BRASIL, O PAÍS QUE MAIS MATA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO MUNDO

BRASIL, O PAÍS QUE MAIS MATA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO MUNDO

1 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

BRAZIL, THE COUNTRY THAT KILLS MOST TRANSVEST AND TRANSEXUALS IN THE WORLD

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Kaoanne Wolf Krawczak[1]
Juliana Oliveira Santos[2]
Joice Graciele Nielsson[3]

RESUMO

A violência e a segregação fazem parte do pano de fundo das corajosas histórias de muitas travestis e transexuais, as quais diariamente necessitam se impor para participar do meio social. O Brasil, com dados alarmantes é mais uma vez considerado o país que mais mata travestis e transexuais, sendo que a expectativa de vida destas pessoas é muito inferior aquelas pessoas que seguem o contexto da heteronormatividade. Em meio a uma sociedade firmada na heteronormatividade e no patriarcalismo, a violência e a discriminação andam de mãos dadas com travestis e transexuais, haja vista que a sociedade ao buscar a promessa de estabilidade e segurança trazida pela modernidade se depara com a diferença, agindo na maioria das vezes da pior forma possível. Diante disso, este artigo tem como escopo destacar a importância de dar voz a estes grupos, proporcionando os mais distintos espaços nos quais seja possível compreender como se dão as relações de travestis e transexuais com o meio social, ressaltando o combate à discriminação e à incitação à violência, haja vista que a sociedade costuma ser cruel com as diferenças, principalmente com os que fogem à normatização hegemônica. Na realização deste trabalho a pesquisa utilizada será do tipo exploratória, e utilizará, no seu delineamento, da coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na realização da mesma será feito o uso do método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado;           c) reflexão crítica sobre o material selecionado; e, d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.


Palavras-chave: Direitos Humanos; Heteronormatividade; Transexuais; Travestis; Violência.

ABSTRACT

Violence and segregation do the same thing as daily sessions, such as those that are called on daily to participate in the social environment. Brazil, with the greatest number of times the country has done is transvestites and transsexuals, and life expectancy is much lower than the people who are in the context of heteronormativity. In the midst of a society established in heteronormativity and patriarchalism, violence and discrimination in the hands of transvestites and transsexuals, to have an idea to seek the promise of stability and the security brought by modernity to come across a difference, most of the time in the worst possible way. Therefore, this article aims to highlight the importance of these groups, to provide the most different spaces in which it is possible to be accompanied as a strategy of relationship with transvestites and transsexuals with the social environment, highlighting the fight against discrimination and incitement to violence, since society tends to be cruel to differences, especially with the goal of hegemonic normalization. The date of this work will be a recent research, will be carried out in an exploratory way, using, without delineation, the collection of data on bibliographic sources available in physical media and in the computer network. The choice of the application will be made by the hypothetical-thoughtful method, observing the following procedures: a) selection of bibliographical documents and identification of physical and Internet resources, interdisciplinary, capable and sufficient for the researcher to construct a coherent theoretical framework on the theme under study, the question of the proposed problem, to corroborate or refute as hypotheses raised and the objectives proposed in the research; b) reading and writing the selected material; c) critical analysis of the selected material; and d) an illustration of the results obtained through a written monographic text

Keywords: Rights Humans; Heteronormativity; Transsexuals; Travestis; Violence.

INTRODUÇÃO

A violência faz parte da vida e do cotidiano de muitas travestis e transexuais, as quais vivem à margem da sociedade, buscando incansavelmente seus espaços no meio social. Através desta afirmação verifica-se a necessidade de analisar o contexto de violência a que estão expostas estas vidas, as quais desde muito cedo deparam-se com uma sociedade firmada nos conceitos de heteronormatividade e patriarcalismo restando por segregar e agir violentamente em face das diferenças.

