A LEI Nº 14.382, DE 27 DE JUNHO DE 2022 E A QUESTÃO DA APLICAÇÃO DA CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS OU CORRIDOS DOS PRAZOS PROCESSUAIS, MATERIAIS, PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS NO ÂMBITO DO SISTEMA NOTARIAL E REGISTRAL
1 de junho de 2022LAW Nº. 14.382, OF JUNE 27, 2022 AND THE ISSUE OF APPLYING THE COUNTING IN BUSINESS OR CALENDAR DAYS OF PROCEDURAL, MATERIAL, PROCEDURAL AND PROCEDURAL DEADLINES IN THE SCOPE OF THE NOTARIAL AND REGISTRAL SYSTEM
Cognitio Juris Ano XII – Número 40 – Junho de 2022 ISSN 2236-3009 |
Autores: João Henrique Tatibana de Souza[1]. Artur César de Souza[2]. Rogério Mollica[3]. Francis Marília Pádua[4] |
Resumo: O presente artigo faz um recorte epistemológico em relação ao conteúdo normativo da medida provisória nº 1.085, de 27 de dezembro de 2021, convertida na Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, para realizar uma análise específica quanto a aplicação da contagem em dias úteis ou corridos dos prazos processuais, materiais e procedimentais, discorrendo sobre as suas respectivas naturezas jurídicas, bem como a incidência de diversos princípios constitucionais e processuais como a celeridade, eficiência, ampla defesa, segurança jurídica e contraditório no âmbito do sistema notarial e registral.
Palavras-Chave: Contagem; Prazos; Princípios; Notarial.
Abstract: This article makes an epistemological cut in relation to the normative content of provisional measure nº 1085, of December 27, 2021, converted into Law nº 14,382, of June 27, 2022, to carry out a specific analysis regarding the application of counting in working or calendar days of procedural, material and procedural deadlines, discussing their respective legal natures, as well as the incidence of various constitutional and procedural principles such as celerity, efficiency, ample defense, legal and adversarial security within the scope of the notarial and registry system.
Keywords: Count; deadlines; Principles; Notarial.
INTRODUÇÃO
Em 28/12/2021 foi proposta pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro a Medida Provisória n° 1085, de 2021 que dispôs sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP, de que trata o art. 37 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e se propôs a modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e de incorporações imobiliárias, de que trata a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (BRASIL, MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.085, 2021).
Na data de 31 de maio de 2022, o Congresso aprovou o texto da medida provisória com diversas alterações promovidas pelo Senado Federal e, por isso, retornou à Câmara Federal. No mesmo dia, os deputados aprovaram as mudanças efetuadas pelos senadores, sendo que o Presidente da República sancionou parcialmente, o texto final na data de 27 de junho de 2022, sendo convertida na Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022.
A aplicabilidade da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 é dirigida às relações jurídicas que envolvam oficiais dos registros públicos e aos usuários dos serviços de registros públicos.
É perceptível que a grande maioria dos dispositivos normativos da lei se relacionam com o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP. Porém existem outros pontos que foram tratados, como a alteração de diversos prazos referentes a diversas leis de registros públicos, mostrando que o espírito da medida provisória foi o de dar celeridade, eficiência e desburocratizar os registros públicos.
O presente artigo procura fazer um recorte epistemológico dos dispositivos previstos na medida provisória convertida em lei, para fazer uma análise específica quanto aos prazos que foram alterados por ela.
E como será demonstrado, existem lacunas na redação da nova lei que acarretam em diversas dúvidas sobre a contagem dos prazos e sobre a natureza jurídica de tais prazos, tendo em vista que a redação aprovada parece ser genérica em alguns pontos, sem detalhar pormenores importantes para a escorreita contagem dos prazos no âmbito do sistema notarial e registral.
1 A NATUREZA JURÍDICA DOS PRAZOS DE DIREITO MATERIAL, PROCESSUAL E PROCEDIMENTAL NO ÂMBITO DO SISTEMA REGISTRAL/NOTARIAL E A SUA CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS OU CORRIDOS
1.1 DIFERENÇA ENTRE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL
As normas de direito processual se relacionam com o processo, sendo que este não é um fim em si mesmo, mas tão somente um instrumento para tornar efetivo o direito material. O direito material diz respeito aos bens da vida, ou aos também chamados bens jurídicos, que são assegurados aos indivíduos por meio da lei. Contudo, nem sempre esses direitos são respeitados pelos demais indivíduos ou coletividade (GONÇALVES, 2004, p. 3).
Portanto, aquele que se diz titular de um direito substancial, pode postular em juízo a intervenção do Estado, para que seja possível a recomposição do seu direito lesado, fazendo-o valer. Para que o Estado possa decidir sobre a pretensão formulada, concedendo-lhe ou não a tutela, é necessária a existência de um processo. Quem ingressa em juízo não busca o processo como um objetivo, um fim em si mesmo, mas o utiliza como um meio para que se possibilite a obtenção da efetividade do direito substancial (GONÇALVES, 2004, p. 4).
