A CONTRIBUIÇÃO DO TERCEIRO SETOR NA ECONOMIA ECOLÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
20 de setembro de 2023THE CONTRIBUTION OF THE THIRD SECTOR IN THE ECOLOGICAL ECONOMY TO THE SOCIOECONOMIC DEVELOPMENT OF THE BRAZILIAN AMAZON
Artigo submetido em 10 de agosto de 2023
Artigo aprovado em 22 de agosto de 2023
Artigo publicado em 20 de setembro de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 49 – Setembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO
O trabalho aborda a temática da economia ecológica e o papel do terceiro setor no contexto do desenvolvimento socioeconômico da Amazônia. Discutem-se as limitações do atual modelo de desenvolvimento, que utiliza recursos naturais limitados, e propõe-se a construção de um ecodesenvolvimento. São apresentadas mudanças que poderiam ser implementadas para contribuir na construção de um mundo menos desigual e degradado. Explora-se a influência do terceiro setor na busca por uma economia ecológica. Além disso, analisa-se a importância das incubadoras tecnológicas de cooperativas como vetores para a construção de um modelo de economia ecológica, considerando sua aplicabilidade na região amazônica. Por fim, são analisadas as políticas de desenvolvimento da Amazônia adotadas a partir da década de 60, seus resultados e as medidas que mais impactaram a região, destacando pontos positivos e negativos. Para isso empreendeu-se pesquisa de caráter descritivo-dedutiva sobre base bibliográfica em referencial teórico. O objetivo foi alcançado ao conferir a participação social com esteio na pauta da sustentabilidade ambiental dentro do contexto da economia ecológica e possibilidades de desenvolvimento de novas alternativas fomentadas pelas incubadoras tecnológicas.
Palavras-chave: Economia ecológica; Terceiro setor; Desenvolvimento sustentável; Amazônia brasileira.
The work addresses the issue of ecological economics and the role of the third sector in the context of socioeconomic development in the Amazon. The limitations of the current development model, which uses limited natural resources, are discussed, and the construction of an eco-development is proposed. Changes are presented that could be implemented to contribute to the construction of a less unequal and degraded world. It explores the influence of the third sector in the search for an ecological economy. In addition, the importance of technological incubators of cooperatives as vectors for the construction of an ecological economy model is analyzed, considering its applicability in the Amazon region. Finally, the Amazon development policies adopted from the 1960s onwards are analyzed, their results and the measures that most impacted the region, highlighting positive and negative points. For this, a descriptive-deductive research was carried out on a bibliographical basis in a theoretical framework. The objective was achieved by providing social participation with a mainstay in the agenda of environmental sustainability within the context of ecological economics and possibilities for the development of new alternatives fostered by technological incubators.
Keywords: Ecological economics; Third sector; Sustainable development; Brazilian Amazon.
INTRODUÇÃO
O atual modelo econômico, pautado na produção incessante e uso intensivo de recursos naturais, tem gerado impactos ambientais profundos e a degradação dos ecossistemas. Nesse cenário, a concepção de ecodesenvolvimento surge como um imperativo que visa harmonizar o crescimento econômico com a preservação ambiental e a equidade social.
No contexto contemporâneo, o conceito de desenvolvimento sustentável emerge como uma abordagem indispensável para o enfrentamento do desafio ambiental. Esse paradigma ganha ainda maior envergadura ao ser aplicado em regiões como a Amazônia, de vasta extensão territorial, com múltiplas e complexas realidades econômicas, sociais e culturais.
A região, reconhecida por sua biodiversidade e riqueza natural, também é palco de embates entre crescimento econômico, preservação ambiental e justiça social. É premente a busca por um modelo de desenvolvimento capaz de equilibrar esses elementos, garantindo um futuro sustentável para as gerações presentes e futuras. Isso passa pela criação de oportunidades de geração de renda às comunidades locais com a prestação de serviços e a produção de bens pautados pelo conservadorismo ambiental.
