A ADOÇÃO HOMOAFETIVA COMO COROLÁRIO DO DIREITO À CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E A NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO

A ADOÇÃO HOMOAFETIVA COMO COROLÁRIO DO DIREITO À CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E A NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO

1 de setembro de 2021 Off Por Cognitio Juris

SAME-AFFECTIVE ADOPTION AS A COROLLARY OF THE RIGHT TO FAMILY CONSTITUTION AND THE NEED FOR ITS REGULATION

Artigo submetido em 14 de junho de 2021
Artigo aprovado em 20 de julho de 2021
Artigo publicado em 01 de setembro de 2021

Cognitio Juris
Ano XI – Número 36 – Edição Especial – Setembro de 2021
ISSN 2236-3009
Cleydsa Mikaelle Pereira Batista[1]
Natália Matias Abrantes[2]
Eunicélia de Fátima Carneiro[3]

RESUMO: Este artigo busca explorar aspectos jurídicos da adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais, tema ainda bastante polêmico no Brasil, visto que está presente na sociedade sob muitos preconceitos. Mesmo o Supremo Tribunal Federal reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar, há uma resistência social que acaba por tirar o direito de milhares de crianças abandonadas que esperam por um lar. O objetivo desta pesquisa é preencher a lacuna da adoção homoafetiva deixada pela omissão legislativa, para que possa garantir os direitos de constituir uma família. A metodologia utilizada foi de pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, bibliográfica com suporte em livros, artigos, jurisprudências e legislação principalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente. O problema que partindo de suas próprias convicções pode acabar por dificultar e/ou impossibilitar a omissão legislativa, que será analisada neste trabalho, é que transfere esse direito a uma só atividade interpretativa do julgador a adoção por casais homoafetivos. Assim, pretender-se-á demonstrar a necessidade e urgência da criação de uma legislação específica para que seja respeitada.

Palavras-chave: Adoção. Família. Casais homoafetivos.

ABSTRACT: This article seeks to explore the legal aspects of the adoption of children and adolescents by homosexual couples, a topic that is still quite controversial in Brazil, as it is present in society under various prejudices. Although the Supreme Court recognizes homosexual unions as a family entity, there are social resistances that end up taking away the rights of thousands of abandoned children who are waiting for a home. The objective of this research is to fill the gap of homo-affective adoption left by the legislative omission, so that it can guarantee the rights of starting a family. The methodology used was exploratory research, with a qualitative approach, bibliographical support in books, articles, jurisprudence and legislation, mainly the Statute of the Child and Adolescent. The problem that, starting from their own convictions, may end up making it difficult and/or impossible to legislate omission, which will be analyzed in this work, is that the adoption by same-sex couples transfers this right to a single interpretative activity of the judge. Thus, it will be intended to demonstrate the need and urgency of creating a specific legislation to be respected.

Keywords: Adoption. Family. Homossexual couples.

1 INTRODUÇÃO

O instituto da adoção, no Código Civil de 1916, recebeu um tratamento restrito, tendo o interesse do adotante como prioritário na sua concretização; o que se modifica com o Código Civil de 2002, haja vista que a adoção se tornou mais diversificada, em razão da ampliação do conceito de família. Fala-se, inclusive, hodiernamente, em família eudemonista, que tem como característica a união afetiva entre pessoas que fazem da felicidade o princípio da relação, independentemente do vínculo biológico.

A relação homoafetiva constitui, hoje, um dos principais tipos de entidade familiar, mas ainda é pauta de muitos preconceitos, motivados, principalmente, pelo machismo que se faz presente na sociedade em que vivemos. A família, liderada por um casal homoafetivo, sofre pelos olhares julgadores dos cidadãos diante dos seus filhos, embora isso não seja base relevante para que desistam de seus direitos familiares e sociais. Além disso, a importância de ultrapassar os preconceitos advindos da sociedade traz o objetivo de ir contra essa discriminação, com a criação de uma legislação específica. É relevante garantir o direito dos jovens que estão em busca de um lar e de uma família, deixando de classificar possíveis parentescos pela orientação sexual de cada um.