Dessa forma, o exercício da atividade jurisdicional do Estado, pelos órgãos do Poder Judiciário ocorre por meio do processo, sendo que este é desencadeado pelo exercício do direito de ação. E dentro do processo são realizados diversos atos processuais que são interligados entre si, se sucedendo uns aos outros, mediante um movimento ditado pelas regras de procedimento. O processo de conhecimento nasce com o exercício do direito de ação e se desenvolve pela prática de atos processuais que são encadeados de forma organizada e de acordo com o procedimento e chega ao final por meio da prolação de uma sentença de mérito. Os atos processuais são os realizados no curso do processo e sua realização se atém a limites temporais, sempre determinados no texto da lei processual (WAMBIER, TALAMINI, ALMEIDA, 2008, p. 225).
Para que o processo possa seguir em direção a seu fim, isto é, a efetiva prestação da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário, a realização dos atos processuais que darão forma ao processo, e que são organizados de acordo com cada procedimento, necessita respeitar limites específicos e predeterminados de tempo (WAMBIER, TALAMINI, ALMEIDA, 2008, p. 225-226).
Cada ato deve possuir um prazo máximo, dentro do qual deve ser realizado, sob pena de, não o sendo, sujeitar aquele que seria responsável à sujeição a determinadas consequências processuais. Esse espaço de tempo no qual deve ser realizado o ato processual, possui um termo inicial, um momento de início da contagem do respectivo prazo (dies a quo) e um termo final, ou seja, um momento em que o prazo se expira (dies ad quem) sujeitando o titular do ônus ou do dever à respectiva consequência (WAMBIER, TALAMINI, ALMEIDA, 2008, p. 225-226).
A existência dos prazos serve para balizar no tempo o exercício das diversas posições jurídicas nas quais os seus participantes titularizam ao longo do procedimento. A observância dos prazos constitui um direito das partes, bem como uma garantia de igualdade e segurança ao longo do processo (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 353).
Quatro critérios diferentes podem ser utilizados para classificar os prazos: a) quanto à origem os prazos podem ser legais ou judiciais (art.218, CPC); b) quanto ao descumprimento, próprios ou impróprios (art. 223, CPC); c) quanto à exclusividade, comuns ou particulares, e d) quanto à atuação, de atuação ou de espera. Com o atendimento de pressupostos, todos os prazos legais podem ser alterados, conforme Arts. 139, VI; 189; 190 e 222, § 1º, todos do CPC. Percebe-se, portanto, que a antiga dicotomia entre prazos peremptórios e prazos dilatórios perdeu grande parte de sua relevância (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 353).
Quanto aos prazos relacionados ao âmbito do direito notarial e registral, esses em tese, não se relacionam com os prazos processuais, mas sim com o direito material no âmbito dos registros públicos, tendo em vista que são prazos estipulados para a realização dos procedimentos no âmbito registral, não possuindo vinculação ao processo civil em uma primeira vista.
O professor Guilherme Loureiro, afirma que existe uma diferença entre o direito processual civil e o direito registral e notarial:
Vale dizer, mediante o labor destes profissionais do direito, que se dá com a observância das regras legais e demais fontes do direito, a relação jurídica material se converte em uma relação jurídica distinta, de natureza formal, criada em função da necessidade de conferir validade e eficácia a certos negócios jurídicos, bem como aferir autenticidade, legitimidade e conservação a fatos jurídicos, tudo em prol da garantia de maior segurança do tráfico de bens e dos direitos pessoais e patrimoniais das pessoas. Podemos afirmar que estes ramos do direito têm por objetivo o desenvolvimento normal e sadio das relações jurídicas, mediante regras, princípios e instituições que tendem a evitar sua situação anormal, patológica ou duvidosa, que poderia levar as pessoas a conflitos e diferenças na defesa das pretensões resultantes de ditas relações. Não obstante, ao contrário do direito processual, exemplo clássico de direito adjetivo, os direitos notarial e registral não visam à solução de diferenças ou regramentos de litígios, mas sim evitar o surgimento de conflitos. Há uma clara distinção nas finalidades destes dois ramos de direito adjetivo que obviamente se reflete nas regras, princípios e instituições que lhe são próprios e conferem-lhe aspectos peculiares e singulares: o direito processual é um direito restaurador ou reparador que permite a aplicação das normas de direito substantivo a um determinado caso concreto; enquanto o segundo é preventivo e busca o estabelecimento da presunção de certeza e validez dos atos e negócios jurídicos, não apenas em relação aos demais particulares, mas também em face do Estado (LOUREIRO, 2018, p. 47-48).
Já o Provimento nº 58/89 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo que estabelece as Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais em seu TOMO II, de maneira diferente, dispõe que existe uma diferenciação entre prazos de ordem material e processual dentro do próprio sistema registral e notarial:
13. Respeitadas as particularidades de cada serviço, as disposições previstas no Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça aplicam-se a todos os notários e registradores, bem como, no que couber, aos responsáveis pela serventia.
