CONANDA E A PROTEÇÃO DA INFÂNCIA: UM EXAME DA REGULAÇÃO DA PUBLICIDADE INFANTIL

CONANDA E A PROTEÇÃO DA INFÂNCIA: UM EXAME DA REGULAÇÃO DA PUBLICIDADE INFANTIL

31 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

CONANDA AND CHILD PROTECTION: AN EXAMINATION OF THE REGULATION OF CHILDREN ADVERTISING

Artigo submetido em 18 de dezembro de 2023
Artigo aprovado em 29 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 31 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 53 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Indianara Moreira Gomes [1]

Resumo: A Constituição de 1988 trouxe diversas contribuições para o sistema legal nacional, como a integração do direito processual coletivo na esfera constitucional e a proclamação da primazia incontestável dos direitos das crianças e adolescentes como a principal das prioridades, tanto por parte do Estado quanto por parte da sociedade. Apesar da existência de leis e regulamentos direcionados à defesa e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, ainda há problemáticas relacionadas à forma inadequada de tratamento que recebem, principalmente com relação ao fato de estarem em desenvolvimento. Deste modo, a relação da publicidade, direcionada a esse público carece de efetivas ações, leis e normativas que proporcionem a proteção, considerando que, muitas vezes, são excessivamente agressivas e abusivas. 

Palavras-chave: Adolescente. Criança. Publicidade. Conanda. Resolução nº 163/2014.

Abstract: The 1988 Constitution brought several contributions to the national legal system, such as the integration of collective procedural law into the constitutional sphere and the proclamation of the undisputed primacy of the rights of children and adolescents as the main priorities, both on the part of the State and on the part of the society. Despite the existence of laws and regulations aimed at defending and protecting the rights of children and adolescents, there are still problems related to the inadequate form of treatment they receive, mainly in relation to the fact that they are developing. Therefore, the advertising relationship aimed at this public lacks effective actions, laws and regulations that provide protection, considering that they are often excessively aggressive and abusive.

Keywords: Adolescent. Child. Advertising. Conanda. Resolution nº 163/2014.

Sumário: Introdução. 1. Contextualização da Proteção da Infância e o Papel do Conanda. 1.1 Breve histórico da Proteção da Infância no Brasil. 1.2 O Papel do Conanda na Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. 2. Publicidade Infantil e seus Impactos. 2.1. Impacto Psicológico. 2.2 Impacto Social. 3. Regulação da Publicidade Infantil pelo Conanda – Resolução nº 163/2014. 4. Desafios e Controvérsias na Regulação da Publicidade Infantil. 5. Recomendações e Perspectiva Futuras. 6. Conclusão 7. Referências.

Introdução

A legislação brasileira, de maneira distinta das convenções internacionais, define criança como toda pessoa com doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos (artigo 2º do Estatuto da Criança e Adolescente – Lei nº 8.036/90).

Frequentemente esta faixa da população são bombardeadas por uma miríade de mensagens publicitárias, as crianças que nasceram a partir da geração Z (1989)[2], têm suas escolhas e potencial de moldar suas percepções do mundo e da sociedade com base na interação com métodos de influência de consumo.

Diante dessa realidade, a proteção da infância contra a exploração comercial tornou-se uma questão crítica altamente relevante. Assim, este artigo propõe examinar em profundidade a regulação da publicidade infantil e o papel desempenhado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) nesse contexto.

O CONANDA, como órgão integrante da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania[3], tem a responsabilidade de promover, proteger e garantir os direitos das crianças e adolescentes no Brasil. Em sua atuação, enfrenta o desafio complexo de equilibrar o direito à liberdade de expressão comercial com a necessidade de proteger as crianças de práticas publicitárias que possam prejudicar seu desenvolvimento, bem-estar e dignidade.

Com isso, a publicidade infantil, sob a ótica do CONANDA, é um terreno fértil para o debate sobre a interpretação da Constituição e a promoção de direitos fundamentais. Isso porque a regulação da publicidade destinada às crianças não é apenas um desafio jurídico, mas também uma questão social e ética, uma vez que se trata da proteção de um grupo hipervulnerável[4] em uma era de consumo acelerado.

Neste contexto, a discussão sobre a regulação da publicidade infantil e o ativismo do CONANDA se torna fundamental. Ao longo deste trabalho, serão apresentadas as regulamentações já existentes, os casos e decisões relevantes, bem como os desafios e controvérsias que cercam esse tema. Além disso, também buscará traçar perspectivas futuras na busca por um equilíbrio adequado entre a proteção das crianças e os direitos comerciais, sem perder de vista a visão ampla de uma sociedade mais justa e inclusiva.

