A EXPLORAÇÃO DE OURO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO MADEIRA EM PORTO VELHO (RO): ASPECTOS JURÍDICOS E AMBIENTAIS

A EXPLORAÇÃO DE OURO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO MADEIRA EM PORTO VELHO (RO): ASPECTOS JURÍDICOS E AMBIENTAIS

9 de novembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

GOLD EXPLORATION IN THE AREA OF ENVIRONMENTAL PROTECTION OF THE MADEIRA RIVER IN PORTO VELHO (RO): LEGAL AND ENVIRONMENTAL ASPECTS

Cognitio Juris
Ano XII – Número 43 – Edição Especial – Novembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Roberto Pinto Monte Júnior[1]
Wanderley Rodrigues Bastos[2]
Isabela Esteves Cury Coutinho[3]
Jovanir Lopes Detoni[4]

RESUMO

A exploração do minério de ouro é uma atividade muito desenvolvida no Brasil, inclusive realizada na capital de Rondônia, Porto Velho. Considerando a lucratividade gerada, esse ramo econômico acaba sendo praticado inadequadamente, por vezes, até mesmo em espaços especialmente protegidos, como no interior de Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Diante desta problematização o presente trabalho tem como objetivo geral apontar a inviabilidade jurídica de se permitir a exploração de minérios no interior de APAs, principalmente no interior da APA do rio Madeira. O estudo se justifica em razão da necessidade de se demonstrar que o exercício da exploração mineral no interior de áreas de preservação causa impactos negativos diretos na biodiversidade local, afetando a sociedade como um todo. Logo, tem-se por hipótese que a APA do rio Madeira, localizada na cidade de Porto Velho, tem sofrido com a exploração desorganizada e ilegal do minério de ouro, fator este que causa danos diretos ao meio ambiente e afrontam os princípios pelos quais instituem sua criação. A metodologia proposta utiliza o método indutivo, com abordagem qualitativa para a técnica de estudo de caso à problemática em tela. Adota-se o fichamento de material bibliográfico-documental para a definição dos conceitos operacionais necessários a partir dos referenciais teóricos indicados por Canotilho, Fiorillo, Milaré e Zucarelli, incluindo-se os dispositivos normativos vigentes. Enquanto resultado, constata-se ser totalmente inviável a instituição de uma legislação que venha a permitir a realização de atividades minerativas envolvendo a exploração econômica no interior da referida APA.

Palavras-Chave: Exploração Mineral. Áreas de Proteção Ambiental. Decreto n° 25.780/2021.

ABSTRACT

The exploration of gold ore is a highly developed activity in Brazil, even carried out in the capital of Rondônia, Porto Velho. Considering the profitability generated, this economic branch ends up being practiced inappropriately, sometimes even in specially protected spaces, such as inside Environmental Protection Areas (APAs). In view of this problematization, the present work has the general objective of pointing out the legal infeasibility of allowing the exploitation of ores within APAs, especially within the APA of the Madeira River. The study is justified because of the need to demonstrate that the exercise of mineral exploration within preservation areas causes direct negative impacts on local biodiversity, affecting society as a whole. Therefore, it is hypothesized that the Madeira River APA, located in the city of Porto Velho, has suffered from the disorganized and illegal exploitation of gold ore, a factor that causes direct damage to the environment and violates the principles by which they institute your creation. The proposed methodology uses the inductive method, with a qualitative approach to the case study technique for the problem at hand. The filing of bibliographic-documentary material is adopted to define the necessary operational concepts from the theoretical references indicated by Canotilho, Fiorillo, Milaré and Zucarelli, including the normative provisions in force. As a result, it appears that it is totally unfeasible to institute legislation that will allow the performance of mining activities involving economic exploitation within the aforementioned APAs.

Keywords: Mineral Exploration. Environmental Protection Areas. Decree No. 25.780/2021.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As Unidades de Conservação (UCs) são conceitualmente espaços territoriais onde estão inseridos recursos ambientais e águas jurisdicionais com características naturais relevantes, criadas por um ato próprio do Poder Público, cujo objetivo é justamente promover a conservação e a definição de limites que estão sob o regime especial de administração e garantias adequadas à proteção ecológica decorrente. Tal disposição encontra-se insculpida no inciso I do artigo 2º da Lei Federal nº 9.985/2000, que instituiu o denominado Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). (BRASIL, 2000).

