A INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO DIREITO BRASILEIRO: PERSPECTIVAS COM O PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO CIVIL E IMPLICAÇÕES PARA O CONTRATO DE SEGUROS

A INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO DIREITO BRASILEIRO: PERSPECTIVAS COM O PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO CIVIL E IMPLICAÇÕES PARA O CONTRATO DE SEGUROS

30 de setembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

PUNITIVE DAMAGES IN BRAZILIAN LAW: PERSPECTIVES ARISING FROM THE CIVIL CODE REFORM BILL AND IMPLICATIONS FOR INSURANCE CONTRACT

Artigo submetido em 23 de setembro de 2025
Artigo aprovado em 25 de setembro de 2025
Artigo publicado em 30 de setembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Lívia Santos Mathiazi[1]

Sumário: 1. Introdução – 2. Regime Atual: Função Primordialmente Compensatória da Indenização– 3. Indenização Punitiva no Brasil por meio da Jurisprudência – 4. O Projeto de Reforma do Código Civil e o Reconhecimento da Indenização Punitiva no Ordenamento Jurídico Brasileiro – 5. A indenização Punitiva e a Incompatibilidade com o Contrato de Seguro: a Experiência Internacional e a Legislação Brasileira – 6. Conclusão – 7. Bibliografia

RESUMO: A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro consolidou-se, historicamente, sob uma lógica essencialmente compensatória, voltada à reparação integral dos danos sofridos pela vítima. Contudo, diante da complexidade das relações sociais, da multiplicação de ilícitos reiterados e da baixa efetividade das respostas indenizatórias convencionais, intensifica-se o debate em torno da função punitiva da reparação civil. Este artigo analisa o regime jurídico atual da responsabilidade civil no Brasil, com especial atenção à jurisprudência que tem admitido, ainda que de forma tímida, a aplicação de indenizações de caráter punitivo. Examina-se, ainda, a proposta legislativa contida no Projeto de Lei nº 4/2025, que visa estabelecer expressamente a indenização punitiva no ordenamento jurídico brasileiro. Adicionalmente, o presente trabalho avalia as repercussões teóricas e práticas dessa inovação no âmbito dos contratos de seguro no Brasil, com base nos modelos adotados nos Estados Unidos.

Palavras-chave: responsabilidade civil; função compensatória; indenização punitiva; Projeto de Lei nº 4/2025; contrato de seguros.

ABSTRACT: Civil liability in the Brazilian legal system has historically been structured around a compensatory logic, aimed at fully repairing the damage suffered by the victim. However, due to the complexity of social relations, the recurrence of unlawful acts, and the low effectiveness of conventional compensatory responses, the debate surrounding the punitive and deterrent functions of civil remedies has intensified. This article analyzes the current legal framework of civil liability in Brazil, with particular emphasis on case law that, albeit timidly, has admitted the possibility of punitive damages. It also examines the legislative proposal contained in Bill No. 4/2025, which seeks to expressly establish punitive damages in the Brazilian legal order. In addition, the article assesses the theoretical and practical implications of this innovation in the context of insurance contracts in Brazil, based on comparative perspectives from American legal practice.

Keywords: civil liability; compensatory function; punitive damages; Bill No. 4/2025; insurance contract.

  1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil, tradicionalmente concebida no direito brasileiro como um instrumento de recomposição do status quo ante, tem sido desafiada por novas demandas sociais que extrapolam a função compensatória. A partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro e assegurou o direito à reparação dos danos materiais e morais, consolidou-se um modelo normativo centrado na proteção da vítima e na efetividade da reparação civil.

Entretanto, o cenário contemporâneo, marcado pela expansão do consumo em massa, pela crescente judicialização das relações privadas e pela repetição de práticas ilícitas reprováveis, revela as limitações do modelo compensatório tradicional. Em tais contextos, a simples recomposição do prejuízo mostra-se, em diversas ocasiões, insuficiente para dissuadir o ofensor, prevenir novos ilícitos ou sancionar condutas que atentam contra valores fundamentais da sociedade.

É nesse contexto que se insere a discussão sobre a função punitiva da responsabilidade civil, concebida como mecanismo de imposição de um ônus financeiro ao ofensor para além do valor necessário à compensação integral do dano, objetivando a reprovação e a dissuasão da conduta lesiva. A figura da indenização punitiva, também conhecida como punitive damages ou exemplary damages, argui relevantes debates doutrinário e jurisprudencial, sobretudo diante da ausência de previsão legal expressa no ordenamento jurídico vigente.

Este artigo tem por objetivo examinar o instituto da indenização punitiva à luz da proposta legislativa contida no Projeto de Lei nº 4/2025, que busca introduzir formalmente essa figura na Parte Geral do Código Civil. Para tanto, analisa-se, inicialmente, o regime atual da responsabilidade civil brasileira, com destaque para a função compensatória.

Na sequência, aborda-se a tímida jurisprudência nacional e a proposta de reforma legislativa.

A análise culmina na investigação das possíveis implicações da adoção da indenização punitiva nos contratos de seguro, especialmente no que tange à compatibilidade com os princípios do Direito Securitário e com o equilíbrio atuarial dos riscos.

Pretende-se, com isso, contribuir para o debate sobre os rumos da responsabilidade civil no Brasil, diante do dilema entre segurança jurídica, justiça social e efetividade das respostas sancionatórias às condutas lesivas, com enfoque especial aos contratos de seguros.