A convergência de diferentes perspectivas e vivências no processo de desenvolvimento sustentável ressalta a importância do terceiro setor, composto por organizações não governamentais, fundações e associações. Esse setor desempenha um papel fundamental na promoção de práticas atraentes, na conscientização ambiental e na defesa dos direitos socioambientais.
Uma vertente destacada no terceiro setor são as incubadoras tecnológicas de cooperativas, emergindo como ferramentas cruciais para a implementação de soluções inovadoras e autônomas. Elas são vocacionadas a estimular e apoiar o empreendedorismo socioambiental nas populações locais, viabilizando o desenvolvimento socioeconômico em compatibilidade com a conservação do meio ambiente natural.
A concepção de desenvolvimento no contexto complexo e multicultural da sustentabilidade
O atual modelo de desenvolvimento econômico é baseado em um crescimento contínuo, que utiliza recursos naturais de forma intensiva, resultando em impactos ambientais significativos e na degradação dos ecossistemas. Para promover um desenvolvimento sustentável, é necessário adotar um modelo de ecodesenvolvimento, que busca conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental e a equidade social.
Segundo Aurélio Sobrinho (2008, p. 87), foi Maurice Strong em 1973 quem introduziu o pensamento do chamado Ecodesenvolvimento, posteriormente aperfeiçoado por Ignacy Sachs. Para o autor (2008, p. 88), a formulação ecodesenvolvimentista em sua gênese tinha um caráter utópico, conflitava à base capitalista de produção e inserta no contexto de um mundo polarizado entre o ocidente capitalista e os países do leste europeu socialistas, e, ainda, vista com reservas pelos países subdesenvolvidos, de industrialização tardia ou não implementada, como imposição de um freio ao porvir do seu desenvolvimento econômico, porém, constitui-se no embrião da concepção de desenvolvimento sustentável.
No âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento instituída em 1983, que culminou em 1987 na emissão do Relatório denominado Nosso Futuro Comum – conhecido também como Relatório de Brundtland em referência à então primeira ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland que presidiu a Comissão –, foi consagrado o conceito de desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 46).
Consoante Ricardo Lorenzetti e Pablo Lorenzetti (2020, p. 41) abordagens do desenvolvimento social e da preservação ambiental sob a perspectiva da confrontação e exclusão de uma dimensão em face à outra, trata-se de pressuposto equivocado, mero propulsor da polarização social. Asseveram os autores (2020, p. 42) que “[a] ideia de ‘desenvolvimento sustentável’ e ‘consumo sustentável’ assenta precisamente no equilíbrio necessário entre a necessidade de riqueza e os limites que devem ser respeitados”[3].
Acerca da formação do pensamento sustentável, a porosidade da concepção atrai ao menos quanto a seu núcleo uma disseminada aceitação social sem maiores resistências. Marginalmente, contudo, há de se considerar as vicissitudes de cada agrupamento social, sua cultura e tradições, como expressão do multiculturalismo para o construtivismo dialógico, em fomento à afirmação da solidariedade entre os povos, a fim de não se esgarçar o conteúdo do desenvolvimento sustentável.
Assevera Limonad (2013, p. 130) ter exsurgido como “novidade do século XX […] resistência à modernização e ao desenvolvimento, [como corolário do] direito à diferença por parte de grupos sociais compostos por indígenas, quilombolas e camponeses”, cujos modos de vivência contribuem naturalmente ao preservacionismo ambiental.
Relata ainda Limonad (2013, p. 130) que
[d]istintos dos luditas do século XIX, pequenos produtores agrícolas, camponeses e populações indígenas em diversos países mobilizam-se em defesa da preservação de sua condição de existência contra a imposição de uma modernização, muitas vezes incompleta e excludente, que se traduz pela expansão espacial do capitalismo em escala global, e pela destruição das relações pretéritas de produção. Confrontam-se, assim, de um lado grupos sociais diversos mobilizados para preservar seu modo de vida, sua condição de existência e, de outro, interesses corporativos e governamentais que atendem à lógica de reprodução do capital em escala global.