Ademais, não havendo nenhuma lei que assegure direitos na adoção por casais homossexuais, a procura por diretrizes e medidas protetivas se baseia apenas em projetos de lei. Isso impulsiona uma reação desses indivíduos, que se encorajam constantemente a assumir o que são e o que fazem, clamando por maior atenção à causa, buscando uma resposta legislativa que declare a livre composição do instituto da família através da adoção e também que lhes assegure a proteção de sua autenticidade. A junção de duas pessoas do mesmo sexo, para a sociedade, não poderia formar uma família, posto que se desestabilizaria a mentalidade da criança e também confundiria a orientação sexual da mesma, conclusão totalmente acientífica, que dificulta ainda mais a trajetória dessas pessoas, além de ferir o direito à dignidade, à igualdade, autodeterminação, não discriminação.

Esse artigo visa chamar a atenção da sociedade à adoção por casais homoafetivos e a dificuldade enfrentada por eles, enfatizando a falta dos seus direitos no processo da adoção e buscando afastá-los de qualquer ato de preconceito. É preciso salientar, também, o posicionamento a favor da adoção, justificado no presente documento. De forma legal e jurídica, traz, como destaque proeminente, as dificuldades situadas na convivência social e profissional dos indivíduos, visando enaltecer a eficácia da formação de um núcleo familiar através de qualquer decisão sexual advinda do lado paternal. A filosofia dos valores morais comportamentais, comumente chamadas de ética, é de extrema relevância para se alcançar o bem-estar social e moral. Através dela, do desejo de formação de um núcleo familiar e do sentimento de respeito, resulta-se na felicidade e no amor entre pais e filhos.

A fim de melhor trabalhar a temática, adotou-se uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, com ampla investigação em livros, artigos e, ainda, na jurisprudência dos tribunais. Entende-se que o caminho a ser traçado deve partir do ordenamento jurídico. Este, ao mesmo tempo que sofre influências da realidade, também influencia e deve oferecer condições de igualdade para a formação de todos os tipos de famílias, valorizando-se o princípio máximo da dignidade da pessoa humana.

Expor-se-á, nesse trabalho, de forma introdutória, o instituto da adoção no Brasil, para, então, fazer-se um levantamento sobre os direitos da família, com o reconhecimento da união homoparental perante a Constituição Federal, jurisprudências e doutrinas, e se concluirá com o questionamento acerca dos efeitos da adoção para as crianças, suas possíveis soluções e os benefícios sobre a paternidade homoparental.

2 O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A lei nº 12.010/09 aborda, de forma mais precisa e coesa, a sistemática do instituto da adoção, sendo voltada à melhoria da qualidade de vida das crianças e dos adolescentes, dispondo do direito à convivência familiar. O objetivo dessa nova legislação seria facilitar o acesso dos adotantes à formação social de uma família e focar na redução do número de crianças órfãs. Como ensina Rosenvald:

“A adoção se apresenta como muito mais do que simplesmente suprir uma lacuna deixada pela Biologia, é a materialização de uma relação filiatória estabelecida pela convivência, pelo carinho, pelos conselhos, pela presença afetiva, pelos sentimentos…, enfim, pelo amor.” (FARIAS. 2015, p. 909)

Sob o olhar crítico da sociedade, e jurídico, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção destaca a prevalência da boa convivência com a família como um dos eixos abordados em suas diretrizes, promovendo a integração da criança e a efetivação da garantia do cuidado dos familiares com o menor adotado.

No art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente, há a fixação de uma sistemática registradora das crianças e adolescentes que têm condições de serem adotadas, como também das pessoas que têm interesse em adotar. Através dele, são asseguradas medidas protetivas e de segurança para o(s) órfão(s) que venha(m) a ser adotado(s), visando mantê-los sob cuidado e com zelo.

O processo de adoção começa na Vara da Infância e da Juventude, e os adotantes devem ter idade mínima de 18 anos, independente do estado civil. Deve haver uma diferença de idade de 16 anos entre o adotante e o adotado, e a apresentação de determinados documentos para concretização desse processo, como o CPF, comprovante de renda e de residência, atestados de sanidade física e mental. O adotante também precisa de um curso de preparação psicossocial e jurídica, e avaliação com entrevistas e visitas domiciliares.

Quanto maiores as exigências do adotante, maior será o tempo do processo de adoção. No entanto, se o adotante estiver disposto a considerar todos os tipos de cor, idade, etnia e outras características, incluindo adotar irmão(s), o processo dura, em média, 6 (seis) meses.