No artigo 15 da referida lei consta que uma Área de Proteção Ambiental (APA):

é um local em geral extenso e que possui um certo grau de ocupação humana, sendo dotado de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e do bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos a proteção da diversidade biológica, bem como disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Assim, de modo sintético, APAs são unidades de conservação de uso sustentável, sendo permitida a ocupação humana, mas desde que seja possível conciliar a conservação dos recursos ambientais. A este respeito o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já esposou entendimento no sentido de que a mera criação de uma UC não significa o cumprimento do desiderato constitucional.

Veja, a propósito, um julgado neste sentido:

A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade – diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural –, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um “sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada” existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita (REsp 1071741, Relator Ministro Herman Benjamin, 16.12.2010).

No seu interior também é permitida a ocupação humana, mas desde que ocorra de forma conciliada e mediante o uso sustentável dos recursos naturais ali presentes. Ademais, tais áreas podem se estabelecer em locais de domínio público ou privado, seja por parte da União, Estados ou pelos Municípios, e sem a necessidade de realizar a desapropriação de terras privadas.

Também é relevante ressaltar que uma APA se difere de uma Área de Proteção Permanente (APP), considerando que esta última, nos termos do quanto disposto no artigo 3º, inciso II, do Código Florestal, nada mais é do que uma área protegida, podendo ou não ser coberta por algum tipo de vegetação nativa, cuja função ambiental é a de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade presente, além de facilitar o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas ali presentes (BRASIL, 2012).

Segundo os ensinamentos de Romeu Thomé:

As APP’s são instituídas, por lei (ex vi legis), em função de sua localização (art. 4º). Nesse caso, por se tratar de vegetação situada em áreas fundamentais para a preservação contra erosão do solo, assoreamento, proteção do curso dos rios e das nascentes como, por exemplo, as matas ciliares, o próprio Código Florestal se encarregou de torná-las áreas ambientalmente protegidas. (ROMEU THOMÉ, 2013, p. 305)

Lado outro, tem-se que com a evolução, o ser humano passou a depender cada vez mais dos recursos minerais existentes na natureza, e atualmente, não pode viver sem estes. Mas, infelizmente, a atividade minerária, tão necessária ao desenvolvimento econômico, causa grandes impactos ambientais negativos, e justamente nesse aspecto concentra-se o problema condutor dessa pesquisa: seria viável permitir a exploração econômica mineral no interior de áreas de proteção ambiental ou eventual legislação permissiva estaria eivada de inconstitucionalidade?

Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo geral apontar a inviabilidade jurídica de se permitir legalmente a exploração de minérios no interior de APAs, principalmente no interior da APA do rio Madeira. Para tanto, consistem em objetivos específicos: apresentar a lesividade ambiental à prática da exploração mineral, expor os instrumentos normativos vigentes no ordenamento à prática ilegal aos agentes que atuam na exploração de ouro e suas respectivas sanções punitivas, bem como indicar os fundamentos jurídicos contrários à permissibilidade legal de referida exploração em ambientes de proteção. Sendo que tal demonstração se dará por meio de estudo de caso referente ao teor do Decreto estadual n° 25.780, de 29 de janeiro de 2021, sob as hipóteses que tal fator causa danos diretos ao meio ambiente e à sociedade como um todo, afrontando os princípios gerais garantidos constitucionalmente, sob os quais instituem sua existência, bem como possível choque de normas no tocante às sanções aos agentes que executam tal exploração de modo irregular.

No plano metodológico, foi adotada na fase investigativa a utilização do método indutivo, aproveitando-se da técnica de fichamento com aporte de teóricos que aprofundaram estudos em danos ambientais e exploração mineral, tais como Ayres, Bastos e Lacerda. Autores como Canotilho, Fiorillo, Milaré e Zucarelli, no âmbito da proteção jurídica ambiental foram efetivos para instrumentalização desta pesquisa na confecção do referencial ao estudo de caso, além da subsequente coleta documental no âmbito legislativo-jurisprudencial para os conceitos operacionais. Quanto à fase de tratamento de dados, para a análise do caso relativo ao Decreto Estadual n° 25.780, de 29 de janeiro de 2021, optou-se pela análise de conteúdo e abordagem qualitativa, de modo a apresentar as categorias tratadas em seções distintas ao longo deste artigo e contemplar os objetivos delineados.

Quanto à composição das seções que compõem este trabalho, inicialmente, serão apresentadas as informações dando conta da instituição da APA do rio Madeira, local de grande importância e que abriga uma vasta biodiversidade. Essa leitura é reforçada com a instituição do Decreto Estadual n° 25.780/2021, legislação esta que entrou em vigor, e que dispõe sobre a possibilidade de se exercer a exploração de minérios no interior da citada APA. Na segunda seção será demonstrado que a criação de uma APA diz respeito a um mecanismo fundamental para a preservação da biodiversidade existente no seu interior, razão pela qual é impossível conciliar a exploração mineral. Na terceira serão abordadas as sanções passíveis de aplicação aos agentes que executam a exploração ilegal de minério de ouro sob a ótica da sistematização do ordenamento jurídico. A seção final corresponde à conclusão obtida.

