
AÇÃO AFIRMATIVA DE COTAS RACIAIS EM CONCURSO PÚBLICO: ANÁLISE DO OSTRACISMO DISPENSADO PELO PODER JUDICIÁRIO AOS PARDOS
6 de abril de 2025AFFIRMATIVE ACTION OF RACIAL QUOTES IN PUBLIC COMPETITION: ANALYSIS OF THE OSTRACISM DISPENSED BY THE JUDICIARY TOWARDS BROWN PEOPLE
Artigo submetido em 01 de abril de 2025
Artigo aprovado em 03 de abril de 2025
Artigo publicado em 06 de abril de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Lucas Monteiro Freire[1] |
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RESUMO: Inserido no campo do Direito Constitucional brasileiro, esse artigo procura compreender como o Superior Tribunal de Justiça – STJ vem decidindo sobre a temática das cotas raciais em concursos públicos. Para compreender este cenário, a presente pesquisa propõe a verificação de como as bancas examinadoras de concurso público têm tratado a população parda e como o STJ tem se tem posicionado acerca do entendimento de tais bancas, tudo a partir de levantamento realizado na jurisprudência do referido órgão jurisdicional. Além disso, o presente trabalho propõe um debate acerca do princípio da igualdade na Constituição Federal, bem como um debate sobre o subjetivismo das avaliações de cotistas pelas bancas examinadoras de concursos públicos, envolvendo o ativismo judicial na efetivação das ações afirmativas. Identificadas distorções, este texto expõe que o STJ não tem julgado o mérito de questões relacionadas à população parda participante de concursos públicos em mais de 80% dos casos, deixando tudo ao arbítrio da Administração Pública.
Palavras-chave: cotas raciais em concurso público; bancas examinadoras em relação a pardos; posicionamento do STJ.
ABSTRACT: Inserted in the field of Brazilian Constitutional Law, this article seeks to understand how the Superior Court of Justice – STJ has been deciding on the theme of racial quotas in public tenders. In order to understand this scenario, the present research proposes the verification of how the public examining boards have treated the brown population and how the STJ has positioned itself on the understanding of such boards, all from a survey carried out in the jurisprudence of the referred court. . In addition, this paper proposes a debate on the principle of equality in the Federal Constitution, as well as a debate on the subjectivism of quota assessments by public examining boards, involving judicial activism in the implementation of affirmative actions. Identified distortions, this text exposes that the STJ has not judged the merits of issues related to the brown population participating in public tenders in more than 80% of the cases, leaving everything to the discretion of the Public Administration.
Keywords: racial quotas in public tender; examining boards in relation to mixed race; positioning of the STJ.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 DESENVOLVIMENTO; 2.1 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; 2.2 LEGISLAÇÃO BRASIEIRA SOBRE O SISTEMA DE COTAS RACIAIS; 2.3 SUBJETIVISMO PRESENTE NAS AVALIAÇÕES REALIZADAS PELAS COMISSÕES EXAMINADORAS EM CONCURSOS NO BRASIL; 2.4 O ATIVISMO JUDICIAL NA EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS DE COTAS RACIAIS NO BRASIL; 3. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS; ANEXO I.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de milênios os seres humanos têm buscado implementar a igualdade de direitos. As conquistas nesta seara advêm de revoluções e lutas que outrora fizeram-se necessárias para igualar certos privilégios, como o simples direito de ir e vir, consagrado pela atual Constituição Federal brasileira. Mas essa busca por igualdade de direitos ainda continua e, provavelmente, perpetuar-se-á por infinitos tempos.
Nesse sentido, o presente artigo tem o intuito de estudar a atuação do Poder Judiciário na avaliação e na discussão da cor da pele na população brasileira, bem como verificar como as bancas examinadoras de concursos públicos têm tratado a população parda em seus julgamentos.
Nada obstante, o Poder Judiciário vem se negando a julgar casos em que cotistas de cor parda (classificados dessa maneira através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) se autodeclarem pardos em concursos públicos realizados no Brasil. Além disso, as bancas de concursos públicos vêm destacando mérito apenas aos cotistas de cor negra, excluindo os candidatos que se autodeclaram PARDOS, mesmo com o edital enfatizando a possibilidade desses dois grupos da população poderem concorrer às vagas para as cotas raciais. Por isso, o intuito do presente trabalho é responder como o Poder judiciário, em sua corte Superior (STJ), tem tratado a Judicialização de candidatos pardos reprovados em avaliação de suas características fenotípicas que pleiteiam junto ao Poder Judiciário justiça quanto à negativa desse tipo avaliativo.
Neste ensejo, não se pode olvidar o princípio da igualdade, que é “valor fundamental da convivência e princípios de uma ordem jurídica traçada segundo a inspiração de um ideal de justiça, paz e segurança” (Bonavides, 2003, p. 210), sendo o primeiro pilar principiológico na avaliação e resposta ao problema da presente pesquisa.
Justifica-se a discussão do problema pelo fato de não haver ainda uma objetividade no que vem a ser definitivamente um candidato de cor parda. Indo mais além, o estudo justifica-se pelo fato de o Poder Judiciário vim negando o julgamento de mérito a tal candidato, tudo ficando apenas adstritos à legalidade administrativa aplicada pelas bancas examinadoras de concursos públicos.
A partir dessas constatações, propomos uma análise sobre a política de cotas raciais no Brasil e o ostracismo dispensado pelo Poder Judiciário aos pardos, com o intuito de verificar como as bancas de concurso têm tratado estes.
Para o cumprimento dos objetivos, a presente pesquisa, em sua metodologia, seguiu os métodos dialético-dedutivo, com emprego de pesquisa à legislação, doutrina e jurisprudência acerca da matéria objeto do estudo, utilizando, por último, o método empírico para responder à pergunta de pesquisa sobre o papel do Poder Judiciário (STJ) na intervenção e julgamento de decisões administrativas proferidas por bancas examinadoras de concursos públicos.
2 DESENVOLVIIMENTO
2.1 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A igualdade entre indivíduos no ordenamento jurídico é um dos pilares de qualquer Estado ou Nação, sendo, apesar disso, motivo de vários debates envolvendo princípios e regras, que devem nortear o Direito de um Estado Democrático.
Dessa forma, Florêncio (1999, p. 46) relata que esse debate atravessa todo o histórico humano sobre Democracia, desde a polis grega até a contemporaneidade, e é por esse motivo que seu significado ainda vem sendo construído ao longo de nossa história.
Acerca desse debate, Hans Kelsen, apud De Mello (1978, p. 10 e 11), destaca que “a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição”. E continua o autor, afirmando que “a igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações (…) sem fazer distinção entre eles (…)”.