  • REGIME ATUAL: FUNÇÃO PRIMORDIALMENTE COMPENSATÓRIA DA INDENIZAÇÃO

A reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais encontra assento constitucional inequívoco no Brasil desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Os artigos 1º, inciso III[2], e 5º, incisos V e X[3], asseguram o direito à indenização por danos materiais e morais, consagrando a dignidade da pessoa humana como valor fundante da República e atribuindo-lhe tutela jurídica ampla.

Essa proteção foi reforçada pela promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 1990 (Lei nº 8.078/1990), que, em seu artigo 6º, incisos VI e VII[4], assegura a reparação integral dos danos patrimoniais e morais, bem como o acesso à justiça.

O Código Civil de 2002, por sua vez, consolidou esse arcabouço legislativo, sistematizando os elementos da responsabilidade civil, especialmente em seus artigos 186, 927 e 944[5].

Os referidos textos legais e seus respectivos dispositivos compõem um sistema que reafirma o protagonismo da pessoa humana, a defesa de sua dignidade e a proteção dos seus direitos, em sintonia com os postulados da iustitia protectiva[6], segundo os quais o Direito deve operar prioritariamente em favor da vítima, buscando reequilibrar a relação jurídica afetada pela conduta ilícita.

A proteção ao dano moral, já positivada no texto constitucional, é então reafirmada no plano infraconstitucional como resposta obrigatória à lesão de direitos personalíssimos, mesmo na ausência de repercussão econômica adequada.

O artigo 944 do Código Civil dispõe que a indenização se mede pela extensão do dano, consagrando o princípio da restitutio in integrum, segundo o qual se busca reconstituir, na maior medida possível, a situação anterior à lesão sofrida pela vítima[7]. Nessa perspectiva, a responsabilidade civil assume predominantemente a função compensatória, voltada à reparação integral do prejuízo experimentado, seja ele de natureza patrimonial, facilmente quantificável, ou extrapatrimonial, como nos danos morais, cuja penosa mensuração depende de parâmetros de equidade, razoabilidade e gravidade da ofensa[8].

No plano conceitual, a responsabilidade civil é definida como o dever jurídico que surge da prática de atos ilícitos, resultantes de ações ou omissões culposas ou dolosas, que violam um dever de conduta e acarretam prejuízo a outrem. A consequência jurídica desse ilícito é a obrigação de indenizar ou ressarcir o dano causado[9].

Essa estrutura tem fundamento no artigo 186 do Código Civil, que estabelece que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. A conduta antijurídica causadora de um dano, portanto, é o ponto de partida da obrigação reparatória.

O dever de reparar o dano encontra positivação expressa no artigo 927 do Código Civil, caput, que determina que aquele que, por ato ilícito, definido nos artigos 186 e 187 do mesmo diploma legal, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Os citados artigos, em conjugação harmônica, consagram o regime de responsabilidade civil no Brasil, assentado sobre a violação de dever jurídico e a consequente necessidade de reparação, com o objetivo central de recompor, tanto quanto possível, o prejuízo sofrido pela vítima.

Nesse sentido, o jurista francês Rener Savatier explana que a responsabilidade civil pode ser compreendida como a obrigação atribuída a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, seja por sua própria ação, pela conduta de terceiros sob sua responsabilidade ou por fatos relacionados a coisas sob sua guarda[10].

A responsabilidade civil, contudo, é um dos ramos mais complexos, dinâmicos e transversais do Direito[11]. Sua evolução revela a inadequação das fórmulas clássicas à realidade contemporânea. Durante a vigência do Código Civil de 1916, já se percebia o descompasso entre as normas então vigentes e as transformações sociais. A codificação anterior espelhava uma estrutura simétrica, moldada por uma realidade histórica superada, incapaz de responder à pluralidade e profundidade dos danos que passaram a se multiplicar nas relações modernas[12].

A centralidade da vítima se tornou a marca da responsabilidade civil nos últimos anos. O foco do Direito Civil, em sua missão reparatória, tem sido proteger os interesses subjetivos do lesado, enquanto ao Direito Penal incumbe a reprovação das condutas que atentam contra a ordem pública[13].

Esse deslocamento de foco – do causador do dano para a vítima – está em conformidade com a Constituição Federal, que, como visto, consagra a dignidade da pessoa humana como valor central do ordenamento jurídico brasileiro. Também reflete a exigência de que o Direito Privado atue concretamente na proteção dos direitos das pessoas nas relações cotidianas, garantindo respostas efetivas diante de lesões injustas.

Todavia, reconhece-se que a função compensatória, embora essencial e de suma relevância, revela-se, em certas situações, insuficiente para tutelar de forma eficaz os direitos violados, sobretudo diante de condutas reiteradas, dolosas ou socialmente reprováveis.

O Professor Doutor Rogério Donnini observa que é urgente uma mudança na orientação da responsabilidade civil no Brasil. Para ele, é necessário adotar novos conceitos e soluções capazes de reduzir de forma efetiva a ocorrência de danos. Do contrário, corremos o risco de normalizar a prática lesiva, invertendo o princípio clássico do Direito que impõe a todos o dever de não causar dano a outrem – o alterum non laedere, consagrado por Ulpiano no Digesto[14].

Daí decorre a discussão sobre a eventual introdução, ainda que de modo implícito ou subsidiário, de uma função dissuasória e punitiva da reparação civil.