1. A ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO MADEIRA – ASPECTOS GERAIS SOBRE A EXPLORAÇÃO MINERAL

A APA do rio Madeira, com sua zona de amortização, localiza-se na região zoogeográfica ZZ1 a Noroeste do Estado de Rondônia, dentro dos limites políticos administrativos de Porto Velho (figura 1). As referências geográficas estão compreendidas entre as coordenadas do canto superior esquerdo (63° 57′ 52″ W / 08° 37′ 10″ S) e do canto inferior direito (63° 53′ 23″ W / 08° 48′ 44″ S) da figura 2.

Figura 1: Amostra do rio Madeira nos limites do estado de Rondônia evidenciando o município de Porto Velho-RO

Fonte: Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, 2018

Figura 2: Amostra do rio Madeira em Porto Velho-RO com destaque para a área da APA.

Fonte: Google Maps, 2021

A região do rio Madeira possui destaque desde muitas décadas, considerando que é classificada como a segunda região produtora de ouro mais importante da região norte do Brasil (a primeira é a bacia do rio Tapajós-PA), tendo em vista a sua bacia hidrográfica que, justamente em razão do uso do mercúrio (Hg) no processo de amalgamação durante a exploração do ouro “fino” (aluvião), foi motivo de grandes lançamentos entre os anos de 1970 e 1990 do citado metal para os ecossistemas aquáticos da região (BASTOS; LACERDA, 2004). Quanto ao uso do Hg durante a exploração do ouro artesanal, este se faz presente durante o processo, pois tem a capacidade de se unir a outros metais e, assim, formar as denominadas amálgamas.

Também se faz importante ressaltar que a região norte do país, por concentrar elevada quantidade de recursos naturais, sempre foi considerada um local promissor para aqueles que querem fazer fortuna. Desta forma, guiados por este princípio de visão, nordestinos migram desde o início do século XX para esses locais em busca de metais preciosos, especialmente em busca do ouro (ALICINO, 1971). São em sua maioria paraenses, cearenses e maranhenses que desbravam as terras fronteiriças e deflagram intenso trabalho em garimpos, sejam legais ou ilegais (SOARES; CHELALLA, 2009; ANDRADE, 2008). E toda essa “corrida” pelo ouro causa a poluição da água dos rios e o desmatamento da vegetação próxima a eles, pois os exploradores limpam as faixas de florestas ao longo das margens para abrir espaço para os garimpos.

O fato é que os danos ambientais naturalmente causados pela mineração de ouro tendem a se agravar pelo fato de o mercúrio (Hg), por não ser essencial ao pleno funcionamento do metabolismo dos organismos, ser absorvido pelos seres vivos, causando graves intoxicações ao longo de toda a cadeia alimentar (BAIRD; CANN, 2011).

O Hg, quando na sua forma química mais tóxica, qual seja, a metilada (também conhecida como metilmercúrio), é facilmente bioacumulado[5] e biomagnificado[6] por organismos aquáticos por meio da cadeia alimentar. E só no século passado o rio Madeira sofreu intenso lançamento de Hg metálico (forma química inorgânica nas fases líquida e vapor) para o meio ambiente, tudo em razão da exploração do ouro, e mesmo com a redução desta atividade, concentrações de Hg no meio aquático ainda se fazem presentes em algumas espécies de peixes (AYRES, 2004).

A exploração mineral no rio Madeira era permitida até o ano de 1991, momento em que restou criada a APA do rio Madeira, situada entre a cachoeira de Santo Antônio até logo abaixo do Igarapé Belmont, devidamente descrita no Decreto n° 5.124, de 06 de junho de 1991, com uma área total aproximada de 6.741 hectares. Ademais, o artigo 4º do mesmo dispositivo legal previa que “[f]icam expressamente proibidas as atividades minerais e/ou garimpeiras de qualquer natureza, no trecho do rio Madeira e suas margens, objeto de proteção deste Decreto, sujeitando-se os infratores às penas da Lei”.

Por sua vez, o Decreto nº 5.197 de 29 de julho de 1991, ao tratar sobre a proibição da mineração no interior da APA, previa no seu artigo 1º que “[f]icam suspensas todas e quaisquer atividades de extração de minério ou garimpagem no segmento do rio Madeira compreendido pela Cachoeira Santo Antônio e a divisa interestadual de Rondônia com o Estado do Amazonas”.

