ALIENAÇÃO PARENTAL: UM OLHAR  ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

ALIENAÇÃO PARENTAL: UM OLHAR  ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

31 de julho de 2023 Off Por Cognitio Juris

PARENTAL ALIENATION: A LOOK AT CIVIL RESPONSIBILITY

Artigo submetido em 07 de junho de 2023
Artigo aprovado em 9 de julho de 2023
Artigo publicado em 31 de julho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 48 – Julho de 2023
ISSN 2236-3009

.

Autor:
Felipe Vinícius Dias dos Santos[1]
Jefferson Rodrigues Marinho[2]
Ihgor Jean Rego[3]

.

Resumo: O texto em questão versa sobre alienação parental (AP), que disperta atenção tanto do campo jurídico quanto do campo psicossocial, tratando-se para o campo da psicologia de um distúrbio que envolve os genitores, para punir o ex-companheiro do término do relacionamento que não conseguiu elaborar o rompimento afetivo, e por vingança tenta afastar o filho. É um estudo de cunho bibliográfico e pautado em análise documental da lei. A Lei nº 12.318/2010 que é responsável  por tipificar a conduta da AP dentro do âmbito jurídico, tratando de aspectos como a proteção da criança e adolescente vitimado, bem como da responsabilidade civil daquele que comete a Alienação Parental.

Palavra-chave: Alienação Parental. Síndrome. Jurisprudência. Proteção da criança e Adolescente.

Abstract: The text in question deals with parental alienation (PA), which attracts attention from both the legal field and the psychosocial field, being a disorder that involves the parents in the field of psychology, to punish the ex-partner of the end of the relationship that he was unable to elaborate on the affective breakup, and in revenge he tries to push his son away. It is a bibliographical study based on documental analysis of the law. Law nº 12.318/2010, which is responsible for typifying the conduct of the AP within the legal scope, dealing with aspects such as the protection of the victimized child and adolescent, as well as the civil liability of the one who commits Parental Alienation.

Keyword: Parental Alienation. Syndrome. Jurisprudence. Child and Adolescent Protection.

LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS:
AP       Alienação Parental
SAP     Síndrome da Alienação Parental
Art.     Artigo
STJ      Superior Tribunal de Justiça

1 INTRODUÇÃO

A alienação parental (AP) foi introduzida pelo psiquiatra estadunidense, Richard Gardner, na década de 1980, como sendo um distúrbio presente nas crianças que estão em meio a uma disputa de guarda entre os genitores, na visão do autor, a síndrome de alienação parental se desenvolveria a partir de uma “lavagem cerebral” realizada por um dos genitores para que o filho rejeite o outro responsável.

Baseado nisso, o legislador brasileiro promulgou a Lei nº 12.318/2010 a fim de coibir as práticas de alienação parental, sendo esta julgada prejudicial para o desenvolvimento da criança, pois foi observado pelo referido autor que ao realizar atendimento a crianças e adolescentes após divórcio ou separação de seus genitores, restou identificado o surgimento de um distúrbio psicológico frente ao litígio conjugal.

De forma objetiva pode-se dizer que a Síndrome da alienação Parental (SAP) surge quando o genitor guardião ou outros parentes utilizam recursos psicológicos para alienar a criança, através da exposição de ações e falas que resultam, ou podem resultar, no afastamento afetivo desta com o genitor não guardião. Trata-se de implantar falsas concepções, suposições e características negativas em relação ao ex-parceiro, tendo como característica, o maltrato e o abuso emocional, o genitor-alvo na maioria dos casos é apresentado ao filho como uma pessoa desprovida de caráter, moral e capaz de atrocidades.

A Síndrome da Alienação Parental (SAP) foi intensamente divulgada no Brasil, a partir de 2006, por associações de pais separados, as quais eram compostas em grande parte por genitores não residentes que se viam literalmente retirados, pela ex-companheira, da convivência com os filhos.

No entanto, com o aumento de demandas jurídicas sobre o tema, foi editada a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, a qual trouxe medidas legais para impossibilitar a manipulação de crianças e adolescentes que ficam expostos às brigas de seus genitores, acarretando nestes sérios problemas emocionais, ocorrendo ainda situações mais severas onde elas são forçadas pelos próprios pais a escolher um dos genitores ou até mesmo a amar um em detrimento do outro.

Diante disso,  surge o seguinte questionamento: em relação a responsabilidade civil no caso de indenização por danos morais do genitor vitimado pela alienação parental, é completamente cabível tal atitude ou seria apenas uma utopia?

O artigo em questão subdivide suas seções em três tópicos, o primeiro busca compreender o conceito da Síndrome da alienação Parental (SAP) e a sua caracterização conceitual à luz da psicologia e  da legislação. O segundo trata das implicações civis da Alienação Parental. O terceiro trata do objetivo principal da proposta que é a análise da Alienação Parental frente a responsabilidade civil na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Trata-se ainda de um estudo bibliográfico, que utiliza a literatura como fonte de dados para conceituar a alienação Parental e a Síndrome da Alienação Parental. Neste artigo as pesquisas foram realizadas a partir da análise da lei 12.318/2010 denominada, lei da alienação parental, a qual será analisada à luz da doutrina e da jurisprudência, tendo como objeto de estudo a análise da alienação parental, a proteção da criança/adolescente e as implicações cíveis da conduta.