No regime vigente, como exposto até aqui, não há previsão expressa de sanções punitivas no que concerne à responsabilidade civil. O que se tem, em verdade, é um modelo ainda restrito à recomposição da vítima, fundado primordialmente na função compensatória, cuja legitimidade se ancora na legalidade, na proporcionalidade e na reafirmação da dignidade humana – nem sempre suficientes.

  • INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO BRASIL POR MEIO DA JURISPRUDÊNCIA

Embora ausente do texto legal vigente, a indenização punitiva tem sido objeto de interpretação excepcional e pontual por parte da jurisprudência brasileira. Em determinadas hipóteses, os tribunais nacionais têm admitido a fixação de valores indenizatórios com nítido caráter pedagógico ou punitivo, especialmente diante de condutas reiteradas, atuação dolosa, manifesta má-fé ou grave afronta à dignidade da pessoa humana. Nesses casos, a reparação ultrapassa a função compensatória, assumindo feições de desestímulo à reiteração de comportamentos ilícitos.

São ainda escassos os precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem expressamente a natureza punitiva da indenização. Contudo, nos julgados que serão analisados, observa-se uma tendência da Corte em acolher, com cautela, valores reparatórios que excedem a compensação, aproximando-se da função punitiva, desde que compatíveis com os princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade, da vedação ao enriquecimento sem causa e da dignidade da pessoa humana[15].

Essa atuação pontual do Judiciário, embora coerente em sua intenção de tutelar de modo mais eficaz os direitos violados, revela, ao mesmo tempo, um cenário de insegurança jurídica. A ausência de previsão normativa expressa no Código Civil para a aplicação de indenizações punitivas gera incerteza quanto à legitimidade e aos limites dessa prática, abrindo margem para alegações de arbitrariedade ou contradição nos julgados. A lacuna legislativa, portanto, impõe restrições à uniformização e previsibilidade da aplicação do instituto.

Nesse contexto, ganha relevo o pensamento do Professor Rogério Donnini, sobre a positivação da indenização punitiva no ordenamento brasileiro. Para o mestre, não se trata de importar modelos estrangeiros sem critérios, mas de reconhecer que os próprios princípios constitucionais – como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a segurança jurídica e a vedação ao abuso de direito – já oferecem fundamento suficiente para legitimar a aplicação de sanções civis que extrapolem a compensação. Em sua visão, o sistema jurídico brasileiro não apenas permite, como exige, a aplicação da reparação punitiva em situações de elevada reprovabilidade social[16].

Na mesma linha de pensamento, Sérgio Cavalieri Filho defende que a indenização punitiva é cabível nos casos em que a conduta do ofensor se revela especialmente reprovável, seja pela presença de dolo ou de culpa grave. Também considera legítima sua aplicação quando, independentemente da aferição de culpa, o agente aufere vantagem ou lucro decorrente da reiteração da conduta ilícita[17].

Apesar disso, a jurisprudência nacional permanece majoritariamente contida no que se refere à adoção expressa da indenização punitiva. Mesmo diante de casos em que os elementos fáticos e jurídicos apontam claramente para a necessidade de um desestímulo mais contundente à prática lesiva, os tribunais ainda hesitam em qualificar a condenação como punitiva. Essa timidez revela tanto a força da função compensatória vigente quanto a ausência de diretrizes legislativas claras que autorizem a superação desse modelo.

No julgamento do Recurso Especial 210.101/PR, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que a fixação da indenização por danos morais deve considerar as condições pessoais e econômicas das partes, sendo o arbitramento guiado pelos princípios da moderação e da razoabilidade, em conformidade com a realidade social e as peculiaridades do caso concreto. A indenização, nesse contexto, deve evitar o enriquecimento sem causa da vítima, mas também cumprir função de desestímulo ao ofensor. Reconheceu-se, na ocasião, que embora a aplicação da indenização punitiva não seja ampla e irrestrita, ela é possível e encontra respaldo no próprio Código Civil brasileiro[18].

Em outra ocasião, ao julgar o Recurso Especial 839.923/MG, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do Ministro Raul de Araújo, ressaltou que o valor da indenização por dano moral decorrente de ato doloso deve ser fixado com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Para tanto, é necessário considerar não apenas o bem jurídico atingido e a capacidade econômica das partes envolvidas, mas também o grau de censurabilidade social da conduta do agente e a gravidade do ilícito praticado. Nos casos em que a conduta dolosa é direcionada intencionalmente à lesão da vítima, especialmente quando envolve o uso de violência física, a fixação do montante indenizatório deve contemplar, além da compensação, uma dimensão sancionatória e pedagógica, observando-se, contudo, o limite imposto pela vedação ao enriquecimento sem causa [19].

Por sua vez, em outro caso de sua relatoria, o Ministro Raul de Araújo entendeu que, quando a conduta dolosa do agente tem como finalidade ilícita a supressão da vida das vítimas, a fixação da indenização por dano moral deve incorporar, além do viés compensatório, uma função punitiva e pedagógica. No caso concreto, o valor arbitrado mostrou-se compatível com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além de estar em consonância com os parâmetros já consolidados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para a manutenção da condenação, foram levadas em conta as particularidades da situação fática, ponderando-se a gravidade do ilícito, a extensão do dano, a capacidade econômica das partes e o elevado grau de censura social da conduta praticada[20].

Tem-se, portanto, que os precedentes jurisprudenciais analisados demonstram uma tendência gradual – apesar de ainda muito tímida – de aceitação, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro vigente, da possibilidade de aplicação da indenização punitiva, especialmente em hipóteses de conduta dolosa ou praticada com culpa grave, revelando-se o comportamento do agente marcadamente reprovável.

