A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA

A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA

31 de maio de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE PROTECTION OF HUMAN RIGHTS BY THE JUDICIARY POLICE

Artigo submetido em 27 de março de 2023
Artigo aprovado em 05 de abril de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Giuliano Sorge de Paula Silva[1]

Resumo: Enquanto ao Poder Judiciário cabe dar início ao regular processo judicial para a responsabilidade penal do indivíduo, a Polícia Judiciária é responsável pela fase preliminar, qual seja, a investigação no modelo de persecução penal adotado no Brasil. Essa configuração busca garantir o devido processo legal e refletir os princípios do Estado Democrático de Direito. As ações da Polícia Judiciária devem não só estar em acordo, mas também visar proteger e favorecer ativamente os direitos humanos no que lhe competir. Nesse órgão, a figura de destaque é a do delegado de polícia, agente público integrante de carreira jurídica de Estado, cuja esfera de atuação engloba também ações e decisões de cunho materialmente judicial. Este artigo, ao partir de fontes bibliográficas e jurisprudenciais, visa demonstrar a importância do órgão para a proteção dos direitos humanos na fase extrajudicial da persecução penal e defende as prerrogativas funcionais conferidas aos delegados de polícia como essenciais à melhor qualidade operacional.

Palavras-chave: Polícia Judiciária. Proteção. Aplicação. Investigação. Direitos Humanos.

Abstract: While the Judiciary is responsible for initiating the regular judicial process for the criminal responsibility of the individual, the Judiciary Police is responsible for the preliminary phase, that is, the investigation in the model of criminal prosecution adopted in Brazil. This configuration seeks to guarantee due process of law and reflect the principles of the Democratic State of Law. The actions of the Judiciary Police must not only be in agreement, but also aim to actively protect and promote human rights in what concerns them. In this body, the prominent figure is that of the chief of police, a public agent who is part of the legal career of the State, whose sphere of action also encompasses actions and decisions of a materially judicial nature. This article, based on bibliographical and jurisprudential sources, aims to demonstrate the importance of the body for the protection of human rights in the extrajudicial phase of criminal prosecution and defends the functional prerogatives conferred on police chiefs as essential to better operational quality.

Keywords: Judiciary police. Protection. Application. Investigation. Human Rights.

Sumário: Introdução. 1. A função constitucional da polícia judiciária; 2. Modelo de persecução penal adotado no Brasil; 3. O delegado de polícia e seu poder decisório; 4. A atuação na defesa das minorias e dos vulneráveis; 5. A aplicação dos direitos humanos no inquérito policial; 6. Conclusão; Referências.

Introdução

O Estado de Direito, consagrado por valores democráticos e avanços jurídicos decorrentes de seu processo evolutivo com as relações produzidas na órbita internacional, possui o dever de reconhecer e de promover a aplicação dos direitos humanos aos indivíduos que ocupam seu território, independentemente da sua nacionalidade ou status.

Nessa tarefa, considerando a excepcionalidade da vedação à escravidão e a proibição da tortura, todos os demais bens jurídicos podem ser relativizados, mas exigem do Estado o respeito às garantias processuais penais fundamentais para que possa intervir na esfera das liberdades individuais do cidadão. Isto importa dizer que o Estado encontra limites em sua ação investigatória e punitiva, sobretudo quando esbarra em direitos inerentes à condição e à existência humana, por isso, é compelido a seguir conforme a disciplina jurídica vigente. Essa observância deve ocorrer por seus órgãos, dentre eles, a Polícia Judiciária, instituição permanente e responsável pela investigação criminal preparatória de eventual ação penal, no exercício do jus puniendi em face do autor de uma infração penal.

Nesse quadro, a função de polícia judiciária se dá por meio de instrumentos e de procedimentos legais previstos pelo ordenamento jurídico, de modo a viabilizar a formação de provas para a análise do órgão julgador competente, o qual decidirá pela responsabilidade penal do indivíduo. Assim, os procedimentos de polícia judiciária, sob a luz da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) corporificados por tratados e convenções que obrigam o Brasil, com o cotejo de valores supremos como a dignidade da pessoa humana, adquiriram ares garantistas na produção probatória e adoção de medidas restritivas de direitos.

Desta forma, a responsabilidade penal deve seguir o percurso estabelecido pelo devido processo legal, norteado por princípios e regras que guardam correspondência aos preceitos firmados pelos diplomas internacionais na matéria. Portanto, os procedimentos de polícia judiciária materializados essencialmente pelo inquérito policial e seus instrumentos legais reproduzem no contexto atual muito mais do que um conjunto de diligências destinadas a demonstrar a existência de prova da materialidade de uma infração penal e indícios de sua autoria, mas verdadeiro mecanismo de proteção dos direitos humanos proclamados internacionalmente e de promoção da dignidade humana.

  1. A função constitucional da Polícia Judiciária

A Polícia Judiciária, conforme o sistema instituído pelo ordenamento jurídico brasileiro, é o órgão público responsável pela investigação criminal correspondente à primeira fase da persecução penal. Compete a ele exercer a função preparatória ao exercício da ação penal pelo seu titular a fim de viabilizar a consecução do jus puniendi estatal. A investigação criminal não é tarefa exclusiva da Polícia Judiciária, pois essa função não foi afastada da esfera de atribuições de outros órgãos – como do Ministério Público (MP), por meio do Procedimento Investigatório Criminal (PIC), das Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs), além de situações específicas quando envolvem integrantes de Poderes, da magistratura e do MP, nas quais o chefe da instituição direciona o encaminhamento do caso.

Apesar das exceções indicadas, a investigação criminal fica essencialmente a cargo da Polícia Judiciária, a qual, em âmbito da União, é representada pela Polícia Federal e nos Estados, pelas Polícias Civis. Vale destacar, instituições permanentes, dirigidas por delegados de polícia de carreira, subordinadas administrativamente ao chefe do poder executivo e ao titular da pasta correspondente em cada esfera de governo. Ressalta-se que a Polícia Judiciária quando nos referimos a ela “com letra maiúscula” é do órgão que estamos a tratar, ao passo que a expressão polícia judiciária “com letra minúscula”, diz respeito à atividade, a uma das tarefas a ela reservadas pelo constituinte de 1988 ao disciplinar a estrutura do sistema de segurança pública ao lado da apuração de infrações penais e sua autoria, conforme se vê abaixo (BRASIL, Constituição Federal 1988):

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital (grifos nosso)

Assim, a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) atribuiu à Polícia Federal a tarefa de apurar infrações penais perpetradas em prejuízo de determinados bens jurídicos, além de conferir-lhe a função de polícia judiciária da União, nos termos previstos pelo dispositivo pertinente (BRASIL, Constituição Federal 1988)):

Art. 144. […]

I – polícia federal;

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:”(Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; […]

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Depreende-se, então, que a apuração de infrações penais não se confunde com a função de polícia judiciária, mas nela se insere como espécie do gênero, ou seja, a função de polícia judiciária engloba a apuração de infrações penais praticadas contra os bens jurídicos pertencentes à União federal, além das atribuições de auxílio aos órgãos do Poder Judiciário e Ministério Público Federais.