 A travestilidade, bem como a transexualidade são experiências relacionadas à identidade de gênero e foram socialmente construídas, da mesma forma que a identidade de homens e mulheres. Entretanto, ao serem formadas em resistência às normas impostas de gênero, são socialmente marginalizadas e isoladas, restando vulneráveis a violências físicas e simbólicas.

Segundo Kulick (2013, p. 22), a existência de travestis é registrada em toda a América Latina, mas em nenhum país elas são tão numerosas e conhecidas como no Brasil. Assim, em qualquer cidade brasileira, pequena ou grande, existem travestis, contudo, mesmo havendo no país um grande número de travestis e transexuais, a estigmatização e a discriminação vividas afetam sua socialização, sendo que travestis e transexuais passam a ter um universo existencial bastante restrito. 

Neste norte, há de se destacar que os indivíduos relacionam-se com o mundo a partir de suas vivências, de suas tradições, bem como de seus costumes, e constroem suas vidas a partir da matéria-prima que a cultura lhes oferece. Ainda quando criança, os seres humanos são introduzidos em padrões de cultura e maneiras de comportamentos pré-estabelecidos pelo todo social do qual agora fazem parte. Estar fora, ou ainda sentir-se não pertencente à categoria normativa gera incômodo, repulsa e discriminação, algo vivenciado quase que cotidianamente por travestis e transexuais.

Diante disso, este artigo tem como escopo destacar a importância de dar voz a estes grupos, proporcionando os mais distintos espaços nos quais seja possível compreender como se dão as relações de travestis e transexuais com o meio social, ressaltando o combate à discriminação e à incitação à violência, haja vista que a sociedade costuma ser cruel com as diferenças, principalmente com os que fogem à normatização hegemônica.

METODOLOGIA

A pesquisa será do tipo exploratória, e utilizará, no seu delineamento, da coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na realização da mesma será feito o uso do método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos:

a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa;

b) leitura e fichamento do material selecionado;

c) reflexão crítica sobre o material selecionado; e,

d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico

O SER TRAVESTI E TRANSEXUAL

A transexualidade é uma experiência identitária que pode ser caracterizada pela construção do gênero em contraste com as normas que instituem inteligibilidade entre corpo, identidade e sexualidade. É, portanto, a possibilidade de reinterpretar os sentidos da feminilidade e da masculinidade contrariando o impositivo de que o sexo deve ser coerente com o gênero e, nesse caso, também ultrapassar a ideia de que a fêmea biológica é a única legitimada a carregar o status de mulher, enquanto o macho é o único legitimado a carregar o status de homem, em uma clara menção de que a biologia não é o destino. “A transexualidade é um desdobramento inevitável de uma ordem que estabelece a inteligibilidade nos corpos” (BENTO, 2008, p. 16).

Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também o seu entorno, ou seja, a roupa, os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam e a educação de seus gestos […] o corpo é produto de uma construção cultural, social e histórica sobre o qual são conferidas diferentes marcas, em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. (GOELLNER, 2008, p. 135)

Neste contexto, quanto às travestis, Lionço (2009, p. 8) descreve que:

Ser travesti seria investir permanentemente na construção de um corpo a ser reconhecido pelo outro como um corpo feminino. Diferentemente das transexuais, no entanto, as travestis não afirmam uma identidade feminina estrita, mas ostentam a androginia.

Neste rumo, ao romper com o ideal de sociedade homogênea e heteronormativa trazido pela modernidade, isso porque nem todas as pessoas se encaixarão nos padrões “ditos aceitáveis”, ocorrem processos de cesuras, preconceito e, consequentemente, morte simbólica daqueles que se tornam uma “vida nua”, conceito sob a perspectiva de Giorgio Agamben (2010, p. 135), segundo o qual “toda sociedade fixa este limite, toda sociedade – mesmo a mais moderna – decide quais sejam os seus homens sacros […] a vida nua não está mais confinada a um lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o corpo biológico de cada ser vivente”.