O princípio da igualdade figura, destarte, entre os temas mais abrangentes e equívocos dos quais a Filosofia, a Ciência Política e o Direito fizeram objeto de suas reflexões, desde a antiguidade até a contemporaneidade (Bonavides, 2003, p. 210).
O debate acerca desse princípio, consequentemente, está envolvido em uma vasta complexidade, tanto jurídica quanto filosófica, não podendo ser reduzido drasticamente ao absolutismo do direito positivo (Florêncio, 1999, p. 45).
A partir disso, Nery Júnior (2004, p. 42) demonstra que o princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.
Ademais, De Mello (1978, p. 9) destaca que o alcance do princípio da igualdade não se restringe a nivelar os cidadãos diante da imposição da norma legal. Diferentemente disso, a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia, ou seja, o poder legiferante não pode se sobrepor à aplicação constitucional da regras e princípios jurídicos.
Nesse sentido, Ávila (2007, p. 15) leciona que “hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional – os princípios jurídicos”.
Em consequência disso, iniciou-se na doutrina pátria um vasto manifesto de interpretação do dispositivo constitucional que trata sobre o tema. De acordo com o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal Brasil (1988), in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (grifo nosso);
Esse inciso traduz o princípio da igualdade em sua essência, o qual determina que sejam dados parâmetros iguais àqueles que estão em condições semelhantes e parâmetros desiguais àqueles que estão em condições diversas, na medida de suas respectivas desigualdades. Destarte, o dispositivo supracitado obriga tanto o legislador quanto o aplicador da lei a reconhecerem os parâmetros do princípio posto.
Assim, o legislador está vinculado a respeitar a “igualdade na lei”, não podendo criar outras leis que discriminem pessoas que estão em situação equivalente, exceto quando houver certa razão (razoabilidade) para tal feito.
Já os intérpretes e aplicadores da lei limitam-se à “igualdade perante a lei”, pelo fato de não poderem diferençar, ao aplicar o direito material, aqueles a quem a lei forneceu tratamento igual. Sobre o assunto, um interessante julgado do STF confirmou a interpretação constitucional:
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO – PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDOR PÚBLICO (INCRA/MIRAD) – ALTERAÇÃO DE LEI JÁ EXISTENTE – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – POSTULADO INSUSCETÍVEL DE REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO DE LACUNA TÉCNICA – A QUESTÃO DA EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO COM OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO.
O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de contemplação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; e b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão suborna-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório.
O legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista – a abranger número indeterminado de indivíduos – mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares[2].
Destarte, o princípio da igualdade impede que indivíduos em situações semelhantes sejam tratados de maneira desigual. Em outras palavras, poderá haver tratamento desigual para pessoas que estejam em diferentes situações, como por exemplo, tratar negros de maneira desigual à etnia branca para que haja maior inclusão daquela população anteriormente excluída e mitigada do convívio social em detrimento dos privilégios sociais desta. Dentro do exemplo assinalado, podemos considerar as ações afirmativas de cotas raciais (reservas de vagas em universidades públicas para negros e índios) totalmente coerentes, sendo estas consideradas constitucionais pelo STF:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. POLÍTICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS. INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR. USO DE CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL. AUTOIDENTIFICAÇÃO. RESERVA DE VAGA OU ESTABELECIMENTO DE COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
I – Recurso extraordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ayres Britto, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria e nos termos do voto do Relator, conhecer e negar provimento ao recurso extraordinário, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Ayres Britto[3].
Da mesma forma, há compatibilidade com o princípio da igualdade o programa de concessão de bolsas de estudos em universidades privadas para alunos de baixa renda familiar, com cotas para negros, pardos, indígenas e portadores de necessidades especiais:
EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA No 213/2004, CONVERTIDA NA LEI No 11.096/2005. PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS – PROUNI. AÇÕES AFIRMATIVAS DO ESTADO. CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente a ação direta, o que fazem nos termos do voto do Relator e por maioria de votos, em sessão presidida pelo Ministro Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas. Vencido o Ministro Marco Aurélio. Impedida a Ministra Cármen Lúcia[4].
Finalmente, é mister notar que os constituintes brasileiros jamais desprezaram este princípio, pelo fato de servir-lhes de base elementar para decisões acerca do tema, além de possuírem preceitos afirmativos advindos de vários outros países no mundo (Sowell, 2004). Fizeram-no, por conseguinte, o princípio elementar de limitação do poder estatal sobre os indivíduos (Bonavides, 2003, p. 214).
2.2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O SISTEMA DE COTAS
A inovação legislativa que previu o sistema de cotas para negros (e pardos) no serviço público federal foi solidificada através da Lei nº 12.990/2014 (Oliveira e Targino, 2017). Desde sua publicação, nota-se uma série de obstáculos e desconformidades em seu conteúdo, o que dificulta a sua aplicação prática.
Assim, para que haja uma melhor compreensão da aplicação dessa inovação legal, devemos levar em consideração a existência de uma lei anterior, que preceitua expressões-chave para compreensão dessa nova legislação sobre o tema.
Dessa forma, o conhecimento da Lei 12.228/2010 é fundamental para interpretação posterior da Lei nº 12.990/2014 (Oliveira eTargino, 2017).
A partir dessa inovação legislativa, devemos levar em consideração o surgimento de vários outros estudos tentando demonstrar a importância da referida Lei (Kabad et al., 2012; Claudino e Cardoso, 2018), buscando, além disso, desconstruir as desconformidades adstritas a esta, conceituando termos mal utilizados, por exemplo.
Assim, termos, como etnia, cor e raça, são frequentemente usados como sinônimos. Porém, estudos debatendo o uso incorreto desses termos como sinônimos devem ser destacados. Guimarães (2011, p. 269-270) demonstra, dentro dos conceitos debatidos nas ciências sociais brasileiras, as reviravoltas sofridas pela raça, exemplificando as vicissitudes políticas das noções e conceitos científicos desse termo. Relata o autor que raças humanas não existem. “A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano”.
À vista disso, o autor corrobora com a presente pesquisa no sentido de que o termo raça é, terminologicamente, ineficiente quando se trata de cor da pele, por exemplo. Por isso, neste estudo, iremos uniformizar o termo, utilizando o mais apropriado para os autores, qual seja, “etnia” ao invés de “raça”.
Ainda, sobre a conceituação de termos usados na Lei de Cotas para negros, um dos mais significantes deles, usado com frequência em editais de concurso (quando estes reservam vagas para esta população), refere-se à identificação racial dos candidatos.