Tal aplicação, contudo, tem ocorrido de forma excepcional e adaptada, respeitando os princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais, notadamente a legalidade, a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação ao enriquecimento sem causa.

A partir dos julgados acima analisados, observa-se que a jurisprudência brasileira tem, ainda que timidamente, sinalizado para a aceitação de uma vertente punitiva e dissuasória na fixação do valor indenizatório.

Embora não haja previsão legal expressa que discipline a indenização punitiva, sua incorporação pontual às decisões judiciais representa um movimento interpretativo voltado à efetividade da tutela dos direitos fundamentais da vítima, reafirmando a centralidade da dignidade da pessoa humana na responsabilidade civil contemporânea.

  • O PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO CIVIL E O RECONHECIMENTO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Não por acaso – e como reflexo da tímida evolução da jurisprudência –, voltada ao clamor social por maior efetividade na reparação dos danos morais, o projeto de reforma do Código Civil, que contempla expressamente a possibilidade de indenização de cunho punitivo, avança de forma significativa rumo à sua possível aprovação.

O Projeto de Lei nº 4/2025, atualmente em tramitação no Congresso Nacional[21], propõe de forma inédita a introdução da indenização punitiva no ordenamento jurídico brasileiro. A inovação se materializa na previsão do artigo 944-A, §3º, que estabelece a possibilidade de o juiz fixar, nos casos de danos extrapatrimoniais, uma sanção pecuniária de caráter pedagógico, desde que presentes circunstâncias de especial gravidade, como a prática do ato com dolo, culpa grave ou reiteração de condutas lesivas por parte do agente.

Da análise das justificativas que acompanham o Projeto de Lei nº 4/2025, é possível identificar que a proposta vai além da simples contenção de comportamentos antijurídicos. Pretende-se, também, promover uma função incentivadora, direcionada aos agentes econômicos comprometidos com boas práticas de governança, transparência e responsabilidade, ou seja, uma função promocional que valoriza o investimento em compliance e governança responsável[22].

A proposta representa ruptura com o paradigma tradicional da responsabilidade civil estritamente compensatória, ao abrir espaço para uma função sancionatória da indenização. A inspiração vem, de forma clara, de experiências estrangeiras, especialmente do modelo norte-americano de punitive damages, o qual busca associar a reparação ao desestímulo e à censura social de condutas reprováveis.

O reconhecimento legislativo da indenização punitiva atende à crescente demanda doutrinária e jurisprudencial por mecanismos mais eficazes de enfrentamento às práticas reiteradas de violação de direitos. O objetivo é conferir maior efetividade ao sistema de responsabilidade civil, permitindo que o magistrado imponha, além da compensação, um ônus financeiro adicional ao ofensor, como forma de desestimulá-lo e de afirmar a reprovação social da conduta.

Carlos Alberto Bittar observa que a reparação pecuniária vem consolidando, na jurisprudência nacional, uma orientação já consagrada nos sistemas jurídicos norte-americano e inglês: a fixação de valores com finalidade dissuasória. Trata-se, portanto, de atribuir à indenização por dano moral uma dimensão suficiente para transmitir ao ofensor e à coletividade a mensagem de que o comportamento lesivo é juridicamente inaceitável. Para alcançar essa finalidade, o valor arbitrado deve ser economicamente significativo, levando-se em conta as condições financeiras do agente responsável[23].

Na mesma linha, o Professor Rogério Donnini ressalta que o elevado número de lesões no Brasil, muitas delas evitáveis, impõe a necessidade de uma reorientação do modelo de responsabilidade civil. Essa mudança deve valorizar a solidariedade e ampliar a aplicação da responsabilidade objetiva, com foco na proteção efetiva da vítima. Isso envolve não apenas a adequada reparação do dano, mas também a prevenção e a inibição eficaz de práticas lesivas[24].

É imprescindível, contudo, que a aplicação da indenização punitiva observe os limites e critérios estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico, a fim de resguardar a segurança jurídica e prevenir abusos interpretativos.

Dentre esses critérios, destacam-se a exigência de fundamentação judicial específica; a demonstração inequívoca de dolo ou culpa grave, com exclusão de hipóteses de culpa leve; e a necessária proporcionalidade entre a conduta, o dano e o montante fixado, evitando-se distorções, arbitrariedades ou enriquecimento sem causa da vítima, como ressaltado nos julgados analisados anteriormente neste artigo.

Conclui-se, assim, que a previsão constante no Projeto de Lei nº 4/2025 alinha-se com uma concepção contemporânea do Direito Civil, que demanda respostas mais enérgicas frente a comportamentos especialmente lesivos à coletividade ou que atentem contra princípios da ordem jurídica, como a boa-fé objetiva, a lealdade nas relações contratuais e a proteção da confiança legítima.

  • A INDENIZAÇÃO PUNITIVA E A INCOMPATIBILIDADE COM O CONTRATO DE SEGURO: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Diante do avanço, no Congresso Nacional, do Projeto de Reforma do Código Civil que, de forma inédita, contempla a previsão expressa da indenização punitiva, ressurge, com renovada intensidade, um debate jurídico particularmente sensível e controverso: seria juridicamente admissível a celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil que transfira à seguradora o risco de condenação do segurado ao pagamento de indenizações punitivas?