A relevância deste tema é inegável, uma vez que envolve diretamente o bem-estar e o futuro das gerações vindouras. A proteção da infância na era digital, caracterizada pelo constante bombardeio de mensagens publicitárias, é uma tarefa complexa, mas crucial para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa. É nesse contexto que o papel do CONANDA e a regulação da publicidade infantil merecem um exame aprofundado e crítico.

1.     Contextualização da proteção da infância e o papel do CONANDA

1.1. Breve histórico da proteção da infância no Brasil

A proteção dos direitos das crianças no Brasil tem sido uma jornada marcada por desafios e conquistas significativas ao longo das últimas décadas. Embora a atenção aos direitos da infância remonte a princípios do século XX, foi apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que os direitos dos menores foram consolidados como uma prioridade fundamental da nação.

A nossa CF de 1988 estabeleceu um marco importante ao reconhecer as crianças como sujeitos de direitos e não meros objetos de proteção. Esse reconhecimento resultou na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990[5], que se tornou um documento legal abrangente que define os direitos e garantias para os menores e responsabilidades para os pais, o Estado e a sociedade em geral. Com isso, o ECA foi uma peça-chave na construção do arcabouço legal para a proteção da infância no Brasil.

Esse estatuto também estabeleceu o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) como uma instância de controle social encarregada de formular políticas e diretrizes para a promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente. Além disso, o ECA definiu o papel do CONANDA na fiscalização do cumprimento dessas políticas, representando um avanço significativo na consolidação da proteção da infância no Brasil.

1.2. O papel do CONANDA na promoção dos direitos da criança e do adolescente

O CONANDA, criado em 1991, é um órgão colegiado permanente de caráter deliberativo e composição paritária, sendo 15 (quinze) representantes governamentais e 15 (quinze) representantes da sociedade civil, conforme Decreto nº 11.473/2023, responsável por formular e controlar as políticas nacionais voltadas para crianças e adolescentes – artigo 88 da lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Sua criação representou um avanço significativo na participação da sociedade civil na definição e no acompanhamento das políticas públicas infantojuvenis, já que por meio da gestão compartilhada, o governo e sociedade definem, no âmbito do Conselho, as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes.

Além de contribuir para a definição dessas políticas, o Conanda também fiscaliza as ações executadas pelo poder público no que diz respeito ao atendimento da população infanto-juvenil. Algumas de suas principais pautas são:

  1. prevenir e erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalhador adolescente;
  2. combater a violência e exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes;
  3. criar parâmetros de funcionamento e ação para as diversas partes integrantes do sistema de garantia de direitos;
  4. promover e defender os direitos de crianças e adolescentes indígenas, quilombolas, crianças e adolescentes com deficiência; e 
  5. acompanhar projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional referentes aos direitos de crianças e adolescentes. 

Com o Conanda, o Brasil se tornou um dos poucos países que prevê legalmente a constituição de conselhos paritários e deliberativos na área das políticas para crianças e adolescentes, assim como a estruturação de conselhos tutelares eleitos pelas próprias comunidades.

Suas responsabilidades incluem a formulação e a supervisão das políticas nacionais para assegurar que os menores tenham seus direitos plenamente respeitados, promovendo, assim, seu desenvolvimento saudável e sua participação ativa na sociedade. Dentre as funções do órgão, destacam-se:

  1. Formulação de políticas públicas: o CONANDA é responsável por desenvolver políticas que visem à promoção dos direitos da criança e do adolescente. Isso inclui a regulamentação e fiscalização de áreas que afetam diretamente a infância, como educação, saúde, assistência social e, no contexto deste artigo, a publicidade infantil.
  2. Fiscalização e controle social: o Conselho exerce um papel fundamental na fiscalização e avaliação das políticas relacionadas à infância. Ele deve garantir que o Estado cumpra suas obrigações em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes, atuando como um mecanismo de controle social.
  3. Promoção e educação em direitos: o CONANDA promove a conscientização sobre os direitos das crianças e adolescentes, buscando envolver a sociedade civil, os profissionais de diversas áreas e as próprias crianças na defesa de seus direitos.

