A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL

8 de dezembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

DISREGARDING THE LEGAL PERSONALITY IN TAX ENFORCEMENT PROCEEDINGS

Artigo submetido em 06 de dezembro de 2025
Artigo aprovado em 08 de dezembro de 2025
Artigo publicado em 08 de dezembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Harrison Gomes de Oliveira [1]
Jefferson Franco Silva [2]

RESUMO: O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo analisar a evolução e a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente após sua positivação processual. A pesquisa, de caráter bibliográfico, fundamenta-se em doutrina, legislação e estudos especializados sobre a matéria. Busca-se compreender os limites e requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, que condicionam a responsabilização dos sócios à comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Embora o instituto tenha se expandido para diversos ramos do Direito, sua utilização exige cautela para evitar distorções e a banalização do afastamento da autonomia patrimonial. O estudo estabelece essa base teórica para, posteriormente, discutir de forma crítica a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal.

Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica. Execução fiscal. Responsabilidade tributária. Redirecionamento. Autonomia patrimonial. Devido processo legal.

ABSTRACT: The present Course Completion Paper aims to analyze the evolution and application of the doctrine of piercing the corporate veil within the Brazilian legal system, especially following its procedural codification. This bibliographical research is grounded in legal scholarship, statutory legislation, and specialized studies on the subject. Its purpose is to examine the limits and requirements set forth in Article 50 of the Civil Code, which condition the liability of shareholders on proof of misuse of purpose or commingling of assets. Although this doctrine has expanded across various branches of Law, its application demands caution in order to avoid distortions and the trivialization of disregarding corporate separateness. This study establishes the theoretical foundation to subsequently undertake a critical discussion on the piercing of the corporate veil in the context of tax enforcement proceedings.

KEYWORDS Piercing the corporate veil. Tax enforcement. Tax liability. Redirecting of execution. Corporate autonomy. Due rocesso f law.

1 INTRODUÇÃO

A execução fiscal é um dos instrumentos mais relevantes para a efetividade da arrecadação tributária, constituindo mecanismo essencial à manutenção das receitas públicas e à concretização das políticas estatais. Contudo, a busca pela satisfação do crédito tributário enfrenta desafios práticos, especialmente diante da insuficiência patrimonial das pessoas jurídicas devedoras.

Nesse contexto, a Fazenda Pública tem recorrido, com frequência crescente, à desconsideração da personalidade jurídica como meio de atingir o patrimônio dos sócios e administradores, redirecionando a cobrança para além da esfera societária.

A autonomia patrimonial, prevista no ordenamento jurídico brasileiro como elemento estruturante da atividade empresarial, não é absoluta, porquanto o art. 50 do Código Civil admite sua relativização em hipóteses de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

No campo tributário, os arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional estabelecem hipóteses específicas de responsabilidade de terceiros, condicionadas à prática de atos ilícitos, como excesso de poderes ou infração à lei. A conjugação desses dispositivos tem gerado intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca dos limites e critérios para a responsabilização pessoal de sócios e administradores na execução fiscal.

Autores como Modesto Carvalhosa (2021) e Lamartine Corrêa de Oliveira (1962, 1979) destacam que a autonomia patrimonial é um dos pilares da atividade econômica moderna, e sua relativização exige fundamentação rigorosa. No campo tributário, Hugo de Brito Machado (2023) e Luciano Amaro (2024) reforçam que a responsabilidade de terceiros é excepcional, devendo ser interpretada restritivamente.

Com isso em mente, o presente trabalho tem como tema a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal, com foco na análise do redirecionamento da cobrança tributária para sócios e administradores, especialmente nos casos de dissolução irregular, abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade e confusão patrimonial. A pesquisa delimita-se à interpretação do art. 50 do Código Civil, dos arts. 134 e 135 do CTN, da Lei de Execução Fiscal e da jurisprudência consolidada do STJ e STF.

O problema que orienta este estudo consiste em responder em que medida a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada na execução fiscal, e quais são os critérios jurídicos que legitimam o redirecionamento da cobrança tributária para sócios e administradores.

Parte-se da hipótese de que tal medida não pode ocorrer de forma automática, devendo observar os requisitos do art. 50 do Código Civil e as hipóteses específicas do CTN, conforme defendem autores como Fábio Ulhoa Coelho, Rubens Requião (2020), José Lamartine Corrêa de Oliveira (1979), Hugo de Brito Machado (2023), Luciano Amaro (20240) e Leandro Paulsen (2023).

Parte-se da hipótese de que a desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal não pode ser aplicada de forma automática, somente é legítima quando houver demonstração concreta de abuso da personalidade jurídica ou de atos ilícitos que se enquadrem nas hipóteses do CTN, não bastando a mera inadimplência tributária ou a dissolução irregular presumida, devendo, pois, observar os requisitos do art. 50 do Código Civil, conforme defendem Fábio Ulhoa Coelho, Rubens Requião e José Lamartine Corrêa de Oliveira, que enfatizam a necessidade de abuso da personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial; e as hipóteses específicas de responsabilidade previstas nos arts. 134 e 135 do CTN, interpretadas por Hugo de Brito Machado, Luciano Amaro e Leandro Paulsen, que condicionam o redirecionamento à prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatutos.