O método de identificação racial, conceituado por Osório (2003, p. 7) como “um procedimento estabelecido para a decisão do enquadramento dos indivíduos em grupos definidos pelas categorias de uma classificação, sejam estas manifestas ou latentes”, atualmente está sendo utilizado como parâmetro para validação e ponto de corte para pessoas inscritas em concursos públicos, relativamente à etnia declarada pelos candidatos aos certames de uma maneira em geral.
O mesmo autor destaca as três maneiras utilizadas para identificação racial, que podem ser aplicadas como variantes. No presente estudo iremos nos ater apenas ao método denominado auto-atribuição de pertença e heteroatribuição de pertença,por serem os métodos utilizados atualmente nos diversos concursos públicos no País.O terceiro método (baseado em meio de técnicas biológicas, como o DNA por exemplo) não será por nós explorado, pelo fato de não ser objeto válido para classificação em concursos públicos.
Em primeiro lugar, o método de auto-atribuição é conceituado por Osório (2003, p. 7) como “um método em que o próprio sujeito da classificação escolhe o grupo do qual se considera membro”. Já o método da heteroatribuição de pertença, é referido pelo mesmo autor como um método no qual outra(s) pessoa(s) define(m) o grupo do respectivo indivíduo.
No tocante à autodeclaração, é notório que candidatos inscritos em concursos públicos a faça no início do certame, ou seja, no ato da inscrição nos concursos públicos de variadas bancas avaliadoras[5]. Dessa forma, os candidatos já fazem a sua autodeclaração tanto por fotos anexadas em páginas de Internet, tanto pela autodeclaração propriamente dita. Em conseguinte, as bancas nacionais de concurso público utilizam a definição realizada pelo IBGE sobre etnia. Assim, as definições dos diferentes tipos de raça[6] negra são regidas pelo IBGE[7].
Já a heteroatribuição de pertença, nomenclatura esta já conceituada e que se refere a entrevistas realizadas pelos candidatos por uma banca composta por três pessoas, pode ser inserida como uma das fases de determinado concurso público. De acordo com o edital TRF-5 (2017), por exemplo no item “12.4 Será considerado negro o candidato que assim for reconhecido por pelo menos um dos membros da comissão avaliadora”, nota-se a preocupação da referida banca organizadora com a transparência do certame, haja vista a auto-atribuição ser insuficiente para classificar o candidato como negro ou pardo.
Apesar da tentativa de transparência e publicidade de atos praticados pela Administração Pública por várias bancas organizadoras de concursos públicos, percebemos, ainda, certa dificuldade em diminuir a subjetividade no tocante à classificação de indivíduos (candidatos pardos) nessas seleções.
2.3 SUBJETIVISMO PRESENTE NAS AVALIAÇÕES REALIZADAS PELAS COMISSÕES EXAMINADORAS EM CONCURSOS públicos NO BRASIL
Oliveira e Targino (2017) concluíram, em recente estudo qualitativo sobre a Lei nº 12.990/2014, que esta possui bastante imprecisão e inconsistência em determinadas terminologias, por apresentar, principalmente, antinomias com o ordenamento jurídico brasileiro e com a Carta Magna.
Sobre essas inconsistências relatadas pelos pesquisadores, podemos destacar a ausência classificação fenotípica dos candidatos elegíveis para a condição de negro ou pardo, bem como a ausência de conceitos relatando a autodeclaração desses candidatos frente à sua cor de pele. A Lei nº 12.990/2014 faz referência, em seu artigo 2º, apenas à classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a qual iremos comentar posteriormente. In verbis:
Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (grifo nosso).
Conforme lecionado em capítulo anterior, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.228/2010) já existia no ordenamento jurídico e também não conceituou elementos chave para a compreensão sobre o tema, deixando, de maneira semelhante à Lei nº 12.990/2014, referências à classificação dada pelo IBGE. Conforme previsto no art. 1º da Lei nº 12.228/2010, parágrafo único, inciso IV[8]:
Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: (…) IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas (grifo nosso), conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam auto definição análoga (…).
O inciso em destaque conceitua explicitamente o que vem a ser “população negra”, porém deixa em branco a definição e conceituação de negos e pardos, conforme aqui discutido.
Apesar de haver outras normas definidoras das lacunas ora existentes, nota-se a vasta subjetividade nos dispositivos supracitados, pois necessitam de outros dispositivos para que esses hiatos e essas instabilidades normativas sejam supridas.
Essa subjetividade se reflete em provas de concurso público no País, uma vez que a própria inconsistência das variadas normas sobre o assunto faz com que esse egotismo seja latente nos variados certames realizados.
Um dos pontos que merecem destaque sobre a subjetividade existente são as entrevistas (uma das etapas para aprovação) realizadas por banca examinadora, após aprovação nas provas objetivas e de título (quando houver).
Assim, nos editais dos concursos públicos brasileiros, atualmente, para que haja a caracterização da heteroatribuição de pertença, é necessária a aprovação por banca examinadora, composta geralmente por três avaliadores, sendo que pelo menos um dos componentes dessa banca deverá corroborar com a autodeclaração anteriormente realizada pelo candidato, na inscrição do certame, geralmente.
Na maioria das vezes a pergunta realizada aos candidatos aprovados em fases anteriores (e que só assim conseguem êxito de encarar uma banca examinadora desse tipo) é a seguinte: “o senhor gostaria de continuar concorrendo às vagas reservadas para candidatos negros?”. A partir dessa pergunta, mais uma vez o candidato pode (e deve) afirmar que pretende continuar concorrendo às vagas a ele destinadas, resposta esta que já deixa claro, por mais de uma vez, um dos métodos básicos de identificação racial, a autodeclaração de pertença.
Uma maneira adequada para que esse problema fosse diminuído ou até mesmo extinto seria usar a heteroatribuição da cor dos sujeitos pelos entrevistadores. Esses avaliadores poderiam ser treinados para distinguir e reconhecer as diferenças fenotípicas dos indivíduos participantes de concursos públicos, classificando-os de acordo com critérios mais objetivos e sem recorrer à identidade racial subjetivamente construída pelos próprios avaliadores (Petruccelli, José Luis e Saboia, 2013).
Além disso, se as adversidades relacionadas à autodeclaração podem ser ocasionadas por aspectos particulares da ideologia racial do País, que permitiria uma ultrapassagem da linha de um dos fenótipos (cor da pele) por pessoas mais abstratas e/ou por aqueles que possuem poucos traços da ascendência africana, não haveria nenhuma garantia de que os avaliadores das bancas examinadoras não branqueiem os entrevistados com maior poder aquisitivo (Petruccelli, José Luis e Saboia, 2013), o que, em nosso entendimento, acontece frequentemente nas avaliações raciais de concursos públicos no Brasil.