Em âmbito estadual, a função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, por mandamento constitucional, são executadas pelas Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal (art. 144, § 4º, da CF/1988), constituídas por instituições de Estado, dirigidas por delegados de polícia de carreira, consoante a disciplina jurídica do ente federado respectivo.

Segundo HOFFMANN (2017b, p. 129):

Dúvidas não existem de que as funções de polícia judiciária e de apurações de infrações penais qualificam-se como essenciais e exclusivas de Estado. O delegado de polícia ao conduzir a investigação criminal por meio dos vários procedimentos legais, de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, isenção e imparcialidade, exerce função de natureza jurídica e contribui decisivamente para a consecução do dever estatal de garantia da segurança pública.

Assim, a atuação da Polícia Judiciária, em nível federal ou estadual, é instrumento destinado a assegurar o respeito aos direitos humanos, pois referido órgão, por meio de sua autoridade, é o primeiro a analisar a conduta do cidadão e verificar se o seu comportamento encontra correspondência em um tipo penal que conduza à configuração de um ilícito criminal. Ademais, a Polícia Judiciária, no exercício de seu espinhoso mister, deve primar pela observância dos direitos humanos e fundamentais previstos ao indivíduo quando da sua prisão e, essencialmente, no transcorrer do inquérito policial, no qual é tênue a linha divisória entre a eficácia da investigação e o abuso.

O exame e a aplicação desses direitos, ainda na fase extrajudicial da persecução penal, situam a Polícia Judiciária como órgão encarregado da proteção dos direitos humanos do indivíduo suspeito da prática de um fato aparentemente criminoso. Importante frisar que o exercício dessa função, norteada pelas decisões fundamentadas da autoridade policial, visa à proteção de bens jurídicos essenciais ao ser humano, seja ele vítima ou investigado.

Destaque-se que, até mesmo quando a sua atuação não ocorre no campo criminal, no exercício de suas funções típicas, a Polícia Judiciária indiretamente contribui para promover os direitos humanos – a exemplo do direito à saúde. Em não raras ocasiões, aportam nos plantões de Polícia Judiciária genitores em desespero por não encontrarem medicamentos essenciais ao tratamento de seus filhos, os quais o Estado deveria disponibilizar gratuitamente. Nesses casos, o simples registro de um boletim de ocorrência por vezes pode viabilizar essa satisfação ou funcionar como documento probatório a instruir eventual pleito judicial nesse sentido.

Nessa senda, reconhece-se que na defesa e proteção dos direitos humanos a Polícia Judiciária percorre as gerações ou dimensões, na medida em que a atuação do órgão, por meio de seus agentes legalmente investidos, tutela em caráter preliminar e urgente de cognição sumária, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade e a esperança. A conduta resta clara nas ações e nas providências direcionadas ao respeito às liberdades públicas, no combate às discriminações em suas repugnantes vertentes, na proteção dos direitos difusos, coletivos e metaindividuais por meio da tutela penal do meio ambiente e dos consumidores, no direito à democracia com a aplicação dos tipos penais previstos no art. 359,“I” a “Q”, do Título XII, do Código Penal brasileiro e, na esperança com o direito à paz por meio da indispensável contribuição ao sistema de justiça.

As providências realizadas pela Polícia Judiciária ocorrem em uma fase preliminar, inicial da persecução penal, e são destinadas ao órgão do Poder Judiciário competente para o processo e o julgamento, ou seja, é órgão integrante da estrutura do Poder Executivo federal ou estadual conforme o caso, todavia, direciona a conclusão de sua tarefa a órgão inserido em outro Poder. Clara é a lição de COELHO (2017, p. 69):

Deste modo, apesar de impropriamente estar vinculada ao Poder Executivo e à sua típica estrutura de Administração Pública, a Polícia Judiciária não tem o produto final de seu trabalho destinado a esse Poder e muito menos suas atividades fins regradas por normas de Direito Administrativo, o que deixa nítida a essência judicial desse órgão e a natureza processual penal de suas funções.

A Polícia Judiciária, como instituição de Estado, pode ser considerada uma garantia processual de terceira geração, na medida em que sua presença e atividade de investigação conferida pela Constituição Federal de 1988 dentro do sistema processual penal de justiça revela-se indispensável ao devido processo legal. Portanto, a existência do órgão de Polícia Judiciária representa, em verdade, uma garantia do Estado de Direito ao cidadão, conferindo-lhe a certeza de que seu bem jurídico tutelado pela lei penal, posto sob ameaça de violação, será apreciado por uma autoridade pública, com formação jurídica e capacitação técnica-profissional exigidas para o cargo, acessível 24 horas por dia até mesmo nos mais inóspitos rincões do país.

  • Modelo de persecução penal adotado no Brasil

Antes de se adentrar ao modelo de persecução penal vigente no Brasil, a fim de esclarecer o papel da Polícia Judiciária e do delegado de polícia, importante traçar um breve paralelo com os sistemas adotados em outros países, essencialmente no que tange ao modelo de investigação criminal como primeira etapa da persecução penal estatal na busca pela responsabilidade criminal do autor de uma infração penal. Neste contexto, observa-se o modelo desenvolvido, por exemplo, pela França e pela Espanha, em que a investigação criminal é atribuída ao Poder Judiciário, e é conduzida por um juiz, denominado juiz de instrução, a quem compete reunir provas e elementos de informação capazes de ensejar o início do processo criminal.

Nesse modelo, a figura do juiz não se confunde com o chamado “juiz de garantias”, como membro do Poder Judiciário, inerte, e que somente atua quando provocado a decidir sobre matérias sujeitas à reserva absoluta de jurisdição ou a tutela de direitos fundamentais dos indivíduos durante o procedimento investigatório. Nesse sentido, é a observação de SANNINI NETO (2021, p. 55):

É importante frisar que a figura do juiz investigador em nada se assemelha com o chamado “juiz de garantias” que tem competência para atuar na fase preliminar ao processo para deliberar sobre medidas sujeitas à reserva de jurisdição, atuando como um supervisor das investigações, mas de forma absolutamente inerte, agindo sempre mediante provocação, como um guardião dos direitos e garantias fundamentais.

Desta forma, o juiz de instrução é o titular da investigação criminal e o produto de seu trabalho é destinado ao órgão acusatório do Ministério Público, encerrando sua participação, pois se iniciado o processo, será da competência de outro magistrado julgá-lo, afastando assim qualquer ideia de juiz inquisidor. Relevante também trazer neste estudo breves considerações acerca do modelo de investigação criminal que contempla o Ministério Público como titular dessa fase autônoma, a cargo de um promotor de justiça a tarefa de investigar os fatos e produzir as provas necessárias ao início do processo penal. Esse modelo é observado na Itália e em Portugal, países nos quais o promotor tem autonomia e comanda a investigação criminal, podendo valer-se do auxílio da Polícia Judiciária, contudo, independente dela.