A adoção homoafetiva não está regulamentada no nosso ordenamento jurídico, ocasionando, complicações nos processos, por causa da orientação sexual, pautar que não deveria ser uma problemática para a permissão da adoção. Nesse sentido, segue decisão do Desembargador Marcus Tulio Sartorato:

INFÂNCIA E JUVENTUDE. PEDIDO DE HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DO PARQUET. PRETENDIDA A COMPLEMENTAÇÃO DO ESTUDO PSICOSSOCIAL. DESNECESSIDADE. ESTUDOS SOCIAL E PSICOSSOCIAL CLAROS E FAVORÁVEIS À HABILITAÇÃO. TRATAMENTO PSICOTERÁPICO POR UM DOS ADOTANTES. FATO QUE CORROBORA SUA DISPOSIÇÃO EM SE PREPARAR PSICOLOGICAMENTE PARA A ADOÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A COLOCAR EM DÚVIDA O PREPARO DO CASAL NESTE MOMENTO PROCESSUAL. CRITÉRIOS RECURSAIS DISCRIMINATÓRIOS, INFUNDADOS E DESARRAZOADOS. PRETENSÃO DE DESCOBRIR A “GÊNESE” DA HOMOSSEXUALIDADE E OS “PAPÉIS” QUE CADA UM EXERCE NO ÂMBITO RELACIONAL. PLEITO QUE ESBARRA NA DIGNIDADE HUMANA DOS REQUERENTES E NA NECESSIDADE DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1º, III, 3º, IV, E 5º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HABILITAÇÃO DEFERIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SC – AC: 00025831120178240036 Jaraguá do Sul 0002583-11.2017.8.24.0036, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 13/03/2018, Terceira Câmara de Direito Civil)

A decisão utilizou o princípio da dignidade da pessoa humana e o respeito à liberdade de orientação sexual para negar ao Ministério Público a análise sobre o gênese da homossexualidade e quais seriam os “papéis” de cada um na relação. O que deve nortear a adoção é o cuidado e a responsabilidade com a criança independentemente da orientação sexual.

Antes de ser devidamente adotada, a criança e/ou o adolescente deve(m) passar pelo processo de socialização, onde irá começar a fase de adaptação à nova família e o firmamento dos laços afetivos entre o pretendente e o futuro adotado. Ao iniciar tal fase, a justiça e a equipe técnica monitoram a visitação do casal ao abrigo para criar uma aproximação e uma relação mais forte com a criança.

Se a aproximação for bem sucedida, vai ser iniciado o estágio de aprovação, onde a criança passa a morar com os adotantes. Serão monitorados regularmente e orientados pelo Poder Judiciário, para entenderem como se deve recepcionar e conviver com a criança. Por isso, são informados do histórico e todo o processo que a criança passou ao longo da vida, com a finalidade de evitar futuros traumas ou preocupações.

Após o estágio de convivência, será proposta a ação de adoção. Assim, o Judiciário avaliará se o convívio e o relacionamento da família são favoráveis e, se assim for, será proferida a sentença de adoção, que permitirá a confecção de novo registro de nascimento, com o sobrenome da nova família, e, o adotado terá todos os direitos de um filho. Conforme o art. 41, do ECA, “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

       O registro original do adotado será cancelado logo após a oficialização da adoção e o processo será arquivado. Mas, a qualquer momento, a criança ou o adolescente poderá consultar os autos do processo, com a autorização do juiz, a fim de recuperar parte de sua história.

Se o casal deseja adotar, ele deve ser casado civilmente ou viver em união estável, devidamente comprovada, independentemente do gênero. Pode-se afirmar que o amor e o afeto são as principais causas que trazem consequências benéficas para se formar uma família. O intuito da adoção é dar um lar à criança, que garanta a sua segurança, o seu conforto e seu desenvolvimento, proporcionando uma infância memorável e estável.

O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) informa dados referentes à quantidade de pessoas que estão disponíveis para adotar. No relatório, existem 3.997 crianças e 42.789 pretendentes aptos à adoção. Há uma discrepância entre os dados e, mesmo assim, ainda existem tantas crianças esperando por um lar. Características como o sexo, a idade e a raça são os pontos principais a serem apresentados, o que traz uma dificuldade ao processo de adoção, tendo em vista que há um padrão de critério entre os pretendentes.

 O CNA foi criado, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para facilitar o cruzamento entre os dados dos interessados em adotar e das crianças aptas à adoção no país, abreviando o procedimento.