Essa indagação revela um dos principais desafios à efetividade prática da indenização punitiva no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito do Direito Securitário. Com efeito, trata-se de uma figura indenizatória dotada de natureza jurídica sancionatória e vocacionada a exercer função nitidamente dissuasória, buscando desestimular condutas especialmente gravosas, dolosas ou marcadas por elevada reprovabilidade social.

Nesse contexto, a possibilidade de transferência do encargo financeiro à seguradora suscita legítimas preocupações quanto à coerência interna do instituto, na medida em que sua eficácia como instrumento punitivo poderia ser consideravelmente mitigada ou mesmo esvaziada.

De fato, ao permitir que o valor da condenação punitiva seja suportado por terceiro – alheio à conduta censurável – abre-se um espaço para a banalização da sanção civil, comprometendo-se a sua função punitiva e preventiva. A rigor, se a finalidade da indenização punitiva é reprimir condutas gravíssimas por meio da imposição de uma pena civil ao autor do ilícito, a existência de um seguro que cubra esse risco pode implicar a inversão de sua racionalidade essencial, transformando a punição em mera externalização financeira do dano.

Diante desse panorama, o presente artigo propõe-se a analisar o tratamento jurídico da matéria, com especial atenção à experiência internacional, em particular ao modelo norte-americano, berço histórico da doutrina dos punitive damages.

A análise desse comparativo visa compreender se – e em que medida – o ordenamento brasileiro poderia admitir a cobertura securitária de danos punitivos, bem como examinar os reflexos práticos, éticos e dogmáticos dessa hipótese no campo do Direito Contratual e da Responsabilidade Civil.

Ao explorar os desafios associados à eventual cobertura securitária das indenizações punitivas no Direito brasileiro, torna-se indispensável dialogar com os fundamentos jurídicos extraídos da experiência estrangeira, em especial a norte-americana, já que inexistente material sobre o tema no Brasil.

A esse respeito, bem observa Pedro Ricardo e Serpa em sua dissertação de mestrado intitulada Indenização Punitiva, apresentada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e que inspirou significativamente a elaboração deste artigo[25].

Nesse contexto, Ingo Wolfgang Sarlet Ebert propõe três argumentos frequentemente suscitados por aqueles que defendem a viabilidade de seguros que abarquem a chamada indenização punitiva[26].

Em primeiro lugar, sustenta-se que o segurado, ao contratar uma apólice com a legítima expectativa de estar protegido contra os riscos decorrentes de sua atividade econômica, deveria ser amparado, ainda que a responsabilização judicial venha a extrapolar os limites da mera culpa leve, alcançando o patamar da negligência grave.

Tal linha argumentativa é particularmente relevante no domínio da responsabilidade civil objetiva e nos casos de responsabilidade pelo fato do produto, nos quais a gradação da conduta pode não ser clara a priori e os valores envolvidos nas condenações por danos punitivos são, por vezes, desproporcionais em relação aos danos compensatórios. A imprevisibilidade quanto à intensidade da sanção civil reforça, segundo essa visão, a pertinência de se permitir a cobertura securitária, ao menos nesses cenários mais limítrofes e difusos.

Em segundo lugar, invoca-se o princípio da autonomia privada, sob a lógica de que, se o ordenamento jurídico admite a imposição de indenizações de natureza punitiva, também deveria acolher a livre pactuação de cláusulas que permitam sua transferência a terceiros, notadamente às seguradoras. Sob esse prisma, o simples fato de se tratar de matéria de interesse público não seria razão suficiente para coibir a liberdade contratual, especialmente quando o objeto do contrato é lícito e presente no tráfego jurídico regular.

A terceira linha de defesa de Ebert reside em um argumento de cunho econômico e pragmático: a cobertura securitária para indenizações punitivas poderia evitar a insolvência do segurado, cuja condenação, em razão dos valores exacerbados comumente fixados, poderia inviabilizar a continuidade de suas atividades empresariais. Ademais, a existência de cobertura aumentaria a probabilidade de cumprimento efetivo da indenização, assegurando que a vítima obtenha a reparação devida sem que tenha que aguardar execução frustrada sobre o patrimônio pessoal do ofensor.

Em contrapartida, há considerações críticas bastante relevantes e que merecem destaque. A principal objeção doutrinária à cobertura securitária de indenizações punitivas reside na distorção de suas finalidades essenciais. Ao permitir que um terceiro arque com os ônus da sanção civil, enfraquecem-se tanto o efeito punitivo quanto o caráter dissuasório da medida, o que, segundo essa perspectiva, afronta a própria ordem pública[27].

Tal entendimento é compartilhado por diversos sistemas jurídicos, inclusive no âmbito da common law, os quais vedam expressamente a celebração de contratos de seguro que tenham por objeto a cobertura de atos dolosos ou intencionais, por envolverem risco decorrente de ilícito moralmente censurável.

Nesse sentido, David G. Owen recorre a uma analogia ao afirmar que seria inadmissível a celebração de seguros contra a imposição de pena privativa de liberdade ou sanções penais pecuniárias, pois isso comprometeria o sentido da punição. A lógica se aplicaria, mutatis mutandis, à esfera civil punitiva[28].

Outro argumento central repousa sobre o risco de agravamento do comportamento oportunista, fenômeno conhecido internacionalmente como moral hazard[29]. A possibilidade de repassar o custo das consequências punitivas a um terceiro poderia encorajar comportamentos mais arriscados por parte do segurado, que se sentiria protegido de eventual sanção, mesmo em contextos de conduta temerária ou reprovável.