Nesse modelo, em síntese, o Ministério Público, ao receber a notícia de um fato aparentemente criminoso, dá início às investigações. Todavia, se houver necessidade de se tomar medidas cautelares e investigatórias sujeitas à reserva de jurisdição, o promotor responsável deverá pleiteá-las perante o juiz para o prosseguimento.

O modelo de investigação criminal utilizado pela Polícia Judiciária pátrio, inspirado no modelo inglês, mas também praticado na Nova Zelândia, na Irlanda e na Austrália, concentra nesse órgão as atribuições de buscar esclarecer as infrações penais e suas respectivas autorias, encaminhando o resultado de seu trabalho ao Poder Judiciário, com o escopo de se dar início, pelo titular da ação penal, ao regular processo judicial. Ao contrário dos modelos anteriores, sob essa sistemática, a Polícia Judiciária é a titular da investigação criminal, cuja atividade-fim se sujeita ao controle externo exercido pelo Ministério Público e ao final, pelo Poder Judiciário.

Nesse cenário, a Polícia Judiciária, por meio do delegado de polícia e com o auxílio indispensável de seus agentes, estabelece o direcionamento a ser conferido à investigação logo após o conhecimento do fato criminoso, procurando concluir sobre sua autoria e motivação. Durante o avanço do trabalho, ao encontrar limites em direitos fundamentais, necessária a intervenção judicial para conceder medidas mais incisivas como prisão temporária e preventiva, interceptações telefônicas e busca e apreensão. A concentração dos atos e dos meios de investigação pela Polícia Judiciária é assim descrita por LOPES JÚNIOR e GLOECKNER (2014, p. 126):

É importante destacar que nesse sistema, a Polícia não é um mero auxiliar, senão titular (verdadeiro diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer a forma e os meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que existe uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores.

Aqui, são apontadas as vantagens desse modelo de investigação em relação aos demais, seja do juiz de instrução ou o do promotor-investigador. Algumas delas são evidentes no modelo de investigação pela Polícia Judiciária. Em primeiro lugar, há que se reconhecer a especialização, ou seja, o Estado por meio de seus órgãos e instituições deve se especializar no cumprimento de determinadas tarefas, qualificando e otimizando os serviços oferecidos à sociedade de maneira que ao concentrar sua atuação em uma missão específica, a tendência é exercê-la com maior eficiência.

Outra característica vantajosa a ser ressaltada em comparação aos demais modelos, é a de que os organismos policiais, sobretudo a Polícia Judiciária, está presente em todo o território estatal, o que é fundamental quando se consideram extensões continentais, contando ainda com a possibilidade de maior rapidez nos deslocamentos para o atendimento dos mais variados casos. Aliás, uma das mais fortes razões para a opção do legislador de 1941 quando editou o vigente Código de Processo Penal na manutenção do inquérito policial seria a grande dimensão do território nacional; o modelo era, então, o que melhor atendia às necessidades da realidade à época.

A imparcialidade também deve se sobressair como ponto positivo do modelo de investigação, pois ao não figurar como parte no eventual processo, a Polícia Judiciária pode conduzir seu trabalho com isenção sobre este aspecto e, desta forma, se coadunar ao sistema de persecução penal acusatório contemplado pela Constituição Federal de 1988 na defesa dos direitos fundamentais. No tocante às desvantagens, o ponto nevrálgico é o fato de as Polícias Judiciárias, nos âmbitos federal e estadual, pertencerem à estrutura do Poder Executivo. Isto porque, apesar de suas direções pertencerem aos delegados de polícia de carreira com independência funcional de atos e convicções jurídicas, estão suscetíveis a ingerências de governos norteados algumas vezes por interesses nada republicanos.

Trata-se, portanto, de um modelo de investigação preliminar em que a Polícia Judiciária conclui o inquérito policial com autonomia e controle, no entanto, quando os atos investigatórios restringirem direitos fundamentais, observa-se ser necessária a intervenção judicial para a adoção das providências correlatas. Ademais, esse modelo de investigação criminal pela Polícia Judiciária é o que mais se encaixa com a sistemática bifásica consagrada pela persecução penal pátria, caracterizada por uma etapa preliminar, pré-processual, extrajudicial e por uma subsequente, após a conclusão do procedimento investigatório essencialmente representado pelo inquérito policial, com o recebimento da denúncia ou queixa-crime oferecida pelo titular da ação penal, dando ensejo ao início da relação jurídico-processual.

Pelas razões expostas, defende-se que a investigação criminal deve ser realizada pela Polícia Judiciária, conforme preconizado na Constituição Federal de 1988. Por isso, insiste-se que esse mister deve ficar a cargo de uma instituição com expertise na área, almejadamente fortalecida, idealizada com recursos humanos suficientes e capacitados a essa atividade-fim, materiais e equipamentos com padrões internacionais, independente e autônoma, estruturada em carreira e sob a direção de delegados de polícia. Apenas para sintetizar e fechar as razões do posicionamento que aqui se defende, vale recordar o “caso dos irmãos Naves”[2], em que a legítima autoridade policial foi destituída da investigação criminal e a apuração do fato foi transferida a militares da força pública que a conduziram de forma desastrosa, em total desrespeito à lei, utilizando práticas violentas à dignidade da pessoa humana e acarretando danos irreparáveis.

  •             O delegado de polícia e seu poder decisório

O delegado de polícia é o agente estatal incumbido, em regra, de iniciar a persecução penal em âmbito extrajudicial, conforme o ordenamento jurídico, e de presidir a etapa da investigação criminal que poderá viabilizar a propositura da ação penal por seu titular e o regular processo judicial a fim de responsabilizar o autor da infração penal. Em síntese, até para facilitar a compreensão da função exercida por este agente estatal e sua relevância perante o sistema constitucional, penal e processual penal pátrio, interessante apontar antecedentes históricos relevantes do cargo e da instituição policial no Brasil.

O conceito de delegado de polícia surgiu a partir da chegada da corte portuguesa, com a Intendência Geral de Polícia em 1762, trazida de Portugal, instituição que visava assegurar a segurança geral (pessoal e coletiva), além de possuir responsabilidades sobre obras públicas e o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. Era chefiada por um Desembargador nomeado, com status de Ministro de Estado, que decidia sobre comportamentos considerados criminosos, estabelecia a punição, prendia, levava a julgamento e supervisionava a sentença.

Com a missão de auxiliar o Intendente Geral, foram criados dois cargos de “juiz do crime”, cada qual responsável por um dos dois distritos da cidade do Rio de Janeiro, nos quais realizavam funções policiais e judiciais. A partir daí, surgiu a ideia de “delegado”, pois esses juízes exerciam a autoridade em razão dos poderes dos quais eram investidos, ou seja, agente estatal apto a representar o Intendente Geral nas localidades, em razão da extensão do território nacional – “Investido de poderes delegados” – e acumulavam funções policiais e judiciais desde 1807.