Necessário ao escopo do desenvolvimento sustentável imprimir concertação entre os saberes científico-tecnológico e os saberes históricos das comunidades e povos tradicionais. Imperiosa a integração harmoniosa de saberes como fator de estimulo ao sentimento de pertencimento de todos ao meio ambiente, e via privilegiada para a construção do conhecimento proporcionando respostas dialógicas mais abrangentes sob variadas perspectivas e abordagens no enfrentamento das questões complexas como são as ambientais, postas à avaliação da comunidade local e global com vista à resolução.
A construção de um mundo menos desigual e degradado requer a implementação de mudanças significativas em diferentes áreas, com a participação dialógica de diversas óticas e vivências no processo preservacionista ecológico. Isso inclui a adoção de práticas sustentáveis nas atividades econômicas, como o uso de energias renováveis, a redução do desperdício, a promoção da economia circular, o manejo ambiental pesqueiro, a produção de bens e serviços a partir dos recursos ambientais em reservas extrativistas e unidades de conservação.
Ainda, vale destacar os intangíveis como potencial econômico. Os benefícios indiretos por obra dos povos da floresta, como os serviços prestados “como: mantenedores de processos ecológicos; depositárias de biodiversidade; locais de recreação e turismo; locais para pesquisa e educação ambiental; protetoras de recursos hídricos; ou ainda pelo valor intrínseco” (KITAMURA, 2001, p. 294).
Diante do reconhecimento de que o modelo de desenvolvimento atual é intrinsecamente ilimitado, embora dependa de recursos naturais finitos, a construção de um ecodesenvolvimento requer uma transformação profunda na abordagem econômica. Isso implica repensar a relação entre crescimento econômico, sustentabilidade ambiental e equidade social. Notadamente, é crucial assegurar a indução de alternativas geradoras de renda aos povos e comunidades que prestam efetivos, ou em potencial, serviços ambientais. O objetivo é harmonizar o progresso humano com os limites dos ecossistemas em um esforço coletivo de promover um futuro mais resiliente e balanceado.
A participação social na economia ecológica via terceiro setor
O constructo do desenvolvimento social aliado à preservação ambiental passa pela participação dialética de diversas óticas e vivências no processo preservacionista, num tratamento interdisciplinar e multicultural.
Nessa linha, necessário em primeiro momento uma crítica à modelagem de abordagem da ciência econômica, cuja atual é desencadeada das “possibilidades da metodologia que definem o objeto a ser estudado, e não o contrário como seria de se esperar” (FERNANDEZ, 2011, p. 115-116 – destaque do autor). Com efeito, há verdadeiro distanciamento da formulação teórica da economia aos problemas práticos do cotidiano, como se a economia se edificasse por si própria desapartada do todo social e ambiental, locus onde está inexoravelmente inserida, daí emergir uma nova proposta de economia, pautada pelo ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, com a inversão da investigação científica restrita aos aspectos da vida cabíveis nos modelos científicos preestabelecidos para uma investigação cujo objeto de estudo seja o preestabelecido e a partir dela se defina o método investigativo, assim, “ao invés da definição baseada no princípio das trocas e na maximização de ganhos individuais, que a Economia passe a ser definida como o estudo da provisão social” (FERNANDEZ, 2011, p. 115-116).
Não se pode olvidar que o mero crescimento econômico, não necessariamente condiz ao desenvolvimento, ao contrário da compreensão de economistas clássicos, como aduz Cavalcanti (2001, p. 65).
o crescimento pressupõe aumento físico, alargamento das dimensões da economia, enquanto desenvolvimento, no seu sentido mais rigoroso, não quer necessariamente significar crescimento. Pode ser uma transformação estrutural da economia, uma realização do potencial de atendimento das necessidades básicas, uma mudança qualitativa (para melhor, presumivelmente). Assim, referir ao desenvolvimento sustentável já significa abandonar os supostos discutíveis do crescimento sem limites, tão caro à tradição de pensar dos economistas (e daqueles que os consultam).