Adicionalmente, levanta-se a preocupação de que o conhecimento da existência de seguro por parte do julgador poderia influenciar diretamente na dosimetria da condenação, incentivando a fixação de valores ainda mais elevados. Isso poderia conduzir a um fenômeno inverso, penalizando de modo excessivo o agente, sobretudo nos casos em que há cobertura securitária expressa para esse tipo de dano.

Em virtude dessas problemáticas, a jurisprudência norte-americana permanece dividida. Parte dos Estados norte-americanos proíbe contratos de seguro que cubram punitive damages, por considerá-los intransmissíveis a terceiros em razão de sua natureza retributiva. Em outras jurisdições, admite-se distinção entre os atos diretamente praticados pelo segurado e aqueles cometidos por terceiros por ele responsáveis, como nas hipóteses de responsabilidade vicária – permitindo, nesses casos, a cobertura securitária quando a infração for praticada, por exemplo, por preposto ou empregado.

Há, ainda, Estados que proíbem expressamente a cobertura de atos intencionais, mas toleram a cobertura para condutas marcadas por negligência grave, compreendendo que, nessas situações-limite, subsiste um espaço legítimo para atuação do seguro sem total comprometimento do efeito punitivo da sanção.

Retomando o ordenamento jurídico brasileiro, constata-se que o arcabouço normativo vigente afasta a possibilidade de cobertura securitária para indenizações punitivas. O contrato de seguro de responsabilidade civil, por sua natureza e função, não se presta a garantir sanções de caráter penal ou retributivo, ainda que advindo de reparação civil.

 Conforme dispõe o artigo 757 do Código Civil[30], trata-se de contrato que visa garantir interesse legítimo do segurado, relacionado a riscos predeterminados, futuros e incertos, em conformidade com o princípio da mutualidade.

A indenização punitiva, contudo, possui natureza essencialmente sancionatória, sendo imposta ao agente causador do dano como forma de punição. Sua cobertura por contrato de seguro implicaria, portanto, a socialização de um risco pessoal e moralmente reprovável, o que conflita com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato (artigos 421 e 422 do Código Civil[31]).

Adicionalmente, nos termos do artigo 762 do Código Civil, o contrato é nulo quando o sinistro decorre de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de seus respectivos representantes[32]. A saber, a jurisprudência pátria reconhece que o seguro não pode ter como objeto atividade ilícita, assim como o seguro de objeto lícito não pode converter-se em sinistro em decorrência de conduta deliberada do segurado, beneficiário ou representante destes[33].

Logo, da análise dos mencionados dispositivos, extrai-se que é vedada a cobertura de atos dolosos praticados pelo segurado, o que, por si só, inviabiliza a pretensão de amparar indenizações de caráter punitivo no âmbito securitário. O risco coberto deve ser lícito, aleatório e de interesse legítimo – critérios estes que não se compatibilizam com a indenização punitiva.

Tal entendimento é reforçado pela Lei nº 15.040/2024, a chamada Nova Lei de Contrato de Seguros, promulgada em dezembro de 2024 e com entrada em vigor prevista para o final de 2025. A nova legislação, que moderniza o regime jurídico das operações securitárias no Brasil, reafirma os pilares tradicionais do seguro privado – entre eles, a cobertura de riscos lícitos, o dever de boa-fé e a vedação à cobertura de atos dolosos[34].

A Nova Lei de Contrato de Seguros preconiza em seu artigo 10, parágrafo único, II, que são nulas as garantias contra risco de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de representante de um ou de outro[35].

Logo, ainda que traga avanços importantes em termos de flexibilidade contratual e proteção do consumidor, a nova lei não autoriza a inclusão de riscos punitivos como objeto legítimo de cobertura securitária. Ao contrário, ao reforçar a ideia de que o seguro não deve ser instrumento de incentivo a comportamentos ilícitos, contribui para consolidar a tese da incompatibilidade estrutural entre os danos punitivos e o contrato de seguro de responsabilidade civil.

Do ponto de vista prático, a admissão de tal cobertura comprometeria a função pedagógica da sanção civil, desestimularia a diligência dos segurados e incentivaria o risco moral. Em última análise, a punição deixaria de recair sobre o infrator, deslocando-se para o coletivo mutualista, o que desvirtua a lógica da responsabilidade civil e contraria os objetivos do sistema jurídico[36].

Dessa forma, conclui-se, cotejando a experiência norte-americana, com respaldo na legislação vigente e na interpretação sistemática da Nova Lei de Seguros, que a indenização punitiva não deve – e não pode – ser objeto de cobertura securitária no Brasil.

A sua inclusão em contratos de seguro não apenas desafia os fundamentos técnico-jurídicos do sistema securitário, como também compromete a coerência axiológica do Direito Privado, enfraquecendo a eficácia das sanções civis e comprometendo sua função dissuasória e preventiva.

  • CONCLUSÃO

A possível introdução da indenização punitiva no Código Civil brasileiro, por meio do Projeto de Lei nº 4/2025, configura um marco relevante na evolução da responsabilidade civil nacional. Trata-se de uma ruptura paradigmática, que aponta para a superação do tradicional modelo estritamente compensatório, em direção a uma concepção híbrida, apta a reparar, prevenir e punir condutas de elevada reprovabilidade social.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras já vêm, de forma tímida, porém crescente, reconhecendo a insuficiência do modelo meramente reparatório, sobretudo diante de práticas reiteradas, dolosas ou manifestamente abusivas. Nesse contexto, a positivação da indenização punitiva surge como instrumento promissor para a promoção da justiça civil, conferindo maior efetividade à tutela dos direitos fundamentais e à prevenção de ilícitos privados.