13.1. Contam-se em dias corridos todos os prazos relativos à prática de atos registrários e notariais, quer de direito material, quer de direito processual, aí incluídas, exemplificativamente, as retificações em geral, a intimação de devedores fiduciantes, o registro de bem de família, a usucapião extrajudicial, as dúvidas e os procedimentos verificatórios (CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PROVIMENTO Nº 58, 1989).
Ou seja, segundo esse provimento, nem todos os prazos que se relacionam ao sistema registral e notarial são de direito material, sendo que alguns são de direito processual. Percebe-se também, que antes do advento da medida provisória, no Estado de São Paulo, os prazos materiais e processuais relacionados aos serviços extrajudiciais eram contados em dias corridos, mesmo com o advento do CPC de 2015 que estabeleceu a contagem dos prazos processuais em dias úteis para os prazos processuais.
Como visto acima, alguns autores, como o professor Guilherme Loureiro, entendem que o sistema dos registros públicos é apartado do processo civil, sendo que sua característica essencial é vinculada somente ao direto material. Alguns prazos existentes na Lei 6.015/73 são mesmo de natureza estritamente material, conforme se nota no art. 50 da Lei 6.015/73:
Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1973).
Note-se que é um prazo que não decorre de um procedimento ou processo para cumprimento de ato procedimental ou processual. Aproxima-se da natureza jurídica de um prazo decadencial (prazo decadencial para o registro normal, que se não realizado deve ser realizado o registro tardio) direcionado ao usuário do serviço registral.
Contudo, na Lei 6015/73 também existem prazos de natureza estritamente processual, pois se relacionam com procedimentos que serão decididos por um juiz de direito, conforme se verifica nos artigos referentes à habilitação para o casamento:
Art. 67. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes, que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem. (Renumerado do art. 68, pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 1º Se estiver em ordem a documentação, o oficial de registro dará publicidade, em meio eletrônico, à habilitação e extrairá, no prazo de até 5 (cinco) dias, o certificado de habilitação, podendo os nubentes contrair matrimônio perante qualquer serventia de registro civil de pessoas naturais, de sua livre escolha, observado o prazo de eficácia do art. 1.532 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 2º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 3º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 4º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 4º-A A identificação das partes e a apresentação dos documentos exigidos pela lei civil para fins de habilitação poderão ser realizadas eletronicamente mediante recepção e comprovação da autoria e da integridade dos documentos. (Incluído ela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 5º Se houver impedimento ou arguição de causa suspensiva, o oficial de registro dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem, em 24 (vinte e quatro) horas, prova que pretendam produzir, e remeterá os autos a juízo, e, produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes, no prazo de 3 (três) dias, com ciência do Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em 5 (cinco) dias, decidirá o juiz em igual prazo. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 6º Quando a celebração do casamento ocorrer perante oficial de registro civil de pessoas naturais diverso daquele da habilitação, deverá ser comunicado o oficial de registro em que foi realizada a habilitação, por meio eletrônico, para a devida anotação no procedimento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 7º Expedido o certificado de habilitação, celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar solicitados pelos nubentes e designados pelo oficial de registro. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 8º A celebração do casamento poderá ser realizada, a requerimento dos nubentes, em meio eletrônico, por sistema de videoconferência em que se possa verificar a livre manifestação da vontade dos contraentes. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1973).
Ocorre que tal diferenciação entre prazos de direito material e processual, entre prazos que são de responsabilidade de cumprimento direcionada aos usuários dos serviços notariais e registrais e outros que são direcionados aos próprios notários e registrados, não foram objeto de diferenciação pela nova redação dada ao § 3º do Art. 9º da Lei 6.015/1973 (que dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências):
Art. 9º. Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.
[…]
§ 3º A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1973).
Houve somente uma disposição ampla e genérica de que a contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil, sem qualquer detalhamento sobre quais seriam esses prazos.
Pela literalidade do texto legal, pode-se entender que houve uma equiparação legal dos prazos materiais dos registros públicos para que sejam observados os critérios estabelecidos na legislação processual civil, ou seja, pela redação legal, as regras e princípios dos prazos no âmbito do direito processual devem ser utilizados como parâmetro de análise de todos os prazos (tanto materiais quanto processuais) utilizados nos procedimentos de registros públicos.
Todavia, pela redação do Art. 219 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil, pode ser constatado que a contagem dos prazos em dias úteis somente se refere aos prazos processuais:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2015).
Tal diferenciação também é encontrada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em recente acórdão proferido no REsp 1763736 RJ (2018/0225179-5) proferido em sessão da 4ª Turma realizada em 14/06/2022, sendo que restou consignado que o prazo de 30 dias para apresentação do pedido principal nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente (previsto no artigo 308 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) possui natureza processual e deve ser contado em dias úteis (STJ, NOTÍCIAS).
De acordo com o voto do relator do recurso no Superior Tribunal de Justiça, ministro Antonio Carlos Ferreira, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é unânime ao considerar decadencial a natureza jurídica do prazo previsto no artigo 806 do Código de Processo Civil de 1973, que estabelecia o prazo de 30 dias para a propositura da ação principal após a efetivação de medida cautelar preparatória (STJ, NOTÍCIAS).