Atualmente a exploração mineral no local tornou-se possível em razão da publicação do Decreto Estadual n° 25.780, de 29 de janeiro de 2021, período em que o país estava atravessando a pandemia causada pela Covid-19. Consta no citado decreto que o licenciamento ambiental para garimpos no rio se dará por meio das respectivas licenças prévias, que são a de instalação e de operação. Além disso, cada uma das dragas ou balsas interessadas e autorizadas a operarem nas áreas objeto da licença são obrigadas a possuir certidão ambiental de regularidade, emitida pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).

Também consta que as embarcações devem obter cadastro junto a Capitania dos Portos ou Marinha do Brasil, ou seja, os interessados têm que atender a uma série de requisitos para que, desta forma, possam realizar a atividade exploratória no local, tudo sob pena de serem responsabilizados nas searas penal, administrativa e civil.

A publicação de uma nota técnica por parte de pesquisadores vinculados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um bom exemplo dessa situação, considerando que ela faz uma análise das consequências negativas associadas entre o aumento das queimadas na Amazônia e a pandemia. Veja um trecho do citado documento:

A taxa de desmatamento entre agosto de 2019 e 14 de maio de 2020, já representa 89% da área desmatada do ano anterior. Sabemos que estas áreas desmatadas são posteriormente queimadas, e em um clima mais seco, podem causar incêndios descontrolados. […] Dentre outras consequências, as elevadas taxas de desmatamento potencializarão as queimadas, induzindo a um aumento da poluição do ar e, consequentemente, intensificando uma demanda de atendimento por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) (ARAGÃO et al., 2020, p. 5)

O que se vê é que o modelo econômico brasileiro tradicional não considera o meio ambiente, pois se baseia nos ganhos com a produtividade, menosprezando, assim, os diversos danos ambientais suportados pela natureza. Para Zucarelli (2021), a essencialidade do setor mineral durante a pandemia foi forjada pelo setor corporativo da mineração, por meio de suas instâncias representativas de classe e da pressão dessa categoria sobre o governo.

Sendo assim, e considerando os motivos que ensejam a criação de uma APA, tem-se que totalmente descabido um decreto legalizar a exploração mineral no seu interior, considerando que tal atividade econômica deteriora a biodiversidade e impacta negativamente o meio ambiente.

2. DA IMPOSSIBILIDADE DE SE EXPLORAR OS MINERAIS EXISTENTES NO INTERIOR DE ÁRES DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – DA INSCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO n° 25.780, DE 29 DE JANEIRO DE 2021

No que diz respeito a possibilidade ou não de se autorizar a atividade mineral no interior de unidades de conservação, é relevante se atentar sobre o quanto insculpido nos artigos 24 e 28 do SNUC.  O primeiro dispositivo afirma que “[o] subsolo e o espaço aéreo, sempre que influírem na estabilidade do ecossistema, integram os limites das unidades de conservação”. Já o artigo 28 aponta que “[s]ão proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos”.

A CF/88, por sua vez, prevê que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertencem à União. Logo, conclui-se que, por ser a única detentora de tais bens, cabe somente a União decidir o momento propício para dispor sobre eventual exploração. E embora o subsolo se submeta ao regime jurídico distinto do solo, em tese, seria permitida a mineração, mas a verdade é que para as unidades de conservação tal fato não se aplica, considerando que a pesquisa e a extração do minério, pelas suas características operacionais, influenciariam na estabilidade do ecossistema e, portanto, nos objetivos que justificam a criação de uma APA.

Desta forma, e seguindo a lógica legislativa, eventual autorização legal deve partir da iniciativa da própria União, sob pena de ocorrer a denominada invasão de competência para editar normas gerais sobre proteção ambiental.

Sobre o tema, confira o julgado a seguir:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. LEI ESTADUAL QUE SIMPLIFICA LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA ATIVIDADES DE LAVRA GARIMPEIRA, INCLUSIVE COM USO DE MERCÚRIO. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE JAZIDAS, MINAS E OUTROS RECURSOS MINERAIS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A competência legislativa concorrente cria o denominado “condomínio legislativo” entre a União e os Estados-Membros, cabendo à primeira a edição de normas gerais sobre as matérias elencadas no art. 24 da Constituição Federal; e aos segundos o exercício da competência complementar – quando já existente norma geral a disciplinar determinada matéria (CF, art. 24, § 2º) – e da competência legislativa plena (supletiva) – quando inexistente norma federal a estabelecer normatização de caráter geral (CF, art. 24, § 3º). 2. A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional (art. 24, § 2º, da CF) não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira, esvaziando o procedimento previsto em legislação nacional. Precedentes. 3. Compete privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (art. 22, XII, da CF), em razão do que incorre em inconstitucionalidade norma estadual que, a pretexto de regulamentar licenciamento ambiental, regulamenta aspectos da própria atividade de lavra garimpeira. Precedentes. 4. Medida cautelar confirmada. Ação julgada procedente. (ADI 6672, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 21-09-2021 PUBLIC 22-09-2021) (Grifos nossos)