Entretanto, os desafios teóricos e operacionais para a implementação do instituto são significativos. A necessidade de resguardar a segurança jurídica, evitar distorções punitivistas e preservar os princípios da proporcionalidade e do equilíbrio entre as partes continua a impor cautela em sua aplicação judicial.

A compatibilização da indenização punitiva com outros ramos do direito privado, especialmente com o direito securitário, também requer tratamento normativo cuidadoso e soluções dogmáticas coerentes com o sistema civilista. A experiência norte-americana e a análise detida da legislação vigente faz crer que a indenização punitiva não deve ser objeto de cobertura securitária no país.

Assim, desde que dotada de limites normativos claros e aplicada com equilíbrio, a indenização punitiva pode representar um avanço importante na construção de um modelo de responsabilidade civil mais efetivo, justo e comprometido com a proteção integral da pessoa humana e com a contenção de práticas abusivas nas relações privadas – mas não se pode admitir a transferência do encargo financeiro às seguradoras.

  • BIBLIOGRAFIA

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[1] Mestranda em Direito Civil – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Advogada. lmathiazi@fasadv.com.br

[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

III – a dignidade da pessoa humana.

[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

[4] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

[5] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

[6] DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2015. p. 39.

[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 14.

[8] Como adverte Aguiar Dias, “com os danos não patrimoniais todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem (…) e impõem a maior variedade nos meios de reparação, acontecendo, mesmo que, às vezes, nem se apresente modo de fazê-lo”. AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade Civil. XI. ed., ver., atual. e amp. por Rui Berforf Dias, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 993.

[9] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

[10] SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2. ed., 1951, p. 1

[11] FACCHINI NETO, Eugenio. A responsabilidade no novo código civil. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 76, n 1, jan./mar. 2010

[12] FACCHINI NETO, Eugenio. A responsabilidade no novo código civil. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 76, n 1, jan./mar. 2010.

[13] Clóvis Beviláqua observa que “o Direito Penal vê, por trás do crime, o criminoso […]; o Direito Civil vê, por trás do ato ilícito, não simplesmente o agente, mas, principalmente, a vítima, e vem em seu socorro”. BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 272-273.

[14] DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2015. p. 44.

[15] ARAÚJO FILHO, Raul. Punitive damages e sua aplicabilidade no Brasil. Doutrina: edição comemorativa 25 anos. https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Dout25anos/article/view/1117/1051acesso em 12.06.2025.

[16] DONNINI, Rogério. Risco, Dano e Responsabilidade Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 29.

[17] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010. p. 99.

[18] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL. ESPOSO E PAI DAS AUTORAS. IRRELEVÂNCIA DA IDADE OU ESTADO CIVIL DAS FILHAS DA VÍTIMA PARA FINS INDENIZATÓRIOS. LEGITIMIDADE ATIVA. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESPESAS DE FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE DA VERBA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. DESNECESSIDADE DE PROVA DA SUA REALIZAÇÃO. 1. É presumível a ocorrência de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais, sendo irrelevante, para fins de reparação pelo referido dano, a idade ou estado civil dos primeiros no momento em que ocorrido o evento danoso (Precedente: REsp n.º 330.288/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 26/08/2002). 2. Há, como bastante sabido, na ressarcibilidade do dano moral, de um lado, uma expiação do culpado e, de outro, uma satisfação à vítima. 3. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito. 4. Ressalte-se que a aplicação irrestrita das “punitive damages” encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002. 5. Assim, cabe a alteração do quantum indenizatório quando este se revelar como valor exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Superior de Justiça. 6. In casu, o tribunal a quo condenou os recorridos ao pagamento de indenização no valor de 10 salários-mínimos a cada uma das litisconsortes, pela morte do pai e esposo das mesmas que foi vítima fatal de atropelamento pela imprudência de motorista que transitava em excesso de velocidade pelo acostamento de rodovia, o que, considerando os critérios utilizados por este STJ, se revela extremamente ínfimo. 7. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, impõe-se a majoração da indenização total para o valor de R$100.000,00 (cem mil reais), o que corresponde a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por autora. 8. Encontra-se sedimentada a orientação desta Turma no sentido de que inexigível a prova da realização de despesas de funeral, em razão, primeiramente, da certeza do fato do sepultamento; em segundo, pela insignificância no contexto da lide, quando limitada ao mínimo previsto na legislação previdenciária; e, em terceiro, pelo relevo da verba e sua natureza social, de proteção à dignidade humana (Precedentes: REsp n.º 625.161/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 17/12/2007; e REsp n.º 95.367/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 03/02/1997). 9. Recurso especial provido. (REsp 210.101/PR, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe de 9/12/2008)