A modificação de entendimento ocorreu somente com a vigência do novo Código de Processo Civil de 2015, que estabeleceu uma alteração, onde o pedido principal deve ser formulado pela parte autora nos mesmos autos da tutela cautelar deferida. Sendo assim, pelo código atual, não se está tratando de lapso temporal para ajuizamento de uma ação, sujeita, por exemplo, aos prazos materiais de prescrição e decadência, mas sim de prazo para a prática de um ato interno do processo, com previsão de ônus processual no caso do seu descumprimento (STJ, NOTÍCIAS).
Assim, como o prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil de 2015 se relaciona diretamente à prática de um ato processual de peticionamento e, consequentemente, à efetivação da prestação jurisdicional, possui, por desencadeamento lógico, natureza processual, a ensejar a aplicação da forma de contagem em dias úteis estabelecida no artigo 219 do CPC/2015 (STJ, NOTÍCIAS).
Portanto, deve existir uma diferenciação entre os prazos de natureza processual dos prazos de natureza material no âmbito da atividade notarial e registral, pois tal segmentação é importante para a aplicação da contagem dos prazos em dias úteis nos moldes da legislação processual civil.
Importante frisar que a natureza jurídica dos atos processuais onde existe a atuação de juízes e promotores no âmbito do sistema notarial e registral não é jurisdicional, mas sim procedimental administrativo. Mediante a atuação de juízes que possuem a função de corregedores permanentes, diretores de foro, corregedores gerais de justiça, dentre outras.
No procedimento de dúvida, a lei 6.015/73 expressamente dispõe sobre essa natureza administrativa: “Art. 204 – A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente” (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1973).
As “Diretrizes Gerais Extrajudiciais do Estado de Rondônia” também dispõem sobre essa natureza jurídica administrativa:
Art. 121. A sentença no procedimento de dúvida é ato decisório administrativo (Art. 202, Lei 6.015/73), não se revestindo das mesmas características da sentença judicial, não resultando de quaisquer das hipóteses previstas nos artigos 485 e 487 do CPC/2015.
Parágrafo único. No procedimento de dúvida, o Juiz Corregedor Permanente não atua com a finalidade de solucionar litígios, tampouco de garantir a pacificação social, apenas decide e verifica se estão sendo cumpridos as normas que disciplinam o sistema de registros públicos, visando assegurar a “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (TJRO, DIRETRIZES GERAIS EXTRAJUDICIAIS DO ESTADO DE RONDÔNIA, 2022).
O Superior Tribunal de Justiça também é assente nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA REGISTRAL (LRP, ART. 198, II). NATUREZA ADMINISTRATIVA (LRP, ART. 204). RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. DECISÃO MANTIDA.
1. O procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, tem, por força de expressa previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualificando prestação jurisdicional.
2. Conforme entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento administrativo, afigurando-se irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica’. (STJ, REsp 1570655/GO, Data do Julgamento 23/11/2016).
Contudo, deve ser ressaltado que todos os atos nos quais há decisão de um juiz no procedimento notarial e registral são considerados administrativos, desvinculados de prestação jurisdicional.
1.2 DÚVIDA SOBRE A CONTAGEM DOS PRAZOS EM DIAS ÚTEIS OU CORRIDOS
A lei 6.015/73 e outras normas relativas aos registros públicos sempre estabeleceram a contagem dos prazos em dias corridos. Porém, com o advento da medida provisória a contagem de alguns prazos foi modificada expressamente para que seja realizada em dias úteis, sendo que alguns deles serão apresentados abaixo:
Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.
§ 1º Serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021)
§ 2º Para fins do disposto no § 1º, consideram-se: (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021)
I – dias úteis – aqueles em que houver expediente; e (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021)
II – horas úteis – as horas regulamentares do expediente. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021) […] (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Importante notar, que o parágrafo primeiro, retirou propositalmente os registradores civis das pessoas naturais da contagem em dias úteis, tendo em vista que os prazos a serem praticados pelos registradores civis devem ser mais céleres em razão da importância dos atos jurídicos por eles praticados, por se tratarem de direitos da personalidade, que são fundamentais e indisponíveis, tais quais o nascimento, o casamento, o óbito, as intedições, etc.
Portanto, os prazos relacionados ao registrador civil das pessoas naturais ainda devem ser contados em dias corridos, citem-se, por exemplo os arts. 50 e 106 da 6.015/1973:
Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório. (Redação dada pela Lei nº 9.053, de 1995).
Art. 106. Sempre que o oficial fizer algum registro ou averbação, deverá, no prazo de cinco dias, anotá-lo nos atos anteriores, com remissões recíprocas, se lançados em seu cartório, ou fará comunicação, com resumo do assento, ao oficial em cujo cartório estiverem os registros primitivos, obedecendo-se sempre à forma prescrita no artigo 98. (Renumerado do art. 107 pela Lei nº 6.216, de 1975).