A modernidade trouxe a possibilidade de segurança, e atualmente busca-se incansavelmente pelo paraíso, ou seja, pelo lugar onde todos são iguais, onde ninguém fuja ao contexto planejado ao ponto de ameaçar, inquietar ou perturbar, como é o caso de travestis e transexuais. Quando a sociedade sente-se incomodada, trata-se imediatamente de excluir, de tirar da vista dos olhos, ou até mesmo de sacrificar estas vidas impossibilitando assim, qualquer diálogo ou aproximação, como discorre Zygmunt Bauman (2011, p. 77-78):

a segurança gera um interesse em apontar riscos e selecioná-los para fins de eliminação, e por isso escolhe fontes potenciais de perigo como alvos de uma ação de extermínio “preventiva”, empreendida de maneira unilateral. […] indivíduos e grupos ou categorias de pessoas têm negada sua subjetividade humana e são reclassificados pura e simplesmente como objetos, localizados de modo irrevogável na ponta receptora desta ação. […] A negação da subjetividade desqualifica os alvos selecionados como parceiros potenciais do diálogo; qualquer coisa que possam dizer, assim como o que teriam dito se lhes dessem voz, é a priori declarado imaterial, se é que se chega a ouvi-los.

Conforme Judith Butler (2009, p. 4) o gênero é performativo, isto é, “não expressa uma essência interior de quem somos, mas é constituído por um ritualizado jogo de práticas que produzem o efeito de uma essência interior”. Entende ainda Butler que o gênero “é vivido como uma interpretação, ou um jogo de interpretações do corpo, que não é restrita a dois, e isso é uma mutável e histórica instituição social”.

Assim, Simone de Beauvoir (2009, p. 9), ao afirmar que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, traduz a essência da identidade de gênero, quanto ao processo histórico, cultural e social que resulta em se identificar como homem ou mulher. Com isto, percebem-se as múltiplas possibilidades do gênero, inclusive de ser travesti e transexual.

Segundo Butler (2009, p. 194), o gênero é entendido como ação, ato e não apenas como atribuição de um corpo. Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que, por outro lado, pretendem expressar, são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. Se tanto o sexo, quanto o gênero são construídos, não poderá haver uma naturalidade, existindo apenas muitas interpretações cabendo a cada sujeito assumir as suas normas.

Para algumas travestis e transexuais o ponto crucial para a diferenciação se dá através da realização da cirurgia de “adaptação sexual”, a qual sobrepõe o desejo da aplicação de hormônios, silicone e a busca incessante pela aparência feminina. Contudo, conforme afirma Hélio Silva (2007, p. 208) “ficam claras, duas grandes perspectivas em relação ao transexualismo, uma radicaliza a perspectiva da produção cultural de gênero, tornando a dimensão biológica secundária na decisão, e a outra nega a existência de operação para a mudança de sexo”.

Neste contexto, há de se destacar que o gênero é determinado pelo sentimento, e é através deste conceito que travestis e transexuais apresentam-se ao mundo diariamente, mesmo sabendo que a violência e a segregação fazem parte do pano de fundo de suas corajosas histórias, isto porque em nenhum lugar a violência é tão onipresente quanto na vida, e no cotidiano de travestis e transexuais.

TRAVESTIS E TRANSEXUAIS E OS DADOS DA VIOLÊNCIA

Muitas travestis e transexuais vivem em situação de violência, sendo que em muitos casos só aparecem nas ruas e nas esquinas noturnamente, e é por isso que se faz necessário falar acerca da governamentabilidade dos corpos, na linha da filosofia foucaultiana, além da liberdade, e da biopolítica e seus contornos. Na medida em que os corpos, ou seja, na medida que os seres humanos nadam contra a corrente destes contornos biopolíticos, a própria sociedade, seja através do  medo da insegurança, seja através da orientação dos meios de comunicação, passam a excluir , a privar do convívio ou dificultá-lo àqueles que são diferentes, ou então, nas palavras de Bauman (2005, p. 81), “estranhos”.