É notório que o processo de adoção é demorado por causa de tudo que deve ser analisado. Contudo, os casais homossexuais encontram uma dificuldade extrema, até mesmo por não haver uma regulamentação orientando como se dá o processo de assumir a guarda definitiva da criança e/ou do adolescente, o que pode ser modificado através de uma nova legislação provinda do Estado, especificando tal processo. É de suma importância enfatizar o quão a adoção pode ser benéfica para a constituição de uma família, indo além dos paradigmas sociais de seleção e escolhendo constantemente o sentimento presente nos laços afetivos, que é o amor, principal base de uma união familiar, juntamente com a felicidade; como é ressaltado por Dias:

Sem limitação legal, não se pode negar o direito de crianças e adolescentes à adoção, que lhes irá assegurar um lar, uma família, o direito ao afeto e à felicidade, ou seja, o direito à vida. A eles é assegurado o maior número de garantias, e são os que gozam de mais direitos na esfera constitucional. Ao depois, é dever da família, da sociedade e do Estado (art. 227 da CF) assegurar à criança, além de outros, o direito à dignidade, ao respeito e à

liberdade.

O objetivo da adoção não é somente o acolhimento em um ambiente familiar, mas também a inclusão em um lar digno, onde tenha os seus direitos respeitados, priorizando-se o melhor interesse da criança e do adolescente. É necessário que o agrupamento familiar lhe propicie conforto, educação e estabilidade, que são três características fundamentais ao desenvolvimento de uma criança.

As crianças e os adolescentes têm o direito à paternidade. Por isso, o ordenamento jurídico precisa proteger o direito do homossexual em adotar. Se todos os requisitos foram preenchidos, não há motivos para desqualificar os pretendentes por sua orientação sexual. Ao se negar o direito do homossexual de adotar, viola-se o direito de igualdade e o direito da criança e do adolescente de terem um lar e uma família.

A adoção apresenta muitas discussões e, apesar da sociedade estar em constante evolução, o preconceito está enraizado no lado cultural e jurídico da história da humanidade. O direito do casal homossexual é um dos eixos que mais é afetado com tal discriminação. Tendo isso em vista, a instituição da adoção deve ir além dos padrões inseridos pelo povo e enfatizar a ideia de que, independentemente da escolha sexual de alguém, todos os indivíduos podem formar uma família.

3 UNIÃO HOMOAFETIVA COMO NOVA ENTIDADE FAMILIAR

O termo ‘família’ se modificou gradativamente. No período patriarcal, por exemplo, só era permitida a união entre o homem e a mulher, o que eliminava qualquer forma de homossexualidade existente perante à sociedade. Mesmo sabendo que existia, a sociedade discriminava esse tipo de relação, principalmente por causa dos dogmas religiosos que se faziam presentes nas famílias, transformando essa opção sexual em um “pecado”. Paulo Roberto relatava:

No século XIX passou-se a se afastar da dogmática religiosa, dirigindo-se para um estudo científico acerca da homossexualidade. Observa-se que primeiramente houve a definição da homossexualidade como doença, sem qualquer dado concreto. Isso fez com que tratamentos desumanos fossem abertamente utilizados, sem nenhuma punição estatal. Terapias com choques convulsivos, lobotomia e terapias por aversão foram largamente utilizadas. Queriam, a todo custo descobrir uma forma de reverter a homossexualidade. Obviamente que não conseguiram, pois não se cura algo que não é patológico (VECCHIATTI, 2008, p. 42).

             Só na pós-modernidade que a homossexualidade veio a ser aceita como família, por laços afetivos, apesar de ainda se enxergar laços preconceituosos da sociedade. O direito à igualdade e à liberdade de orientação sexual permitiu que essas pessoas vivessem em harmonia e pudessem usufruir de garantias, mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido.

O conceito de ‘entidade familiar’ vai além dos paradigmas descritos em uma família tradicional, ou seja, não só o homem e a mulher podem compor uma união entre pais e filhos, como também todas as formas de relacionamento, sejam elas uma relação homoafetiva ou não. Além disso, uma família também é composta por avós, tios ou apenas um dos genitores assumindo o papel de pai ou de mãe. O intuito é justamente a composição de uma família pelos sentimentos afetivos existentes entre os seus integrantes, indo-se além da ideia exclusivista de sangue.

A união estável homossexual foi reconhecida, como entidade familiar, em 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, assim permitindo que tenha eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, a decisão deverá ser seguida por todos os tribunais e pela Administração Pública do Brasil. Através disso, concedeu-se direitos aos casais homossexuais, ultrapassando-se a barreira do preconceito e permitindo novas conquistas à causa da homossexualidade.