2 ALIENAÇÃO PARENTAL, DIMENSÃO CONCEITUAL E DIMENSÃO LEGAL

A síndrome de alienação parental (SAP) foi definida pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, na década de 80, como um distúrbio infantil que acometeria, especialmente, menores de idade envolvidos em situações de disputa de guarda entre os pais. Na visão do autor, a síndrome se desenvolve a partir de programação ou lavagem cerebral realizada por um dos genitores para que o filho rejeite o outro responsável (GARDNER, 2002, p. 109).

A Alienação Parental trata-se de uma situação na qual um dos genitores coloca o filho contra o outro genitor, normalmente na separação do casal e, sobretudo na disputa da guarda do menor, incutindo na mente da criança um sentimento de repulsa, destruindo os vínculos de afeto. A alienação parental é muito comum na separação do casal, visto que a família é um refúgio de afetividade.

Richard Gardner afirma que “a alienação parental é um termo mais geral, enquanto que  a Síndrome de Alienação Parental é um subtipo específico da alienação parental.” Alienação parental tem muitas causas, por exemplo, a negligência parental, abuso (físico, emocional e sexual), abandono e outros comportamentos alienantes parentais. Todo este comportamento por parte dos pais pode produzir alienação nas crianças. A síndrome de alienação parental é uma subcategoria específica de alienação parental, que resulta de uma combinação de programação dos pais e da própria contribuição a criança, e é vista quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia-infantil.

A Síndrome da Alienação Parental para Gardner (2002, p. 109) é “um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças.” Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo (GARDNER, 2002, p. 109).

 Quando os abusos e/ou negligências parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.

Dentro desse contexto de aumento do número de divórcios e maior interesse dos pais em também manterem uma convivência próxima com seus filhos, surge o termo “Síndrome da Alienação Parental”, descrito pela primeira vez por Richard Gardner, em 1985, para definir o processo em que uma criança é programada por um dos progenitores para odiar o outro sem justificativa. O genitor que promove o afastamento entre o filho e o outro genitor, é denominado “alienador” ou “alienante”. Geralmente, o progenitor alienador é o titular da guarda. Logo, como na maior parte dos casos de separação a mãe detém a guarda, em geral, é ela que se mantém no papel de alienadora. O outro genitor, aquele que é afastado do convívio com o filho, é denominado “alienado” (ULLMANN, 2017, p. 78).

Harada (2017, p. 3) aponta que “o detentor da guarda, geralmente é a mulher, e usa o filho como instrumento de sua frustração pelo casamento terminado para desmoralizar o parceiro genitor. Com isso, pretende minar o convívio do filho com o pai (ou mãe), que muitas vezes, se amam e passam a se odiar, devido a manipulação do outro genitor (pai ou mãe).”

A dimensão conceitual da SAP, ainda apresenta controvérsias, sobretudo no que diz respeito ao termo do uso “síndrome”, criticado entre membros do campo do direito, apesar dessas reticências, alguns juízes se esquivam de opinar sobre a área médica (MONTEZUMA, et al, 2017).

Algumas abordagens acerca da alienação parental apontam ainda algumas confusões sobre a alienação parental a partir do parâmetro proteção/violência, isto se deve ao fato de  existir um binômio entre saber se a doença é do ponto de vista do filho alienado, podendo ser classificado como doente, ou se a doença é do alienador, aquele que faz o trabalho de alienação.  Montezuma et al. (2017, p. 129) aponta que “este questionamento da alienação parental(AP) enquanto síndrome não excluí a presença de distúrbios psíquicos, entretanto a crítica relacionada a abordagem da AP como síndrome é a de entendê-la de maneira simplista”, e não dentro de sua complexa causalidade que envolve diversos motivos como infidelidade, violência doméstica principalmente por parte do homem, status sócio econômico, divergências religiosas, abuso no uso de álcool e drogas; fatores podem ser decisivos do ponto de vista psicológico para a deflagração da AP (AGLLIAS, 2015, p. 67).

Importante ressaltar que no que tange aos aspectos legais da AP, as associações de pais que se dedicaram a promover esta temática e sobretudo difundir a igualdade de direitos e deveres de pais separados foi de fundamental valor para compreender o tema e pressionar legalidades, tal como a guarda compartilhada, que foi tramitação de projeto lei em 2006 (SOUSA; BRITO, 2017, p. 32).

Em 2008 a mobilização pública em torno da SAP culminou ainda na elaboração do projeto lei nº4853/08, que teria como principal objetivo identificar e punir genitores responsáveis pela alienação parental dos filhos, este projeto foi sancionado em 2010 como lei 12.318/10, as justificativas para criação da nova lei mencionaram aspectos ligados à psicologia com intuito de dispor de que maneira devem atuar os profissionais para avaliar possíveis casos de Alienação Parental (SOUSA; BRITO, 2017, p. 32).

A partir do elucidado pelo texto, cabe dissociar a dimensão conceitual da dimensão penal quando se trata da SAP. Deste modo, do ponto de vista conceitual e para o campo da psicologia a SAP é uma síndrome que é somada ao rol de categorias diagnósticas ou transtornos mentais infantis segundo o manual de diagnóstico e estatístico de transtorno mental. Ainda de acordo com o manual dentre as doenças que merecem cuidados clínicos, existe destaque para os problemas de relacionamento entre pai/mãe e criança, pois é associado com prejuízo individual e familiar por parte principalmente da criança (SOUSA; BRITO, 2017)

Diante disso, percebe-se que a alienação parental:

[…] ataca frontalmente a dignidade da criança, ferindo também o texto Constitucional, segundo o que a criança tem o direito à convivência familiar e comunitária livre de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, preceituando in verbis, o art. 227, caput da Constituição Federal: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à  convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda  forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (FERES-CARNEIRO, 2016 p. 68).