A escolha do tema se justifica pela relevância prática e teórica da desconsideração da personalidade jurídica no contexto fiscal. A Fazenda Pública tem utilizado cada vez mais o redirecionamento como mecanismo de efetividade, mas essa prática, quando descolada dos requisitos legais, pode violar princípios estruturantes do direito privado e do direito tributário.

A relevância do tema decorre da necessidade de equilibrar dois valores fundamentais: a efetividade da execução fiscal e a preservação da autonomia patrimonial, evitando que a desconsideração se transforme em um “atalho processual” desprovido de fundamentação, como alerta Requião (1969).

A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, especialmente no Tema 444, redefiniu os critérios para o redirecionamento em casos de dissolução irregular, demonstra que o tema está em constante evolução, exigindo análise crítica e atualizada.

O objetivo geral deste trabalho é investigar os critérios doutrinários, legais e jurisprudenciais que legitimam a desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal, à luz das contribuições de autores clássicos e contemporâneos. Para tanto, serão examinados os fundamentos teóricos do instituto, a interpretação do art. 50 do Código Civil, as hipóteses de responsabilidade previstas no CTN e a aplicação prática pelo Poder Judiciário, com destaque para a jurisprudência do STJ e STF.

A metodologia adotada é dedutiva, partindo de conceitos gerais sobre personalidade jurídica e sua desconsideração para analisar o caso específico da execução fiscal. A abordagem é qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial, contemplando obras de referência, diplomas legais e decisões dos tribunais superiores. Trata-se de pesquisa exploratória, descritiva e analítica, compatível com trabalhos acadêmicos em Direito.

A estrutura do trabalho compreende quatro capítulos: (i) fundamentos da personalidade jurídica e sua desconsideração; (ii) responsabilidade tributária de terceiros; (iii) aplicação da desconsideração na execução fiscal; e (iv) análise crítica e aplicação prática, seguidos das considerações finais.

2 FUNDAMENTOS DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA DESCONSIDERAÇÃO

2.1 PERSONALIDADE JURÍDICA, AUTONOMIA PATRIMONIAL E FUNÇÃO ECONÔMICA

A personalidade jurídica é uma técnica jurídico‑organizacional destinada a autonomizar um centro de imputação de direitos e deveres distinto das pessoas naturais, operando como barreira de separação patrimonial entre a sociedade e seus membros. Essa separação sustenta a limitação de responsabilidade e viabiliza a captação de investimentos, a dispersão de riscos e a estabilidade das relações obrigacionais, tornando possível o financiamento de empreendimentos em larga escala e a circulação de riquezas no mercado (REQUIÃO, 2012).

Nessa linha, a doutrina assinala a função econômica da personalidade jurídica, pois à medida que as companhias acessam o público investidor por meio de títulos negociáveis, a limitação de responsabilidade e a liquidez dos papéis convertem a sociedade por ações em mecanismo eficiente de democratização do capital e alavancagem da empresa (COMPARATO, 1983).

Ao mesmo tempo, a tradição civil‑empresarial brasileira ressalta o caráter institucional das pessoas jurídicas, uma vez que são realidades análogas à pessoa humana, com independência externa, mas acidentais quanto à sua ontologia; consequentemente, sua proteção cede quando o uso da forma colide com valores superiores do ordenamento e com a finalidade social do instituto (OLIVEIRA, 1979).

Em suma, a autonomia patrimonial não é um fim em si, haja vista que ela serve à organização de atividades lícitas e produtivas; por outro lado, quando se transforma em escudo para ilícitos, como, por exemplo, fraude, confusão patrimonial ou desvio de finalidade, o direito dispõe de remédio excepcional para restabelecer a correção da imputação (VERSIANI, 2025).

Como bem nos ensina Martins (2020) que “em matéria empresarial, a pessoa jurídica é técnica de separação patrimonial; se o controlador viola a separação, não há razão para o juiz manter a aparência em detrimento da realidade”.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E JUSTIFICATIVAS PARA A DESCONSIDERAÇÃO

A construção da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) nasce no direito comparado como resposta jurisprudencial aos maus usos das estruturas sociais com a utilização de meios como confusão de patrimônios, fraudes contra credores, desvios do objeto social, instrumentalização de sociedades como anteparos para elidir responsabilidades (COMPARATO, 2022).

No Brasil, a recepção da doutrina se deu por via jurisprudencial, com forte influência de autores como Rubens Requião (2020), que introduziu e sistematizou o tema, insistindo em sua natureza excepcional e finalidade moralizadora das relações societárias.