Em consequência da inserção da autodeclaração de pertença em avaliação de concursos públicos, além da composição de indivíduos pertencentes apenas à etnia negra compondo bancas de concursos públicos, fica, consequentemente, totalmente subjetiva tal definição de tipo de etnia pela banca avaliadora, uma vez que ao introduzir cotas para negros (grifo nosso), os editais de concurso devem considerar aptos ao ingresso através da Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.711/2012) inclusive os indivíduos considerados pardos pelo IBGE. Neste ponto, várias ações estão sendo interpostas perante o Poder Judiciário para resolução do problema, uma vez que a maioria das bancas avaliadoras não consideram indivíduos pardos elegíveis a integrarem o rol de cotas raciais ofertadas, mesmo que editais de concursos públicos prevejam a possibilidade de pardos, além de negros, poderem usufruir desse direito. Subjetivismo este demonstrado por Osório (2003, p. 23) na medida em que assevera:
(…) a representação do negro, ainda que varie circunstancialmente, aponta para o extremo preto das gradações de cor. Assim, fica difícil conceber o pardo na fronteira do branco com o negro (grifo nosso), pois os traços que o relacionam ao “fenótipo” negro estão extremamente diluídos. Todavia, deve-se lembrar que o propósito da classificação racial não é estabelecer com precisão um tipo “biológico”, mas se aproximar de uma caracterização sociocultural local.
Apesar da variação circunstancial na representação do negro, o autor faz questão de frisar a dificuldade que é conceber o pardo entre os indivíduos brancos e negros, pois o pardo encontra-se muito mais próximo à etnia negra do que da branca. A partir disso, o mesmo autor continua demonstrando que “pardos têm menos traços, mas estes existem, pois se não fosse assim não seriam pardos, e sim brancos; e é a presença desses traços que os elegerá vítimas potenciais de discriminações” (2003, p. 24). Ou seja, os vários candidatos de concursos públicos brasileiros estão sendo prejudicados por uma avaliação totalmente subjetiva de suas etnias e o Poder Judiciário deveria intervir nestas decisões administrativas, como demonstraremos, ao final, o resultado da presente pesquisa.
Consequentemente, devemos destacar que uma possível forma de se contornar o problema da questão de identificação por autodeclaração e que, à primeira vista, poderia conferir maior objetividade à classificação, seria a heteroatribuição da cor da pele dos sujeitos pelos entrevistadores ou outros responsáveis pelo registro da informação. Eles poderiam ser treinados para reconhecer os diferentes “fenótipos” e classifica-los, sem recorrer à identidade racial subjetivamente construída e percebida pelo sujeito da classificação (OSÓRIO, 2003, p. 13). Entretanto, continua o autor:
(…) se os problemas em relação à autodeclaração são ocasionados pelas características particulares da ideologia racista brasileira, que permitiria a mudança da linha de cor para os mais abastados e/ou para os que possuem poucos traços da ascendência africana, não há nenhuma garantia a priori de que os entrevistadores também não venham a branquear os entrevistados (grifo nosso) mais ricos e os tipos de aparência limítrofe. No fundo, a opção pela autodeclaração ou pela heteroatribuição é uma escolha entre as subjetividades: a do próprio sujeito da classificação ou a do observador externo.
Assim, notamos que tanto a autodeclaração quanto a heteroatribuição possuem vieses que podem fazer com que a real situação de identificação racial não ocorra, o que, como relatado, vem acontecendo frequentemente em seleções públicas.
Por isso, podemos destacar que, inclusive, os editais de concursos públicos brasileiros corroboram com as afirmações supracitadas, pois, se assim não fosse, não classificariam tanto pretos quanto pardos em um único quesito: negros, de acordo com o item 6 do Edital TRF-5, por exemplo (2017)[9]: “O candidato classificado que, no ato da inscrição, declarou-se preto ou pardo (grifo nosso), terá seu nome publicado em lista específica e figurará também na lista de classificação geral (ampla concorrência), caso obtenha a pontuação/classificação necessária para tanto (…)”.
Por fim, a saída para tal dicotomia seria adotar critérios objetivos de avaliação física, como por exemplo, o critério fenotípico baseado na cor da pele, conforme visto por Petruccelli, José Luis e Saboia (2013), que relatam maior robustez e fidedignidade na avaliação criteriosa de classificação em cotas raciais.
2.3.1 Diferença entre pretos e pardos de acordo com a legislação pátria
A atual distribuição de etnia delineada por Petruccelli, José Luis e Saboia (2013) faz referência a cinco grupos, sendo os pretos e os pardos os grupos que geram maiores debates acerca do tema. Além desses dois grupos, o IBGE[10] destaca mais três categorias: brancos, amarelos e indígenas. No presente trabalho, iremos demonstrar as principais diferenças elencadas pelos estudos no tocante à etnia preta e parda.
O termo preto toma como referência a ascendência oriunda de nativos da África. Independentemente de seu território ou construção social, pelo fenótipo manifestado por sua pele de cor escura; o termo pardo é entendido como aquela pessoa que possui ascendência étnica de mais de um grupo, ou seja, são indivíduos miscigenados com o passar do tempo (Petruccelli, José Luis e Saboia, 2013).
O conceito de negro pode ser visto no estatuto de igualdade racial. Conforme já observamos, o art. 1º, inciso quarto[11] desta lei define indivíduo negro como aqueles que se autodeclaram pretos ou pardos.
O termo pardo é usado oficialmente no Brasil para classificação de cor/raça pelo IBGE. No censo de 2010, 43,1% dos brasileiros se autodeclararam pardos. O Brasil adota a autodeclaração para classificar a sua população nas opções de cor/raça branca, preta, parda, amarela e indígena. O termo ‘pardo’ é adotado nos censos oficiais nacionais brasileiros deste o primeiro, em 1872. Foi substituído por ‘mestiço’ no censo de 1890, retornando no censo de 1940 e permanecendo até os dias atuais[12].
Destarte, notamos que ainda há, na doutrina brasileira, divergência acerca dos termos usados para definir a real etnia da população pátria. Isso por si só já destrói a concepção da heteroidentificação de pertença, tornando-a mais subjetiva até do que a própria autodeclaração, aceita pelo IBGE como forma prática de classificação da etnia.