Em 1827, as funções e os poderes dos “delegados de polícia” foram absorvidos pelos juízes de paz, cuja autoridade emanava da eleição local conforme o texto da Constituição Imperial de 1824. Com a Lei Imperial de 06 de junho de 1831 – nomeação de “delegados” pelos juízes de paz e, em seguida, o Código de Processo Criminal do Império de 1832 – afasta-se o delegado e são criados os “Inspetores de Quarteirão” como auxiliares dos juízes de paz. Essa condição permanece até a edição da Lei n. 261/1841 pela qual os chefes de polícia seriam selecionados dentre os desembargadores e juízes de direito; a nomeação de delegados passaria a ocorrer entre juízes e demais cidadãos com as funções de julgar e punir.

A edição da Lei n. 2.033/1871 consagrou a separação das funções policiais das judiciais, proibindo o julgamento de infrações penais pelos delegados, dando azo ao nascimento do inquérito policial, considerado o principal procedimento investigatório do qual dispõem as autoridades policiais até os dias de hoje. Em 1891, a Constituição da República construiu a estrutura do Estado brasileiro, atribuindo aos Estados-membros a tarefa de organizar e manter suas instituições policiais. Todavia, o sistema implantado em 1871 permanece contemplando o delegado de polícia, como agente do Estado e autoridade pública responsável pela presidência do inquérito policial.

Em 20 de junho de 2013, foi promulgada a Lei n. 12.830 cujos dispositivos pertinentes ao delegado de polícia e à investigação criminal por ele conduzida reforçaram a disciplina jurídica já existente no Código de Processo Penal em muitas das passagens as quais se dirige à autoridade policial, essencialmente o conteúdo dos arts. 4º ao 23. É o que observam PORTOCARRERO e PALERMO (2020, p. 524):

Atualmente o artigo 4º do Código de Processo Penal e os dispositivos constitucionais evidenciam a forma básica de atuação do Delegado de Polícia, corroborada pela Lei n. 12.830/2013, demonstrando a importância deste profissional no cenário processual penal brasileiro.

Assim, são estas as características que envolvem o cargo e a atividade desempenhada por esta autoridade pública – aliás, considera-se autoridade o servidor ou o agente público dotado de poder de decisão (Lei n. 9.784/1999, art. 1º, § 2º, III).

O delegado de polícia, apesar de estar vinculado administrativamente à Administração Pública do Poder Executivo, seja em âmbito federal ou estadual, em sua atuação funcional não está hierarquicamente subordinado a qualquer outro agente interno ou alheio aos quadros da instituição a qual pertence, pois goza de prerrogativas que lhe asseguram liberdade de convicção para os atos de polícia judiciária (Lei n. 12.830/2013, art. 2º). São garantias materiais decorrentes da autonomia e da soberania de suas decisões no tocante às suas funções constitucionais de investigar e de proceder a atos e medidas de polícia judiciária.

Essas prerrogativas situam o delegado de polícia com o status de agente político, responsável por concentrar o poder de polícia judiciária conferido pela CF/1988 e leis processuais penais que lhe conferem o legítimo exercício de funções judiciais por delegação. Isso decorre de sua formação jurídica e investidura em cargo público revestido com poderes de analisar juridicamente a captura, a detenção ou a liberdade do indivíduo de acordo com o caso concreto, de decretar a prisão em flagrante, conceder fiança, decidir pelo indiciamento, produzir provas, requisitar dados de operadoras de telefonia independentemente de ordem judicial em casos específicos, conceder medidas protetivas de urgência nas localidades em que não for sede de juízo, podendo a medida ser adotada pelo policial quando o Município não for sede de comarca (art. 12-C, II e III, Lei n. 11.340/2006) e restituir coisas apreendidas, dentre outras.

Especificamente quanto à possibilidade de arbitramento de fiança (art. 322 do CPP/1941), o delegado de polícia tem o poder-dever de verificar eventual concurso material de infrações penais ou outras causas de aumento e de diminuição de pena, para formar sua convicção jurídica e decidir de forma fundamentada acerca da concessão da contracautela. No âmbito da Polícia Civil paulista, o tema foi objeto de deliberação pela instituição[3].

Nesse aspecto, fica clara a função materialmente judicial do delegado de polícia, pois o sistema jurídico brasileiro não adotou o modelo de juizado de instrução de maneira que a expressão “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”, consagrada em textos internacionais[4] e precedentes da Corte IDH[5], autoriza a conclusão de que a referência a ele se direciona, como desdobramento do poder que lhe é conferido pela CF/1988.

O entendimento acima foi consagrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conforme se extrai de trecho do acórdão:

Inicialmente, quanto à alegada ilegalidade da prisão em flagrante, ante a ausência de imediata apresentação dos pacientes ao Juiz de Direito, entendo inexistir qualquer ofensa aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

Isto porque, conforme dispõe o artigo 7º, 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.

No cenário jurídico brasileiro, embora o Delegado de Polícia não integre o Poder Judiciário, é certo que a lei atribui a esta autoridade a função de receber e ratificar a ordem de prisão em flagrante.

Assim, in concreto, os pacientes foram devidamente apresentados ao Delegado, não se havendo em falar em relaxamento da prisão. Não bastasse, em 24 horas, o juiz analisa o auto de prisão em flagrante[6].

Nessa mesma linha de raciocínio, BARBOSA (2017, p. 40-41) complementa:

Não é por outra razão que defendemos há muito tempo que o delegado de polícia não é uma figura autômata no âmbito da investigação criminal, pois a todo instante exerce função imanente de decidir. E uma das mais importantes que dá sentido à sua função democrática, além da exclusiva função de investigar, é assegurar que ninguém será levado à prisão ou nela mantido por cabível liberdade provisória, ou até mesmo decidir pela não lavratura do auto de prisão em flagrante por estar calçada em prova ilícita, exercendo papel de verdadeira autoridade de garantias, função tipicamente judicial, que não se confunde com a estritamente jurisdicional, segundo interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ainda em sua função, o delegado de polícia desempenha juízos de prognose e diagnose, que consiste no exame dos fatos ocorridos a partir dos parcos dados informativos dos quais inicialmente dispõe, o primeiro deles, referente à sua capitulação técnico-jurídico e provisória ao tipo penal correspondente, analisa quais diligências legais deverá adotar para a investigação criminal do caso, ao passo que, no segundo, verifica ao final se o conteúdo probatório produzido no decorrer da apuração é capaz de subsidiar o indiciamento do investigado. Desta forma, com os contornos democráticos que balizam o inquérito policial, a decisão de indiciamento do investigado pelo delegado de polícia deve corresponder a um dos últimos atos do procedimento investigatório, seguido pela apresentação do relatório final e do encaminhamento à apreciação judicial.

Esses aspectos cristalizam o poder-dever decisório do delegado de polícia, desdobramento da sua independência funcional assegurada pela CF/1988, pela sistemática estruturada no CPP/1941, pela Lei n. 12.830/2013 e em normativas institucionais[7].

No contexto trazido até o momento, reconhece-se que o poder decisório do delegado de polícia, imanentes à sua independência funcional dos atos de polícia judiciária previstos pelo ordenamento jurídico, representa garantias à imparcialidade e isenção necessárias à missão constitucional. Mas, além disso, trata-se de garantia para a sociedade, no sentido de que o exercício dessa atividade, nos moldes mencionados, expressa o caráter democrático que referidos órgãos e agentes adquiriram após a promulgação da CF/1988.