A doutrina brasileira consolidou três justificativas nucleares para o afastamento pontual da autonomia patrimonial: (i) confusão patrimonial, manifestada quando há mistura indevida e sistemática de bens sociais e pessoais; (ii) desvio de finalidade pelo uso da sociedade para fins alheios, ilícitos ou abusivos; e (iii) abuso da personalidade efetivada com a instrumentalização da forma societária para fraude (OLIVEIRA, 1979; REQUIÃO, 2012).

Essas hipóteses se tornaram positivas no art. 50 do Código Civil, que, em sua redação, condiciona a desconsideração à demonstração de abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (REQUIÃO, 2012).

 A doutrina de J. Lamartine Corrêa de Oliveira (1979) explica que a crise da pessoa jurídica, seja em seu reconhecimento quanto de função, é superável quando o direito se reaproxima da realidade e subordina a técnica (personalidade) aos valores do ordenamento, permitindo que a imputação se faça com preponderância da realidade diante da aparência quando a forma é desvirtuada.

2.3 TEORIA MAIOR (ART. 50, CC) E SEU LUGAR SISTEMÁTICO

A chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, positivada no art. 50 do CC, exige prova concreta do abuso da personalidade mediante as condutas de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Essa exigência preserva a regra que é a autonomia patrimonial e ativa a exceção somente diante de condutas qualificadas (TARTUCE, 2024).

Na formulação de Requião (2020), a desconsideração deve operar como remédio pontual, “no campo da ineficácia”, permitindo alcançar bens alocados indevidamente ou atos praticados com abuso, sem dissolver a sociedade nem anular necessariamente os negócios, mas impedindo sua eficácia contra o credor lesado.

Essa visão é congruente com a construção doutrinária analisada por Verçosa (2023) nos comentários a acórdão do TJSP: a desconsideração pode ser declarada incidentalmente, especialmente em processos de execução ou falência, quando se trata de ineficácia relativa, não sendo casos de nulidade, bem como se equiparando à fraude à execução, cuja ineficácia dispensa ação autônoma e pode ser reconhecida nos próprios autos.

2.4 TEORIA MAIOR (ART. 50, CC) E SEU LUGAR SISTEMÁTICO

Embora com ênfases distintas, os autores convergem quanto ao papel funcional da personalidade.

Fábio Ulhoa Coelho (2019) ressalta que a limitação de responsabilidade é elemento central da atividade empresarial moderna, mas não legitima o uso da pessoa jurídica como escudo para ilícitos; nessa vertente, a desconsideração, quando presente confusão patrimonial ou desvio de finalidade, preserva o equilíbrio entre autonomia e boa-fé, conforme doutrina consolidada.

Já Modesto Carvalhosa (2021) acentua o papel institucional da sociedade anônima, seu lastro na transparência e governança, e admite que o “levantamento do véu” seja indispensável quando a estrutura societária é desvirtuada por abuso, fraude ou dissolução irregular; nesse ponto, a efetividade do mercado e a proteção dos investidores/credores demandam remédios excepcionais correlatos com a prática e regulação de mercado.

J. Lamartine Corrêa de Oliveira (1979) sustenta que a pessoa jurídica, como realidade ontológica acidental e institucional, não tem dignidade ética própria; por isso, a sua proteção cede quando o uso contraria valores de justiça e finalidades sociais do direito, como consequência, reimputar a responsabilidade à realidade efetiva em face do sócio/controlador que se beneficiou da distorção da personalidade da pessoa jurídica é restabelecer o predomínio da realidade perante a aparência.

2.5 CRITÉRIOS OPERACIONAIS: ABUSO, DESVIO E CONFUSÃO PATRIMONIAL

A aplicação da teoria maior exige critérios probatórios claros, como (i) abuso da personalidade com a utilização da sociedade como instrumento de fraude, lesão a credores ou frustração de obrigações; (ii) desvio de finalidade promovido com a prática de atos alheios ao objeto social, orientados a prejudicar terceiros ou beneficiar indevidamente controladores; (iii) confusão patrimonial decorrente da interpenetração de patrimônios concretizada com condutas como, dentre outras, pagamentos cruzados, uso de bens sociais para fins pessoais ou inexistência de escrituração idônea, como reconhecido pelo TJSP (OLIVEIRA, 1979, COMPARATO, 1983; VERÇOSA, 2023).

Em termos processuais, a eficácia dos atos pode ser neutralizada no próprio processo executivo ou falimentar, sem necessidade de ação autônoma, quando demonstrados os pressupostos, quais sejam: a solução conforme a natureza de ineficácia relativa e a urgência que caracteriza a tutela do crédito (VERÇOSA, 2023).

3 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE TERCEIROS (ARTS. 134 E 135 DO CTN)

3.1 DELIMITAÇÃO DOGMÁTICA: RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR TRANSFERÊNCIA E SUBJETIVA POR IMPUTAÇÃO PESSOAL

A responsabilidade tributária de terceiros, no sistema do Código Tributário Nacional, deve ser compreendida como mecanismo excepcional de transferência ou imputação de deveres a pessoas diversas do sujeito passivo originário, em hipóteses legalmente tipificadas e interpretadas restritivamente (MACHADO, 2023).