Um estranho por definição, é um agente movido por intenções que, na melhor das hipóteses, só podem ser adivinhadas – mas das quais nunca se pode ter certeza. Em todas as equações que elaborarmos ao deliberarmos sobre o que fazer e como nos comportar, o estranho é uma incógnita. É, afinal de contas, “um esquisito”, um ser bizarro e enigmático, cujas intenções e reações podem ser muito diferentes daquelas das pessoas comuns (habituais costumeiras). […] estranhos são subconscientemente” desconfortáveis; sua mera presença torna ainda mais difícil a tarefa já assustadora de prever os efeitos de nossas ações e suas chances de sucesso.

        Segundo afirma Bauman (2005, p. 80), os estranhos também fornecem um escoadouro conveniente – acessível – para o medo inato do desconhecido, do incerto e do imprevisível, quando mantém-se  os estranhos afastados de nossas casas e  ruas, o fantasma apavorante da incerteza, ainda que por um breve instante, é exorcizado e o mostro da insegurança é vencido.

Neste norte, discorre Valéria Melki Busin (2015, p. 30) que “as travestis sofrem violências por se afastarem da conduta esperada de pessoas do “sexo masculino”, abandonando sua masculinidade valorizada e aproximando-se do feminino, desqualificado nas redes de poder de sexo e gênero”.

Com isso, a sociedade dificulta a vivência e o exercício da democracia por parte de travestis e transexuais sendo que elas têm de diariamente enfrentar inúmeros obstáculos que os demais indivíduos não conhecem, pois nada de “caricato” e “risível” apresentam em sua condição.

As vidas de travestis e de transexuais encontram-se desamparadas, e mesmo que existam políticas públicas afirmativas, e medidas que supostamente abarquem o cuidado e o respeito para com elas, não é possível vislumbrar efetividade destes mecanismos, levando à afirmação de que a própria política, o próprio “poder soberano” exclui aqueles que, de fato, não são iguais, sendo que travestis e transexuais são assim, apenas coadjuvantes de suas próprias vidas.

Diante do conceito de vida nua, trazido por Giorgio Agamben, pode-se explicar a violência e a morte de inúmeros travestis e transexuais sem que haja um grande clamor por parte da mídia e da sociedade em geral, pois estas vidas, estas fragilizadas “vidas nuas”, não apresentam na maioria das vezes valor em uma sociedade marcada pelos padrões de beleza, pela heterormatividade e pela falta de diálogo com as diferenças.

Segundo André Duarte (2010, p. 278),

Agambem esclarece que o homo sacer definia no antigo direito romano o homem que era incluído na legislação exatamente no instante em que dela era excluído e se encontrava totalmente desprotegido: homo sacer era aquele indivíduo que, por ser tipificado legalmente como homem sagrado, poderia ser morto por qualquer um sem que tal morte constituísse um delito, desde que tal morte não fosse o resultado de um sacrifício religioso ou de um processo jurídico.

O fato de se conviver em uma sociedade existencialmente patriarcalista e que prioriza a heteronormatividade, torna urgente falar da condição das travestis e transexuais, as quais se encontram fora do alcance dos olhos da sociedade e da proteção estatal.

Desta forma, é latente e indispensável entender como se dão as diversas formas de discriminação reiteradas em face de travestis e transexuais e porque a violência em suas mais distintas formas, são legitimadas socialmente. É preciso compreender como vivem, de que forma se apresentam, e fundamentalmente quais são as lacunas deixadas pelo Estado e pela sociedade com relação às travestis e transexuais. É preciso que a voz da cientificidade acadêmica se junte à voz destas travestis e transexuais que vivem no limbo da democracia.