O Conanda também é responsável pela gestão do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA), incluindo a regulamentação, criação e utilização desses recursos para garantir que sejam destinados às ações de promoção e defesa. Suas assembleias são mensais e estão vinculadas à Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Presidência da República (SDH/PR), mediante quatro Comissões Temáticas:

  1. Políticas públicas;
  2. Orçamento e finanças;
  3. Formação e mobilização; e
  4. Direitos humanos e assuntos parlamentares.

Dessa forma, a regulação da publicidade infantil se insere como parte das responsabilidades do CONANDA, visando a assegurar que a publicidade direcionada a esse público não prejudique seu desenvolvimento nem viole seus direitos.

2.     Publicidade Infantil e seus impactos

A publicidade infantil é um segmento específico da publicidade que se concentra em direcionar mensagens de marketing a crianças, muitas vezes visando influenciar suas escolhas de consumo. Ela pode abranger uma ampla gama de mídias, incluindo televisão, internet, mídia impressa, produtos licenciados, brinquedos e outras formas de comunicação persuasiva voltada para o público infantil.

Esses tipos de ações muitas vezes se utilizam de personagens, cores atraentes e linguagem simplificada para atrair a atenção e criar associações positivas com os produtos ou marcas anunciados. O tema se transforma em uma questão complexa e amplamente discutida devido aos diversos impactos que pode ter sobre esse público hipervulnerável. Tais repercussões, podem ser observados em várias dimensões, mas principalmente a psicológica e social.

2.1. Impacto psicológico

A publicidade infantil influencia o desenvolvimento psicológico das crianças de várias maneiras. Nesse âmbito, a psicologia soma-se ao direito para analisar que o público infantil possui características comportamentais e psicológicas particularmente sensíveis.

Isto é porque a criança é uma pessoa em desenvolvimento biopsicológico que ainda não possui “defesas emocionais suficientemente formadas para perceber os influxos de conteúdos persuasivos”[6], ou seja, não é plenamente capaz de avaliar o caráter parcial e apelativo das informações que circulam e não possuem a instrução necessária para isso. Sobre o assunto, cabe mencionar o voto do Ministro Herman Benjamin, no Recurso Especial n. 586.316/MG:

Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.[7]

Nesse sentido, podemos analisar os reflexos psicológicos no comportamento do consumidor, já que a exposição constante a mensagens persuasivas influencia as escolhas de consumo das crianças, levando-as a pressionar os pais para adquirir produtos anunciados. Tais respostas, foram pertinentemente observadas pelo psicólogo La Taille:

Como as propagandas para o público infantil costumam ser veiculadas pela mídia, e a mídia costuma ser vista como instituição de prestígio, é certo que seu poder de influência pode ser grande sobre as crianças. Logo, existe a tendência de a criança julgar que aquilo que mostram é realmente como é, e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor, realmente possui essas qualidades.[8]

Ainda, a publicidade contribui para a formação de valores e crenças, muitas vezes promovendo estereótipos de gênero, padrões de beleza irreais e uma cultura de consumismo. Tudo isso, aliado à promoção de produtos inacessíveis ou ideais inatingíveis cria sentimento de frustração e insatisfação nas crianças, afetando sua autoestima e bem-estar emocional. A esse respeito, Britto reflete:

As condições especiais de atitude influenciável e de baixas aptidões das crianças, combinados com o domínio intencional dos elementos persuasivos nas mensagens, dificilmente percebidos por este grupo, garante ao discurso publicitário mais poder de persuasão quando dirigido ao público infantil, e maior eficiência da publicidade na produção dos seus resultados, de convencer as crianças a desejar e consumir os bens anunciados e de manipular os seus ânimos.[9]

          A falta de autonomia intelectual do menor e alta capacidade de centralização das informações faz com que não tenha as ferramentas para caracterizar prejuízos em formas de propaganda, bem como projetar os reflexos acima expostos.

2.2. Impacto social

Além dos impactos psicológicos, a publicidade infantil também tem implicações sociais significativas. Primeiro, porque a publicidade direcionada a crianças muitas vezes promove produtos de status, o que amplia a desigualdade social desde a infância, já que crianças de famílias com menos recursos também são bombardeadas de anúncios, mas não podem adquirir os bens de consumo.

A promoção da desigualdade, no entanto, não representa o único impacto social. Na televisão e internet, publicidades de alimentos não saudáveis contribuem para a obesidade infantil e problemas de saúde, pois constantemente promovem alimentos ricos em açúcar e gorduras prejudiciais ao organismo.