Todo poder conferido aos agentes e órgãos do Estado, sobretudo aqueles que lidam com direitos humanos e fundamentais do indivíduo, deve encontrar limites e controle, interno e externo por outros órgãos, corolário do Estado Democrático de Direito. E, no caso da Polícia Judiciária, isso se dá pelas Corregedorias respectivas, pelo Ministério Público e em última etapa, pelo Poder Judiciário.

  •             A atuação na defesa das minorias e dos vulneráveis

As características institucionais da Polícia Judiciária e prerrogativas funcionais da autoridade policial, já mencionadas, funcionam como instrumento para a concretização da atividade na defesa dos direitos humanos, principalmente em relação a determinadas categorias. Nesse prisma, especial atenção deve ser dada pelo poder público tanto em relação à defesa, quanto à consecução de políticas públicas que busquem diminuir as práticas discriminatórias e sua inserção no corpo social.

As “minorias” são compreendidas por categorias ou grupos de pessoas com identidade própria em âmbito coletivo, pouca representatividade, diferenciadas de outros indivíduos no cenário de um Estado, pelas características da língua, nacionalidade, etnia, religião ou condição pessoal. São representadas principalmente pelos povos indígenas e tradicionais, imigrantes, refugiados e comunidade LGBTQIAP+. Os “grupos vulneráveis”, por sua vez, são categorias maiores de pessoas que por suas fragilidades carecem de proteção especial. Apesar de não integrarem as minorias, precisam de proteção especial. Trata-se de um segmento que alcança negros, mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, consumidores e pessoas economicamente desfavorecidas e em situação de rua.

A Polícia Judiciária é um dos órgãos públicos incumbidos dessa missão, através de sua função de apurar infrações penais e sua autoria, especificamente nesses casos, quando a conduta criminosa recair sobre uma dessas categorias. A relevante participação da Polícia Judiciária na proteção deste contexto se dá pela aplicação do ordenamento jurídico em âmbito extrajudicial, na fase de investigação criminal, com a adoção de providências destinadas a apurar condutas penalmente ilícitas perpetradas em face desses grupos e minorias. Especificamente relacionada ao combate da discriminação racial, um dos instrumentos legislativos de que o órgão dispõe para reprimir condutas atentatórias à dignidade humana direcionadas à segregação do indivíduo do convívio social em razão da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, é a Lei n. 7.716/1989, a qual em seus arts. 3º a 20 descreve as infrações penais correlatas ao tema.

Em recente decisão de 28-10-2021, no julgamento do HC 154.248, o STF adotou o entendimento de que a infração penal de injúria racial prevista no art. 140, §3º, do Código Penal brasileiro é equiparada para fins prescricionais ao crime de racismo descrito na Lei n. 7.716/1989. Essa decisão seguiu ao encontro das premissas contidas na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 07-03-1966 e promulgada internamente pelo Brasil por meio do Decreto n. 65.810/1969. A Lei nº14.532 de 11 de janeiro de 2023 resolveu essa questão ao inserir a injúria racial no rol dos crimes da Lei de combate ao racismo, com pena mais severa, alterando a redação do citado dispositivo do Código Penal brasileiro.

Além disso, anteriormente, a Suprema corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26 e Mandado de Injunção n. 4.733, já havia reconhecido a omissão legislativa do Poder Legislativo Federal e se posicionado quanto à incidência da Lei n. 7.716/1989 aos casos de homofobia e de transfobia. Assim, as condutas criminosas que encontrarem adequação típica aos preceitos primários do diploma legal receberão o tratamento penal e processual penal por ele dispensado. Referido posicionamento se alinha aos mandados constitucionais de criminalização previstos no art. 5º, XLI e XLII, da CF/1988, todavia, esse avanço significou um marco importante na proteção da comunidade LGBTQIA+, que permanece desamparada de legislação específica.

Outro instrumento legislativo em que a aplicação se dá de forma diuturna pelo órgão investigatório aqui tratado é a Lei n. 11.340/2006, introduzida no ordenamento brasileiro para a tutela da mulher vítima de violência doméstica e que traz em seu bojo um conjunto de preceitos e de mecanismos à disposição das autoridades para proteger este grupo em condição de vulnerabilidade. A lei é fruto de recomendações feitas ao Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instrumento de monitoramento no âmbito da Organização dos Estados Americanos que, após a apreciação do caso suportado por Maria da Penha Maia Fernandes em 1983, consagrou o ocorrido como o primeiro caso de aplicação da Convenção para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará), adotada em 09-06-1994 e promulgada internamente pelo Decreto n. 1.973/1996.

Quando de sua entrada em vigor, inicialmente, o diploma destinava sua proteção apenas à mulher, considerada a pessoa do sexo feminino que, em decorrência de um relacionamento amoroso ou afetivo, fosse agredida por seu companheiro no âmbito doméstico do lar ou em situações correlatas alcançadas pela norma. Estabelecia medidas protetivas de urgência, possibilidade de prisão em flagrante do autor do delito, decretação de prisão preventiva e imposição de penas mais elevadas no caso de agressão física à mulher, dentre outras medidas. Contudo, hoje, a norma alcança também as relações homoafetivas, de maneira que a proteção jurídica voltou seus olhos para a questão de gênero, considerando como referência ao campo de incidência e aplicação de seus dispositivos a identidade de gênero feminino, ou seja, como a pessoa se identifica na vida e nas suas relações sociais, amorosas e afetivas. Ainda no âmbito dessa proteção, vale frisar que o trabalho investigatório do órgão aqui estudado engloba a repressão legal aos crimes sexuais praticados contra o gênero feminino.

Dessa forma, para esses casos, desde que preenchidos os demais requisitos para a aplicação da lei, há que se aplicá-la sem restrições, pois só assim irá atender efetivamente à sua finalidade atual no combate a este tipo de violência, em sintonia com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. As crianças e os adolescentes também são objeto de proteção especial por meio da Lei n. 8.069/1990, essencialmente no campo criminal, pois seus arts. 228 a 244-B preveem condutas penalmente ilícitas, voltadas à tutela dos bens jurídicos dos menores.

Recentemente, a Lei n. 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel[8], voltada para a proteção da criança e do adolescente, trouxe reflexos na legislação brasileira, introduzindo tratamento penal e processual mais severo para crimes praticados em face de menores de 14 anos, além de tipificar, em seus arts. 25 e 26, as condutas de descumprimento de medidas protetivas e falta de comunicação à autoridade pública nos casos de violência ou tratamentos inadequados ao menor[9]. Nessa seara, os órgãos de Polícia Judiciária atuam com as providências conforme as citadas legislações, visando à responsabilidade penal dos autores de crimes contra essas pessoas.