Parágrafo único. As comunicações serão feitas mediante cartas relacionadas em protocolo, anotando-se à margem ou sob o ato comunicado, o número de protocolo e ficarão arquivadas no cartório que as receber (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Todos os demais prazos não relacionados ao registro civil das pessoas naturais e que são referentes aos atos dos demais notários e registradores, devem ser contados em dias úteis, pois o § 1º do art. 9º da Lei 6.015/73 é expresso ao dispor que serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos.
E ao interpretar o § 3º do já mencionado art. 9º da Lei 6.015/73, também pode ser estabelecido que a contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil, ou seja, pode ser interpretado dessa redação que devem ser contados em dias úteis os prazos nos registros públicos, assim como é feito na legislação processual civil:
Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.
[…]
§ 3º A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2015).
Pela redação legal, as regras e princípios dos prazos no âmbito do direito processual devem ser utilizados como parâmetro de análise de todos os prazos utilizados nos procedimentos de registros públicos. E esses critérios estão inseridos na legislação processual civil, notadamente no Art. 219 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil, que demonstra que a contagem dos prazos em dias úteis somente se refere aos prazos processuais:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais (BRASIL, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2015).
Saliente-se que todos os demais artigos referentes à contagem de prazos que constam expressos no Código de Processo Civil nos artigos 218 e seguintes também devem ser levados em consideração na contagem de prazos no âmbito do sistema notarial e registral nos casos cabíveis.
Resta a dúvida sobre se a nova possibilidade de contagem de prazos em dias úteis estabelecida pela Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, poderia ser utilizada também nos prazos registrais e notariais que não são de atribuição dos registradores civis de pessoas naturais e não foram expressamente modificados, como por exemplo, nos prazos dos arts. 251-A, parágrafo primeiro e art. 280 da Lei 6.015/73 que são os seguintes:
Art. 251-A. Em caso de falta de pagamento, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda de imóvel será efetuado em conformidade com o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 1º A requerimento do promitente vendedor, o promitente comprador, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado pessoalmente pelo oficial do competente registro de imóveis a satisfazer, no prazo de 30 (trinta) dias, a prestação ou as prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento, os juros convencionais, a correção monetária, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais ou despesas de conservação e manutenção em loteamentos de acesso controlado, imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança, de intimação, bem como do registro do contrato, caso esse tenha sido efetuado a requerimento do promitente vendedor. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) […]
Art. 280. Se o oficial considerar irregular o pedido ou a documentação, poderá conceder o prazo de trinta (30) dias para que o interessado os regularize. Se o requerente não estiver de acordo com a exigência do oficial, este suscitará dúvida. (Renumerado do art. 281, pela Lei nº 6.216, de 1975) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Para sanar tal dúvida, a nova legislação deve ser interpretada sistemicamente, devendo ser aplicada aos prazos de natureza estritamente procedimentais e processuais, tendo em vista que deve ocorrer uma necessária diferenciação entre os tais prazos e os prazos de natureza material, que se relacionam com os usuários dos serviços notariais e registrais, sendo objeto de uma melhor explicação a seguir.
1.3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS PRAZOS, PROCEDIMENTIAIS, PROCESSUAIS E OS PRAZOS MATERIAIS APLICADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS
Os artigos 251-A, §1º e art. 280 da Lei 6.015/73 já citados anteriormente, demonstram uma possível diferenciação na natureza jurídica de tais prazos, pois o art. 251-A, parágrafo primeiro, por exemplo, se refere ao prazo de 30 dias para que o usuário de serviço de registro de imóveis se dirija ao cartório para satisfazer a prestação ou as prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento.
Já o art. 237-A, § 2º da Lei 6.015/73, estabelece o prazo de 15 dias para que o oficial de registro de imóveis realize um ato de sua atribuição funcional:
Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo, na modalidade loteamento ou na modalidade desmembramento, e da incorporação imobiliária, de condomínio edilício ou de condomínio de lotes, até que tenha sido averbada a conclusão das obras de infraestrutura ou da construção, as averbações e os registros relativos à pessoa do loteador ou do incorporador ou referentes a quaisquer direitos reais, inclusive de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento e suas unidades, bem como a própria averbação da conclusão do empreendimento, serão realizados na matrícula de origem do imóvel a ele destinado e replicados, sem custo adicional, em cada uma das matrículas recipiendárias dos lotes ou das unidades autônomas eventualmente abertas. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022). […]
§ 2o Nos registros decorrentes de processo de parcelamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendências a serem satisfeitas para sua efetivação. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Portanto, pode ser constatado que existem prazos que são de responsabilidade de cumprimento direcionada aos usuários dos serviços notariais e registrais e outros que são direcionados aos próprios notários e registrados.
Como visto acima, alguns autores, como o professor Guilherme Loureiro, entendem que o sistema dos registros públicos é apartado do processo civil, sendo que sua característica essencial é vinculada somente ao direto material. Alguns prazos existentes na Lei 6.015/73 são mesmo de natureza estritamente material, conforme se nota no art. 251-A, §1º, que foi expressamente citado acima.
Note-se que é um prazo que não decorre de um procedimento ou processo para cumprimento de ato procedimental ou processual. Aproxima-se da natureza jurídica de um prazo decadencial direcionado ao usuário do serviço registral.