Os corpos das transexuais e travestis perturbam, incomodam, desestabilizam porque promovem fissuras na norma estabelecida socialmente. Embora muitos atos sejam performativos, as inscrições corporais de travestis e transexuais são também entendidas como subversivas, e, essas, portanto, tornam-se indicadores de classificação, hierarquização, ordenação, normalização. É a partir da criação dessas outras possibilidades, da construção de outros modos de ser, que os sujeitos constituem-se e (re)inventam-se. (LONGARAY; RIBEIRO, 2016, p. 780)

Com a invenção do dispositivo da sexualidade, o funcionamento do poder se altera e emerge, assim, um poder normalizador. Esse tipo de poder tem no exame seu instrumento mais eficiente e produz o “anormal” como um problema teórico e político relevante. (FOUCAULT, 2001, p. 52-53) Com isso, pode-se pensar que a partir do momento em que foi possível perguntar pela normalidade, foram produzidos vários sujeitos “anormais”, o que fortaleceu o discurso médico-psicológico e seus efeitos de patologização sobre as experiências. (FOUCAULT, 2003, 2001)

Foucault em “História da Sexualidade I – a vontade de saber”, Foucault (2003) demonstrou como as relações de poder tramadas entre os mais variados discursos sobre o sexo produziram os saberes, instituídos como verdades, e as subjetividades ao longo da história das sociedades ocidentais. O conceito de sexo também ocupa lugar central nessa trama de saber-poder-controle. Nessa perspectiva, sexo é entendido como: “parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa”. (BUTLER, 2000, p. 153)

De acordo com Foucault (2008), as sociedades modernas são caracterizadas como sociedades disciplinares e normativas, na medida em que o desenvolvimento do indivíduo e da sociabilidade se dá a partir dos condicionamentos do panóptico, entendido enquanto o modelo basilar a partir do qual se dá a gênese deste indivíduo e desta população moderna.

Importante salientar que, ao mesmo tempo em que as travestis e transexuais são excluídas das políticas públicas e travam com o Estado para conquistar o próprio nome (social), as pessoas trans são vistas como um perigo à sociedade, encaixando-se no estereótipo do que é abjeto,  violento e exótico.

No espaço da prisão as travestis representam identidades femininas assujeitadas, primeiro porque a ordem sexual que privilegia o masculino em detrimento do feminino apresenta essa dominação como algo natural, inevitável e necessário, fazendo com que a classe dominada aceite e internalize essa ordem e segundo porque suas identidades de gênero travestis são historicamente subalternizadas, quer dizer, não representam, para o senso comum,uma identidade feminina ‘legítima’, ‘pura’ – sem falar que  são  identidades  que  convivem  nas/com  experiências  de  pobreza  e  fragilidade  de  acesso  a  bens  e  serviços;  possuem  uma  vida social,estética, emocional e moral única que as liga ao espaço do ‘marginal’, da ‘periferia’, do ‘gueto’. (FERREIRA et al., 2014, p. 07)

Helena Schmitt (2015, p. 234) afirma que, a solidariedade corrompida pelo preconceito, bem como pela indiferença com o outro, resulta na destruição das relações inter-humanas fundamentadas na alteridade, importando no não-reconhecimento do outro na sua diferença e singularidade. Prossegue ainda, “o grande desafio da alteridade é, precisamente, reconhecer como igual o que é singularmente diferente, o que está para além da interpretação, da classificação e da identificação pessoal”. (SCHMITT, 2015, p. 234)

Diante disso, a estigmatização de determinadas pessoas ou grupos trata-se de um processo social que, no contexto mais amplo das relações de poder e de dominação, produz e reproduz as desigualdades.

Assim, como afirma Giorgio Agamben (1993, p. 11), é preciso encontrar na singularidade do outro, “o ser tal qual é”, a possibilidade de entendimento e compreensão:

O ser que vem é o ser qualquer […] seja qual for, o ente é uno, verdadeiro, bom ou perfeito […] O Qualquer que está aqui em causa não supõe, na verdade, a singularidade na sua indiferença em relação a uma propriedade comum (a um conceito, por exemplo: o ser vermelho, francês, muçulmano), mas apenas no seu ser tal qual é. A singularidade liberta-se assim do falso dilema que obriga o conhecimento a escolher entre o carácter inefável do indivíduo e a inteligibilidade do universal.