Logo, tem-se que o Decreto n° 25.780, de 29 de janeiro de 2021 extrapolou a competência regulamentar, o que motivou, inclusive, o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de autoria do Ministério Público do Estado de Rondônia, proposta em meados de 2022[7].

Além disso também é válido registrar que a própria Constituição Federal conferiu tratamento especial à atividade minerária, citando-a expressamente no artigo 225 como sendo fonte de degradação ao meio ambiente, a atrair, assim, o dever de reparação por parte daquele que explora.

Sendo assim, permitir que atividades exploratórias ocorram no interior de uma APA é o mesmo que autorizar a ocorrência do denominado retrocesso socioambiental. Ademais, tem-se que o princípio da proibição do denominado retrocesso, nas palavras de Canotilho, impede que o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados por medidas legislativas sejam simplesmente aniquilados por medidas estatais. Veja:

[…] O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. (In “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Coimbra: Almedina, 7ª ed., 2003, pp. 339-340).

No mesmo sentido, consoante esposado por Herman Benjamin, o princípio da proibição do retrocesso, embora não previsto expressamente na Constituição Federal, na seara do Direito Ambiental, assume papel de verdadeiro princípio geral à luz do qual se deve avaliar a legitimidade de medidas legislativas que objetivam reduzir o patamar da tutela legal do meio ambiente:

É seguro afirmar que a proibição de retrocesso, apesar de não se encontrar, com nome e sobrenome, consagrada na nossa Constituição, nem em normas infraconstitucionais, e não obstante sua relativa imprecisão – compreensível em institutos de formulação recente e ainda em pleno processo de consolidação –, transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da legitimidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela legal do meio ambiente, mormente naquilo que afete em particular a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeis ou à beira de colapso, e c) espécies ameaçadas de extinção”. (In “Princípio da proibição de retrocesso ambiental: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (org.). O princípio da proibição de retrocesso ambiental”, Brasília: Senado Federal, p. 62).

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre a proibição de retrocessos ambientais quando reconheceu a impossibilidade de diminuição e/ou supressão de espaços territoriais que são especialmente protegidos por meio de medida provisória.

No referido julgamento restou decidido que, conquanto a aplicação do princípio da proibição do retrocesso socioambiental não possa engessar a ação legislativa e administrativa, sendo forçoso admitir certa margem de discricionariedade às autoridades públicas em matéria ambiental, não pode ser afetado o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.[8]

Conclui-se, então, que o decreto permissivo invadiu a competência da União para editar normas gerais sobre proteção ambiental, considerando que cabe a ela a competência privativa para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos naturais.

3. DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL RESGUARDADA ÀS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

O artigo 225 da Constituição Federal (CF) de 1988 estabeleceu o denominado direito ao meio ambiente, regrando, desta forma, no plano normativo mais elevado, os fundamentos do direito ambiental constitucional. Trata-se de um direito vinculado ao meio ambiente e não de um direito do ambiente. (BRASIL, 1988).

A análise do artigo acima faz com que o seu intérprete analise quatro aspectos fundamentais quanto ao seu conteúdo:

1) a existência de um direito material constitucional, e que é caracterizado como o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”;

2) a confirmação no plano constitucional de que referido direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado diz respeito à existência de uma relação jurídica que envolve um bem estabelecido pela Carta Magna de 1988 (o bem ambiental). Aludido bem, para que possa ser reputado constitucionalmente “bem ambiental”, se vincula somente àqueles considerados no plano constitucional “essenciais à sadia qualidade de vida”, tendo como característica estrutural ser ontologicamente um “bem de uso comum do povo” (FIORILLO, 2006);

3) em razão da relevância do bem ambiental, a Constituição também estabeleceu de forma impositiva, tanto ao Poder Público como à coletividade, não só a obrigação de defender os bens ambientais como também de mantê-los preservados (FIORILLO, 2006); e

4) a defesa do meio ambiente assim como a sua preservação por parte do Poder Público e da coletividade antes referidas têm por objetivo assegurar o uso do bem ambiental não só para as presentes gerações, mas também para as futuras (FIORILLO, 2006).