Contudo, na Lei 6015/73 também existem prazos de natureza estritamente processual, pois se relacionam com procedimentos que serão decididos por um juiz de direito, conforme se verifica nos artigos referentes 199 e seguintes da Lei 6.015/73:
Art. 199 – Se o interessado não impugnar a dúvida no prazo referido no item III do artigo anterior, será ela, ainda assim, julgada por sentença. (Renumerado do art. 201 § 1º com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 200 – Impugnada a dúvida com os documentos que o interessado apresentar, será ouvido o Ministério Público, no prazo de dez dias. (Renumerado do art. 202 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 201 – Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de quinze dias, com base nos elementos constantes dos autos. (Renumerado do art. 202 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 202 – Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado. (Renumerado do parágrafo único do art. 202 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Em suma, existem três diferentes tipos de prazos no âmbito do sistema notarial e registral, quais sejam: a) prazos de natureza de natureza material, que são relativos ao usuário dos serviços notariais e registrais; b) prazos de natureza procedimental, que se relacionam ao cumprimento dos prazos pelos notários e registradores no âmbito de seus serviços; c) prazos processuais, que se referem aos prazos quando existe a necessidade de decisões de um juiz.
Ocorre que tal diferenciação entre prazos de direito material, procedimental e processual, entre prazos que são de responsabilidade de cumprimento direcionada aos usuários dos serviços notariais e registrais e outros que são direcionados aos próprios notários e registrados, não foram objeto de diferenciação pela nova redação dada aos parágrafos primeiro e terceiro do Art. 9º da Lei 6.015/1973 (que dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências):
Art. 9º. Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade.
§ 1º Serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.085, de 2021)
[…]
§ 3º A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) (BRASIL, LEI Nº 6.015, 1963).
Observa-se que houve no §1º uma expressa referência sobre a contagem em dias úteis se referir à prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas. Ou seja, pode ser interpretado que a contagem dos prazos em dias úteis se refere tanto aos atos procedimentais quanto aos processuais somente relacionados aos registradores e não aos prazos relacionados ao direito material que incide sobre os usuários.
Foi inserida também a disposição de que a contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios da legislação processual civil e como o art. 219 do CPC estabelece que se contam em dias úteis os prazos processuais, os prazos materiais dos registros públicos que os usuários dos registros públicos possuem para realizarem os atos cabíveis, não devem ser contados em dias úteis por não serem processuais.
Isso porque os parágrafos 1º e 3º do Art. 9º da Lei 6.015/73, que foram modificados pela Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, estabelecem que a contagem dos prazos nos registros públicos será em dias úteis nos casos referentes aos atos dos registradores públicos e observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil. E o próprio Código de Processo Civil também complementa tal questão, pois expressamente em seu Art. 219 dispõe que a contagem dos prazos em dias úteis se aplica somente aos prazos processuais, no âmbito do Código de Processo Civil.
Portanto, pela interpretação conjunta dos parágrafos 1º e 3º do art. 9ª da Lei 6.015/73 com o art. 219 do Código de Processo Civil, se verifica que estão abrangidos tanto os prazos de direito procedimental (conforme § 1º do art. 9ª da Lei 6.015/73) quanto os prazos de direito processual (conforme §3º do art. 9ª da Lei 6.015/73 e art. 219 do CPC).
Como existe diferença entre prazos processuais e materiais no âmbito do sistema notarial e registral, e a contagem dos prazos em dias úteis deve ser utilizada somente para os prazos notariais de direito processual e no âmbito dos prazos procedimentais, não se aplica aos prazos de direito material que são direcionados somente para os usuários dos serviços notariais e registrais.
A aplicação da contagem em dias úteis deve ser realizada tanto para os prazos que os notários e registradores possuem para realizar os atos relativos ao seu serviço, que são os atos procedimentais quanto para os atos processuais que são realizados.
Saliente-se que os artigos nos quais a Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 expressamente atribuiu a contagem em dias úteis se referem somente à contagem de prazos de atos procedimentais e processuais (art. 9º da Lei 6.015/73), sendo que nenhum deles se referem a quaisquer direitos materiais.
2 DÚVIDA SE OS PRAZOS DA NOVA LEI SÃO APLICADOS SOMENTE A REGISTRADORES OU A TABELIÃES OU A AMBOS
O tabelião de notas ou notário se caracteriza como um profissional do direito investido de fé pública que possui as atribuições de redigir e dar forma legal à vontade manifestada pelas partes que o procuram, assegurando certeza jurídica que decorrem da autenticidade conferida aos atos e fatos por ele presenciados. O tabelião atua na serventia extrajudicial que é o tabelionato de notas e realiza os atos, atos-fatos e negócios jurídicos que o usuário de seus serviços deseje dar forma legal (KUMPEL, FERRARI, 2017, p. 53).