Como na concepção clássica da Economia, tem-se no setor privado – impulsionado que é pelo objetivo primordial do lucro – um espaço de frequente embate quando o interesse primário se choca ao ecológico, daí despontando a importância do terceiro setor, pois como aludem Lima e Pozzobon (2005, p. 69) “[o] mercado pode não promover sustentabilidade ambiental espontaneamente, mas há novos nichos de mercado a ocupar”.
Por outro lado, assevera Nalini (2015, s. p.) que “[o] Poder Público não está dando conta de suas tarefas. Se permanecer desvigiado, abusará do poder. A militância é essencial para o controle da atuação pública e para fiscalizar a aplicação dos recursos coletivos”. Por conseguinte, ressalta o autor (2015, s. p.) “[a]s grandes lutas travadas pela preservação no planeta são creditadas aos organismos não governamentais, não aos governos. O Brasil tem assistido a uma multiplicação dessas entidades […]”.
Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 601) a terceiro setor, entende-se como
aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor que é o mercado. Na realidade, ele caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe proteção e, em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento.
Consoante Fernandes (1997, p. 27) o terceiro setor é
composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia, do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil.
O terceiro setor desempenha um papel fundamental na busca por uma economia ecológica. As organizações do terceiro setor, como organizações não governamentais (ONGs), fundações e associações, estão frequentemente na vanguarda da promoção de práticas sustentáveis e da defesa do meio ambiente. Elas desempenham um papel complementar aos setores público e privado, trazendo inovação, agilidade e flexibilidade para a implementação de soluções sustentáveis.
As organizações do terceiro setor atuam em diversas frentes, como o desenvolvimento de projetos ambientais, a conscientização e educação ambiental, a defesa de direitos socioambientais, o estímulo à participação cidadã e a implementação de iniciativas de desenvolvimento sustentável. Elas desempenham um papel crucial na mobilização da sociedade, na pressão por políticas públicas ambientalmente responsáveis e na criação de modelos alternativos de produção e consumo.
Segundo Nalini (2015, s. p.)
muito fazem as Organizações Não Governamentais – ONGs, fenômeno que o Brasil ostenta a partir da redemocratização. O chamado terceiro setor, de que as ONGs constituem a parcela mais visível, está contribuindo para concretizar a democracia participativa prometida pelo constituinte na Carta de 1988. Evidentes avanços podem ser registrados, a partir do protagonismo de quem não teme retaliação e, arrostando riscos reais, se propõe a defender um patrimônio que é de todos.
Como se constata, a influência e participação do terceiro setor na implementação da economia ecológica condiz à criação e desenvolvimento das condições necessárias para “utilização e conservação dos recursos naturais de forma que possam contribuir decisivamente para a geração de oportunidades de renda para as populações atuais e futuras.” (WILLERDING; L. SILVA; R. SILVA; ASSIS; PAULA, 2020, p. 146).
Nessa perspectiva de repensar o modelo econômico com enfoque na provisão social, impõe-se uma guinada qualitativa da economia, encontrando-se no terceiro setor um elemento privilegiado de mediação entre os interesses do setor privado e os valores ecológicos, para a promoção da sustentabilidade socioambiental.