2.4 O ATIVISMO JUDICIAL NA EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS DE COTAS RACIAIS NO BRASIL
Ativismo judicial, na definição de Barroso (2009, p. 6), “é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, podendo ser visualizado na medida em que o poder legiferante se torna obsoleto em razão de determinada matéria ou ainda de algum distanciamento entre a classe política e a população em geral, fazendo com que a população seja impedida de ter sanada suas demandas sociais.
Para que se atinja toda a amplitude exigida para assegurar os direitos constitucionais, Lima e Lima (2016) relatam a necessidade de efetivação da atividade jurisdicional a partir do âmbito positivo, ou seja, um fazer por parte do Poder Judiciário. Dessa forma, os juízes e tribunais se encontram obrigados à aplicação, interpretação e integração de outorga das normas de direitos fundamentais, tornando mais eficaz possível a sua atuação âmbito jurídico.
Minhoto e Magri (2019, p. 176) complementam essa discussão afirmando que “se buscou e ainda se busca caracterizar aquela conduta de protagonismo adotada pelo Poder Judiciário quanto à consecução, implementação e concreção de políticas públicas ou mesmo princípios e/ou valores estampados, via de regra, na constituição”.
Embora a maiorias dos autores sobre o tema destaquem que o ativismo judicial se refere, basicamente, a um sentido de agir por parte de juízes e tribunais, Soliano (2013, p. 606) demonstra alguns pontos negativos desse ativismo, afirmando que “o Ativismo é entendido como um mal, uma atuação ilegítima do Poder Judiciário”. O autor continua seu ponto de vista teórico, dizendo que a identificação do ativismo judicial não acontece prioritariamente por uma ação de interferência do Poder Judiciário em áreas tradicionalmente deixadas aos outros Poderes de um Estado Democrático de Direito, mas sim pela maneira como essa interferência ocorre.
Soliano (2013, p. 611) vai mais além, demonstrando que o cenário de inserção do ativismo diante dos limites possíveis entre o Direito e a Moral (ou seja, a problemática da autonomia dos sistemas sociais), é “possibilitado pela falta de uma racionalidade consistente no momento da interpretação do Direito causada pela utilização de modelos teóricos inadequados”.
Lewandowski (2009, p. 81), além de tecer nova nomenclatura para o ativismo judicial, preferindo a expressão protagonismo judicial ou protagonismo do Poder Judiciário, destaca que:
(…) a Constituição Federal de 1988 escancarou as portas do Poder Judiciário, primeiro porque dei efetividade, repetiu no seu texto o princípio da universalidade da jurisdição procurando dar-lhe eficiência. (…) Este princípio é assim enunciado: nenhuma lesão, ou ameaça de lesão ao direito, pode ser subtraída da apreciação do Judiciário; então tudo, tudo mesmo, pode ser levado diretamente ao Poder Judiciário (grifo nosso).
De acordo com o supracitado Ministro do Supremo Tribunal Federal, se toda lesão ou ameaça de lesão pode ser apreciada pelo Poder Judiciário, então não existe óbice por parte deste poder em analisar demandas que tenham como tema uma provável ruptura de legalidade no que tange à avaliação de sujeitos aprovados em concursos públicos e que lhe são negados os direitos de continuar concorrendo ao pleito na lista de cotistas, não sendo retirados dessa lista de maneira sorrateira como ocorre com a maioria dos indivíduos pardos que se inscrevem em concursos públicos no País, conforme podemos observar em decisões recentes de Tribunais Federais[13].
2.4.1 Ativismo judicial e cotas em concurso público
É mais correto afirmar que existem níveis maiores e menores de controle epistemológico da decisão judicial. Uma decisão pode ser mais ou menos epistemologicamente controlada. Ou seja, a discricionariedade pode ser mais ou menos reduzida. Desta forma, entende-se que há a possibilidade de se falar em níveis de ativismo judicial. Desta forma, uma decisão que aplica a Constituição Federal pode ser mais ou menos ativista, a depender do nível de controle epistemológico sofrido por essa decisão. Ora, se os demais sistemas sociais não podem determinar a decisão Judicial.
Ora, se os demais sistemas sociais não podem determinar a decisão judicial, o mesmo deve (ou deveria ocorrer) no sentido contrário: a decisão Judicial não poderia ser determinadas pelos demais sistemas sociais. Se o grande objetivo do controle da criatividade judicial é a preservação da autonomia do sistema como um todo e, a contrario sensu a ausência desse controle acarretar, invariavelmente, a perda de autonomia desse sistema, pode-se acrescentar que o ativismo judicial representa a perda de autonomia do sistema jurídico em favor de opções políticas, econômicas e morais do julgador (SOLIANO, p. 610 e 611). Acrescentaríamos mais uma: o ativismo judicial representa a perda de autonomia do sistema jurídico em favor da manutenção da zona de conforto existente, principalmente, nos Tribunais Superiores, pois, decisões emanadas do primeiro grau, quando não são mantidas em votos unânimes, são derrubadas por outras razões, como por exemplo a absurda impossibilidade de interferência do Poder Judiciário em se manifestar sobre decisões proferidas por bancas examinadoras de concursos públicos. Além dessa impossibilidade, desembargadores sequer fazem questão de debater suas decisões com seus pares e, frequentemente, colegiados têm decisões proferidas sem o debate necessário à manutenção ou não de decisões proferidas por relatores.
2.4.2 Autocontenção judicial
Denotando sentido contrário ao ativismo judicial, a autocontenção judicial refere-se à conduta pela qual o Poder Judiciário tenta dirimir sua intervenção nos atos de outros poderes (Barroso, 2009, 7). Assim, o renomado autor leciona que, por essa linha, os juízes e tribunais: (i) evitam aplicar de maneira direta a Constituição Federal em ocasiões que não estejam em âmbito de incidência expressa; (ii) usam critérios rígidos e conservadores para declarar a inconstitucionalidade de atos normativos; e (iii) prescindem da interferência em definir quais as políticas públicas necessárias ao caso concreto. Dessa forma, lembra o autor que “até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil”. Embora tenhamos diferenças metodológicas entre as duas posições, pode-se dizer que o ativismo judicial procura extrair, para o autor, o máximo das potencialidades existentes no texto constitucional, enquanto a autocontenção restringe esse espaço de atuação da Constituição Federal em favor das instâncias tipicamente políticas.
3 CONCLUSÃO
O leading case[14] foi analisado sob a perspectiva das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Pelo fato de partirem de casos concretos semelhantes, a fundamentação teórica das decisões monocráticas se coadunam quase que completamente. Dessa forma, apresentaremos a seguir os resultados obtidos com a busca de decisões monocráticas do STJ no ano de 2019 e seus respectivos resultados (Figura 1, anexo I). Em seguida, faremos uma breve discussão sobre esses resultados.