Assim, a partir do momento em que restou assegurado a todos a existência do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a CF também validou, conforme orientação insculpida no artigo 23, inciso VI, a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente.

O primeiro aspecto fundamental contido no artigo 225 assegura, no plano normativo, a tutela destinada a pessoa humana, a tutela da fauna em razão dos princípios fundamentais e demais dispositivos constitucionais regráveis e a tutela da flora em face dos princípios fundamentais e demais dispositivos constitucionais decorrentes.

Sendo assim, a existência no plano constitucional do direito material ao meio ambiente, como direito a ser garantido tanto aos brasileiros como aos estrangeiros residentes no País, diz respeito ao primeiro dos quatro aspectos fundamentais vinculados ao conteúdo do artigo citado. São os denominados direitos de terceira geração.

E sobre isso, tais direitos pertencem a comunidade, ou seja, têm como destinatário todo o gênero humano, como os difusos e coletivos, que se assentam na fraternidade ou solidariedade. Em síntese conclusiva, veja as palavras do Ministro Celso de Mello:

Fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30-10-1995, P, DJ de 17-11-1995.)Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores.

Desta forma, e agora tratando daqueles que desrespeitam a legislação ambiental, tem-se que os crimes praticados contra o meio ambiente recebem muita atenção, não restando dúvidas que os impactos ambientais causados devem ser combatidos, restando então buscar as melhores estratégias para que esse combate seja eficaz (O ECO, 2021).

Conforme disposição contida no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a definição de impacto ambiental encontra-se delineada no artigo 1º da Resolução nº 001/86 Conama, como sendo:

[…] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam o bem-estar e a saúde da população; as atividades socioeconômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais.

Neste sentido a legislação brasileira tem envidado esforços para responsabilizar criminalmente os agentes que executam a exploração mineral ao arrepio da Lei. Veja-se, a título de exemplo, o que dispõe o artigo 55 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998):

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.

Como visto, os impactos negativos causados pelo exercício da atividade mineral podem ser ocasionados desde a realização do planejamento do projeto, até a execução das etapas de implantação, operação e desativação, e é justamente por isso que se torna necessário, antes da execução de qualquer atividade mineradora, realizar a avaliação dos possíveis impactos ambientais que podem ser causados ao meio ambiente local.

Logo, não bastassem os dispositivos legais acima citados, cuja criação se deu para tutelar o meio ambiente e o direito das gerações futuras, a realidade nos mostra que a produção desordenada e rudimentar do garimpo de ouro acarreta prejuízos. Até porque, como já visto, a mineração é uma atividade ofensiva ao meio ambiente, podendo ser de maior ou menor intensidade para a natureza, trazendo consequências relevantes ao homem e à sua saúde, razão pela qual precisa ser tutelada para a efetiva proteção do meio ambiente, não apenas com o intuito de reprimir, mas também de prevenir (ARAÚJO, 1998).

A questão é que se a exploração mineral se der de forma organizada e sustentável, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento sustentável serão respeitados, mas desde que esse tipo de atividade econômica não seja realizada no interior de áreas especialmente protegidas.

A Constituição Federal, mais precisamente no seu artigo 174, parágrafo 3º, informa que a atividade mineraria será organizada na forma de cooperativas de garimpeiros, levando em consideração a proteção ao meio ambiente, assim como a proteção econômico-social daqueles que realizam a exploração mineral.

Para efetivar a conciliação entre economia e ecologia, Andréa Zhouri (2005) destaca a criação de novos marcos regulatórios, desenvolvimento de novas tecnologias, iniciativa para a promoção da responsabilidade socioambiental empresarial.

Sendo assim, o setor mineral detém uma responsabilidade na contribuição para o denominado Desenvolvimento Sustentável, considerando que este se faz necessário para a realização de um trabalho contínuo para fins de conscientizar o empreendedor a adotar as denominadas práticas de sustentabilidade dos recursos ambientais e sociais do meio em que atua.

4. DAS SANÇÕES PASSÍVEIS DE APLICAÇÃO AOS AGENTES QUE EXECUTAM A EXPLORAÇÃO ILEGAL DE MINERIO DE OURO

A CF/88 estabelece que é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, assim como preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, artigo 23, incisos VI e VII).