Nesta senda, trata-se de uma urgência abordar as questões que envolvem travestis e transexuais, juntar a voz da academia a estes milhares de homens e mulheres que sofrem muitas vezes calados e que experimentam a morte simbólica diariamente. Quanto vale uma vida? Qual vida é digna de respeito e merecedora de direitos? Judith Butler (2009, p. 61) refere que “porque si el fin de uma vida no produce dolor no se trata de uma vida, no califica como  vida y no tiene ningún valor”.  É preciso que a sociedade veja além das diferenças e perceba na singularidade de cada um a condição de humano. “La cuestión que me preocupa […] es lo que cuenta como humano, las vidas que cuentan como vidas y, finalmente, lo que hace que uma vida valga la pena.” (BUTLER, 2009, p. 46)

Neste rumo, a violência a que estão expostas travestis e transexuais Brasil a fora, não pode ser naturalizada, não pode ser justificável. São muitos casos, das mais variadas formas, não só durante a noite, mas a luz do dia.

Na maioria das vezes, a violência vem na forma de agressão verbal, mas não são raros os casos em que gangues de jovens espancam travestis. Também é comum ver gente que passa de carro lançar garrafas sobre elas. Algumas vezes chegam a disparar armas de fogo contra travestis em plena rua. Normalmente as pessoas que cometem esses crimes não são identificadas nem detidas. E quando o são, recebem penas leves da Justiça. (SILVA, 2007, p. 47)

Conforme uma pesquisa realizada pela organização não governamental ‘Transgender Europe’ (TGEU), que apoia os direitos da população transgênero, o Brasil é o país onde mais se mata travestis e transexuais no mundo, sendo que entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país. Um relatório sobre violência homofóbica no Brasil, publicado em 2012 pela Secretaria de Direitos Humanos – hoje Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos – apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 166% no número de denúncias – em 2011, foram contabilizadas 1.159 denúncias envolvendo 1.713 vítimas.

Aureliano Biancarelli, na revista “Diversidade Revelada” de 2010, constatou que transexuais e travestis sofrem preconceito e humilhação em ações simples do dia a dia, como ir ao banheiro ou procurar um médico.

O Brasil é considerado o país que mais mata transexuais no mundo, sendo que a expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos. Segundo o site G1, os dados são mais uma vez alarmantes pois, em 2016 foram 127 mortes, uma a cada 3 dias, sendo que muitas mortes e episódios envolvendo agressão e violência acabam não sendo contabilizados, estimando que ainda possam ser maiores os números pesquisados.

Travestis e transexuais corajosamente apresentam-se ao mundo diariamente, incansavelmente, mesmo conhecendo a triste realidade que as cerca, mesmo sabendo que o próximo número lançado pode representar o fim de sua existência.

Assim, há de se ressaltar incansavelmente a possibilidade de enxergar no outro, mesmo com sua peculiar diferença, a condição de humano, o ser comum, a vida, o valor.

O ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a imagem está no espelho. A espécie de cada coisa é sua visibilidade, a sua pura inteligibilidade. Especial é o ser que coincide com o fato de se tornar visível, com a própria revelação. (AGAMBEN, 2007, p. 46)

Travestis e transexuais precisam ser vistos, ganhar voz, e principalmente respeito em meio a uma sociedade hipócrita , a qual xinga, humilha e segrega a luz do dia, buscando a satisfação de desejos reprimidos nas ruas escuras.

Conforme o site G1, “após agressões com chutes e golpes de pau, a travesti Dandara dos Santos foi assassinada a tiros”, sendo que as agressões foram filmadas enquanto muitos riam ao observar aquela “vida nua” sangrar. Assim, faz-se necessário e urgente que se possa enxergar no outro a condição de humano, além das diferenças de raça, cor, credo, classe social e sexualidade. A Travesti Dandara dos Santos, conhecida nacionalmente através da brutalidade daqueles que filmavam seu espancamento precisa tocar, repugnar e travar uma luta por igualdade na diferença, pelo direito de ser livre, pelo direito de singularidade e principalmente pelo direito à vida sem violência e sem discriminação.