A partir da Figura 1, podemos perceber que, para os recursos interpostos no STJ até o final de 2019, apenas 2 decisões deram provimento[15] aos Recursos Ordinários. Em outras palavras, de 22 processos referentes a recursos ao STJ para analisarem a situação dos cotistas, apenas 09% (Figura 2, anexo I) receberam julgamento pela procedência de pretensões relacionadas a cotas raciais.
Ainda de acordo com a Figura 1, podemos perceber também que 1 recurso retornou à corte de origem, por se tratar de julgamento de embargos de declaração[16], enquanto 2 recursos foram excluídos de nossa análise por não se tratarem de cotas raciais em concursos públicos.
Por fim, de um total de 21 processos elegíveis para análise dos resultados dos recursos sobre cotas raciais em concursos públicos admitidos pelo STJ, um total de 18 processos tiveram recurso negado em relação ao tema, conforme podemos observar na Figura 1. Ou seja, de um total de 21 processos (100% dos processos avaliados), a maioria deles obtiveram decisão improcedente para que os candidatos que disputavam vagas em concursos públicos na lista de cotas raciais continuassem nessa lista (81% das decisões dos Desembargadores vão nessa linha – Figura 2).
Essas decisões monocráticas do Superior Tribunal de Justiça tiveram negativa de provimento dos recursos advindos de instâncias inferiores (81% das dos recursos – Figura 2).
Destarte, podemos concluir que há alta probabilidade de que decisões de Ministros do STJ sejam negando os recursos providos pelos candidatos de etnia parda em concursos públicos.
Como conclusão, a presente pesquisa responde todos os questionamentos nela indagados.
Inicialmente, conseguimos coadunar o princípio da igualdade ao problema proposto neste estudo, correlacionando este princípio ao direito de indivíduos pardos poderem concorrer às vagas de negros em concursos públicos.
Em segundo lugar, demonstramos a atual legislação brasileira relacionada ao sistema de cotas em concursos públicos. Além disso, discorremos sobre o subjetivismo que existe nas avaliações realizadas pelas bancas examinadoras no tocante à classificação de indivíduos pardos, momento em que demonstramos a total falta de critérios realizados por essas avaliações.
A partir desse momento, conseguimos responder à principal pergunta de nossa pesquisa, demonstrando que a atuação do Poder Judiciário na avaliação e discussão da cor da pele na população brasileira encontra-se aquém do esperado.
Foi demonstrado no presente estudo que a probabilidade de um indivíduo que teve seu direito negado administrativamente e recorreu ao Poder Judiciário para ter seu direito preservado é praticamente nula quanto à aceitação desse mérito pelo Poder Judiciário, quando o assunto são as cotas raciais em concursos públicos.
O ativismo judicial faz com que instâncias superiores do dito poder se abstenham de julgar méritos de processos reféns da esfera administrativa.
Nossa conclusão é a de que os tribunais superiores podem (e devem) julgar o mérito das questões formuladas por candidatos reprovados nas fases de avaliação de cotas raciais.
Mas é necessário irmos mais além, refletindo sobre como essas demandas poderiam ser evitadas de chegarem ao Poder Judiciário. Talvez, a integração de indivíduos pardos nas bancas examinadoras de concursos públicos que tratem sobre cotas raciais seja uma vertente a ser considerada.
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ANEXO I – METODOLOGIA
De acordo com Cervo et al. (1980) a ciência é um conjunto sistemático de procedimentos, com base no raciocínio lógico (indutivo ou dedutivo), que tem como objetivo o encontro de soluções à problemática proposta, através do emprego de métodos científicos. Dessa forma, o presente capítulo tem o objetivo de sistematizar todo o processo pelo qual foi realizado o trabalho, desde a escolha do tema, passando pelo estabelecimento dos objetivos até a coleta de dados e suas conclusões.
Nós iniciamos a presente pesquisa com três objetivos, quais sejam: primeiro e mais importante, verificar como as bancas examinadoras de concursos públicos têm tratado os pardos diante das cotas raciais, bem como Poder Judiciário tem intervindo neste contexto. Assim, por reconhecermos a imensidão do Poder Judiciário no País, demos ênfase para obter essa resposta à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), usando como palavras-chave para pesquisa no respectivo site[17] os termos: concurso, cota, pardo, comissão. Ao mesmo tempo, esperávamos lançar alguma luz sobre o que estabelece a legislação pátria sobre o sistema de cotas; destacar o subjetivismo presente nas avaliações realizadas pelas referidas comissões examinadoras e, finalmente, examinar o ativismo judicial na efetivação das políticas de cotas raciais no Brasil.
Por último, nós esperávamos revelar o ostracismo com que o Poder Judiciário trata a população parda participante de concursos públicos. Dessa forma, fizemos um levantamento doutrinário e jurisprudencial no STJ para responder a essa questão.
A partir dos objetivos propostos, o autor realizou a pesquisa com as palavras-chave[18] no dia 20 de dezembro de 2019 para verificar como a jurisprudência do STJ tratava sobre o tema. Observou-se um resultado de 23 decisões monocráticas à época e o resultado será relatado em tópico específico.
Para o cumprimento dos objetivos, a presente pesquisa seguiu os métodos dialético-dedutivo, com emprego de pesquisa à legislação, doutrina e jurisprudência acerca da matéria objeto do estudo.
Além disso, foi utilizado o método empírico para responder à pergunta de pesquisa sobre o papel do Poder Judiciário na intervenção e julgamento de decisões administrativas proferidas por bancas examinadoras de concursos públicos, em casos de cotas raciais.
Em consequência de todos esses fatores, a presente pesquisa tem natureza quantitativa, pois, de acordo com Cervo et al. (1980, p. 22), a pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser sistematizado matematicamente, o que significa reduzir à forma numérica opiniões e informações, para em seguida filtrar essas informações, analisá-las e realizar uma conclusão. Em outras palavras, a designação de pesquisa quantitativa é ampla e abrange diversas técnicas de coleta de dados que reduzem informações da vida social à sua expressão numérica[19]. Requer, finalmente, o uso de recursos e de técnicas estatísticas para demonstração e conclusão dos resultados de maneira mais satisfatória e relevante para a comunidade científica.
Figura 1 – Resultado de busca em Processos sobre cotas raciais (STJ).