A importância das incubadoras tecnológicas de cooperativas na sustentabilidade
As incubadoras tecnológicas de cooperativas são vetores importantes na construção de um modelo de economia ecológica. Elas oferecem suporte e recursos para o desenvolvimento de cooperativas que buscam soluções inovadoras e sustentáveis. Por meio dessas incubadoras, as cooperativas podem desenvolver tecnologias limpas, promover a produção e consumo sustentáveis, além de estimular o empreendedorismo socioambiental. Essa abordagem é aplicável tanto na região amazônica, rica em recursos naturais, como em todo o país, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
Segundo Nascimento (2007, p. 2) “[o] sistema cooperativo apresenta-se como um instrumento político e econômico no âmbito das estratégias de sobrevivência de indivíduos que se associam, com os propósitos claros de buscar prover as necessidades materiais”. Para o autor (2007, p. 2) “[é] um instrumento e não um fim no âmbito da sobrevivência, o seu cariz político está voltado para a inserção social de grupos excluídos pela reestruturação produtiva e o seu aspecto econômico reside na perspectiva de geração de renda”.
Nesse quadrante, como a efetivação da sustentabilidade demanda a geração de renda à população inserida no contexto de participação no preservacionismo ambiental, espaços incubatórios de cooperativas caracterizam-se como importantes instrumentos propulsores do modelo de economia ecológica com reflexo na sustentabilidade.
Willerding, L. Silva, R. Silva, Assis; Paula (2020, p. 161) aludem que
[e]m se tratando da região amazônica de maneira geral e do estado do Amazonas de maneira específica, constata-se que não há opção simples para o desenvolvimento da região. O desafio consiste em aliar o necessário desenvolvimento econômico com a preservação da floresta implica construir caminhos capazes de gerar renda e qualidade de vida para suas populações. Essa busca pelo desenvolvimento deve levar a uma interação entre as forças sociais capazes de usar as riquezas derivadas da biodiversidade e outros recursos naturais regionais sem destruí-la. E isso não pode ser obtido pela replicação dos padrões atuais de desenvolvimento econômico.
A vastidão territorial da Amazônia não apenas permite, mas principalmente demanda uma abordagem diferenciada na busca por alternativas sustentáveis de produção, que reflitam as diversas realidades sociais presentes nos centros urbanos e nas comunidades que compõem a região. Nesse contexto, destaca-se a importância das incubadoras tecnológicas, as quais têm a capacidade de se difundir e compreender as potencialidades únicas de cada área, promovendo de forma induzida as atividades econômicas alinhadas às vocações locais.
Para o suprimento da necessidade de geração de renda, importante explorar a capacidade de beneficiamento e agregação de valor aos produtos e serviços diretos e indiretos originados do ambiente natural, notadamente quando se trata da região amazônica, o que pode e deve ser alcançado com pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) (WILLERDING; L. SILVA; R. SILVA; ASSIS; PAULA, 2020).
Portanto, o modelo cooperativo de organização social para além dos fins originários dessa forma de associativismo – a geração de renda – tem destacado potencial e pode contribuir à satisfação de interesse mais significativo e gratificante, na medida em que aliado à satisfação das necessidades de sobrevivência na criação de renda, também concretize a preservação ecológica pela possibilidade de exploração sustentável de recursos naturais na criação de produtos e serviços que garantam a sobrevivências da comunidade local sem degradação ambiental.
Daí revela-se a importância da incubação no e para a ambientação tecnológica dessas organizações, como fator primordial à difusão do fenômeno cooperativo para a prestação de serviços e produção de bens sustentáveis corroborados com a necessária geração de renda no espírito do desenvolvimento sustentável.
O modelo econômico amazônico e a sustentabilidade
O fim do ciclo decorrente do cultivo racionalizado do látex no sudeste asiático, mesmo considerada a tentativa de retomada da exploração no Brasil durante a 2ª Guerra, acarretou “[a] crescente preocupação com a integração da Amazônia ao restante do país ao longo da década de 1950, após o fracasso da “Batalha da Borracha”, deu início ao processo de implantação dos grandes projetos de desenvolvimento, característica do governo central” (SANTOS; MACHADO; SERÁFICO, 2015, p. 189-190).