No exercício de suas funções, que consistem na elaboração de atos relativos ao direito privado, o tabelião não necessita se vincular a uma forma rigidamente prescrita, ou a liturgias obrigatórias, salvo nas hipóteses que a lei determinar (forma ad solemnitatem), o que não perde o caráter da atividade de ordem coletiva e difusa. Dentro da sistemática dos registros públicos, a atividade notarial consiste em atividade-meio e não atividade-fim, como os Registros em sentido estrito. A lei nº 8.935/94 em seu Art. 7º dispõe que compete ao tabelião de notas a lavratura, com exclusividade de escrituras públicas; procurações públicas; atas notariais; reconhecer firmas; autenticar cópias; lavrar testamentos públicos e aprovar os testamentos cerrados (KUMPEL, FERRARI, 2017, p. 54).
Outro profissional do direito investido de fé pública que é tabelião é o tabelião de protestos de títulos e outros documentos de dívida, sendo as suas atribuições descritas na Lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, que dispõe em seu Art. 3º:
Compete privativamente ao Tabelião de Protesto de Títulos, na tutela dos interesses públicos e privados, a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados (BRASIL, LEI Nº 9.492, 1997).
O §3º do Art. 9º da Lei 6.015/1973 afirma expressamente que a contagem dos prazos referentes aos registros públicos deve observar os critérios estabelecidos na legislação processual civil. Não se sabe se a nova lei teve o intuito de descrever registro público como gênero nos quais são espécies os tabeliães e registradores, ou se o que se queria era estabelecer que se está dispondo especificamente sobre os Registradores em sentido estrito, deixando de fora os agentes delegados que exercem as funções notariais, como por exemplo, os tabeliães de notas e os de protestos de títulos.
Portanto, o tabelião de notas e o tabelião de protestos, formam a categoria de notários, que numa interpretação mais restritiva poderiam ser excluídos da aplicação dos prazos em dias úteis e da observância dos critérios estabelecidos na legislação processual civil na contagem de prazos, tendo em vista que a lei fala em registros públicos e não em serviços notariais e registrais ou atividade extrajudicial em sentido amplo.
Já a categoria dos Registradores é preenchida pelos Registradores Civis, Registradores de Títulos e Documentos, Registradores Civis das Pessoas Jurídicas e os Registradores de Imóveis e esses sim são todos claramente atingidos pela nova lei, tendo em vista que são os registros públicos em sentido estrito, sendo classificados como espécies do gênero atividade extrajudicial.
Todavia, ao que parece, como o intuito da nova legislação foi o de dar celeridade, desburocratizar, uniformizar e gerar eficiência, bem como não há na redação legal uma expressa separação ou exclusão dos notários, deve ser considerado que a lei abrange tanto os notários quanto os registradores em sentido estrito.
3 OS PRAZOS EM DIAS ÚTEIS E A QUESTÃO DA CELERIDADE PROCEDIMENTAL
A inserção de prazos em dias úteis, por si só, não pode ser considerada como uma diminuição da celeridade nos procedimentos referentes aos registros públicos, pois a celeridade deve caminhar junto com a segurança jurídica, a ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório e a eficiência, tendo em vista que os princípios não são absolutos e devem ser ponderados.
A eficiência e a celeridade, portanto, não podem ser automaticamente definidas como uma simples rapidez dos prazos, não se confundindo com velocidade. A utilização dos dias úteis permite que o serviço prestado seja mais detalhista e escorreito, como se percebe na alteração realizada no CPC de 2015, onde os prazos em dias úteis foram essenciais para que as partes no processo pudessem atuar de uma maneira menos açodada, com prazos que não se contam em fins de semana e feriados.
Ceneviva ensina em relação à segurança jurídica dos atos notariais e registrais que:
A segurança, como libertação do risco, é, em parte, atingida pelos títulos notariais e pelos registros públicos. O sistema de controle dos instrumentos notariais e registrais tende a se aperfeiçoar, para constituir malha firme e completa de informações, que terminará em dia ainda imprevisível, a ter caráter nacional. A primeira segurança é de certeza quanto ao ato e sua eficácia. Quando o ato não corresponder à garantia, surge o segundo elemento de segurança: o de que o patrimônio prejudicado será devidamente recomposto (CENEVIVA, 2010, p. 46-47).
Portanto, a própria existência de prazos para se realizarem atos processuais ou materiais é essencial para a celeridade e eficiência. Agora, a diferenciação entre dias úteis ou corridos em nada impede a celeridade, ao contrário, reforça a utilização de outros princípios processuais e constitucionais importantíssimos, como os já citados princípios da segurança jurídica, contraditório, ampla defesa e eficiência.
Somente em casos excepcionais é que a contagem em dias úteis pode ocasionar em algum prejuízo à celeridade, como é o caso dos atos relacionados aos registros civis de pessoas naturais que devem ser mais céleres em razão da importância dos atos jurídicos por eles praticados, por se tratarem de direitos da personalidade, que são fundamentais e indisponíveis, tais quais o nascimento, o casamento, o óbito, as intedições, etc.
Portanto, no caso dos registros civis de pessoas jurídicas, mesmo os prazos de natureza processual e procedimental devem ser contados em dias corridos, tendo em vista ser uma exceção à regra geral, conforme o parágrafo primeiro do artigo 9º da Lei 6.015/73.