Fonte: Elaborado pelos autores
Figura 2 – Comparativo percentual entre recursos providos VS negados
Fonte: Elaborado pelos autores
Essas decisões monocráticas do Superior Tribunal de Justiça tiveram negativa de provimento dos recursos advindos de instâncias inferiores (81% das dos recursos – Figura 2).
Destarte, podemos concluir que há alta probabilidade de que decisões de Ministros do STJ sejam negando os recursos providos pelos candidatos de etnia parda em concursos públicos.
Corrobora com essa afirmação estudo realizado por Pasquali (2017, p. 106), em que demonstra que “os itens constituem a representação comportamental do traço latente. Eles são tarefas, ações empíricas através das quais o traço latente se manifesta”. Em outras palavras, o autor quer dizer que, pelo fato de o comportamento ser o único nível em que pode se trabalhar de maneira científica (ou empírica), é neste nível que se pode procurar a solução para o problema de representação e, consequentemente, do conhecimento dos processos.
Assim, o mesmo autor Pasquali (2017, p. 106) assevera que “o comportamento é o problema das definições operacionais. A psicometria responde a esta questão pela análise de uma série de comportamentos (tipicamente chamados de itens) devem apresentar”. Apesar de haver dois tipos de análise de itens, iremos nos ater apenas à análise teórica dos itens.
A análise teórica dos itens é feita por juízes e visa estabelecer a compreensão desses itens (análise semântica) e a pertinência dos mesmos atributos que pretendem medir (Pasquali, 2017, p. 108). Sobre análise semântica dos itens, não se faz necessário tecer maiores considerações. Porém, no presente trabalho a teoria da análise dos juízes é de extrema importância, haja vista relacionar-se a resultados estatísticos propriamente ditos.
Na análise do conteúdo do teste, os juízes devem ser peritos na área de constructo, pois sua tarefa consiste em ajuizar se os itens estão se referindo ou não ao traço em questão (Pasquali, 2009, p. 182). De certo modo, pode-se utilizar esta análise para concluir que o resultado do levantamento realizado em nosso estudo houve uma concordância de mais de 80% entre os juízes (ministros, no nosso caso).
Finalmente, uma vez que determinado item seja assinalado por 8 entre 10 juízes, pode-se concluir que o item conseguiu concordância (8/10 = 0,80) e é retido no elenco (Passquali, 2017, p. 109). Ou seja, uma concordância de pelo menos 80% entre os juízes pode servir de critério de decisão sobre a pertinência do item ao traço que teoricamente se refere.
A maioria das fundamentações decisórias baseavam-se, como no exemplo do REsp 1543573[20] demonstrado abaixo, na teoria de que o Poder Judiciário não poderia entrar na esfera administrativa para suprir a lacuna deixada por este poder. Em outras palavras, significa dizer que as decisões proferidas pelo STJ se negavam a sustentar o mérito do caso concreto, arrefecendo seu poder judicante e determinando que fossem respeitadas as decisões do âmbito administrativo.
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. VESTIBULAR. SISTEMA DE COTAS. PRETENSÃO DE INTERPRETAÇÃO DE DISPOSIÇÕES DO EDITAL E DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. FUNDAMENTO INCÓLUME DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ABRANGIDO PELAS RAZÕES RECURSAIS. SÚMULA 283/STF, APLICÁVEL POR ANALOGIA. RESOLUÇÃO. AUSÊNCIA DE NATUREZA DE LEI FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. 1. O acórdão recorrido analisou a controvérsia à luz do edital que rege a seleção e do conjunto fático-probatório dos autos. Insuscetível de revisão o referido entendimento, por demandar interpretação de cláusulas editalícias e reexame do conjunto fático-probatório (Grifo nosso), atraindo a aplicação das Súmulas 5 e 7 do STJ. 2. A teor da Súmula 283/STF, aplicável por analogia, “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. 3. A análise da Resolução 80/2008/CONEPE não é possível pela via especial, porquanto ausente a natureza de lei federal exigida pelo art. 105, III, “a”, da Magna Carta. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no REsp 1.438.711/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/05/2014). Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4o, I, do RISTJ, não conheço do Recurso Especial. I. Brasília (DF), 30 de agosto de 2016. MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES Relatora.
Outros recursos, como o AREsp 824188[21], o AREsp 1542397[22], o AREsp 1544307[23] e o AREsp 1513140[24], a decisão denegatória do recurso especial foram embasadas de maneira diferente entre si, pois os recursos advinham de casos concretos diferentes. Porém, as decisões negando o recurso eram, basicamente, no mesmo sentido, ou seja, relatavam, que “ante o exposto (…) conheço do agravo para não conhecer do recurso especial”.
No tocante às decisões recursais em Recurso Especial para o STJ, estas também vão sempre em sentido semelhante. Por exemplo, o REsp 1654922[25] relata a “negação do provimento, prejudicando o pedido liminar”. No REsp 1739386[26], a redação também condiz com a negativa recursal, versando “(…) ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4o, I, do RISTJ, não conheço do Recurso Especial”.
O REsp 1783459[27], o REsp 1481863[28], o REsp 1777167[29], o REsp 1837511[30] não tiveram o Recurso Especial conhecido pelos respectivos Desembargadores, adotando, de maneira semelhante, o seguinte critério:
A jurisprudência desta Segunda Turma Julgadora tem se posicionado no sentido de que a autodeclaração do candidato, que afirma ser negro (preto ou pardo), não é dotada de validade absoluta, tendo em vista que qualquer pessoa poderia ser beneficiada pela Lei 12.990/2014 se o critério de seleção fosse apenas este, o que prejudicaria quem deveria por direito ser protegido. Dessa forma, a verificação por parte da Administração Pública da condição de pertencimento do candidato àquela categoria tem sido encarada como conduta lícita e despida de qualquer impedimento (REsp 1837511).
Independentemente do tipo de recurso vislumbrado, percebemos, como já relatado por nós, uma grande contradição da legalidade de atos praticados pela administração pública. Isso acontece também nos demais Recursos (RMS 054050[31], RMS 059191[32], RMS 060067[33], RMS 061579[34] e RMS 061984[35]).
Pelo fato de o embasamento judicial percorrer sentidos muito semelhantes, basearemos nesse sentido a discussão dos resultados apresentados.
Indo mais além na discussão, é interessante notar a possibilidade de anulação de decisões no âmbito do processo administrativo foi regulada pelo art. 53, da Lei nº 9.784/1999, nos seguintes termos: “Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
Além da referida lei, o próprio STF editou súmula para corroborar o artigo supracitado:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (súmula 473 do Supremo Tribunal Federal).