Não é só porque a relação homoafetiva não está regulamentada que vai deixar de existir, pois a justiça estaria negando o direito de expressão e de igualdade.

Através da decisão do STF de reconhecer a relação homossexual como entidade familiar, ocorreu a nominada mutação constitucional, e atribui-se novo entendimento ao artigo 226, §3, da Constituição Federal, que dispões “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”. Mesmo que não tenha sido alterada, de forma literal, na parte “o homem e a mulher”, tal excerto do dispositivo deve ser lido como “pessoas”. As mudanças são significativas, mesmo que ínfimas, e geram um espaço na sociedade. Os sentimentos não são tratados pelo Direito, mas é de sua responsabilidade garantir a proteção às relações afetivas, já que a Lei Maior não admite discriminações de qualquer gênero.

Na Lei nº 11.340/2016, conhecida como Lei Maria da Penha, pode-se notar a ampliação no conceito de família, em seus artigos 2º e 5º, parágrafo único:

Art. 2˚ Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (…) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Art. 5˚ Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (…)

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Observa-se que os ramos do Direito estão se modificando com as novas decisões sobre a homossexualidade, no exemplo retrominando já há espaço para a relação homoafetiva, eis que se retrata a família como um núcleo de pessoas que são ou não aparentadas, unidas por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, e ainda afirma que independe de orientação sexual. Entende-se que a Lei Maria da Penha assume a relação homoafetiva como entidade familiar mesmo tratando de violência apenas contra a mulher e não aos homens.

 Essas modificações foram o marco principal para o direito de família evoluir, pois permitiram afastar a característica de uma família patrimonial e individualista, passando a adotar diversos modelos de família, tendo como principal fundamento a solidariedade.

O reconhecimento da relação homossexual como entidade familiar trouxe efeitos jurídicos bastante pertinentes ao nosso meio social. Ao propagar uma boa atenção do público-alvo, que é a maioria da população, designaram-se novas características que são benéficas no que tange ao desenvolvimento da sociedade em compreender as mais variadas tipicidades de famílias. Isso desencadeou a expansão dos seus direitos, tendo como exemplo a adoção e, ao companheiro, caso se torne viúvo, o direito na divisão de bens adquiridos durante a convivência.

Como foi dito anteriormente, a base da nova família é o afeto, principal fundamento que é exposto no Projeto de Lei nº 2285/2007, em seu artigo 5º:

Art. 5º Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.

Diante disso, podemos notar que o afeto é o elemento que está presente nas novas relações familiares, deixando de lado qualquer discriminação perante seus componentes. É a liberdade de se aperfeiçoar com outra pessoa, um efeito da convivência familiar, base da sociedade. Fingir que não existem famílias diferentes das que estão na estrutura da lei é transformar essas relações em algo pequeno, ocasionando um ato de inconstitucionalidade, criando discriminações e ferindo o princípio maior da dignidade da pessoa humana.

A família é construída por meio de princípios básicos como a solidariedade, igualdade, amor e afeto. Sua função é a realização pessoal, tendo como principal objetivo a busca pela felicidade, esse é o principal motivo de se constituir uma família, não a escolha sexual das pessoas que a compõem. Ao permitir que o homossexual seja inserido no tipo de família eudemonista, ocorre a quebra de um conceito tradicional, e abre-se espaço para todas as variedades de composição familiar.

O direito teve que transitar, na jurisprudência, de acordo com a evolução da sociedade no conceito de entidade familiar, principalmente em caráter efetivo, pois ao se tratar de família, precisa-se ter em mente que é composta pelas necessidades, afetividade, busca incessante pela felicidade. E as regras jurídicas precisam se adequar às mais variadas modificações sociais. 

A entidade familiar se modificou para acompanhar a necessidade de evolução da sociedade, amparando todas as formas de famílias. O conceito de família passa a ser subjetivo, pois se formará a partir da vontade daqueles que escolhem viver juntos. As inovações não foram somente para diversificar as entidades familiares, mas o intuito foi superar preconceitos que não se adequam mais à sociedade atual.

O mundo está em constante mudança e o Direito deve acompanhá-lo, como também a visão da sociedade perante as pessoas, permitindo a diversidade das famílias e sua composição.

Associando a união homoafetiva à constituição de uma família, pode-se trazer a adoção como uma problemática que revela as complicações jurídicas e sociais. Os recursos utilizados dentro do Direito trazem informações que podem alcançar limites considerados desiguais ao se tratar dos adotantes héteros ou homossexuais.