[19] RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AGRESSÃO FÍSICA AO CONDUTOR DO VEÍCULO QUE COLIDIU COM O DOS RÉUS. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS. ELEVAÇÃO. ATO DOLOSO. CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Na fixação do valor da reparação do dano moral por ato doloso, atentando-se para o princípio da razoabilidade e para os critérios da proporcionalidade, deve-se levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, sem se perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta do causador do dano no meio social e a gravidade do ato ilícito. 2. Sendo a conduta dolosa do agente dirigida ao fim ilícito de causar dano à vítima, mediante emprego de reprovável violência física, o arbitramento da reparação por dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação, sem perder de vista a vedação do enriquecimento sem causa da vítima. 3. Na hipótese dos autos, os réus espancaram o autor da ação indenizatória, motorista do carro que colidira com a traseira do veículo que ocupavam. Essa reprovável atitude não se justifica pela simples culpa do causador do acidente de trânsito. Esse tipo de acidente é comum na vida diária, estando todos suscetíveis ao evento, o que demonstra, ainda mais, a reprovabilidade da atitude extrema, agressiva e perigosa dos réus de, por meio de força física desproporcional e excessiva, buscarem vingar a involuntária ofensa patrimonial sofrida. 4. Nesse contexto, o montante de R$ 13.000,00, fixado pela colenda Corte a quo, para os dois réus, mostra-se irrisório e incompatível com a gravidade dos fatos narrados e apurados pelas instâncias ordinárias, o que autoriza a intervenção deste Tribunal Superior para a revisão do valor arbitrado a título de danos morais. 5. Considerando o comportamento altamente reprovável dos ofensores, deve o valor de reparação do dano moral ser majorado para R$50.000,00, para cada um dos réus, com a devida incidência de correção monetária e juros moratórios. 6. Recurso especial provido. (REsp 839.923/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/5/2012, DJe de 21/5/2012)

[20] RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO. ATOS DOLOSOS. CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO DA REPARAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO. UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO-MÍNIMO COMO INDEXADOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 475-J DO CPC. VIOLAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na fixação do valor da reparação do dano moral por ato doloso, atentando-se para o princípio da razoabilidade e para os critérios da proporcionalidade, deve-se levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, sem se perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta e a gravidade do ato ilícito e do dano causado. 2. Sendo a conduta dolosa do agente dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, o arbitramento da reparação por dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação. 3. Nesse contexto, mostra-se adequada a fixação pelas instâncias ordinárias da reparação em 950 salários-mínimos, a serem rateados entre os autores, não sendo necessária a intervenção deste Tribunal Superior para a revisão do valor arbitrado a título de danos morais, salvo quanto à indexação. 4. É necessário alterar-se o valor da reparação apenas quanto à vedada utilização do salário-mínimo como indexador do quantum devido (CF, art. 7º, IV, parte final). Precedentes. 5. A multa do art. 475-J do CPC só pode ter lugar após a prévia intimação do devedor, pessoalmente ou por intermédio de seu advogado, para o pagamento do montante indenizatório. Precedentes. 6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.300.187/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/5/2012, DJe de 28/5/2012)

[21] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/166998

[22]chromeextension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=9889374&ts=1742333124147&rendition_principal=S&disposition=inline

[23] BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática. 3ª ed., rev. e atual. por Eduardo C.B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, pp. 232-233.

[24] DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2015. p. 43/44.

[25] SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização Punitiva. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011.

[26] Punitive Damages and Liability Insurance, in H. KOZIOL – V. WILCOX (eds.), Punitive Damages: Common Law and Civil Law Perspectives, Wien, Springer, 2009, pág. 214.

[27] Extrai-se do original que “oltre a vanificare la funzione sanzionatoria e deterrente della condanna, si porrebbe in contrasto con la public policy, ossia con un fundamentale principio accolto dalla common law e della legislazione in materia, che impone il divieto dell’assicurazione sulla responsabilità civile per gli illeciti dolosi.” (E. URSO, Recenti Sviluppi nella Giurisprudenza Statunidense e Inglese in Materia di Punitive Damages: i Casi TXO Production Corporation v. Alliances Resources Corporation e AB v. South West Water Services Ltd., in Rivista di Diritto Civile, vol. 41, n. 1, genn.-febr./1995, pág. 138).

[28] Extrai-se do original que “the law certainly would not tolerate or enforce insurance policies against the risk of a jail sentence or of a criminal fine […]”.(A Punitive Damages Overview: Functions, Problems and Reform, in Villanova Law Review, vol. 39, 1994, pág. 389).

[29] Resumidamente, a expressão moral hazard foi incorporada ao vocabulário securitário para indicar certos comportamentos indesejáveis por parte do segurado, os quais tendem a aumentar a chance de ocorrência do evento danoso. Trata-se de um risco de ordem comportamental, que não se limita à personalidade prévia do indivíduo.

[30] Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.  

[31] Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[32] Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

[33] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/11022025-Pratica-de-atos-dolosos-na-gestao-de-empresa-exime-seguradora-de-pagar-indenizacao-do-seguro-D-e-O.aspx

[34] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l15040.htm

[35] Art. 10. O contrato pode ser celebrado para toda classe de risco, salvo vedação legal.

Parágrafo único. São nulas as garantias, sem prejuízo de outras vedadas em lei:

(…)

II – contra risco de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de representante de um ou de outro, salvo o dolo do representante do segurado ou do beneficiário em prejuízo desses.

[36] É um dos princípios básicos do seguro. Representa a contribuição de várias pessoas, expostas aos mesmos tipos de risco (massa de segurados), para a formação de um fundo comum, composto pela soma dos prêmios pagos à seguradora. Na ocorrência de um sinistro, será este fundo comum e mútuo que suportará as perdas. https://www.gov.br/susep/pt-br/conteudo-do-glossario/m-n/m/mutualismo