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se pronunciou sobre o tema:

O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA. (AgRg no REsp 711405/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 15/05/2009)

E nesse sentido, encontra-se disciplinada a competência comum de todos os entes na fiscalização ambiental. Edis Milaré (2011) também já se manifestou no mesmo sentido:

A competência para fiscalizar está igualmente prevista no art. 23 da Constituição de 1988 e se insere, portanto, dentro da competência comum de todos os entes federados. A interpretação do referido artigo, no tocante à fiscalização ambiental, deve ser feita de forma ampliativa, no sentido de que a atividade seja exercida cumulativamente por todos os entes federativos.

Partindo dessa premissa, a fiscalização da área compreendida pela APA do rio Madeira conta com o apoio de diversos entes (federais, estaduais e municipais), considerando que a logística necessita de muitos agentes para combater a exploração ilegal de ouro.

No âmbito municipal restou criada a Secretaria de Meio Ambiente do Município de Porto Velho (SEMA), vinculada à Secretaria Municipal de Integração (SEMI) e devidamente reestruturada através das Leis Complementares n° 648 de 06 de janeiro de 2017 e n° 650 de 08 de fevereiro de 2017.

Na esfera estadual estão envolvidas a Secretaria de Estado de Segurança, Defesa e Cidadania (SESDEC) e a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM). E quanto aos órgãos fiscalizadores federais, encontram-se a Polícia Federal (PF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), considerando que ele tem como objetivos principais preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental, bem como conciliar o desenvolvimento econômico com o uso sustentável dos recursos naturais.

Desta feita, quando é apurada a ocorrência de um dano ambiental por parte de um dos órgãos fiscalizadores citados, o autor dos fatos estará sujeito a sofrer responsabilizações nas searas civil, administrativa e penal, tudo em decorrência de expressa previsão constitucional, que conforme disposto no artigo 225, §3º da CF/88, dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

No que diz respeito às sanções civis provenientes do denominado princípio da responsabilidade civil ambiental, conforme disposto no artigo 14, § 1º, da Lei n° 6.938/1.981, tem-se que esta é aplicada com base na teoria da responsabilidade civil objetiva, independente da comprovação de culpa ou dolo por parte do agente causador.

Por sua vez, e tendo em vista que o meio ambiente é um bem jurídico pertencente a todos os cidadãos, resta claro que o dano suportado por ele pode também ser entendido como o prejuízo imposto a todos os recursos ambientais indispensáveis para a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Daí decorre a necessidade de se responsabilizar civilmente o agente ao pagamento dos danos morais coletivos decorrentes. Veja, a propósito, o entendimento jurisprudencial esposado abaixo:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. DANOS AMBIENTAIS PRATICADOS E REITERADOS.

1- “Não é apenas a agressão a natureza que deve ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e em decorrência de sua interação (art. 3º, I, da Lei 6.938/81). Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a recomposição da situação anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior.” (Francisco José Marques Sampaio, citado por Paulo Afonso Leme Machado, in Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente, Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1998, p. 107).

2-            A implementação de medidas que visem adequar a atividade empresarial às normas ambientais não tem o condão de elidir todo o dano ambiental provocado ao longo de mais de 10 anos.

3-            Apelação improvida.

Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL. Processo> 2002.72.01.002683-9 UF: SC. Data da decisão: 27/02/2007; Órgão julgador: TERCEIRA TURMA; Fonte D.E. 14/03/2007 Relator: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ.

Quanto as sanções administrativas, tem-se que são aquelas decorrentes de previsão legal, contrato ou edital, e que são impostas por parte do Estado como consequência de um desrespeito/inobservância a um comportamento descrito por determinada disposição legal (Lei de Crimes Ambientais ou legislação extravagante).

A sanção administrativa também tem por fundamento constitucional a competência e responsabilidade ambientais, conforme disposição contida no artigo 24, inciso VIII e §1º, da CF, que disciplina a competência para legislar em matéria de responsabilidade por dano ao meio ambiente, conforme segue abaixo (BRASIL, 1988):

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[…]

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”;

[…]

Vale ressaltar que toda e qualquer sanção aplicada deve estar prevista em lei (princípio da legalidade), que informa os atos administrativos de forma geral a seguir, conforme disposto na lei nº 6.938/1981 (BRASIL, 1981):

“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.

II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;

III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;

IV – à suspensão de sua atividade. (…)

§ 3º. Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA (…)”.

Diferentemente da responsabilidade civil, que adota a teoria da responsabilidade objetiva, a responsabilidade administrativa se fundamenta na teoria subjetiva, ou seja, para que seja aplicada deve estar devidamente comprovado o dolo ou culpa do agente infrator.