É indiscutível que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, os pais possuem o dever de prestar não somente assistência material e intelectual, mas também moral, afetiva e psicológica em relação aos filhos. Assim, podemos dizer que a alienação parental é uma forma de violência intrafamiliar que infringe os direitos da personalidade do menor.

Nesse sentido, o art. 2º da Lei da Alienação Parental (12.318/2010) considera como ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos  que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Assim,  verificamos que a legislação tem um conceito amplo, podendo abranger vários atos como maléfico para o vínculo de afeto entre a criança e o genitor (ULLMANN, 2017, p. 45).

A alienação parental configura-se de forma mais frequente quando ocorre a separação do casal. Porém, é possível observar tal fenômeno sendo praticada não por um dos genitores, mas por outra pessoa do círculo familiar, como ocorre de a avó materna alienar o neto em face do pai, ou, de outro modo, a avó paterna alienando a criança contra a mãe.

Nota-se que no art. 2º da referida Lei, o próprio legislador pensou no momento da participação de avós nos cuidados dos netos. Cuidou também de tratar da ocasião desse poder de vigilância dos avós, que, na maioria dos casos, são os responsáveis nos cuidados dos filhos, para que os pais trabalhem. Contudo, lembra o legislador, e assim também o pune, incorrendo nas mesmas punições que os genitores alienadores, a possibilidade de avós usarem essa prerrogativa de cuidado e praticarem a alienação parental.

Dessa forma, fica evidente que ainda que a Lei nº 12.318/2010 tenha optado por usar o termo alienação parental, devem os magistrados e demais operadores do direito conhecer a síndrome da alienação parental e suas consequências. Deste modo denota-se que, enquanto houver apenas os atos de um genitor (ou um membro do grupo familiar), tentando manipular a criança contra o outro genitor, tem-se a alienação parental. Porém, quando o filho acata essa manipulação, passando a agir ativamente para o afastamento do genitor vitimado, então, neste momento, configura-se a síndrome de alienação parental (ULLMANN, 2017, p. 50).

Importante salientar que quando existe realmente abuso ou negligência por parte de um dos progenitores a aversão do filho não pode ser diagnosticada como Síndrome da Alienação Parental, já que tal aversão tem fundamento. A Síndrome da Alienação Parental só se configura quando a rejeição ocorre sem nenhuma justificativa razoável.

3 A ALIENAÇÃO PARENTAL À LUZ DO DIREITO E SUAS IMPLICAÇÕES CÍVEIS: DIREITO DA FAMÍLIA E AFETIVIDADE

A presente seção teórica abordará os aspectos legais da Alienação Parental, buscando desvincular-se da questão psicológica e da área da saúde que trata a questão da síndrome da  alienação parental, neste capítulo, o objetivo é compreender a AP sob a perspectiva do direito civil, principalmente a responsabilidade civil no que tange a possibilidade de indenização pelo alienante por danos morais e como inibir a prática da AP e reparar danos decorrentes da mesma.

Para Cavalieri Filho (2017, p.  89) “a respeito do termo responsabilidade é possível inferir que este se refere ao reparo jurídico de um dano que decorre da violação de um dever jurídico, configurando deste modo, um ato ilícito.” Este ato ilícito deve ser indenizado por causar um prejuízo, resumindo a ideia de “ato e consequência”, diante do contexto, apenas o respaldo jurídico – a legislação – pode demonstrar a existência de obrigação ou responsabilidade perante o ato infracionário, neste caso, a alienação parental (CAVALIERI FILHO, 2017, p.  89)

No Código Civil, no que concerne a obrigação de indenização, por atos ilícitos, recorremos ao art. 927 da legislação, in verbis:

Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).

A partir do exposto, fica explícito que o objetivo da reparação é restabelecer a condição inicial do indivíduo que foi lesado. Em compêndio, a responsabilidade civil trata-se da reparação do dano que uma pessoa causa a outra, sendo feita em grande parte dos casos através de indenizações pecuniárias.

No âmbito do direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso X apresenta direitos e garantias fundamentais que são invioláveis, direito à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, os quais são assegurados direito de indenização por dano material e moral decorrentes de sua violação (BRASIL, 1988).

O Código Civil, consolidou e expressamente reconheceu o dano moral em seu art. 186 que ratifica que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Assim, cabe destacar que a prática da AP fere direitos fundamentais da criança e do adolescente, como a convivência familiar saudável, prejudica vínculos de afeto com o genitor vítima da alienação parental e com o grupo familiar, o que constituí abuso moral contra a criança ou adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrente de tutela/guarda (BRASIL, 2010).

A AP não se constitui apenas como abuso à criança ou adolescente, mas também se configura enquanto abuso contra o genitor vitimado, tendo em vista que na constituição federal de 1988, ao tratar dos princípios da dignidade da pessoa humana, e do novo cenário da família, aponta a importância da afetividade no contexto familiar, a constituição garante a proteção de cada indivíduo que a integra, sendo um papel do Estado coibir a violência do contexto familiar. Assim, a AP, consiste em fato lesivo que ofende o interesse do tutelado, podendo ser constatado através de processo judicial, estabelecendo-se dano causal entre conduta danosa e dano sofrido pelo vitimado (BRITO; GONÇALVES, 2019, p. 19).