Outro grupo merecedor de atenção pelo legislador e pela Polícia Judiciária são os idosos, que encontram disciplina jurídica adequada às suas condições e abrigo legal na esfera penal através da Lei n. 10.741/2003 que, em seus arts. 96 a 109, tipifica diversas condutas criminosas discriminatórias e atentatórias à sua dignidade. Inobstante os dispositivos específicos, a Polícia Judiciária, na defesa dessas pessoas e na repressão dos crimes contra elas praticados, pode se utilizar subsidiariamente do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Já as pessoas com deficiência receberam tratamento jurídico por meio da Lei n. 13.146/2015, especialmente no âmbito penal, em seus arts. 88 a 91, com a previsão de tipos penais direcionados a coibir a discriminação e oferecer proteção a sua dignidade. Em razão da espécie e do patamar das penas previstas às infrações penais em tela, o inquérito policial é o principal procedimento investigatório do qual dispõe a Polícia Judiciária para apurar crimes perpetrados em face dessas pessoas.

Em relação aos consumidores, há proteção conferida pela Lei n. 8.078/1990, dada a sua vulnerabilidade na relação de consumo, geralmente numa condição de desvantagem em face de grandes empresas que possuem recursos financeiros e jurídicos mais abastados. Isso pode ser observado principalmente nas relações de consumo pela internet em que os consumidores eventualmente enfrentam lesões aos seus direitos, decorrentes de práticas abusivas realizadas virtualmente, meio pelo qual o autor da infração pode se ocultar pela dificuldade em ser rastreado ou utilizar provedores com sede em outros países.

Sob a perspectiva penal, o diploma traz em seus arts. 61 a 80 disposições penais e processuais penais para a responsabilidade criminal do infrator. Nesse sentido, a atuação da Polícia Judiciária é fundamental a partir da investigação criminal correlata e do esclarecimento da autoria do ilícito, a fim de submeter o investigado ao devido processo legal.

As pessoas em situação de rua, por sua vez, não têm uma legislação específica para protegê-las, o que não lhes retira ou diminui a condição de vulnerabilidade na qual estão envolvidas, pois são merecedoras de atenção por parte do Estado, sobretudo da Polícia Judiciária na tutela da dignidade humana quando figuram como vítimas de crimes. Neste caso, o órgão investigatório se vale do próprio Código Penal ou de leis especiais a depender do tema.

No caso dos indígenas, a Lei n. 6.001/1973 traz o Estatuto do Índio que prevê, em matéria penal, nos seus arts. 58 e 59, condutas criminosas que atentem contra a etnia. Quando a prática delitiva recair sobre esses povos como um todo, em razão do interesse da União ou de violação aos direitos humanos, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, V-A e XI, da CF/1988. Ressalvadas essas hipóteses, por força da Súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça[10], a competência será da justiça comum estadual, portanto, este critério será determinante para estabelecer a atribuição da Polícia Federal ou Civil na investigação dos crimes praticados contra os índios. Por seu turno, imigrantes e refugiados, assim como as demais categorias de minorias, diante de sua vulnerabilidade, também são merecedores de proteção de sua dignidade por parte do Estado. Nesse contexto, é importante a ação da Polícia Judiciária no intuito de reprimir na forma da lei condutas criminosas atentatórias aos seus direitos humanos e fundamentais.

Ao exercer o papel de proteção às minorias e vulneráveis, a Polícia Judiciária se depara com a interseccionalidade dos direitos humanos, prevista no art. 9º da Convenção de Belém do Pará, caracterizada pela vulnerabilidade decorrente de múltiplos fatores (raça, etnia, condição econômico-social, idade e gênero) que agravam o nível de violação. Esse contexto é percebido quando envolve negras, indígenas, imigrantes ou refugiadas, idosas e mulheres em situação de rua, quando vítimas de violência doméstica.

A tendência é a de que as Polícias Judiciárias se especializem cada vez mais no atendimento e na investigação de crimes praticados contra essas categorias e grupos, criando órgãos e selecionando agentes com o perfil compatível com as características e as necessidades de cada uma das temáticas. Diante disso, nota-se que o trabalho desempenhado pelas Polícias Judiciárias segue na linha pretendida pela vertente antidiscriminatória do direito, na aplicação do ordenamento jurídico, protegendo, respeitando e fazendo respeitar os direitos humanos.

  •             A aplicação dos direitos humanos no inquérito policial

No âmbito da Polícia Judiciária e do exercício de sua função, a liberdade é um dos principais bens jurídicos do ser humano, a apresentar altíssimo grau de relevância depois da vida. E é justamente nesse contexto que opera o referido órgão público, por meio de seu principal procedimento investigatório, o inquérito policial, previsto nos arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal.

Em que pese não consistir no objeto central deste artigo, e sem a pretensão de se aprofundar no instituto, reputa-se importante tecer breves considerações relativas ao procedimento, fundamentais à compreensão da aplicação dos direitos humanos pela autoridade policial. O inquérito policial consiste no conjunto de diligências investigatórias presididas pela autoridade policial e empreendidas por seus agentes, com o objetivo de esclarecer a autoria e as circunstâncias da infração penal, de maneira a angariar elementos de informação e de provas capazes de viabilizar a propositura da ação penal.

Em síntese, o inquérito policial é instaurado de ofício pela autoridade policial nos casos de ação penal pública incondicionada, por meio de requisição do Ministério Público, a partir de representação da vítima em casos de ação penal pública condicionada ou de requerimento do ofendido essencialmente nos casos de ação penal privada. O inquérito policial instaurado de ofício pela autoridade policial pode ocorrer sob duas formas: mediante o conhecimento decorrente de suas funções rotineiras acerca da ocorrência de uma infração penal ou por força de cognição em razão de prisão em flagrante, ambas envolvendo ilícito penal sujeito à ação penal pública incondicionada. Nos demais casos, há que se observar a satisfação das condições de procedibilidade exigidas para o início da persecução penal.

Mas não é só, o inquérito policial se revela como um instrumento legal a serviço dos direitos humanos, na medida em que bens jurídicos fundamentais à vítima como a vida, a liberdade em suas vertentes, a propriedade, a honra, a intimidade e a vida privada em geral são por ele protegidos quando da adoção de providências que almejam a responsabilidade penal do infrator. Isso fica claro essencialmente na prisão em flagrante, pois a natureza cautelar do ato e da decisão da autoridade policial, além de servir aos fins probatórios da persecução penal, se destina à proteção dos bens jurídicos acima exemplificados.

É nesse trabalho investigatório que a autoridade policial tem o poder-dever de adotar providências capazes de afetar o direito de liberdade do indivíduo, sujeitando-o, por exemplo, à prisão em flagrante decorrente de ordem por ela emanada. A intervenção estatal na liberdade deve obedecer a regramentos previstos na legislação interna, substancialmente no Código de Processo Penal, na Constituição Federal de 1988, nos tratados e nas convenções internacionais[11]. No âmbito regional interamericano, a Convenção Americana de Direitos Humanos se destaca na proteção à liberdade, conforme percebido em PIOVESAN e FACHIN (2019, p. 83):

O art. 7º da Convenção Americana consiste em amplo âmbito de proteção do aspecto pessoal dos direitos à liberdade e à segurança. A liberdade pode ser compreendida como a capacidade de fazer ou deixar de fazer o que é permitido, ou seja, é o direito de toda pessoa de “organizar, com arranjo legal, sua vida individual e social conforme suas próprias opções e convicções”. A segurança, por seu turno, constitui a “ausência de perturbações que restrinjam ou limitem a liberdade além do razoável”.