Nessa moldura, o art. 134 disciplina situações em que certos administradores de bens alheios, como tutores, curadores, inventariantes, síndicos, comissários, administradores judiciais ou de bens de terceiros, respondem pelos tributos devidos pelo contribuinte quando impossível exigir deste o cumprimento da obrigação principal; já o art. 135 estabelece responsabilidade pessoal de diretores, gerentes, mandatários e representantes quando praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (AMARO, 2024).

Essa distinção entre os referidos artigos é crucial, porquanto, no art. 134, a responsabilidade tem natureza instrumental e derivada, circunscrita ao patrimônio sob administração e motivada por impossibilidade objetiva de exigir do contribuinte; já no art. 135, a responsabilidade é pessoal e direta, fundada em ilícito qualificado por excesso na conduta ou infração à norma positivada, que rompe o liame protetivo da limitação da responsabilidade e autoriza a imputação do crédito tributário ao administrador (PAULSEN, 2023).

3.2 RESPONSABILIDADE DO ART. 134 DO CTN: PRESSUPOSTOS E LIMITES

O art. 134 prevê que, nos casos de impossibilidade de exigência da obrigação principal do contribuinte, responderão solidariamente com ele ou em seu lugar, conforme a hipótese, os administradores de bens alheios, naquilo que couber, pelos tributos devidos (ALEXANDRE, 2024).

O dispositivo não inaugura uma responsabilidade automática, haja vista que exige, primeiro, a demonstração da impossibilidade, por exemplo, falecimento do contribuinte antes da constituição, estado de incapacidade, encerramento processual que impeça satisfação pelo devedor originário, e, segundo, a vinculação funcional do terceiro à administração de bens do contribuinte (ALEXANDRE, 2024).

A solidariedade ali mencionada é legal e excepcional, mas não afasta a necessidade de prova dos fatos constitutivos, notadamente impossibilidade de cobrança do contribuinte, o vínculo funcional, bem como o nexo entre a atuação e a obrigação, nem expande a responsabilidade para além do patrimônio administrado (ALEXANDRE, 2024).

Por isso, a doutrina alerta que o art. 134 não autoriza o redirecionamento indiscriminado contra qualquer terceiro próximo ao contribuinte; pressupõe que o terceiro exerça poderes de administração e que o crédito guarde conexão com a esfera administrada (ALEXANDRE, 2024).

O alcance do art. 134 deve ser estrito, sob pena de converter a responsabilidade excepcional em regra, o que é incompatível com o sistema de tipicidade e legalidade tributária (REQUIÃO, 2012).

3.3 RESPONSABILIDADE DO ART. 135 DO CTN: EXCESSO DE PODERES E INFRAÇÃO

O art. 135 estabelece responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes, representantes e mandatários da pessoa jurídica por obrigações tributárias quando resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou em infração de lei, contrato social ou estatutos, porquanto se trata de responsabilidade subjetiva, dependente de comportamento qualificado por excesso ou infração, bem como de nexo causal com o inadimplemento do tributo (OLIVEIRA, 1979).

A inadimplência, por si só, não enseja responsabilidade do administrador, inclusive esta é a ratio do verbete 430 da Súmula de Jurisprudência do STJ, cujo teor assevera que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente” (BRASIL, 2010).

 Em contraponto, a dissolução irregular, efetivada pelo abandono do estabelecimento sem a devida baixa formal, pressupõe ato ilícito do sócio‑gerente a autorizar o redirecionamento, consoante o verbete nº 435 da Súmula de Jurisprudência do STJ; ainda assim, antes da própria edição da citada súmula, ao analisar a tão somente a inteligência da norma do art. 135 em comento, a doutrina já apontava que a presunção dessa norma opera nos estritos limites da atuação gerencial e é passível de prova em contrário (OLIVEIRA, 1979; BRASIL, 2010).

Duas notas interpretativas são essenciais, de um lado, o excesso de poderes se materializa com uma atuação fora do objeto ou além da competência orgânica, violando o estatuto/contrato ou a lei; de outro lado, a infração de lei se efetiva com atos contrários ao ordenamento, como confusão patrimonial, omissão dolosa na escrituração, frustração deliberada de fiscalização ou dissolução irregular, dentre outros (COMPARATO, 1983).

Em ambos os casos, é indispensável prova específica da conduta e do nexo com a obrigação, sendo, assim, exigência normativa a impedir que a inteligência inserta no art. 135 se converta em passagem automática do crédito para a pessoa física do administrador (COMPARATO, 1983).

3.4 NATUREZA EXCEPCIONAL E ÔNUS PROBATÓRIO

A doutrina tributária é convergente ao acentua que a responsabilidade de terceiros não se presume, devendo ser provada cabalmente com indicação requisitos normativos. Hugo de Brito Machado (2023) insiste na interpretação restritiva dos arts. 134 e 135, em homenagem à legalidade estrita e à proteção da autonomia patrimonial lícita.