Assim, a alienação parental constitui abuso moral contra a criança ou adolescente, uma vez que interfere diretamente sobre seu desenvolvimento, tanto em relação ao seu direito à convivência familiar saudável, consistindo no abandono afetivo através do afastamento do genitor vitimado, quanto referente a questões psicológicas inerentes a AP que podem causar danos irreversíveis ao psicológico da criança/adolescente.

O direito da família é uma expressão que ganhou notoriedade nas últimas décadas, a Constituição Federal de 1988 tem sua parcela de responsabilidade sobre o novo conceito de direito à família que até então se limitava à união, pelo casamento, entre homem e mulher (CHINAGLIA at al., 2018, p. 56).

A Constituição Federal conceitua família em seu art. 226, a saber: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Na Carta Magna, é disposto como entidade familiar os seguintes modelos de família casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226 § 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF).

Embora a Constituição Federal liste em seu texto explicitamente apenas os três tipos de entidades familiares supracitadas, outras várias entidades devem ser consideradas, baseada na afetividade, na estabilidade e ostensibilidade.

Deste modo, o padrão de família tem se reconfigurado e abarcado novos tipos familiares, a nova dinâmica social abre espaço para diversas entidades familiares não expressos na Carta Magna, mas que não podem ser desconsideradas, tais como: a família homoafetiva, a família anaparental, as famílias reconstituídas ou recompostas e a família unipessoal (CHINAGLIA at al., 2018, p. 56).

Os novos arranjos familiares e suas representações tem recebido valorização do campo mais humano do direito, assim como recebe críticas falando que a família está em crise e que vem se deteriorando em razão dos novos arranjos (CHINAGLIA et. el., 2018, p. 56).

Em meio ao pluralismo de entidades familiares, as famílias matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.

É garantida a instituição familiar proteção especial e no § 8º é expresso que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988).

Embora na constituição Federal sejam citados apenas três tipos de entidades familiares, é certo que os demais tipos de famílias citadas neste texto devem ser considerados, atualmente todos já estão acostumados com perfis familiares que se distanciam do tradicional e é por este motivo que a necessidade de flexibilizar o termo que identifica as famílias faz-se necessário.

No atual cenário, o elemento que distingue a família e a coloca sob o manto da juricidade é “a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo” (DIAS, 2017, p. 42).

Nesse sentido, a justiça deve ser sensível ao novo panorama e abrir as portas às novas situações, entendendo que a ausência de leis não significa ausência de direitos, portanto, o direito da família ou das famílias deve ser preservado.

A partir dos discursos do direito da família, é importante perceber que essa instituição recebe grande proteção do Estado, tanto quando os vínculos afetivos se mantêm, quanto quando esses vínculos passam a não existir mais, embora a perenidade dos vínculos seja o que a maioria das famílias almeje, nem sempre esse padrão é possível.

Segundo Chinaglia et. al. (2018, p. 56) “quando ocorre um processo de separação também se inicia um processo de destruição familiar geralmente por aquele que foi surpreendido com o processo de dissolução da família anteriormente constituída.” Isto ocorre pelo sentimento de abandono, rejeição, vingança contra aquele que é considerado principal responsável pela separação.

Nesse processo geralmente os filhos tornam-se instrumento de vingança, e o grande vilão no processo da separação não é o divórcio em si, mas os conflitos mal administrados pelos pais que acabam levando a criança ou o adolescente envolvido no processo a rejeitar ou até mesmo odiar aquele que é “responsável” pela dissolução da família.

Com a separação os filhos ficam fragilizados, o que constitui um terreno fértil para plantar a ideia de abandono pelo genitor (a), a criança ou adolescente é usado como instrumento de agressividade (CHINAGLIA at. al., 2018, p. 60).

A alienação parental além dos danos causado ao genitor (a) que é vítima também acaba ferindo o direito e proteção da criança ou adolescente vitimado. Nesse sentido se faz necessário compreender que o Ordenamento Jurídico Brasileiro sobre o princípio do melhor interesse da criança/adolescente e sua proteção integral são assegurados, o art. 227 da Carta Magna dispõe, in verbis:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).

Deste modo, Gonçalves (2016, p. 47) destacam que “o princípio da proteção integral da criança e do adolescente partem do pressuposto de que os integrantes dessa classe não são capazes de exercer por si só os direitos dos quais gozam, sendo necessário que alguém os auxilie nessa tarefa.” Cabe, portanto, a família, sociedade e Estado garantir tais direitos até que a criança/adolescente atinja a maior idade e seja responsável plenamente por exercê-los.

Quando se trata da alienação parental e da prática da proteção da criança e do adolescente, a lei nº 12.318/2010 que trata do disposto apresenta alguns instrumentos para coibir a prática e preservar a criança alienada das possíveis consequências decorrentes da AP.

O art. 4º do referido diploma normativo aduz que:

[…]declarado o indicio de alienação parental, requerimento ou de oficio, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso (BRASIL, 1988).

De acordo com a legislação, declarado o indicio de alienação, é necessário um estudo psicossocial do caso por equipe multidisciplinar especializada que constate o fato e aplique providências cabíveis.

Trindade (2017, p. 23) a melhor opção para garantir a estrutura familiar é manter a guarda compartilhada, “mantendo a educação, desenvolvimento, suporte em uma relação balanceada entre os genitores, sendo ajustada cada situação à sua particularidade, prevalecendo sempre o melhor interesse para a criança/adolescente e a garantia de seus princípios norteadores, tais como o da afetividade, convivência familiar e em um plano geral, o princípio da dignidade da pessoa humana.”