Nesse âmbito, as publicidades alimentícias relacionam elementos de diversão para o consumo não saudável. Com isso, desde a infância as crianças passam a associar a felicidade ao consumo de alimentos processados e industriais. Em 2013, dados apontaram que 42 milhões de crianças com idade inferior aos 5 anos, estavam acima do peso em todo o mundo. Ainda, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, uma em cada três crianças brasileiras com idades entre 5 e 9 anos estavam com excesso de peso.

Sobre o assunto, ressalta-se que:

a  publicidade  tem  sido  relacionada  ao  aumento do  consumo  de  alimentos  com alto  conteúdo  de  gorduras  e  sódio,  podendo  estar  relacionado  com  os  maiores índices  atuais  de  obesidade  infantil,  hipertensão  e  Diabetes  mellitus  tipo  II.  Os potenciais  “efeitos  colaterais”  não  estão  limitados  à publicidade  dos alimentos  e bebidas.  A  publicidade  influencia  a  auto  percepção  e  a  percepção  de  outros  grupos sociais.[10]

Por fim, no âmbito social, é possível citar que a publicidade também molda as preferências culturais das crianças, afetando a maneira como percebem o mundo e sua própria identidade cultural. Esse aspecto é observado pelo filósofo Zygmunt Bauman em sua obra sobre a modernidade líquida:

A maneira como a sociedade atual molda seus membros, é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel.[11]

Ainda, conforme reflete Azambuja, a publicidade “ativa novos desejos nas crianças que não se voltam ao brincar, ao  criar  ou compartilhar,  reforçam  o  poder  e  despertam  inveja;  valorizam  o  ter  em  detrimento do ser”[12].

Em resumo, a publicidade infantil é uma força poderosa que pode impactar profundamente o desenvolvimento e o bem-estar das crianças. Assim, considerar a sua repercussão no crescimento delas a fim de estabelecer a regulação da publicidade voltada para esse público e o papel do CONANDA na promoção dos direitos da infância é um passo fundamental.

3.     Regulação da publicidade infantil pelo CONANDA – Resolução n.º 163/2014

A Resolução nº 163, publicada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) em 2014, representa um marco importante na regulamentação da publicidade infantil no Brasil. Essa resolução estabelece diretrizes para a publicidade direcionada a crianças e adolescentes, reconhecendo a necessidade de proteger essa parcela da população contra práticas publicitárias que possam prejudicar seu desenvolvimento físico, mental e social.

A Resolução inclui várias disposições relevantes, tais como:

  1. Restrições à utilização de linguagem persuasiva que induza ao consumo excessivo.
  2. Proibição da utilização de crianças como atores em propagandas de produtos ou serviços inadequados para sua faixa etária.
  3. Necessidade de priorizar conteúdo educativo e cultural em publicidades destinadas a crianças.
  4. Proibição da vinculação de brindes, prêmios ou qualquer benefício ao ato de compra.

Nesse sentido, vale destacar que a resolução define como abusiva “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço”. Isso, por meio de aspectos como linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

O normativo também define comunicação mercadológica como toda e qualquer atividade de comunicação comercial para a divulgação de produtos, serviços, marcas e empresas realizada em eventos, espaços públicos, páginas de internet, canais televisivos por meio de qualquer suporte ou mídia, no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes escolares ou materiais didáticos, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente.

Ainda, o art. 2 da Resolução apresenta um rol exemplificativo de recursos considerados persuasivos:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação;

VII – bonecos ou similares;

VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e
IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil. [13]

Esse normativo surgiu no contexto do início da repercussão da internet e ampliação dos meios de comunicação para o contexto global. Pesquisas da época demonstraram a emergência do assunto, como dispõe Matta em seus estudos:

Há dez anos, segundo estudos realizados em 2003 pelo InterScience, apenas 8% das crianças influenciavam fortemente seus pais na decisão de compra. Hoje, 49% participam deste processo de forma intensa e, segundo este mesmo estudo, daqui a dez anos, 82% influenciarão fortemente seus pais em suas compras.[14]

Após quase uma década de vigência da Resolução nº 163/2014, torna-se relevante avaliar a eficácia das medidas regulatórias implementadas pelo CONANDA no que diz respeito à publicidade infantil. Essa avaliação envolve diversos aspectos, mas principalmente deve considerar o avanço tecnológico e a crescente presença das crianças no ambiente virtual, o que propiciou uma nova forma de interação com o mundo desde a infância.

4.     Desafios e Controvérsias na regulação da publicidade infantil

A regulação da publicidade infantil é uma área que enfrenta desafios significativos, especialmente no que diz respeito à liberdade de expressão. A publicidade é uma forma de discurso comercial protegida pela Constituição e pelas leis de muitos países. Assim, impor restrições à publicidade levanta preocupações sobre a liberdade de expressão, uma pedra angular da democracia.