Percebe-se, assim, que o direito à liberdade, internacionalmente contemplado, é um instrumento para o exercício de demais direitos humanos, cada qual relacionado a um determinado aspecto, como a liberdade pessoal, de circulação, de manifestação do pensamento e de expressão.

Assim, a privação da liberdade deve atender aos padrões convencionais em relação aos seus aspectos materiais no que tange às causas e condições, além de se adequar aos aspectos formais referentes aos procedimentos disciplinados pela Constituição Federal de 1988 e pelas leis internas, que devem ostentar compatibilidade de seus dispositivos com o previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). Todavia, o texto da CADH não traz as hipóteses em que a privação da liberdade é considerada lícita, permitindo que referidos parâmetros sejam estabelecidos pela CIDH e pela Corte IDH. Ademais, segundo precedentes da Corte IDH[12], o registro das prisões e demais providências posteriores são garantias contra o desaparecimento forçado de pessoas e a violação de direitos humanos, além de instrumento para viabilizar o controle de legalidade dos atos e decisões correlatas.

Sob essa perspectiva, por meio do inquérito policial e da função exercida pelo delegado de polícia, são consagrados os preceitos contidos nos arts. 3º e 9º da DUDH; 9º do PIDCP; 7º da CADH; 5º da CF/1988, LVIII, LXI, LXII, LXIII, LXIV e LXVI e 283 do CPP/1941. Essa concretização mencionada acima fica evidente na repartição policial, pois a autoridade policial, desde o início da ocorrência, a partir da apresentação da pessoa conduzida sob “voz de prisão”, passa a analisar uma série de circunstâncias a fim de verificar a legalidade da captura e a fiel observância dos direitos do detido para registrar o fato e prosseguir com as providências subsequentes.

Primeiramente, o delegado de polícia deve verificar as condições físicas da pessoa apresentada, perquirindo a necessidade de atendimento médico e determinando, se for o caso, esse encaminhamento. Na sequência, quando o detido ingressar nas instalações e nas dependências da delegacia de polícia ou do distrito policial, deve ser-lhe assegurada a preservação de sua imagem, evitando exposição sem sua autorização ou de quem o assista juridicamente. A partir desse momento, a autoridade policial irá verificar se o fato perpetrado pelo conduzido encontra adequação típica e ilicitude, e se estão presentes os requisitos do estado flagrancial aptos a ensejarem a decretação de sua prisão sob esta modalidade cautelar.

Em relação ao indiciamento, a Lei n. 12.830/2013, o art. 2º, §6º, disciplinou que o ato deve ser fundamentado pelo delegado de polícia, com a indicação da autoria e da materialidade e suas circunstâncias, regra que diz respeito à etapa do inquérito policial em que o investigado estiver solto. Todavia, a exigência legal deve ser aplicada com maior razão nos casos em que o investigado for autuado e preso em flagrante, pois as razões da privação de sua liberdade devem ser expostas explicitamente aos órgãos de controle. Durante a formalização do auto de prisão em flagrante, outras garantias devem ser observadas e cumpridas para a regularidade do ato. O preso deve ser informado sobre os responsáveis por sua detenção, as imputações que lhe são atribuídas e os dispositivos legais violados por sua conduta, além do seu direito de permanecer em silêncio, de não produzir prova contra si mesmo e de entrevistar-se reservadamente com seu advogado.

Outro ponto a ser fielmente observado pela autoridade policial na busca por elementos de informação e provas que deverão instruir os autos do inquérito policial diz respeito à vedação constitucional ao uso de provas ilícitas ou ilegítimas. Seguindo essa diretriz, o detido deve ser encaminhado e submetido a exame de corpo de delito cautelar antes de ser recolhido à prisão.

As formalidades exigidas e relacionadas à prisão são encerradas pela autoridade policial com a comunicação imediata à autoridade judiciária competente e à família do preso no prazo legal. Deve-se providenciar o encaminhamento do detido à audiência de custódia conforme as normativas firmadas pela comarca responsável. Não é demais ressaltar que como decorrência das providências preliminares adotadas durante a prisão em flagrante do investigado, outras poderão ser requeridas em juízo e representarão a intervenção do Estado em suas liberdades fundamentais, como a inviolabilidade do domicílio, o sigilo das comunicações e de dados, o patrimônio por meio de buscas e apreensões ou outras medidas assecuratórias. Em todas elas, é tarefa da autoridade policial executar as medidas em respeito aos limites fixados pelo ordenamento jurídico.

Nesse passo, o trabalho da Polícia Judiciária, coordenado pelo delegado de polícia, é o primeiro juízo realizado pelo aparato estatal para a observância das garantias judiciais da pessoa previstas pelos dispositivos internacionais e internos. De se consignar ainda que atuação da Polícia Judiciária na proteção dos direitos humanos ganhou notoriedade durante a pandemia de Covid19, essencialmente em decorrência da edição da Lei nº14.010 de 10 de junho de 2020 com o estabelecimento de disciplina jurídica emergencial para a adoção de medidas de controle da doença. Em complemento, foram também editados atos normativos pelos Poderes executivos das três esferas de governo, visando o contingenciamento necessário para atender à realidade nacional.

Nesse passo, o poder público, por meio de seus órgãos responsáveis, realizou importante missão relativa à fiscalização do mercado quanto à observância das regras de segurança sanitária e combate ao abuso do poder econômico com a elevação desproporcional de alguns alimentos, medicamentos, insumos, combustíveis e produtos de higiene e limpeza. Durante a execução dessas tarefas, a Polícia Judiciária esteve à retaguarda dos órgãos e agentes públicos, viabilizando que além das medidas administrativas cabíveis, fossem também adotadas as providências em âmbito criminal pela prática de condutas ilícitas contra os consumidores, as relações de consumo, a ordem econômica e tributária, a saúde pública e o meio ambiente.

Assim, na repressão de tais ilícitos penais, contribuiu para que a população continuasse tendo acesso aos citados produtos com segurança e em conformidade com a política de preços condizente ao cenário brasileiro, protegendo bens jurídicos que afetam direta e indiretamente a dignidade humana. Observa-se, assim, que o trabalho da Polícia Judiciária por meio de seus procedimentos investigatórios, essencialmente pelo inquérito policial, não se reduz a investigar o fato e esclarecer sua autoria, mas funciona como mecanismo para garantir minimamente em solo extrajudicial os direitos humanos e fundamentais do indivíduo.

  • Conclusão

A presença de uma Polícia Judiciária forte e atuante dentro das regras convencionais e internas marca presença em um sistema de justiça criminal cada vez mais garantista e voltado para o exercício legítimo do poder de punir do Estado na repressão aos ilícitos penais praticados por um indivíduo. A função da Polícia Judiciária deve ser desempenhada conforme os padrões mínimos garantidores do respeito à dignidade da pessoa humana, patamar que somente será alcançado com o reconhecimento de que o trabalho de investigação deve ser destinado a um órgão capaz de assimilar essa responsabilidade e possuidor dessas características.