4 RESPONSABILIDADE CIVIL E DANO MORAL NA PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, isso porque a principal consequência de um ato ilícito é a obrigação que imputa para o seu autor, a reparação do dano. Ato ilícito é a infração ao dever legal de não lesar a outrem (GONÇALVES, 2016, p. 47).

Trindade (2017, p. 23) “apontam que tanto sob a análise filosófica quanto dogmática da responsabilidade civil visam explicar o papel e a justificativa de um instituto como a responsabilidade civil, a primeira análise centra-se em argumentos morais, enquanto a segunda em elementos do direito positivo.”

Do ponto de vista da justificação moral da responsabilidade civil baseada em Aristóteles existe uma justiça geral relativa à consecução do bem comum de forma ampla, e, a justiça particular. Dentro da justiça particular tem-se de um lado a justiça distributiva e de outro a justiça corretiva, a primeira é entendida enquanto um conjunto de exigências que oportuniza o bem-estar a partir de distribuição de recursos, oportunidades, lucros, ônus, vantagens, papeis, responsabilidades e encargos, a segunda por sua vez é responsável por equilibrar as relações entre particulares através da justiça corretiva, na qual o juiz tem a missão de igualar aquilo que em dado momento está desigual, buscando um equilíbrio (TRINDADE, 2017, p. 23).

  Deste modo, os autores assinalam que:

[…] o valor da justiça corretiva como fundamento do dever de indenizar deve absorver a essência do equilíbrio, segundo o qual o direito violado da vítima corresponde a um dever violado pelo ofensor, dever este que  corresponde ao direito da vítima. Percebe-se, outrossim, que a injustiça a ser tratada pela justiça corretiva está diante de uma injustiça que tem duas faces no cerne de uma relação bilateral e relacional, como acentua Ernest Weinrib: Para a justiça corretiva, a estrutura da responsabilidade é igual a estrutura da injustiça que corrige. A responsabilidade é uma resposta apropriada à injustiça só porque essa injustiça também está estruturada de forma correlativa. (…) A injustiça causada pelo ofensor e a injustiça sofrida pela vítima não são independentes. Ao invés disso, são polos ativos e passivos da mesma injustiça, de forma a que o fato de o ofensor ter causado uma injustiça só é a base da responsabilidade civil porque corresponde à injustiça sofrida pela vítima (Tradução Livre) (2013, p. 328/329) Portanto, é preciso levar os danos à sério no momento de fixar o valor da indenização, visto que a vítima não deve suportar o prejuízo existencial (leia-se prejuízo à dignidade humana) ou patrimonial por ato indevido de outrem, porém, mais que isso, o valor indenizatório a  ser fixado pelo juiz deve mergulhar na tarefa de restaurar o equilíbrio anteriormente existente a partir da tentativa de anular, desfazer ou atenuar os efeitos da danosidade (TRINDADE, 2017, p. 23).

A responsabilidade civil visa, neste sentido, a compensação, essa responsabilidade pode ser protetiva ou punitiva, a responsabilidade protetiva está preocupada somente em evitar que o dano se repita, já a responsabilidade punitiva trata-se de um mecanismo sancionatório que, por meio da fixação de uma soma em dinheiro (um plus ao montante compensatório), serve para dissuadir condutas abusivas e que venham sendo praticadas reiteradamente (ROSENVALD, 2016).

No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 garante alguns direitos fundamentais, em seu art. 5º, inciso X, direitos que são invioláveis: o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando-se o direito a indenização por qualquer dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

O Código Civil reconheceu expressamente o dano moral em seu art. 186, que aduz “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Em linhas gerais, o dano moral se confira quando existe uma ofensa a qualquer direito de personalidade, esse direito é inalienável e se desdobra em diversos tipos, podendo o sujeito ser ferido em várias esferas. Sendo assim, o dano moral pode se manifestar sobre aspectos físicos, psíquicos e moral.

Santos  (2020, p. 19) ”relatam que o intuito do dano moral não é atingir o patrimônio do ofensor simplesmente, mas coibir a prática, através de uma compensação pecuniária, esta indenização deve atenuar os males causados ao ofendido.”

Quando se trata da alienação parental a pecúnia da indenização por danos morais é válida pela violação da convivência familiar, direito assegurado pelo estatuto da criança e adolescente e constituição federal, e também pela violação do direito da personalidade que incluem a honra, a integridade e outros (SANTOS, 2020, p. 19).

Além do dano moral, faz-se necessário compreender que a alienação parental atinge a criança e adolescente, esse ato danoso fere a proteção instituída à família, sociedade e ao Estado que tem a expressa obrigação de proteger e prover as condições de desenvolvimento física e mental dos envolvidos na alienação, cabendo à justiça responsabilizar civilmente o culpado pela alienação.

Quanto ao valor do dano, torna-se relativo, o Código Civil, traz em seu art. 944 que “a indenização mede-se pela extensão do dano”, especificando no art. 953 a situação do dano moral, in verbis: A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso (BRASIL, 2002).

Portanto, para se configurar o dever de indenizar o vitimado, não basta que o ofendido demonstre sua dor, precisam estar presentes três requisitos para que ocorra responsabilidade civil: dano, ilicitude e nexo causal. Assim, considerando a existência do ato ilícito praticado, bem como o nexo causal entre sua conduta e o dano, sobrevém o dever de indenizar.

A seguir podemos ver exemplos de ações que pedem a indenização por danos morais provenientes de alienação parental:

Merece mantida a sentença que determina o pagamento de indenização por danos morais da apelante em relação ao autor, comprovada a prática de alienação parental. Manuteção do quatum indenizatório, uma vez que fixado em respeito os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Apelação cível desprovida (Apelação cível nº70073665267, oitava câmara cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Dall’Agnol, julgado em 20/07/2017).