Já Luciano Amaro (2024) reforça que a responsabilidade pessoal do administrador decorre de ilícito qualificado e não de mera gestão malsucedida; exige que se demonstre excesso ou infração com impacto no dever tributário. Também Leandro Paulsen (2023) aponta que o redirecionamento em execução fiscal é medida de exceção, condicionada à motivação específica e à prova documental mínima por meio da apresentação de atos constitutivos, registros de dissolução e elementos de gestão. E Ricardo Alexandre (2024) sublinha a centralidade do devido processo: a imputação ao terceiro requer contraditório efetivo, sob pena de nulidade por violação de garantias.

Esse consenso doutrinário se alinha à jurisprudência superior materializada pela súmula nº 430 do STJ, a qual assevera não bastar a simples inadimplência; bem como pela súmula nº 435 do STJ, que enfatiza ser a dissolução irregular presunção de ilicitude, entretanto não se dispensa o exame do vínculo gerencial e do período de atuação, especialmente quando se discute sucessão de gestores ou a existência de gestão regular (ALEXANDRE, 2024).

3.5 EXECUÇÃO FISCAL E A PONTE PARA O REDIRECIONAMENTO

Embora a análise aprofundada do redirecionamento e do Tema 444/STJ pertença ao próximo tópico deste estudo, cabe assentar desde já três premissas metodológicas: O redirecionamento contra administradores repousa no art. 135 (infração/excesso) e, na dissolução irregular, na presunção sumulada (435/STJ); O redirecionamento contra outros terceiros depende do art. 134, com impossibilidade de exigir do contribuinte e vínculo de administração.

Em ambos, a medida é excepcional, exige motivação específica e lastro probatório compatível com a gravidade da imputação, sem banalização da autonomia patrimonial. Essas premissas serão articuladas, no capítulo seguinte, com a teoria maior do art. 50 do Código Civil, a Súmula 435, o Tema 444/STJ e a jurisprudência sobre dissolução irregular, para delimitar critérios operacionais do redirecionamento.

4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL

4.1 PONTO DE PARTIDA: REGIME ESPECIAL TRIBUTÁRIO X TEORIA MAIOR DO CÓDIGO CIVIL

A execução fiscal lida com a cobrança de créditos tributários sob regime jurídico próprio, por isso, o redirecionamento contra pessoas físicas vinculadas à empresa devedora não se funda diretamente no art. 50 do Código Civil, que traz a denominada teoria maior, mas nas normas específicas insertas nos artigos 134 e 135 do CTN, que exigem, respectivamente, impossibilidade de exigir do contribuinte ou ilícito qualificado do administrador por meio  excesso de poderes/infração (PAULSEN, 2023).

A teoria maior permanece relevante como paradigma dogmático, a qual requer demonstração de abuso, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sobretudo quando se cogita em atingir bens de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo, precisamente nas circunstâncias de confusão e abuso que reclamam “levantar o véu”. Entretanto, na execução fiscal, o padrão decisório central é tributário, assim exige conduta que rompa a proteção da limitação de responsabilidade, com nexo causal para o inadimplemento do crédito (art. 135), ou hipóteses legais de transferência (art. 134) (MACHADO, 2023)

Em síntese, há dois planos que se complementam: (i) plano tributário: tipicidade estrita (arts. 134 e 135 do CTN), prova da impossibilidade ou do ilícito qualificado, e excepcionalidade do redirecionamento; (ii) plano civil-empresarial: teoria maior do art. 50 do CC, útil para reconstruir fatos de abuso/confusão que podem reforçar o fundamento tributário do redirecionamento (AMARO, 2024).

4.2 DISSOLUÇÃO IRREGULAR E REDIRECIONAMENTO: SÚMULA 435 E TEMA 444 DO STJ

A dissolução irregular, concretizada por meio do abandono do estabelecimento sem baixa nos órgãos competentes, é fato que presume ilicitude do sócio‑gerente e autoriza o redirecionamento, consoante a súmula 435/STJ que assim assevera: “Presume‑se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio‑gerente.” (BRASIL, 2010; AMARO, 2024).

O Tema 444/STJ consolidou critérios relevantes a delinear que (i) o redirecionamento pressupõe que o sócio tenha exercido a administração ao tempo da dissolução irregular ou do ato ilícito que a caracteriza; (ii) não se redireciona contra quem não era gerente no período pertinente, como, por exemplo, sócio anterior ou posterior. Em outras palavras, a presunção da Súmula 435 não dispensa a vinculação temporal e funcional do redirecionado (PAULSEN, 2023).

Três consequências práticas advém desse arcabouço normativo, primeiro que o (1) ônus argumentativo e probatório é da Fazenda em (i) demonstrar a não localização da pessoa jurídica, podendo utilizar de auto de constatação, retorno negativo de diligências, informação oficial; bem como qual (ii) o período da gestão do sócio redirecionado e a (iii) inércia quanto à baixa regular; segundo que o (2) direito de defesa do sócio permite a possibilidade de prova em contrário quanto à gestão ser anterior/posterior, ou ausência de poderes de gerência e também medidas tomadas para regular baixa; e, em terceiro, que seja estrito recorte temporal a não bastar ser sócio, porquanto necessário estar na condição de gerente/administrador na época da irregularidade, conforme definido no Tema 444 do STJ (BRASIL, 2020).