Na década de 60, foi criado um modelo de desenvolvimento específico para a Amazônia, com o objetivo de superar a estagnação econômica causada pelo fim do ciclo da borracha. Essas políticas buscaram estimular a ocupação da região, a exploração de recursos naturais e o desenvolvimento de atividades agropecuárias. No entanto, apesar de alguns resultados positivos, como o aumento da infraestrutura e o crescimento econômico, as políticas também tiveram impactos negativos, como o desmatamento, a perda da biodiversidade e a exclusão de populações tradicionais.
Santos, Machado e Seráfico (2015, p. 193), referindo-se ao estado do Amazonas, aduzem que “[a] população, que era em sua maioria rural na década de 1960, vai se transferindo para a região urbana, que em duas décadas tornou-se superior em número de habitantes”. Afirmam os autores (2015, p. 193) que isso decorreu do fato de que “[e]ssas pessoas foram atraídas para a capital principalmente por vislumbrar a possibilidade de melhoria de renda, e pela falta de infraestrutura no interior do estado”.
Para Ribeiro, Monteiro e Amaral (2021, p. 62)
O modelo de urbanização capitalista-industrial, fortemente presente na Amazônia a partir da década de 70, fez com que a questão urbana em seu aspecto socioambiental fosse tratada como secundária. Ao se apoiarem em interesses de mercado, as dinâmicas territoriais perderam o compromisso com o planejamento urbano, levando à degradação dos rios e da vegetação.
Tratando da Zona Franca de Manaus (ZFM), notadamente após o aperfeiçoamento do modelo com a instituição da Superintendência da Zona Franca de Manaus em 1967, Santos, Machado e Seráfico (2015, p. 193) a consideram como “a alternativa tardia à economia da borracha, foi o modo específico através do qual a região foi reintegrada à divisão internacional do trabalho e à dinâmica do capitalismo global”, mas por outro lado, também ressalvam os autos (2015, p. 195)
O êxito do setor industrial da ZFM era visivelmente contrastante com a retração do setor primário. Em 1950, este era responsável pela ocupação de 73,65% da população economicamente ativa do estado do Amazonas. Em 1980, o percentual reduziu para 38,59%, e ainda se registrou sucessivas baixas nos anos posteriores. Essa retração refletia fortemente sobre Manaus, que tendo o seu volume populacional substancialmente elevado, passou a enfrentar problemas de abastecimento de gêneros alimentícios, exatamente devido ao deslocamento das pessoas da zona rural para a área urbana. Em virtude disso, a maioria dos alimentos passou a ser importada, o que elevou bastante o custo de vida na região.
Nesse contexto, apesar da integração da região amazônica ao fluxo de produção de bens e circulação do capital global pelas diversas empresas multinacionais instaladas na ZFM, houve um intenso êxodo da população do espaço rural com concentração no centro urbano da capital do estado, culminando em diversos impactos socioambientais à população.
A concentração populacional não deixa de formar um excedente de mão de obra não aproveitado na demanda industrial, contribuindo para a manutenção de salários baixos e, por conseguinte, à ampliação de ocupação das áreas territoriais periféricas. Tais espações são desprovidos de serviços públicos ou carentes na suficiência quantitativa e qualitativa necessária, reverberando, pois, em condições ambientais não permissíveis de uma existência humana digna. Estes territórios são degradados desde a formação do agrupamento humano desordenado sobre eles, sujeitos à exasperação dessa degradação na dimensão natural do ambiente ao longo do tempo e, por conseguinte, nas condições de vivência humana, ou no aspecto humano do mesmo meio ambiente.
Necessária, então, implementação de outras alternativas de desenvolvimento, notadamente pautadas na sustentabilidade ambiental em sua complexa compreensão, a fim de possibilitar a harmonia entre os meios necessários de vida à população local e a preservação ambiental, donde também emergente a relação do homem com a terra.