Com isso, um dos desafios é estabelecer limites claros para a regulação da publicidade infantil que protejam os direitos das crianças sem minar indevidamente a liberdade de expressão comercial, mas encontrar o equilíbrio certo é uma tarefa complexa, pois a indústria da publicidade muitas vezes argumenta que a regulamentação rigorosa prejudicaria a economia, limitaria a inovação e poderia levar à censura.

Por outro lado, a proteção dos direitos das crianças é uma prioridade fundamental e deve ser equilibrada com a liberdade de expressão comercial. Nesse contexto, o advento das novas mídias e das plataformas digitais levanta questões adicionais, pois a publicidade passou a ser altamente direcionada e personalizada. A coleta de dados de crianças e a segmentação de anúncios são preocupações em crescimento.

Sobre esse assunto, cabe ressaltar o pensamento crítico do Ministro Herman Benjamim:

Se a criança, no mercado de consumo, não exerce atos jurídicos em seu nome e por vontade própria, por lhe faltar poder de consentimento, tampouco deve ser destinatária de publicidade que, fazendo tábula rasa da realidade notória, a incita a agir como se plenamente capaz fosse.[15]

Em 2021, a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box Crianças e Smartphones no Brasil, apontou:

Em famílias que os pais possuem smartphones 49% das crianças até 12 anos já possuem seus celulares próprios, entre crianças de 7 e 9 anos 59% delas possuem celulares próprios, enquanto na faixa etária de 10 a 12 anos esse número sobe para 79%.[16]

5.     Recomendações e perspectiva futuras

Com base na análise do normativo existente e dos desafios discutidos, cabe apresentar recomendações para fortalecer a regulamentação da publicidade infantil.

Primeiramente, o aprimoramento da Resolução nº 163/2014 é parte fundamental, já que aproximadamente uma década após o lançamento do documento, a publicidade evoluiu e desenvolveu novos meios persuasivos. Evoluções na publicidade e nas mídias digitais modificaram a forma de propagar produtos e influenciar o pensamento consumidor.

Hoje, com os algoritmos de publicidade e propaganda, empresas são capazes de direcionar seus recursos para um público que têm mais capacidade de engajar a sua marca. Ainda, com o surgimento da profissão ainda não regulamentada dos influenciadores digitais, as plataformas digitais, principalmente as redes sociais, são municiadas de conteúdos feitos para atrair o consumo de forma sutil e muitas vezes não identificado.

Exemplo disso, é o surgimento de canais e perfis especializados em demonstração de brinquedos ou até mesmo crianças influentes que possuem perfis gerenciados pelos pais, mas cujo conteúdo é baseado na promoção de um estilo de vida e desde já compartilham conteúdos patrocinados.

          Além da atualização da resolução objeto do presente artigo, é fundamental estabelecer um controle maior de conteúdo, acesso e permanência em redes e plataformas digitais, Junto a isso, cabe a promoção de requisitos mais rígidos para a transparência na publicidade, exigindo a divulgação clara de que se trata de um anúncio e quem é o anunciante, especialmente em plataformas digitais.

Investir em programas de educação em mídia e nas escolas que capacitem as crianças a desenvolver habilidades críticas de pensamento e discernimento em relação à publicidade também é uma medida pertinente. Cabe à sociedade civil como todo educar e prevenir o consumismo, conscientizando e ressaltando a importância da promoção de práticas sustentáveis desde as primeiras idades.

Parte disso, é fundamental para que as crianças se tornem adultos psicológica e mentalmente saudáveis, já que a implementação de regulamentações específicas para limitar a publicidade de alimentos não saudáveis direcionada a crianças, com base em critérios nutricionais, também se mostra essencial.

Por conseguinte, além das recomendações, é importante considerar as perspectivas futuras e as tendências emergentes na regulamentação da publicidade infantil. Com a crescente presença de crianças em ambientes digitais, a regulamentação precisará se adaptar às diversas plataformas online, incluindo a proteção de dados pessoais, em consonância com a LGPD e a segmentação de anúncios, em conciliação com o Marco Civil da Internet.

Ainda, dada a natureza global da publicidade, a cooperação internacional será fundamental na criação de padrões comuns e na harmonização das regulamentações em diferentes países. Isso porque a globalização dos meios de comunicação eliminou as fronteiras físicas e as barreiras do idioma, fazendo com que os anunciantes, produtos e serviços o façam de forma plena no ambiente online, o que também torna difícil que a regulamentação seja fiscalizada de modo efetivo.