Quando a relação homoafetiva foi aceita como entidade familiar, o Poder Judiciário utilizou essa fundamentação para conceder a adoção em muitos casos, pois percebe-se que a família vai além da questão biológica. A adoção acarreta um crescimento saudável aos que se encontram desamparados. Dessa forma, expõe Maria Berenice Dias:

[…] desimporta a identificação do sexo do par, se igual ou diferente, para se emprestarem efeitos jurídicos aos vínculos afetivos, no âmbito do Direito de Família. Atendidos os requisitos legais para a configuração da união estável, necessário que sejam conferidos direitos e impostas obrigações independentemente da identidade ou diversidade de sexo dos conviventes. (Direito à Diferença. Revista Jurídica Areópago da Faculdade Unifaimi, Ano I (2008), Edição nº 3.)

        Pode-se notar que, para formar uma família, o que menos importa é a orientação sexual dos adotantes, e sim o amor e afeto que podem gerar para a criança. Através da relação entre a convivência com os seus pais e o seu desenvolvimento mental e social, o menor tende a construir uma ponte que liga os seus sentimentos aos seus relacionamentos, de maneira a deixá-lo confortável e poder exercer sua autenticidade de maneira livre e feliz.

 Sabendo que a família é uma parte principal da sociedade, pode-se notar que ela deve ser regida por vários princípios para resguardar a relação familiar que é constantemente modificada pelas mudanças sociais, dentre tais princípios, podemos citar o respeito, a dignidade e o zelo.

Ao transformar a união homoafetiva em uma entidade familiar, não se trata só de uma questão constitucional, mas, sim, de uma conduta ética, admitindo a transformação que a sociedade precisa para se adequar às mudanças e ver o “novo” como algo normal entre eles. A partir disso, gera-se uma igualdade entre as relações sociais, respeitando o direito deles de se expor na sociedade sem nenhuma discriminação.

Quando defendemos a família, estamos valorizando o vínculo afetivo e zelando para que todos possam desfrutar de um futuro melhor, principalmente as crianças, pois a base do menor é formada dentro do seio familiar. O conceito de família é definido pela diversidade, por isso são compreendidas através dos seus direitos. As pessoas começaram a formar famílias livremente, sem ser obrigadas a seguir o padrão imposto pela sociedade. Diante disso, nota-se o poder que o direito tem de modificar a vida das pessoas, como também pode modificar os conceitos ultrapassados que não se encaixam mais como entidade familiar.

4 A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA

A adoção homoafetiva se trata de uma modalidade de adoção que ocorre quando os adotantes são homossexuais. Quanto a este modelo de adoção, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso, por isso, subjetivamente, não há uma vedação legal que a proíba, não existindo motivos para este direito não ser regulamentado. Marcos Duarte, Presidente do IBDFAM Ceará, ressalta no IBDFAM:

Embora não exista impedimento no substitutivo para a adoção por casais homoafetivos, o legislador perde a oportunidade de legalizar este tipo de união por mero preconceito. Ao permitir a adoção conjunta por adotantes que vivam em união estável, implicitamente há permissão para a adoção por parceiros homossexuais já que proliferam decisões em quase todos os estados brasileiros reconhecendo a união estável entre esses casais, tendo inclusive o Superior Tribunal de Justiça decidido no sentido de atribuir direito de meação ao ex-companheiro homoafetivo.

As relações homoafetivas são analisadas com um preconceito enraizado e histórico, pois grande parte das pessoas são incapazes de aceitar o diferente e, por isso, afetam o direito de quem quer constituir uma família, prejudicando várias crianças e adolescentes que anseiam em ser adotados.

No que tange ao sentido de constituição de uma família, deve-se ressaltar a importância do compromisso do Estado perante à união homoafetiva, visando a proteção da sociedade e de todos os seus indivíduos, já que, para se formar uma entidade familiar, não se faz mais necessário que os pais que desejam adotar sejam o homem e a mulher, e sim todo tipo de casal que tenha a aceitação do Estado dentro do mérito de segurança e defensoria de direitos.

A primeira coisa que as pessoas pensam quando falam em adoção por casais homoafetivos é “qual é a consequência que vai gerar na vida da criança?”; mesmo que seja uma pergunta inocente, acaba sendo preconceituosa e afastando a possibilidade de adoção dessas pessoas. