A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

20 de setembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE GUARANTEE OF HUMAN RIGHTS FOR PEOPLE WITH MENTAL DISORDERS IN THE PENITENTIARY SYSTEM

Artigo submetido em 16 de setembro de 2023
Artigo aprovado em 19 de setembro de 2023
Artigo publicado em 20 de setembro de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 49 – Setembro de 2023
ISSN 2236-3009

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Autores:
Ian Reis Nogueira Felício[1]
Marcelo Wordell Gubert[2]
Roseli Johner Backes[3]

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Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar a Política antimanicomial do Poder judiciário frente a garantia dos direitos humanos e da dignidade dos indivíduos portadores de transtornos mentais no sistema penitenciário. Para a abordagem foi utilizado o método dedutivo para a análise da legislação, enfatizando-se aquelas que a regulamentam. Por meio de metodologia exploratória, foi efetuada pesquisa bibliográfica, pretendendo-se compreender como o tratamento adequado ao indivíduo com uma doença mental deve contar com estratégias para a garantia dos seus direitos, com um tratamento humanizado que tenha o objetivo de inseri-lo na família, no trabalho e na comunidade. Para tanto, o estudo fez uma abordagem sobre os direitos humanos, uma evolução histórica do direito penal dos portadores de doença mental, a Política antimanicomial do Poder Judiciário e quais as diretrizes devem ser seguidas na abordagem desses indivíduos.

Palavras-chave: Medidas Alternativas à Prisão; Reforma Psiquiátrica; Política antimanicomial.

Abstract: This article aims to analyze the anti-asylum policy of the Judiciary Power concerning the guarantee of human rights and the dignity of individuals with mental disorders in the penitentiary system. The deductive method was employed for the analysis of legislation, with an emphasis on those that regulate this issue. Through exploratory methodology, bibliographic research was conducted, aiming to comprehend how appropriate treatment for individuals with mental illness must encompass strategies to safeguard their rights, providing a humanized approach with the objective of integrating them into family, work, and the community. To achieve this, the study addresses human rights, a historical evolution of the criminal law regarding

individuals with mental illness, the anti-asylum policy of the Judiciary Power, and the guidelines that should be followed in approaching these individuals.

Keywords: Alternative Prison Measures; Psychiatric Reform; Anti-Asylum Policy

1. INTRODUÇÃO

Na esfera penal brasileira, por muito tempo as condições e garantias de direitos humanos foram negadas às pessoas com transtornos mentais que cometessem delitos. Ao longo do tempo, percebeu-se que tais indivíduos deveriam ser inseridos na sociedade e para tal seus direitos e a garantia da sua dignidade deveriam ser preservados.

Assim, diante da antiga visão de que o indivíduo com doença mental era perigoso ou poderia se tornar agressivo, ocorreram mudanças em relação à aplicação da pena passando a ser previstas medidas de segurança nos casos em que essa pessoa fosse identificada como autor de alguma infração.

Diante disso, em 2023 a Resolução nº. 487, de 15 de fevereiro de 2023, instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário e estabeleceu procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei n. 10.216/2001, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança. Essa Política apresenta diretrizes para garantir os direitos das pessoas com transtorno mental ou com algum tipo de deficiência psicossocial por meio de tratamento (CNJ, 2023).

Em seu Art. 2º a política define a pessoa com transtorno mental, ou com qualquer forma de deficiência psicossocial, como aquela que possui  algum tipo de comprometimento, impedimento ou dificuldade psíquica, intelectual ou mental que confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena manutenção da organização da vida ou lhe cause sofrimento psíquico e que apresente necessidade de cuidado em saúde mental em qualquer fase do ciclo penal, independentemente de exame médico-legal ou medida de segurança em curso (CNJ, 2023).

Tendo isso em conta, este trabalho foi produzido abordando a previsão legal penal em casos de crimes cometidos por pessoa com deficiência intelectual.

2. DIREITOS HUMANOS

No fim do século XVIII, as Declarações de Direitos refletiam um discurso liberal da cidadania complementados pela resistência à opressão. Limitavam-se à compromisso de assegurar os direitos civis e políticos, voltados à liberdade, segurança e propriedade e não citavam nenhum direito social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado. No entanto, influenciados pela Declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador Explorado da República Soviética Russa em 1918, após a Primeira Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, fortaleceu-se o discurso social da cidadania, objetivando-se eliminar a exploração econômica.  Converteu-se em direito à atuação estatal, com a emergência de garantia dos direitos a prestações sociais (PIOVESAN, 2014).

A interligação entre o discurso liberal da cidadania com o discurso social, colocando em evidência os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais de uma forma integrada, firmando um compromisso em prol da proteção da pessoa humana foi estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, por meio da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) em 1948 (JUBILUT; LOPES, 2018).

Como visto, essa visão ampliada de direitos humanos é resultado da internacionalização desses direitos nesse período pós-Guerra, considerado o maior conflito armado já travado em toda a história da humanidade, que com ideias racistas e ultranacionalistas deixou sequelas na sociedade. Assim, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo tendo o Estado como o grande violador de direitos humanos. Essa proteção representou um importante passo para limitar autonomia dos Estados, principalmente em situações extremas, nos conflitos armados (PIOVESAN, 2014; KOHLS; ALVES, 2020).

Desta forma, considerando que primordialmente, a DUDH afirma em seu artigo 1º que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e em seu artigo 3º que “todo ser humano tem direito à vida”, torna-se fundamental garantir as condições necessárias para a sobrevivência com dignidade para todos os seres humanos, sem distinção (ONU, 1948). Cabe ressaltar, que embora essa conquista seja fruto de um longo processo histórico, até hoje a garantia de muitos desses direitos, igualmente previstos na Constituição Federal Brasileira, ainda representa um grande desafio.

Nesse enfoque, pode-se afirmar que quanto a garantia de direitos humanos dos encarcerados, ainda que a pena resida na privação de liberdade, outros Direitos Humanos Fundamentais devem ser preservados, ou seja, nos casos de execução do processo penal de indivíduos que cometem delitos e recebem uma sentença condenatória transitada em julgado, a exequibilidade dessa sentença deve salvaguardar alguns direitos inalienáveis da pessoa humana, como a saúde e a dignidade. Sendo assim, ao estar sob a custódia do Estado, o executado deve receber assistência conforme as suas necessidades para que não ocorra ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e o jus puniendi (direito de punir) do Estado não seja confundido com a violação de qualquer direito humano (FAVILLI; AMARANTE, 2018).

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA JURÍDICO PENAL PARA OS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS

Segundo Silva (2022), doença mental é:

“toda a enfermidade que afeta as capacidades intelectiva (de entender o caráter ilícito de sua conduta) ou volitiva (de se determinar de acordo com esse entendimento) do agente. Desenvolvimento mental retardado: É o que possuem os oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais) e os surdos-mudos. Os surdos-mudos adaptados à vida social são imputáveis” (SILVA, 2022, p. 34)

O primeiro código penal da república trouxe mudanças significativas no estatuto jurídico penal do doente mental e seu destino institucional afirmando em seu art. 27 que os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, ou que estivessem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime não poderiam ser considerados criminosos (PERES; NERY FILHO, 2002).

O artigo 29 indicava que esses indivíduos deveriam ser entregues às suas famílias, ou recolhidos a hospitais de alienados, se o seu estado mental assim o exigisse, como forma de garantir a segurança do público. Desta forma, os “loucos”, sendo considerados inimputáveis, não tinham o seu ato qualificado como crime. Porém, percebeu-se que isso resultou no fato de que muitos crimes indefensáveis e com requinte de crueldade foram deixados sem punição, se fundamentando na completa privação de sentidos e de inteligência (PERES; NERY FILHO, 2002).

Em 1940, com um novo código penal vigente, verificou-se que ainda havia uma relação entre a responsabilidade penal e a responsabilidade moral, gerando uma contraposição ressaltada pelo fato que como ao mesmo tempo os novos procedimentos adotados poderiam se pautar no pressuposto da vontade livre e no cometimento de crime baseado em causas biológicas que comprometiam a vontade e o entendimento? O novo código trazia o entendimento de que a doença mental não se limitava a uma lesão do entendimento e não era determinante absoluta da inimputabilidade, sendo adotado para isso o critério biopsicológico, que diagnosticando a doença mental seria causa excludente de culpabilidade. Assim, como procedimento, aplicava-se a medida de segurança que não deveria punir os doentes mentais delinquentes, mas tratá-los com internação em manicômio judiciário (PERES; NERY FILHO, 2002).

No passado, a pessoa com deficiência intelectual era frequentemente vista como altamente perigosa devido à sua imprevisibilidade e, em alguns casos, agressividade. Com essa concepção, relacionada ao avanço das teorias do crime, parece ter ocorrido uma mudança na aplicação de penas para pessoas com deficiência, prevendo-se medidas de segurança nos casos em que pessoas com deficiência intelectual são autoras de infrações (DE PAULA, SANTANA, 2022).

Cabe ressaltar que a medida de segurança, conforme apresentado na Teoria geral da pena, que subdivide a sanção penal em pena e medida de segurança, estabelece que a pena pressupõe culpabilidade, e a medida de segurança pressupõe a periculosidade (PUJOL, 2019).

Diante disso, medida de segurança serviria para defender o portador de doença mental contra a sua própria doença. Na verdade, esse processo de medida de segurança mostrou-se ineficiente, não gera resultados positivos para o acometido de loucura e nem para a sociedade. A determinação de colocá-lo em um manicômio, privado da sua liberdade, pode ter impactos negativos a sua saúde, tornando crônico seu quadro. Na realidade verifica-se um agravamento da condição psicótica e a perda da possibilidade de retorno social do indivíduo (JACOBINA, 2004).

De sua parte, a Constituição Federal de 1988, que representou o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos, se baseou nas medidas de segurança para o doente mental delinquente, instituídas pelo Código Penal de 1940 e mantidas na reforma de 1984. No entanto, o persistente funcionamento do manicômio judiciário na maioria dos estados brasileiros já não está fundamentado no pressuposto da culpabilidade (CAETANO, TEDESCO, 2021)

3.1 LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E A GARANTIA DE DIREITOS DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS

 Desde as primeiras legislações brasileiras até o Código Civil de 2002, o deficiente mental foi tratado como um cidadão incapaz de exercer atos da vida civil. Com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, buscou-se uma nova forma de olhar para esses indivíduos, não só por meio da legislação, mas também da sociedade (SILVA, 2022).

Nessa perspectiva, amparada pela Lei nº. 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei da reforma psiquiátrica, Lei n. 10.216/2001), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais imprimiu novo sentido a assistência a esses indivíduos e proibiu a internação de pessoas com transtornos mentais em instituições com características asilares (SOARES FILHO; BUENO, 2016). A regulamentação dessa Lei, também conhecida como Lei antimanicomial, se deu com base nos instrumentos legais de garantia dos direitos humanos, e no Art. 9o determina que a internação compulsória das pessoas acometidas de transtorno mental, é determinada,” de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, a salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários” (BRASIL, 2001). Nesse enfoque entende-se que os transtornos psiquiátricos e seu tratamento devem ser inclusivos, baseados no cuidado com o objetivo de garantia do seu exercício de cidadania, “é uma das formas de luta contra a exclusão e a favor da tolerância e respeito pela diferença” (BEZERRA, 2007, p. 248 e 249)

4. POLÍTICA ANTIMANICOMIAL DO PODER JUDICIÁRIO

Se por um lado a Lei da Reforma Psiquiátrica, buscava proteger a dignidade por meio de tratamento humanizado para os portadores de transtornos mentais, por outro lado, percebeu-se essa nova forma de atenção confrontava-se com o estabelecido no direito penal, no código 26 por meio do tratamento compulsório desses indivíduos nos casos de cometimento de delito.

A Medida de Segurança, destinada a infratores considerados inimputáveis ou semi-imputáveis está prevista no Código Penal, e deve ser aplicada quando o indivíduo devido a sua capacidade de entendimento, a um transtorno mental, no momento do delito não compreende a ilegalidade do delito cometido (CORDEIRO, LIMA, 2013).

 Dessa maneira, está previsto no Código Penal que a pena seja substituída pela Medida de Segurança, que não tem caráter de punição, mas busca eliminar a periculosidade do agente, com a devida assistência e tratamento à saúde mental, para evitar a reincidência, resguardando a si próprio e a ordem social. Essa medida se dará em regime fechado, em hospitais de custódia e tratamento, ou em ambulatórios, no caso de delitos de menor gravidade (CORDEIRO, LIMA, 2013).

O Código Penal prevê que seja feita rigorosa avaliação por parte de perito médico e os direitos fundamentais desses pacientes explicitados na Lei 10.216/2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica sejam garantidos. No entanto, verifica-se que esses indivíduos ainda fazem parte de uma população desassistida, vítima de preconceito e abandonada a uma sorte pior que a reservada para detentos comuns (CORDEIRO, LIMA, 2013).

Desta forma, fundamentada nas condições necessárias para a garantia da dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais à saúde, ao devido processo legal e à individualização da pena, a Resolução CNJ n. 487/2023 instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. A resolução traz as normativas para a qualificação da atuação jurisdicional nessa área reconhecendo os desafios de implantação da Lei da reforma psiquiátrica, Lei 10.216/01 e o seu cumprimento no âmbito da execução das medidas de segurança, reconhecendo a necessidade de qualificação e o aprofundamento das ações relativas à saúde mental das pessoas privadas de liberdade (CNJ, J2023).

Já que a internação psiquiátrica não deve ser tratada como uma forma de punição, deve ser prevista por breve tempo, nos períodos de crise mais grave, devendo ser justificada por parecer abalizado de profissional competente da área da saúde mental. Ademais, não deve ocorrer em unidades com características asilares, isto é, nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) específicos para acusados de crimes, cujo fechamento gradual deve ocorrer até maio de 2024 (CAETANO; TEDESCO, 2021; JUBILUT; OLIVEIRA LOPES, 2018).

A política antimanicomial aplicada na execução de medida de segurança tem como diretrizes promover o reestabelecimento da saúde em sua forma integral, a reabilitação psicossocial, a inclusão social na família e na comunidade, a valorização e o fortalecimento das habilidades da pessoa e do acesso à proteção social, à renda, ao trabalho e ao tratamento de saúde (CNJ, 2023). A terapia deve ser desenvolvida em ambientes menos invasivos com a articulação interinstitucional do Poder Judiciário com as redes de atenção à saúde e socioassistenciais, em todas as fases do procedimento penal, sendo ainda realizada com:

“vedação de métodos de contenção física, mecânica ou farmacológica desproporcional ou prolongada, excessiva medicalização, impedimento de acesso a tratamento ou medicação, isolamento compulsório, alojamento em ambiente impróprio e eletroconvulsoterapia em desacordo com os protocolos médicos e as normativas de direitos humanos” (CNJ, 2023, p.8).

Nessa perspectiva, cabe ao magistrado, caso haja o entendimento de que o réu esteve acometido de transtorno mental na época do crime, direcionar à Resolução 487 do CNJ e encaminhar o acusado para tratamento em alguma rede hospitalar geral e/ou específica, a partir de avaliação de junta médica. Ressalta-se que nesses casos, a atuação da psicologia e da psiquiatria jurídica no âmbito do Direito são fundamentais para que os direitos concedidos a esses indivíduos sejam garantidos e que não sejam estigmatizados como violentos todos os que estão acometidos por essas patologias (CNJ, 2023).

Caso haja necessidade de tratamento em saúde mental no curso de prisão preventiva ou outra medida cautelar o Art. 9º afirma que no caso de pessoa presa, quando necessitar tratamento em saúde mental no curso de prisão processual ou outra medida cautelar, cabe a autoridade judicial reavaliar a necessidade de readequação da prisão processual em vigor ante a necessidade de atenção à saúde, para início ou continuidade de tratamento em serviços da Rede de atenção psicossocial (RAPs) após ouvir a equipe multidisciplinar, o Ministério Público e a defesa. No caso de pessoa solta, a necessidade e adequação da medida cautelar em vigor, observando-se as disposições do mesmo artigo (CNJ, 2023).

Aos inimputáveis por doença mental aplica-se a medida de segurança, que embora distinta da pena privativa de liberdade é uma sanção materialmente penal aplicada como solução ao conflito entre as partes mesmo que os inimputáveis, a rigor, não sejam considerados culpados (PAIXÃO, 2023).

O Art. 11. define que na imposição da medida de segurança como sentença criminal será indicado pela autoridade judicial o tipo de modalidade mais indicada ao tratamento de saúde da pessoa acusada, considerando a avaliação biopsicossocial, outros exames eventualmente realizados na fase instrutória e os cuidados a serem prestados em meio aberto. Todas as decisões tomarão como base os pareceres das equipes multiprofissionais que atendem o paciente (CNJ, 2023).