As sanções criminais, por sua vez, estão subordinadas aos diversos princípios inseridos no Direito Penal e, sendo assim, as sanções aplicáveis às infrações ambientais também poderão redundar na aplicação de penas previstas no Decreto-Lei n° 2.848/1.940 (Código Penal), sendo elas: pena privativa de liberdade, de reclusão e/ou detenção, restritiva de direitos e multa (BRASIL, 1940).

Desta forma, para as contravenções previstas na lei que tratam justamente dos crimes ambientais, Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1988), a pena privativa de liberdade aplicada ao caso será a de prisão simples, cumprida em rigor penitenciário, mais precisamente em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, sendo em regime aberto ou semiaberto, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei n° 3.688/1.941 (Lei das Contravenções Penais).

Quanto as penas restritivas de direitos, tem-se que são aquelas que se resumem na possibilidade de prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e/ou limitação de fins de semana. Porém, quando se trata da área ambiental, as medidas alternativas a serem aplicadas, tais como a interdição de direitos, podem ser realizadas de forma mais ampla.

CONCLUSÃO

Diante dos apontamentos desenvolvidos no presente artigo, conclui-se que a exploração mineral em APAs, se permitidas, como indicadas através do estudo a respeito do teor do Decreto n° 25.780, de 29 de janeiro de 2021, contrariam a natureza de tais áreas, considerando que a instituição delas visa promover a manutenção da conservação dos processos naturais e da biodiversidade local, seja através da orientação, do desenvolvimento e da adequação das várias atividades humanas às características ambientais da região.

Ademais, tem-se que toda essa proteção também decorre do interesse difuso, que, inclusive, é indisponível e inalienável, considerando que sobre esses espaços recai a proteção jurídica excepcional que tem o objetivo de sobrepor todo e qualquer interesse patrimonial e econômico. Além disso, e considerando a razão pela qual uma APA é criada, conclui-se que é totalmente inviável a instituição de uma legislação que venha a permitir a realização de atividades exploratórias no seu interior.

Lado outro, embora o minério tenha importância fundamental para o progresso econômico e social, a sua exploração no interior de uma APA influenciará na estabilidade do ecossistema ali presente.

Constatou-se que o decreto analisado em tela, ao se deparar com as demais legislações, doutrinas e até entendimentos jurisprudenciais encontra-se em total dissonância relativa à prática de conduta passível de aplicação aos agentes que executam a exploração de minério de ouro na APA do rio Madeira.

Por fim, conclui-se que o decreto permissivo, além de invadir a competência da União para editar normas gerais sobre proteção ambiental, haja vista que cabe somente a ela a competência privativa para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos naturais, também feriu os princípios que circundam a citada área, tanto é que tal fato foi objeto de ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de autoria do Ministério Público do Estado de Rondônia.

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[1] Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil, Pós Graduado em Direito Civil e processo Civil, Direito Penal e Processo Penal, e em Docência Jurídica, mestrando em Conservação e Uso de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Rondônia. E-mail: robertopmontejunior@gmail.com.

[2] Doutorado em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.Professor Associado IV da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: wanderbastos@yahoo.com.br.

[3] Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP (1997), Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru – ITE (2003) e Doutora em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ com período de pesquisa na Universidade Paris1-Sorbonne, no Instituto SERDEAUT (Doutorado Sanduíche). É docente do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia, campus Porto Velho, sendo suas áreas de atuação Direito Ambiental, Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais. E-mail: Isabela.coutinho@unir.br.

[4] Doutorando em Ciência Jurídica (DINTER Univali/FCR), Mestre em Psicologia(UNIR). Professor do Curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia. E-mail: jovanir@unir.br.

[5] É o termo que descreve o processo pelo qual substâncias (ou compostos químicos) são absorvidas pelos organismos. Podendo ele ocorrer de forma direta, quando as substâncias são assimiladas a partir do meio ambiente (solo, sedimento, água) ou de forma indireta pela ingestão de alimentos quem contém essas substâncias. Esses processos frequentemente ocorrem de forma simultânea, em especial em ambientes aquáticos.

[6] É um fenômeno que ocorre quando há acúmulo progressivo de substâncias de um nível trófico para outro ao longo da teia alimentar. Assim, os predadores de topo têm maiores concentrações dessas substâncias do que suas presas.

[7] Disponível em: < https://www.portalrondonia.com/2022/01/20/ministerio-publico-ingressa-com-adi-contra-decreto-que-libera-garimpo-no-madeira/ > Acesso em 10 fev. 2022.

[8] STF, Pleno, ADI 4.717/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 05.04.2018, informativo nº 896.