Este trabalho de investigação criminal envolve a intervenção estatal na esfera de liberdades fundamentais do indivíduo, direitos e garantias que devem ser relativizados para a defesa do interesse público e da paz social. Diante disso, o órgão responsável por essa atribuição deve ser habilitado tecnicamente para o cumprimento da tarefa sem ultrapassar a linha tênue que separa a eficiência administrativa, do excesso e do abuso. Na execução das suas atividades, a Polícia Judiciária dispõe de um conjunto normativo inserido no ordenamento jurídico com instrumentos e ferramentas legais para a consecução de sua atividade-fim, todavia, para o manejo do arcabouço mencionado, conta com um agente do Estado apto no aspecto jurídico e técnico.

Essa figura pública é o delegado de polícia, responsável pela coordenação de todo o trabalho investigatório realizado pelo mencionado órgão público, agente que dispõe do inquérito policial como principal instrumento legal para a sua missão, procedimento que não se resume ao papel de documentar a indicação da autoria e materialidade delitivas, mas de ferramenta à serviço da proteção dos direitos humanos. A existência da Polícia Judiciária como principal órgão de investigação criminal no sistema penal brasileiro representa equilíbrio, tendo em vista o modelo acusatório adotado pelo ordenamento, além de evidenciar que seu trabalho não se restringe à atividade investigatória, também se destina notavelmente à proteção dos direitos da pessoa humana.

Portanto, o respeito aos direitos humanos na realização da atividade de polícia judiciária e na apuração das infrações penais torna legítima a persecução penal do Estado em sua etapa preambular e assegura que o exercício de seu poder punitivo passou por um filtro capaz de detectar a presença de elementos probatórios mínimos ou de afastar a suspeita que inicialmente recaía sobre o indivíduo investigado.

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[1]Mestrando em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Especialista em Direito Processual Penal pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco (USF). Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo. Email: giulianosorge671@gmail.com

[2]O caso ocorreu em 1937 na cidade de Araguari/MG e ficou conhecido como um dos maiores erros judiciários do Brasil. Os irmãos Sebastião e Joaquim Naves foram suspeitos e acusados do homicídio de Benedito Pereira Caetano, o qual havia sumido da cidade repentinamente. Após ingerências estatais, a investigação do caso foi designada ao Tenente Francisco Vieira dos Santos, da Força Pública estadual, que conduziu a apuração dos fatos em desrespeito às leis, com a prática de tortura dos investigados, inclusive obrigando-os a presenciarem o estupro da própria mãe. Sem suportarem os abusos cometidos na investigação, os irmãos Naves confessaram um crime que não cometeram e foram condenados a 25 anos de prisão. Durante o cárcere, Joaquim Naves faleceu. Algum tempo depois, a “suposta vítima” reapareceu alegando ter deixado a cidade por conta de dívidas contraídas. O Estado de Minas Gerais foi condenado ao pagamento de uma indenização pelo erro cometido. Em 1964, Sebastião Naves faleceu.
MIGALHAS. Os irmãos Naves e um dos maiores erros judiciários do país. 10 abr. 2012. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/152842/os-irmaos-naves-e-um-dos-maiores-erros-judiciarios-do-pais. Acesso em: 18 dez. 2022.

[3]Recomendação DGP-4 de 21 de julho de 2011. “A liberdade provisória mediante fiança em face do limite estabelecido no art. 322 do Código de Processo Penal. O Delegado Geral de Polícia, Considerando que compete ao Delegado de Polícia a análise do fato que lhe é apresentado, a adequação típica e a consequente decisão sobre a possibilidade de colocação em liberdade do conduzido; Considerando que nos termos do art. 322 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.12.403/11, o Delegado de Polícia tem o poder-dever de conceder liberdade provisória mediante fiança ao preso que tenha praticado infração cuja pena privativa de liberdade não exceda a quatro (4) anos; Considerando que os Tribunais já se manifestaram no sentido de que o somatório deve ser considerado para a aplicação dos institutos trazidos pela Lei n. 9.099/95 (Súmula 723 STF; Súmula 243 STJ e Súmula 82 TJSP), demonstrando a compreensão do tema que deverá guiar as inovações trazidas pela Lei n.12.403/11; Considerando, finalmente, que o Delegado de Polícia é o agente a quem o Estado instituiu competência para analisar a relevância do fato apresentado, sob a ótica jurídico-penal, decidindo imediatamente a respeito sempre em defesa da sociedade e tendo como norte a promoção dos direitos humanos, recomenda: As Autoridades Policiais, ao decidirem sobre a liberdade provisória mediante fiança prevista no art. 322 do Código de Processo Penal, poderão analisar, de acordo com o seu convencimento jurídico, concurso material e outras causas de aumento e/ou diminuição de pena, decidindo motivada e fundamentadamente, a respeito da possibilidade ou não da concessão do benefício legal”.

[4] Art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

[5] Caso Jesus Velez Loor vs. Panamá de 23/11/2010, série C, n. 218, § 108.

[6] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Habeas Corpus Criminal 2016152-70.2015.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Guilherme de Souza Nucci, j. 12-05-2015.

[7] Em âmbito federal: Instrução Normativa n. 108-DG/PF, de 7 de novembro de 2016 que regulamenta a atividade de polícia judiciária da Polícia Federal e dá outras providências. No Estado de São Paulo: A Recomendação DGP 1 de 13 de junho de 2005 recomenda medidas para uniformizar os atos de Polícia Judiciária relativos ao auto de prisão em flagrante em face da alteração do art. 304 do Código de Processo Penal pela Lei n. 11.113/2005 e a Portaria DGP 18/1998 dispõe sobre medidas e cautelas a serem adotadas na elaboração de inquéritos policiais e para a garantia dos direitos da pessoa humana. LESSA, Marcelo de Lima. A independência funcional do delegado de polícia paulista. Jus.com.br. 21 jan. 2029. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70401/a-independencia-funcional-do-delegado-de-policia-paulista/3. Acesso em: 18 dez. 2022.

[8]O Caso Henry Borel refere-se ao assassinato do menino brasileiro Henry Borel Medeiros, de 4 anos, em 8 de março de 2021, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

[9] BRASIL. Lei n. 14.344/2022. Art. 25. Descumprir decisão judicial que defere medida protetiva de urgência prevista nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu a medida. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis; Art. 26. Deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra criança ou adolescente ou o abandono de incapaz: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos. § 1º A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte.§2º Aplica-se a pena em dobro se o crime é praticado por ascendente, parente consanguíneo até terceiro grau, responsável legal, tutor, guardião, padrasto ou madrasta da vítima. 

[10]Súmula 140, Terceira Seção, j. 18-05-1995, DJ 24-05-1995, p. 14853. ENUNCIADO: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.

[11] O direito à liberdade é previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, na Convenção Americana de Direitos Humanos e em outras convenções de proteção regional.

[12] Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores vs. México de 26/11/10. Série C, n. 220, §243.