Ação declaratória de alienação parental cumulada com modificação de guarda e indenização por danos morais. Alegações do autor que não foram demonstradas. Estudos técnicos não apontaram nenhuma irregularidade da genitora que caracterizasse óbice para a visitação paterna ou mesmo indisposição em vários aspectos em detrimento do genitor. Alegações genéricas e superficiais do apelante são suficientes para dar supedâneo às suas pretensões. Ademais, ainda persiste inquérito policial em que consta que o apelante teria abusado sexualmente de uma sobrinha. Situação fática levada em consideração; Sentença que observou as peculiaridades em referencia. Apelo desprovido.

No primeiro caso, foi comprovada a alienação parental e, portanto, na sentença é mantido o pagamento da indenização por danos morais proveniente da alienação parental, considerando a existência do caso ilícito praticado. O segundo caso, por sua vez, demonstra que o autor da ação faz alegações genéricas e superficiais, não apresenta dano, ilicitude e nexo causal, e por este motivo é uma ação que não imputa nenhum responsabilidade civil à acusada e portanto, não há o dever de indenizar (BRASIL, 2017).

Silva (2017, p. 75-76) sustenta que “há três graus distintos de alienação parental, a saber: leve, médio e grave. Segundo a autora, no grau leve de alienação parental, apesar das investidas do alienador no intuito de mal dizer o outro genitor, o filho continua tendo apreço por este, desejando- o, assim, próximo a si.”.

 Ainda o autor afirma “que no grau médio, o filho se vê envolto por sentimentos contraditórios; ele quer manter contato com o genitor alvo, no entanto, com receio de desagradar o genitor programador, prefere se distanciar daquele.” E por fim, no nível grave de alienação parental, o filho já se encontra totalmente influenciado pelo alienador, já não persiste o sentimento ambíguo presente na fase anterior; aqui, o filho ignora o genitor alienado, não raramente o odiando (SILVA, 2018, p. 75-76).

Em virtude destes fatos, a alienação pode ocasionar uma série de consequências aos indivíduos envolvidos, essas consequências são nocivas, tanto aquele que sofre a alienação quanto ao próprio alienador, mas sobretudo aos filhos envolvidos nesta disputa de poder, tornando-os vulneráveis a essa relação viciada estabelecida.

Ullmann (2017, p. 38) “alerta sobre alguns fatores que são determinantes para se identificar o grau de incidência dos efeitos maléficos da SAP sobre os filhos, a saber:”

a idade da criança, as características de sua personalidade, o tipo de vínculo anteriormente estabelecido, a capacidade de resistência da criança entre outros fatores. Quando não submetidas à tratamento adequado, as crianças podem sofrer danos irreversíveis em suas vidas particulares, como: manter relações abusivas como as quais foi submetida, adquirir vínculos patológicos desenvolvendo relações contraditórias entre pai e mãe, e promover imagens distorcidas sobre a maternidade/paternidade (ULLMANN, 2017, p. 38).

Para combater tudo isto, além da indenização já exposta aqui como medida punitiva, o instrumento normativo que regulamenta a alienação parental Lei nº 12.318/2010, e o art. 6º indica uma série de medidas a serem tomadas quando se está diante de situações identificadas como hipóteses de alienação parental.

De acordo com Perez (2018. p. 49) “Essas medidas podem ser aplicadas de forma cumulativa ou não  pelo magistrado, ou seja, de acordo com o caso concreto, o juiz pode imputar ao genitor alienador um ou mais meios de punição, sendo ainda possível o deferimento de medidas liminares.”, conforme o art 6º da lei da Alienação Parental, in verbis:

Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

  1. Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
  2. estipular multa ao alienador;
  3. Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

Para Dias (2017, p. 79), “essas medidas não são consideradas penalidades, mas apenas instrumentos voltados a assegurar ou restabelecer o bem-estar psíquico de crianças e adolescentes reféns da alienação parental.” Por outro lado, há autores como a advogada e psicóloga Ullmann (2017, p. 64) “que entendem ter, as medidas arroladas no art. 6º da Lei nº 12.318/2010, dupla função, quais sejam: resguardar os direitos do menor, além de punir o genitor alienador.” Porém, antes da aplicação dessas medidas, é fundamental a comprovação do abuso do poder familiar pelo genitor alienador, por meio de prova que esclareçam acerca da ocorrência ou não das práticas de alienação parental contra a criança e/ou adolescente, o que torna indispensável a atuação conjunta de magistrados, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.

4.1 Caso prático da responsabilização civil pela prática da alienação parental

            No processo n. 1003222-84.2020.8.26.0445 que correu na 3ª Vara Cível de Pindamonhangaba/SP, o Juiz Hélio Aparecido Ferreira de Sena, condenou uma genitora a pagar indenização no valor de R$10.000,00, por alienação parental em favor do genitor ao concluir que a conduta da genitora violou o direito fundamental do homem à convivência familiar com sua filha.

O pai ingressou com demanda no judiciário alegando que a filha sofria alienação parental pela genitora, o que dificultava o seu convívio com a menor. A prática da Alienação Parental foi comprovada através de laudo psicossocial e diante disso, na sentença e acórdão foi regulamentado as vistas entre o pai e a menor.

Todavia, apesar da decisão judicial, o pai ingressou com nova demanda no judiciário pleiteando indenização por danos morais, pois alegou que a genitora continuou influenciando a criança contra ele e impedindo-o de exercer seu direito de visitas. A genitora negou ter influenciado a filha e alegou que o pai agia de maneira agressiva.