As relações do homem com a terra são fundamentais para a compreensão do desenvolvimento socioeconômico. O homem depende dos recursos naturais para sua subsistência, mas é necessário estabelecer uma relação sustentável, baseada na conservação dos ecossistemas e na justiça social. A governança adequada e a participação cidadã são essenciais para alcançar um desenvolvimento sustentável e justo, tendo-se as organizações da sociedade civil um importante instrumento de luta ao acesso justo à terra para uso sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de ecodesenvolvimento surge como uma alternativa primordial na busca pela harmonização entre crescimento econômico, preservação ambiental e justiça social. A visão do desenvolvimento sustentável, delineada no Relatório de Brundtland, permanece como um farol orientador para ações que atendam às necessidades do presente sem comprometer as gerações vindouras.
O terceiro setor, englobando organizações não governamentais, fundações e associações, desempenha um papel de destaque na economia ecológica. Suas atividades abrangem desde a sensibilização até a defesa de direitos socioambientais, fomentando a participação cidadã e a implementação de práticas ambientalmente conscientes. As ONGs articulam e complementam iniciativas junto às esferas pública e privada, fornecendo uma plataforma ágil para a adoção de soluções sustentáveis.
É inegável a importância das incubadoras tecnológicas de cooperativas na construção de uma economia ecológica na Amazônia. Esses espaços não apenas viabilizam o desenvolvimento de empreendimentos com foco na inovação e sustentabilidade, mas também promovem a geração de renda em harmonia com o ambiente. Essa abordagem fortalece a ligação entre a humanidade e a terra, fomentando um desenvolvimento econômico que respeita os limites naturais.
A participação ativa da sociedade desempenha um papel essencial na criação de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira. A colaboração do terceiro setor, articulado com o engajamento popular, em complementariedade e em cobrança ao poder público para o cumprimento do seu papel de proteção ambiental, constitui-se como um fator central na formulação e implementação de políticas públicas socialmente justas e responsáveis. Essa abordagem diversificada estabelece as bases para um futuro mais equitativo e harmônico.
Ao refletir em retrospectiva sobre as políticas de desenvolvimento anteriores na Amazônia, fica claro que houve avanços concomitantes a desafios significativos. O crescimento econômico e a expansão da infraestrutura proporcionaram benefícios tangíveis, mas também resultaram em impactos ambientais consideráveis. O aprendizado com essas experiências passadas é fundamental, orientando a adoção de abordagens que priorizem a sustentabilidade e a inclusão social.
A busca por um desenvolvimento equilibrado e sustentável na Amazônia exige a convergência de esforços de diversos setores. A proposta de ecodesenvolvimento, guiada pelo princípio do desenvolvimento sustentável, amplificada pelo papel fundamental do terceiro setor, facilitada pelas incubadoras tecnológicas e impulsionada pelo engajamento da sociedade, surge como o caminho a seguir.
A interação entre a sociedade e o ambiente na Amazônia é um testemunho da intrincada conexão entre as ações humanas e a natureza. A busca por um futuro mais promissor requer um compromisso coletivo com a preservação das riquezas naturais e culturais da região, assegurando que as gerações vindouras também possam desfrutar desses recursos.
Em última análise, o ecodesenvolvimento na Amazônia não é uma simples aspiração, mas um imperativo para a sustentabilidade global. Ao promover um equilíbrio entre crescimento, conservação e equidade, podemos forjar um cenário onde as aspirações humanas e a conservação ambiental coexistam de maneira harmônica e duradoura.
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[1] Pós Doutora En los Retos Actuales del Derecho Público pela Universidade de Santiago de Compostela. Doutora em Ciências Jurídicas pela Universidade Castilla La Mancha. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Professora do Programa de pós-graduação em Direito Ambiental (PPGDA) ofertado pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
[2] Mestrando do Programa de pós-graduação em Direito Ambiental (PPGDA) ofertado pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
[3] Traducão livre: “La idea de ‘desarrollo sustentable’ y de ‘consumo sustentable” está basada justamente en la necesaria ponderación entre la necesidad de riqueza y los límites que deben respetarse”.