Por fim, a pesquisa contínua é essencial para entender os impactos da publicidade infantil e adaptar as regulamentações com base em evidências sólidas.

6.     Conclusão

A publicidade infantil representa um terreno fértil para o debate sobre o equilíbrio delicado entre a liberdade de expressão comercial e a proteção dos direitos humanos e fundamentais das crianças. A exposição constante a mensagens persuasivas pode moldar as escolhas, os valores e as crenças, criando uma série de impactos psicológicos e sociais. Assim, a regulamentação é uma ferramenta essencial para mitigar esses impactos e garantir que as crianças possam crescer de forma saudável, sem serem exploradas comercialmente.

A Resolução nº 163/2014, do CONANDA, representou um passo significativo na direção certa, estabelecendo diretrizes claras para a publicidade infantil. No entanto, sua implementação eficaz e a adaptação contínua a um ambiente de mídia em constante evolução são essenciais. A proteção dos direitos das crianças e a promoção de escolhas de consumo saudáveis são preocupações cruciais que devem orientar as políticas regulatórias constantes.

A proteção da infância é uma responsabilidade compartilhada, e a regulamentação é uma das ferramentas-chave para garantir que as gerações futuras possam crescer de forma saudável, segura e com a capacidade de tomar decisões informadas em um mundo saturado de mensagens publicitárias.

Referências

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AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A publicidade e seus reflexos no desenvolvimento da criança: o papel da família e da educação. In: PASQUALOTTO, Adalberto; e ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. (Org.). Publicidade e Proteção da Infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014

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[1] Mestranda em Direitos Humanos pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie (MACKENZIE). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV). Bacharel pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Gerente Trabalhista na JBS

[2] CERETTA, S. B.; FROEMMING, L. M. Geração Z: compreendendo os hábitos de consumo da geração emergente. RAUnP – Revista Eletrônica do Mestrado Profissional em Administração da Universidade Potiguar, v. 3, n. 2, art. 2, p. 15-24, 2011.

[3] GOVBR. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda/conanda> Acesso em: 28 de outubro de 2023.

[4] CASTILHO, Larissa Karolina Silva. Criança não é adulto pequeno: abordagem jurídica da publicidade direcionada ao consumidor hipervulnerável infantil. 2019. 84 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, 2019.

[5] BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Acesso em: 20 de outubro de 2023. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>

[6] NUNES JR., V. S. In: HENRIQUES, Isabella (Coord.). Publicidade de alimentos e crianças: regulação no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva, 2013.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (2. Turma). REsp: 586316; MG 2003/0161208-5. Relator Ministro Herman Beijamin. Data de julgamento: 17/04/2007. Data de publicação: 19/03/2009. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/4092403. Acesso em 20 de outubro de 2023. 

[8] LA TAILLE, Y. A publicidade dirigida ao público infantil: considerações psicológicas. In: Contribuição da Psicologia para o fim da publicidade dirigida à criança. Conselho Federal de Psicologia: Brasília, DF, 2008.

[9]  BRITTO, I. R. Infância e publicidade: proteção dos direitos fundamentais da criança na sociedade de consumo. Curitiba: CRV, 2010.

[10] ALVAREZ, PASQUALOTO, apud LINDSTROM. Publicidade e proteção da infância. Ana Maria Alvarez, Adalberto Pasqualoto ( organizadores) Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. P, 28

[11] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 

[12] AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A publicidade e seusreflexos no desenvolvimento da criança: o papel da família e da educação.In: PASQUALOTTO, Adalberto; e ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. (Org.). Publicidade e Proteção da Infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014

[13]  CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Resolução n.o 163, 13 de março de 2014. Dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Disponível em: [http://dh.sdh.gov.br/download/resolucoes-conanda/res-163.pdf]. Acesso em: 20 de outubro de 2023.

[14] MATTA, João. Pequenos consumidores. Disponível em: <http://www.jmatta.com.br/artigo_01.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2023.

[15] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Cível – REsp 1613561/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 01/09/2020.

[16] TECNOBLOG, 2021. Giovanni Santos Rosa: Metade das crianças de até 12 anos no Brasil já tem celular próprio. Disponível em: https://tecnoblog.net/noticias/2021/10/29/metade-das-criancas-de-ate-12- anos-no-brasil-ja-tem-celular-proprio/