O magistrado em análise ao caso destacou que, em processo anterior, restou compravado a alienação parental por parte da genitora. Pontuou, ainda, que a mãe “atuou de maneira negligente (culpa) no trato da relação da sua filha com o genitor, o que acarretou a alienação parental, com o que praticou uma conduta ilícita”.

O Juiz entendeu que foi comprovado um abalo ao interesse jurídico do pai, uma vez que teve seu direito fundamental à convivência familiar prejudicado pela conduta da genitora, vejamos:

A alienação parental promovida pela requerida resultou no prejuízo ao exercício desse direito potestativo pelo autor, o que, inclusive, se repetiu depois de proferida a r. sentença em tela.

Dessa forma, o magistrado julgou procedente a demanda para condenar a genitora ao pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais (MIGALHAS, 2023a).

4.2 Do caso Bernado

            Os efeitos da alienação parental vão além da esfera do direito, como abordado ao longo do presente artigo, o psicológico da criança/adolescente é extremamente prejudicado pela alienação parental, o que muitas vezes acaba resultando em situações que o campo do direito não alcança e os resultados da AP são irreversíveis.

Nesse contexto, cabe destacar o caso do Bernado Uglione Boldrini, que tinha 11 anos e era uma criança órfão de mãe e morava com o pai, o médico Leandro Boldrini e a madrasta, Graciele Ugulini. O menino alegava ser carente de atenção e chegou até a procurar a Justiça no início de 2014 para relatar a situação pedindo para morar com outra família. O menino foi impedido pelo pai de ver e visitar sua avó e segundo a avó, Jussara Uglione, o pai do menino, cometia alienação parental. “O pai do Bernardo dizia à justiça, entre outras coisas, que a avó materna do menino era alcoólatra e a afastava dele” (ESTADÃO, 2023).

O juiz da vara da Infância e Juventude de Três Passos autorizou que o menino continuasse morando com o pai, após o Ministério Público instaurar uma investigação contra o genitor por negligência afetiva e abandono familiar (MIGALHAS, 2023b).

O triste desfecho desse caso deu-se no assassinato do menino Bernado em abril de 2014, na cidade de Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Bernado recebeu uma superdosagem de sedativo e teve o corpo escondido em Frederico Westphalen, a 80 km do município onde vivia. No dia em que o menino desapareceu, a madrasta, Graciele, foi multada por excesso de velocidade entre Três Passos e Frederico Westphalen e Bernardo estava no banco de trás do carro (G1, 2023a).

Segundo a promotora, Dinamárcia Maciel de Oliveira “Leandro Boldrini, Graciele Ugolini e Edelvânia Wirganovicz mataram Bernardo Uglione Boldrini. Leandro foi o mentor intelectual desse crime. Ele tinha o domínio do fato. A decisão da morte do filho foi dele. A prova existe” (G1, 2023b).

O pai, Leandro Boldrini, foi condenado pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado e falsidade ideológica. A madrasta, Graciele Ugulini, foi condenada pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver. A amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz, foi condenada pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. O irmão de Edelvânia, Evandro Wirganovicz, foi condenado pelos crimes de homicídio simples e ocultação de cadáver (G1, 2023c).

A alienação sofrida por Bernado poderia ter sido cessada, medidas poderiam ter sido tomadas para que o menino, órfão de mãe que cometeu suicídio, pudesse ter contato com sua avó, o que o ajudaria pisicologicamente, haja vista os danos mentais resultantes da perda da mãe, ou até mesmo ter determinada sua guarda à avó, já que o próprio menino tinha alegado que queria outra família. Contudo, mediante decisões que não foram tomadas, o desfecho se deu no assassinato de Bernado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alienação parental é um tema de grande relevância e recorrente no âmbito de diversas famílias, a promulgação da lei nº 12.318/2010 teve grande influência nessa discussão. Através da jurisprudência é possível constatar que os danos causados não atingem apenas as crianças que são vítimas da AP, mas também ao genitor vitimado.

O dano causado pela alienação parental causa prejuízos em diversos ambitos da vida da vítima, do ponto de vista do genitor, ao afastamento dos filhos, por parte dos filhos o repúdio e o ódio gerado em relação ao genitor. Todos esses aspectos acabam causando danos psicológicos que podem ser irreversíveis.

Do ponto de vista jurídico, a AP causa danos a constituição familiar e a proteção da criança e adolescente, já que atinge a garantia de direitos fundamentais como o princípio da dignidade da pessoa humana, os vínculos de afetividade que devem estar presentes na vida daqueles que sofrem a alienação.

A partir do exposto, e da constatação de todos os prejuízos à proteção da criança/adolescente e da instituição familiar a partir da prática da alienação parental, nos parece razoável que a partir da responsabilidade civil, ou seja, a partir do momento que um ato ilícito ocorra, a reparação do dano seja obrigação do autor. No caso da indenização por danos morais do genitor vitimado pela alienação parental, é completamente cabível tal atitude, tanto para inibir a prática da alienação parental, quanto como medida de responsabilização cível do alienante.

Os casos de alienação parental devem ser julgados com cautela, pois envolve a separação dos pais, e pode haver o sentimento de abandono daquele que instaura o processo da alienação parental também, por esta razão é necessário ater-se sobre os princípios da responsabilidade civil ao julgar os casos de AP e as possíveis indenizações provenientes da mesma.