CONCLUSÃO
Ao analisar as alterações relativas ao prazo no âmbito do sistema notarial e registral promovidas pela Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, se verifica que existe diferença entre prazos processuais, procedimentais e materiais no âmbito do sistema notarial e registral e a contagem dos prazos em dias úteis deve ser utilizada somente para os prazos notariais de direito processual e no âmbito dos prazos procedimentais, não se aplicando aos prazos de direito material que são aplicados somente para os usuários dos serviços notariais e registrais na realização dos seus atos cabíveis.
Isso porque os parágrafos 1º e 3º do Art. 9º da Lei 6.015/73, que foram modificados pela Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, estabelecem que a contagem dos prazos nos registros públicos será em dias úteis nos casos referentes aos atos dos registradores públicos e observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil. E o próprio Código de Processo Civil também complementa tal questão, pois expressamente em seu Art. 219 dispõe que a contagem dos prazos em dias úteis se aplica somente aos prazos processuais, no âmbito do Código de Processo Civil.
Portanto, pela interpretação conjunta dos parágrafos 1º e 3º do art. 9ª da Lei 6.015/73 com o art. 219 do Código de Processo Civil, se verifica que estão abrangidos tanto os prazos de direito procedimental (conforme § 1º do art. 9ª da Lei 6.015/73) quanto os prazos de direito processual (conforme §3º do art. 9ª da Lei 6.015/73 e art. 219 do CPC). Saliente-se que os demais artigos relativos à contagem de prazos que se encontram no Código de Processo Civil também devem ser utilizados na contagem dos prazos.
A aplicação da contagem em dias úteis deve ser realizada tanto para os prazos que os notários e registradores possuem para realizar os atos relativos ao seu serviço, que são os atos procedimentais, quanto para os atos processuais em sentido estrito que são realizados.
Importante notar, que o parágrafo primeiro do artigo 9º da Lei 6.015/73, retirou propositalmente da contagem em dias úteis, os atos referentes aos registradores civis das pessoas naturais, tendo em vista que os prazos a serem praticados pelos registradores civis de pessoas naturais devem ser mais céleres em razão da importância dos atos jurídicos por eles praticados, por se tratarem de direitos da personalidade, que são fundamentais e indisponíveis, tais quais o nascimento, o casamento, o óbito, as intedições, etc. Portanto, no caso dos registros civis de pessoas jurídicas, mesmo os prazos de natureza processual e procedimental devem ser contados em dias corridos, tendo em vista ser uma exceção à regra geral.
Saliente-se que os artigos nos quais a Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 expressamente atribuíram a contagem dos prazos em dias úteis, se referem somente à contagem de prazos de atos procedimentais (art. 9º da Lei 6.015/73; § 6º do art. 10 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964), sendo que nenhum deles se referem a qualquer direito material ou mesmo processual.
Portanto, ao realizar uma leitura sistêmica do art. 9º da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 com o art. 219 do Código de Processo Civil, se percebe que a nova contagem de prazos em dias úteis estabelecida pela lei, deve ser utilizada também para os prazos procedimentais e processuais que não estão expressamente dispostos em dias úteis, sendo excluídos os prazos de direito material, bem como os prazos referentes ao registro civil das pessoas naturais.
Ademais, como o intuito da nova legislação foi o de dar celeridade, desburocratizar, uniformizar e gerar eficiência, bem como não há na redação legal uma expressa separação ou exclusão dos notários, deve ser considerado que a lei abrange tanto os notários quanto os registradores em sentido estrito.
Por fim, saliente-se que a própria existência de prazos para se realizarem atos processuais ou materiais é essencial para a celeridade e eficiência. Agora, a diferenciação entre dias úteis ou corridos em nada impede a celeridade, ao contrário, reforça a utilização de outros princípios processuais e constitucionais importantíssimos, como os já citados princípios da segurança jurídica, contraditório, ampla defesa e eficiência.
Somente em casos excepcionais é que a contagem em dias úteis pode ocasionar em algum prejuízo à celeridade, como é o caso dos atos relacionados aos registros civis de pessoas naturais.
Como a lei ainda é recente, a doutrina e a jurisprudência ainda não se manifestaram sobre tais temas, que como visto no presente artigo será com certeza objeto de diversas dúvidas a serem respondidas e discutidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Mestrando e aluno bolsista pela CAPES em Direito pela UNIMAR (Universidade de Marília). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil e Graduado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Advogado.
[2] Pós-doutor pelas seguintes Universidades: Università Statale di Milano – Itália (2007); Universidad de Valência – Espanha (2008); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 2008. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Portugal (2013). Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2005) e Doutor em Cidadania, Direitos Humanos – Ética, Filosofia e Política pela Universidade de Barcelona – UB. Professor da Universidade de Marília.
[3] Pós-doutor pela Universidade de Marília. Doutor e Mestre pela Universidade de São Paulo. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Marília. Advogado.
[4] Doutora em Educação pela Unesp. Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Coordenadora e Professora do Curso de Direito da Universidade de Marília. Advogada.