4.3 ARTICULAÇÃO TÉCNICA: CTN 134-135, SÚMULA 435 E TEORIA MAIOR DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL

(a) Art. 135/CTN e dissolução irregular)

A dissolução irregular é espécie de infração à lei, podendo ser efetivada, dentre outras formas, ao não se realizar a baixa ou com o abandonar estabelecimento, e é enquadrável no art. 135 com a responsabilidade pessoal do administrador, sendo também dependente da prova do exercício de gerência no período da irregularidade, consoante o Tema 444 do STJ (MACHADO, 2023).

(b) Art. 134/CTN como ponte subsidiária)

Em certos cenários, algumas pessoas determinadas em lei, como, por exemplo, inventariante, administrador judicial ou síndico, o art. 134 permite transferência da responsabilidade nos casos de impossibilidade de exigir do contribuinte, sendo sempre limitada à esfera administrada (CARVALHOSA, 2021).

(c) Teoria maior (art. 50/CC) como matriz dogmática e probatória)

Quando se discute atingir outras sociedades do mesmo grupo, a exemplo de holding, controladas ou coligadas, por confusão patrimonial e abuso advindo de pagamentos cruzados, caixa único, bens “circulando” sem lastro, a teoria maior dá o marco conceitual. O operador deve, porém, traduzir o abuso em fundamento tributário ou infração à lei (art. 135) pelo gestor; ou impossibilidade com vínculo de administração (art. 134) (ALEXANDRE, 2024).

4.4 CRITÉRIOS OPERACIONAIS E ÔNUS DA PROVA NA EXECUÇÃO FISCAL

A literatura processual e tributária é convergente ao exigir prova específica e motivação adequada do (a) fatos‑base oriundos da (i) não localização do estabelecimento/domicílio fiscal, seja por autos ou certidões, (ii) histórico de gerência documentado mediante contrato social ou atas, (iii) indícios de confusão demonstrados com escrituração contábil, transferências entre contas ou uso de bens sociais para fins pessoais e (iv) omissões relevantes com a falta de baixa ou omissão de declarações); (b) nexo causal com a  demonstração de que o comportamento do gestor causou ou agravou o inadimplemento, sendo observável com condutas como a retirada de ativos, a frustração de fiscalização, o fechamento às ocultas); e (c) estrito recorte temporal com a gerência coincidindo com o período do abandono/irregularidade (Tema 444) (BRASIL, 2020; REQUIÃO, 2020).

Convém ressaltar que a simples inadimplência, por si só, não autoriza redirecionamento, conforme já apontado em itens anteriores desta pesquisa ao delinear a razão da existência da súmula 430 do STJ, a qual reforça ser demonstrada que a responsabilidade do gestor é subjetiva com a prática de ilícito qualificado e, também, excepcional. (OLIVEIRA, 1979, BRASIL, 2010)

4.5 PERSPECTIVA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA: CAUTELAS CONTRA O “ATALHO PROCESSUAL”

A prática da Fazenda não pode converter a desconsideração da personalidade jurídica com o consequente redirecionamento em atalho processual, uma vez que requer motivação específica ao indicar os fatos afetos a não localização, período da gerência, elementos de irregularidade, evitando automatismo na imputação da responsabilidade (BRASIL, 2010).

Além disso, corroborar a motivação com prova mínima mediante contratos sociais e suas respectivas alterações, atos arquivados na Junta Comercial, certidões fiscais, autos de diligência, extratos contábeis (OLIVEIRA, 1979).

Também garantir contraditório efetivo, ao permitir vista para manifestação do sócio, com possibilidade de produção de provas, seja documentais e/ou testemunhais;⁴ bem como proporcionalidade, uma vez que o redirecionamento não deve ser automático contra todos os sócios, e sim somente contra quem geriu e atuou no período relevante (Tema 444); e também a subsidiariedade ao se esgotar a utilização de medidas idôneas, consubstanciadas em penhoras e pesquisas patrimoniais, contra o devedor principal e patrimônio social, antes de avançar sobre a esfera pessoal do gestor (BRASIL, 2020; VERÇOSA, 2023, VERSIANI, 2025).

A observância desses freios preserva a regra do sistema que é finalidade da autonomia patrimonial, bem como evita que a desconsideração banalize o instituto e promova injustiças, como adverte a doutrina comercial clássica (MARTINS, 2020; COMPARATO, 2022)

4.6 SÍNTESE CONCLUSIVA

O redirecionamento na execução fiscal é medida de exceção que se ancora nos artigos 134 e 135 do CTN e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante verbete de nº 435 e Tema 444. Além disso, a teoria maior, constante do art. 50 do CC, permanece útil como matriz dogmática, especialmente para estruturar o raciocínio em hipóteses de confusão patrimonial e abuso; porém, a porta tributária se abre apenas com impossibilidade de exigência do contribuinte, à luz do art. 134, ou com o ilícito qualificado do administrador, nos termos do art. 135, sempre com prova e motivação específicas (BRASIL, 2010).