Cabe ressaltar que a lei nº 12.318/2010 também foi crucial para estabelecer ações que inibissem a ocorrência da AP, considerando que a AP constitui ato ilícito e danoso que fere os direitos da personalidade da criança e do genitor que sofre com a alienação, surge a necessidade da responsabilidade civil e do cabimento de danos morais.

A responsabilidade civil é um dever jurídico de reparar a violação sofrida, assim sendo, a indenização por danos morais em decorrência da alienação parental é um mecanismo com capacidade de atingir grande efetividade na sua inibição, uma vez constatada a prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGLLIAS, K. Difference, choice, and punishment: parental beliefs and understandings about adult child estrangement. Australian Social Work, v. 68, n. 1, p. 115-129, 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 20 maio 2022.

BRASIL. Lei n. 12.318, 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso em: 20 maio 2022.

BRITO, L. M., & GONÇALVES, E. N. (2019). Razões e contra-razões para aplicação da guardacompartilhada. Revista dos Tribunais, 886, 69-86.

CAVALIERI FILHO, S. Programa de Responsabilidade Civil. 11 ed. São Paulo: Atlas,   2017.

CHINAGLIA, M.H.M; CIPOLA, E.S.M.; ARMELYN, D.A.; RÉ, A.L. Família e Síndrome

da Alienação Parental. Revista Científica UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.16, n.1, p.179-199, 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

ESTADÃO. Avó materna do menino Bernardo Boldrini afirma ter sido vítima de alienação parental e manda carta ao Senado. Disponível em: https://www.estadao.com.br/emais/ser-mae/avo-materna-do-menino-bernardo-boldrini-afirma-ter-sido-vitima-de-alienacao-parental-e-manda-carta-ao-senado/. Acesso em: 05 de junho de 2023.

FERES-CARNEIRO, Terezinha. Alienação Parental: uma leitura psicológica. In: Síndrome da alienação parental e a tirania do guardião: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Organizado pela Associação de Pais e Mães Separados. Porto Alegre: Equilíbrio, 2168. p. 63.

G1. Caso Bernardo: Leandro Boldrini é condenado a 31 anos e oito meses de prisão pela morte do filho. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/23/caso-bernardo-leandro-boldrini-e-condenado-a-31-anos-de-prisao-pela-morte-do-filho.ghtml. Acesso em: 05 de junho de 2023a.

G1. Caso Bernardo: relembre crime que volta a julgamento nesta segunda-feira em Três Passos. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/20/caso-bernardo-relembre-crime-que-volta-a-julgamento-nesta-segunda-feira-em-tres-passos.ghtml. Acesso em: 05 de junho de 2023b.

G1. Caso Bernardo: saiba qual é a situação atual dos quatro condenados pela morte do menino. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/24/caso-bernardo-saiba-qual-a-situacao-atual-dos-quatro-condenados-pela-morte-do-menino.ghtml. Acesso em: 05 de junho de 2023c.

GARDNER, Richard A. O diagnóstico de síndrome de alienação parental (SAP). 2002. Disponível em <http://www.alienacaoparental.com.br/biblioteca>Acesso em: 11 maio 2022.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

HARADA , Felícia Ayako. Alienação parental. Publicado em 02 de fevereiro de 2017. Disponível                                         em                                                                    <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8212>.   Acesso   em 20 maio 2022.

MIGALHAS. Mãe pagará R$ 10 mil de danos morais por alienação parental contra pai. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/364591/mae-pagara-r-10-mil-de-danos-morais-por-alienacao-parental-contra-pai. Acesso em: 05 de junho de 2023a.

MIGALHAS. Alienação parental: caso Bernardo. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/199469/alienacao-parental–caso-bernardo. Acesso em: 05 de junho de 2023b.

MONTEZUMA, M.A.; PEREIRA,R.C.; MELO, E.M. Abordagens da alienação parental: proteção e/ou violência?.Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, pág. 12-24, 2017.

PEREZ, E. L. Breves comentários acerca da lei da alienação parental (Lei 12.318/2010). In: DIAS, M. B. (Coord.) Incesto e alienação parental de acordo com a Lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. p. 49.

ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

SANTOS, Renata Sarmento; MELO JÚNIOR, Roberto Freire. Síndrome da alienação parental e mediação familiar – do conflito ao diálogo, n. 178, fev. 2020. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/issue/view/120>. Acesso em: 01 maio 2022.

SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação Parental. O que é isso?. São Paulo: Armazém do Ipê, 2017.

SOUSA, A. M. Síndrome da alienação parental: um novo tema nos juízos de família. São Paulo: Cortez, 2017.

ULLMANN, Alexandra. Síndrome da Alienação Parental. A justiça deve ter coragem de punir a mãe ou pai que mente para afastar o outro genitor do filho menor. Visão Jurídica, n. 30, 2017. p. 38. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.


[1] Felipe Vinícius Dias dos Santos, graduando em Direito pelo Centro Universitário São Lucas – Porto Velho-RO, autor do presente artigo. Endereço eletrônico: felipesantoswayne@gmail.com

[2] Jefferson Rodrigues Marinho, graduando em Direito pelo Centro Universitário São Lucas – Porto Velho-RO, autor do presente artigo. Endereço eletrônico: jeffersonrmpvh@gmail.com

[3] Ihgor Jean Rego, advogado, chefe da assessoria jurídica da companhia de águas e esgotos do estado de Rondônia – CAERD, mestre em direito, professor universitário no Centro Universitário São Lucas, orientador do presente artigo. Endereço eletrônico: ihgorj@gmail.com