É preciso que se consiga enxergar no outro, mesmo com sua peculiar diferença, a condição de humano, o ser comum, a vida, o valor.

O ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a imagem está no espelho. A espécie de cada coisa é sua visibilidade, a sua pura inteligibilidade. Especial é o ser que coincide com o fato de se tornar visível, com a própria revelação. (AGAMBEN, 2007, p. 46)

Por fim, há de se pensar que o gênero, sendo determinado pelo sentimento, é o que impulsiona travestis e transexuais a apresentarem-se ao mundo diariamente, mesmo sabendo que a violência e a segregação fazem parte do pano de fundo de suas corajosas histórias, isto porque em nenhum lugar a violência é tão onipresente quanto na vida, e no cotidiano de travestis e transexuais. Assim, faz-se latente a necessidade de enxergarmos em cada ser humano, a condição de humano e através disso travar a luta pela paz e pela tão sonhada democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o que já foi dito, o gênero é determinado pelo sentimento, sendo que é em face deste conceito que travestis e transexuais apresentam-se ao mundo, mesmo sabendo que a discriminação e que a violência fazem parte de suas histórias.

A sociedade firmada nos conceitos de heteronormatividade e patriarcalismo dificulta o exercício da democracia de travestis e transexuais sendo que estas têm de cotidianamente enfrentar inúmeros obstáculos que os demais indivíduos não conhecem, pois nada de risível ou questionável apresentam em sua condição de vida. Vidas de travestis e de transexuais encontram-se desamparadas, e mesmo que existam políticas públicas afirmativas, não é possível vislumbrar efetividade destes mecanismos, levando à crer que travestis e transexuais não são protagonistas de suas próprias vidas.

O conceito de “vida nua”, trazido por Giorgio Agamben, exemplifica perfeitamente esta condição, haja vista que o Brasil é considerado, como já foi mencionado, o lugar onde mais se mata travestis e transexuais.

Assim, torna-se urgente falar da condição das travestis e transexuais, as quais se encontram inúmeras vezes fora do alcance dos olhos da sociedade e da proteção estatal. Não trata-se de olhar travestis e transexuais como vítimas, pelo contrário, trata-se de enxergar em suas corajosas histórias de vida a oportunidade de juntar a voz acadêmica cientifica, oportunizando espaços de fala.

Neste contexto, há de se destacar ainda, que a violência a que estão expostas travestis e transexuais Brasil a fora, não pode ser naturalizada, ou seja, a morte, as agressões, e as mais variadas formas de violência e humilhação não podem ser justificadas. É necessário que a sociedade de forma geral abrace a luta pela igualdade em meio à diferença e pelo direito de vida nas mais distintas formas de singularidade. É preciso que a sociedade enxergue no outro o ser humano em frente a qualquer diferença e que isto baste para que o respeito seja o pilar de qualquer relação.

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[1] Doutoranda e Bolsista Integral CAPES no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Curso de Doutorado em Direitos Especiais da URI/SAN. Mestra em Direito pela UNIJUÍ. E-mail: kaoanne.krawczak@gmail.com CV: http://lattes.cnpq.br/0939417143976643 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9358-2481 

[2] Mestre em Direito pela Unijuí; Pós-graduada em Metodologia e Didáticas pela CENSUPEG. Bacharel em Direito pela UNICRUZ. E-mail: julianaoliveirasantos@yahoo.com.br

[3] Doutora em Direito (UNISINOS), Mestre em Desenvolvimento e Direitos Humanos (UNIJUI), Professora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direitos Humanos – e do Curso de Graduação em Direito da UNIJUI. Integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Biopolítica. Militante feminista. Email: joice.gn@gmail.com