penal e Cível. Salvador: Editora Juspodivm, 2021.
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2017.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Consensualidade no Direito Administrativo Sancionador: Breve análise do Ajustamento Disciplinar. In: Direito Administrativo Sancionador Disciplinar. 1ª ed. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021, v. 1. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 8ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
[1] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
[2] Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), onde ministra as disciplinas “Teoria do Direito” (mestrado) e “Controle Social e Administrativo de Políticas Públicas” (doutorado).
[3] FERRAZ, Luciano. Controle e consensualidade: fundamentos para o controle consensual da Administração Pública. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 90.
[4] MACHADO, Gabriel. Acordos administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2021, p. 35.
[5] BITENCOURT NETO, Eurico. Concertação administrativa interorgânica: Direito Administrativo e organização no século XXI. São Paulo: Almedina, 2017, p. 192.
[6] BITENCOURT NETO, Eurico. Concertação administrativa interorgânica: Direito Administrativo e organização no século XXI. São Paulo: Almedina, 2017, p. 196.
[7] MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Acordo de Não Persecução Cível. In: BARROS, Francisco Dirceu (Org.). Acordos de Não Persecução Penal e Cível. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 324.
[8] MARTINS JUNIOR, WALLACE PAIVA. Acordo de Não Persecução Cível. In: BARROS, Francisco Dirceu (Org.). Acordos de Não Persecução Penal e Cível. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 325.
[9] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 8ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 96.
[10] LIMA, Diogo Uehbe. Consensualidade e processo sancionador no mercado de valores mobiliários: uma análise comparada entre Brasil e EUA. In: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; VIANA, Cristina Aguilar; XAVIER, Marília Barros (Coord.). Direito Administrativo sancionador comparado. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021, p. 309.
[11] LIMA, Diogo Uehbe. Consensualidade e processo sancionador no mercado de valores mobiliários: uma análise comparada entre Brasil e EUA. In: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; VIANA, Cristina Aguilar; XAVIER, Marília Barros (Coord.). Direito Administrativo sancionador comparado. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021, p. 298.
[12]LIMA, Diogo Uehbe. Consensualidade e processo sancionador no mercado de valores mobiliários: uma análise comparada entre Brasil e EUA. In: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; VIANA, Cristina Aguilar; XAVIER, Marília Barros (Coord.). Direito Administrativo sancionador comparado. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021, p. 314.
[13] LIMA, Diogo Uehbe. Consensualidade e processo sancionador no mercado de valores mobiliários: uma análise comparada entre Brasil e EUA. In: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; VIANA, Cristina Aguilar; XAVIER, Marília Barros (Coord\.). Direito Administrativo sancionador comparado. Rio de Janeiro: CEEJ, 2021, p. 298.
[14] GARCIA, Emerson. A consensualidade no Direito Sancionador Brasileiro: Potencial de Incidência no âmbito da Lei nº 8.429/1992.Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº 66, p. 29-82, out./dez.2017, p. 30-31.
[15] LEFÉVRE, Mônica Bandeira de Mello. A vinculatividade e o controle dos acordos substitutivos da decisão administrativa. Apud LANE, Renata. Acordos da Improbidade Administrativa: Termo de Ajustamento de Conduta, Acordo de Não Persecução Cível e Acordo de Leniência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 107.
[16] GARCIA, Emerson. A consensualidade no Direito Sancionador Brasileiro: Potencial de Incidência no âmbito da Lei nº 8.429/1992.Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº 66, p. 29-82, out./dez.2017, p. 37.