O recorte temporal da gerência e o contraditório efetivo são indispensáveis. Assim, o sistema preserva a regra da autonomia patrimonial, acionando o remédio excepcional somente quando a realidade fática revela que a aparência formal encobre uma conduta abusiva.

5 ANÁLISE CRÍTICA E APLICAÇÃO PRÁTICA

5.1 COMPATIBILIDADE ENTRE PRÁTICA DA FAZENDA PÚBLICA E REQUISITOS LEGAIS

A prática da Fazenda Pública, especialmente no âmbito das execuções fiscais, revela uma tendência preocupante com a banalização do redirecionamento e da desconsideração da personalidade jurídica, muitas vezes com fundamentação genérica e sem prova robusta dos requisitos legais. Essa postura colide com a tipicidade estrita dos artigos 134 e 135 do CTN e com a excepcionalidade da desconsideração prevista no art. 50 do CC (MACHADO, 2023).

A jurisprudência do STJ tem reiterado que inadimplência não basta, nos termos da súmula nº 430, e que a dissolução irregular autoriza redirecionamento apenas contra quem exercia gerência no momento do ilícito, conforme Tema 444. Contudo, na prática, não são raros os casos em que a Fazenda omite a prova do vínculo temporal ou presume responsabilidade pelo simples fato de ser sócio, violando garantias constitucionais como o devido processo legal e o contraditório efetivo (BRASIL, 2010; 2020; PAULSEN, 2023; AMARO, 2024).

Essa dissonância entre norma e prática compromete a segurança jurídica e pode gerar responsabilizações indevidas, com impactos patrimoniais severos sobre pessoas físicas que não contribuíram para o ilícito.

5.2 RISCOS DE ABUSO E IMPACTOS SISTÊMICOS

O abuso na aplicação da desconsideração e do redirecionamento acarreta riscos relevantes, uma vez que desestimulo a atividade empresarial, haja vista que a limitação de responsabilidade perde efetividade, o custo de empreender aumenta, desincentivando investimentos; além disso, ocasiona uma judicialização excessiva, porquanto ossócios e administradores recorrem para se defender de imputações indevidas, sobrecarregando o Judiciário; e, ainda, reforça a insegurança patrimonial com a incerteza sobre os limites da responsabilidade fragiliza a previsibilidade das relações econômicas (REQUIÃO, 2020; ALEXANDRE, 2024).

5.3 CAMINHOS INTERPRETATIVOS E CRITÉRIOS DE PROPORCIONALIDADE

Para compatibilizar efetividade da cobrança e proteção da autonomia patrimonial, propõem-se cinco diretrizes interpretativas: (i) tipicidade estrita com aplicação do redirecionamento apenas nas hipóteses do CTN, consoante arts. 134 e 135, e com prova do ilícito ou da impossibilidade; (ii) motivação específica por meio de decisões a indicar fatos concretos consubstanciados na não localização, no período da gerência e nos elementos de irregularidade, evitando fórmulas genéricas;³ (iii) prova mínima a exigir documentos como contrato social e suas alterações, certidões, autos de diligência, dentre outros, antes de deferir redirecionamento; (iv) contraditório efetivo com garantia oportunidade real de defesa, inclusive com produção de provas; e, por fim, (v) subsidiariedade, ao se esgotar os meios contra o patrimônio social antes de atingir bens pessoais (BRASIL, 2010; ASSIS, 2022; CUNHA, 2023).

Esses critérios se alinham à doutrina processual e tributária, que enfatizam a excepcionalidade da medida e a necessidade de controle judicial rigoroso (ASSIS, 2022; CUNHA, 2023; MACHADO, 2023; AMARO, 2024; PAULSEN, 2023).

5.4 PROPOSTA DE MODELO PRÁTICO: CHECKLIST PROBATÓRIO

Para reduzir abusos, sugere-se um checklist probatório para fundamentar o redirecionamento a começar por um (i) auto de constatação da não localização do estabelecimento; seguido por uma (ii) certidão da Junta Comercial indicando sócio-gerente à época da irregularidade; em continuidade com a produção de (iii) prova de omissão dolosa, podendo ser com documentação que demonstre a falta de baixa ou a ausência de declarações fiscais; ainda a demonstração dos (iv) indícios de confusão patrimonial, mediante pagamentos cruzados ou caixa único, por exemplo; e, por fim, (v) tentativas frustradas de penhora sobre bens sociais.

Esse modelo reforça a racionalidade decisória e evita que a desconsideração se converta em atalho processual. A análise crítica evidencia que a prática da Fazenda Pública nem sempre respeita os limites normativos e doutrinários da desconsideração e do redirecionamento.