Há ainda a possiblidade de medida de tratamento ambulatorial ou de internamento. No primeiro caso, a autoridade judicial fará o acompanhamento a partir de fluxos estabelecidos entre o Poder Judiciário e a Raps, com o auxílio da equipe multidisciplinar do juízo, evitando-se a imposição do ônus de comprovação do tratamento à pessoa com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial. Para a aplicação da medida de segurança de internação deve-se aplicar na verificação da impossibilidade de outras medidas cautelares diversas da prisão e como recurso terapêutico momentaneamente adequado ao restabelecimento da saúde da pessoa, e prescritas por equipe de saúde da Raps. A internação, deve ser realizada em leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado para que sejam atendidas integralmente conforme prevê o art. 2º da Lei n. 10.216/2001 (CNJ, 2023).

Para Silva (2023, p.37), a liberdade faz parte do tratamento que busca a reinserção do indivíduo no ambiente social, familiar, e na comunidade. E a integração de assistência psicológica e psiquiátrica aliada ao apoio comunitário e familiar trazem significativos resultados na contenção de danos, e um aumento na qualidade de vida desses indivíduos. Desta forma, destaca-se que a garantir do respeito à cidadania e a dignidade deve acontecer no plano do respeito aos múltiplos modos pelos quais a razão e a desrazão se manifestam (JACOBINA, 2004; SILVA,2023).

Considerando que a humanização do tratamento foi estabelecida em 2013 no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) através da Política Nacional de Humanização, o atendimento ao portador de transtorno mental deve seguir o mesmo direcionamento. Assim, esse atendimento deve ocorrer por meio de orientações clínicas, éticas e políticas, pautada sobretudo no acolhimento, que reconhece a legítima e singular necessidade de saúde do indivíduo. Com isso, a partir desse acolhimento constrói-se relações de confiança, compromisso e vínculo entre os diferentes envolvidos no atendimento, profissionais e usuários e se assegura que todos sejam atendidos priorizando-se as condições de vulnerabilidade, gravidade e risco (BRASIL, 2013).

Portanto, pode-se observar que mesmo havendo políticas que direcionem as tomadas de decisão, ainda persiste um “modelo político de controle e isolamento de grupos não produtivos e socialmente indesejáveis na configuração societária contemporânea”. Verifica-se ainda que embora a situação dos inimputáveis sempre esteve próxima de procedimentos punitivos no lugar de ações de tratamento de saúde, cabe ressaltar que qualquer decisão que o envolva deve sobretudo considerar a garantia dos direitos humanos.

Com isso, visando uma sociedade justa, plural e democrática é necessário que ocorram mudanças que gerem à emancipação dos sujeitos, o respeito aos direitos humanos e à exaltação das diferenças, e dentre os caminhos possíveis, encontra-se o da Justiça Restaurativa (PAIXÂO, 2023).

5. CONSIDERAÇOES FINAIS

A implementação por meio do Poder Judiciário de Política Antimanicomial com diretrizes e normas para um tratamento humanizado em consonância com a garantia dos direitos e da dignidade da pessoa humana é um passo fundamental para que os portadores de transtornos mentais que cometem delitos tenham oportunidade de ser reinseridos na família e na comunidade. Deve-se para isso fortalecer os debates sobre até que ponto as medidas de segurança são eficazes. De fato, há consonância entre os objetivos da legislação que visa o tratamento baseado no cuidado e o real efeito das medidas de segurança? É fundamental uma reflexão para que efetivamente as Políticas possam sair do papel e ter efeitos reais ne transformadores visando a melhoria da qualidade de vida para todos, especialmente para os inimputáveis aqui debatidos.

REFERÊNCIAS

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[1] Brasileiro, Aluno da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: ianrnf@outlook.com.

[2] Brasileiro, Doutor em Direito (UNIMAR, 2022), Mestre em Direito Processual e Cidadania (UNIPAR, 2010), Especialização Latu Sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná (2002), Especialização em Docência no Ensino Superior (2016), Especialização em Gestão Pública (2018) e Graduação em Direito (UNIPAR, 2001). Advogado, e Professor da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: marcelo@gubertepaz.com.

[3] Brasileira, Aluna da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: roselijohner@hotmail.com.