A doutrina é vasta quando se trata de explicar sobre atos nulos e anuláveis no âmbito administrativo (Carvalho Filho, 2013; Meirelles et al.,1966; Mello, 2012). Apesar da vasta e excelente explicação demonstrada por esses renomados autores, não é nosso ponto central de estudo e, portanto, não iremos adentrar na discussão embasada sobre o esse ramo do Direito. Nossa discussão é judicial, e por isso, é mister termos como ponto inicial a atos administrativos para que nossa discussão siga ao âmbito judicial.
Ora, se a própria administração pública pode (e deve) realizar a anulação de seus próprios atos, quando eivados de vícios de legalidade (BRASIL, 1999), o Poder judiciário deveria adentrar no mérito de vícios de legalidade quando a própria Administração Pública não consegue ao menos inferir tal ilegalidade, seja ela qual for.
Danielle Teixeira (2014)[36] ensina que “modernamente, tem prosperado o pensamento de que o desfazimento do ato administrativo defeituoso exige a observância do devido processo legal. Inclusive, o STF já se posicionou nesse sentido”. Ou seja, a autora nos traz informações que se coadunam ao pensamento dos autores, ou seja, o Poder Judiciário tem mais do que o poder, tem o dever de apreciar o mérito em decisões judiciais, tanto nos graus mais inferiores quanto nas cortes recursais. Se assim não fosse, não haveria qualquer motivo para os próprios juízes de primeiro grau julgarem a maioria dos recursos aqui apreciados como procedentes, atingindo diretamente o mérito das ações judiciais. Por fim, basta aliarmos a inquestionável doutrina sobre o tema, na qual De Mello (1995, p. 73) leciona que “cumpre banir de vez a infundada suposição, altanto disseminada, de que o Poder Público pode fulminar seus atos viciados e ignorar a situação jurídica dos que hajam sido atingidos pelas consequências daí decorrentes”.
[1] Mestre em Modelagem Computacional do Conhecimento – UFAL; Licenciatura Plena em Educação Física – Universidade Federal de Alagoas; Bacharel em Direito – Universidade Estácio de Alagoas.
[2] MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, j.14-12-1990, DJ de 19-4-1991. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14710528/mandado-de-injuncao-mi-58-df
[3] RE 597285/RS. Min. Ricardo Lewandowski. Decisão: 09.05.2012, disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5455998
[4] STF, Pleno, ADI 3330/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 03.05.2012, disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3530112
[5] https://www.concursosfcc.com.br/concursos/trf5r317/boletim_trf5r317.pdf; e http://www.cespe.unb.br/concursos/INSS_2015/arquivos/INSS_ED._1_ABT.PDF
[6] A palavra raça caiu em desuso pela comunidade científica quando se corresponde aos diferentes grupos humanos.”.
[7] https://cnae.ibge.gov.br/en/component/content/article/95-7a12/7a12-vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/16049-cor-ou-raca.html
[8] https://jus.com.br/artigos/42312/os-concursos-publicos-e-os-procedimentos-de-verificacao-da-condicao-de-candidato-negro
[9] https://www.concursosfcc.com.br/concursos/trf5r317/boletim_trf5r317.pdf
[10]https://cnae.ibge.gov.br/en/component/content/article/95-7a12/7a12-vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/16049-cor-ou-raca.html
[11] “(…) IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas (grifo nosso), conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam auto definição análoga (…)”.
[12] https://nacaomestica.org/blog4/?p=17752.
[13] PROCESSO Nº: 0800374-40.2019.4.05.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO, disponível em: https://www.trf5.jus.br
[14] “Uma decisão que tenha constituído em regra importante, em torno da qual outras gravitam” que “cria o precedente, com força obrigatória para casos futuros” Guido Fernando Silva Soares em sua obra Common Law: Introdução ao Direito dos EUA (1ª ed., 2ª tir., RT, 1999, 40-42p.).
[15] Recurso em Mandado de Segurança Nº 47.960 – RS (2015/0073636-2), Disponível em: www.stj.gov.br
Recurso em Mandado de Segurança Nº 48.805 – RS (2015/0168139-20) Disponível em: www.stj.gov.br
[16] Recurso Especial Nº 1.568.512 – RS (2015/0295485-7) Disponível em: www.stj.gov.br
[17] www.stj.jus.br
[18] concurso, cota, pardo, comissão
[19] https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/141/edicao-1/pesquisa-em-direito
[20] Recurso Especial Nº 1.543.573 – SC (2015/0171174-2) Disponível em: www.stj.gov.br
[21] Agravo em Recurso Especial Nº 824.188 – RS (2015/0308876-0), Disponível em: www.stj.gov.br
[22] Agravo em Recurso Especial Nº 1.542.397 – CE (2019/0204978-2), Disponível em: www.stj.gov.br
[23] Agravo em Recurso Especial Nº 1.544.307 – SE (2019/0208001-9), Disponível em: www.stj.gov.br
[24] Agravo em Recurso Especial Nº 1.513.140 – PB (2019/0153274-7), Disponível em: www.stj.gov.br
[25] Recurso Especial Nº 1.654.922 – RS (2017/0034898-7), Disponível em: www.stj.gov.br
[26] Recurso Especial Nº 1.739.386 – DF (2018/0105797-4), Disponível em: www.stj.gov.br
[27] Recurso Especial Nº 1.783.459 – RS (2018/0318136-7), Disponível em: www.stj.gov.br
[28] Recurso Especial Nº 1.481.863 – PR (2014/0210587-8), Disponível em: www.stj.gov.br
[29] Recurso Especial Nº 1.777.167 – CE (2018/0288969-0), Disponível em: www.stj.gov.br
[30] Recurso Especial Nº 1.837.511 – CE (2019/0271618-5), Disponível em: www.stj.gov.br
[31] Recurso em Mandado de Segurança Nº 54.050 – RS (2017/0108756-7), Disponível em: www.stj.gov.br
[32] Recurso em Mandado de Segurança Nº 59.191 – SP (2018/0285971-4), Disponível em: www.stj.gov.br
[33] Recurso em Mandado de Segurança Nº 60.067 – MS (2019/0042249-4), Disponível em: www.stj.gov.br
[34] Recurso em Mandado de Segurança Nº 61.579 – RS (2019/0235225-1), Disponível em: www.stj.gov.br
[35] Recurso em Mandado de Segurança Nº 61.984 – MA (2019/0299646-5), Disponível em: www.stj.gov.br
[36] TEIXEIRA, Danielle Felix. A anulação dos atos administrativos e seus efeitos Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 14 abr 2020. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39702/a-anulacao-dos-atos-administrativos-e-seus-efeitos. Acesso em: 14 abr 2020.