A banalização dessas medidas compromete a segurança jurídica e a função econômica da personalidade jurídica. A solução está em reafirmar a excepcionalidade, exigir prova robusta, garantir contraditório efetivo e adotar critérios objetivos para fundamentar decisões. Assim, preserva-se o equilíbrio entre efetividade da cobrança e proteção da autonomia patrimonial, evitando que a técnica da pessoa jurídica seja desfigurada por práticas abusivas.

6 CONCLUSÃO

6.1 SÍNTESE DOS RESULTADOS

A pesquisa desenvolvida permitiu alcançar os objetivos propostos, oferecendo uma análise integrada entre os fundamentos da personalidade jurídica, a responsabilidade tributária de terceiros e a aplicação da desconsideração na execução fiscal. No item 2, verificou-se que a personalidade jurídica é uma técnica essencial para a separação patrimonial e para a organização da atividade empresarial, cumprindo função econômica relevante. Contudo, a doutrina e a jurisprudência admitem sua relativização quando há abuso, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme previsto no art. 50 do Código Civil.

No item 3, constatou-se que os arts. 134 e 135 do CTN estabelecem hipóteses restritas de responsabilidade tributária de terceiros, exigindo prova concreta da impossibilidade de cobrança ou da prática de atos ilícitos qualificados. Essa responsabilidade não se presume, devendo ser interpretada de forma estrita, em respeito ao princípio da legalidade.

O item 4, analisou-se a aplicação da desconsideração na execução fiscal, destacando que o redirecionamento contra sócios e administradores encontra fundamento no art. 135 do CTN e na jurisprudência do STJ, especialmente na Súmula 435 e no Tema 444, que condicionam a medida à dissolução irregular e ao exercício de gerência no período do ilícito. Observou-se que a inadimplência, por si só, não autoriza o redirecionamento, conforme reafirmado pela Súmula 430.

Por fim, o item 5, apresentou-se uma análise crítica da prática da Fazenda Pública, apontando riscos de abuso e sugerindo diretrizes interpretativas para compatibilizar a efetividade da cobrança com a preservação da autonomia patrimonial. Foram propostas medidas como motivação específica, prova mínima, contraditório efetivo e subsidiariedade, além de um checklist probatório para fundamentar decisões.

6.2 CONFIRMAÇÃO OU NÃO DA HIPÓTESE

A hipótese inicial em que a aplicação indiscriminada da desconsideração da personalidade jurídica e do redirecionamento na execução fiscal compromete a função econômica da pessoa jurídica e viola princípios constitucionais foi confirmada.

A pesquisa demonstrou que, embora tais instrumentos sejam legítimos para coibir fraudes e proteger o crédito tributário, sua utilização sem critérios claros gera insegurança jurídica, desestimula investimentos e pode configurar violação ao devido processo legal. Assim, reafirma-se a necessidade de controle judicial rigoroso e fundamentação adequada para garantir equilíbrio entre a efetividade da cobrança e a proteção da autonomia patrimonial.

6.3 CONCLUSÕES GERAIS

Com base nos resultados obtidos, conclui-se que a personalidade jurídica é regra estruturante do sistema econômico e sua desconsideração deve ser excepcional, condicionada à demonstração de abuso ou fraude.

O art. 50 do Código Civil e os arts. 134 e 135 do CTN não autorizam interpretações ampliativas, haja vista exigirem prova robusta e motivação específica. A jurisprudência do STJ consolidou parâmetros importantes, mediante as súmulas 430 e 435, bem como com o julgamento do Tema 444, entretanto ainda há desafios na prática administrativa, que tende a banalizar o redirecionamento.

A adoção de critérios objetivos, como checklist probatório, contraditório efetivo e subsidiariedade, é essencial para evitar abusos e garantir segurança jurídica. A harmonização entre a teoria maior da desconsideração e o regime tributário demanda interpretação sistemática, respeitando os princípios da legalidade e da proporcionalidade.

6.4 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

A partir das conclusões alcançadas, sugerem-se as seguintes linhas de investigação:

a) impacto econômico da banalização do redirecionamento sobre pequenas e médias empresas, considerando efeitos sobre investimento e geração de empregos;

b) estudo comparativo da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em outros ramos do direito (trabalhista, ambiental, consumidor) e suas repercussões no direito tributário. Análise empírica da efetividade das medidas preventivas (compliance tributário, governança corporativa) na redução de práticas que ensejam desconsideração;

c) propostas legislativas para aperfeiçoar os arts. 134 e 135 do CTN, delimitando critérios objetivos para aplicação do redirecionamento, evitando interpretações expansivas; e

d) avaliação jurisprudencial sobre a compatibilidade entre a teoria maior e a teoria menor da desconsideração no contexto tributário, especialmente diante de grupos econômicos e confusão patrimonial.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail:.

[2] Professor na Faculdade Serra do Carmo – Fasec, da disciplina de Direito Tributário e Direito Administrativo, no curso de Bacharelado em Direito. Especialista em Direito Processual Civil, graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins UFT/Palmas/TO. Servidor Público Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins – Justiça Federal da 1ª Região. E-mail: jefferson.franco.silva@gmail.com.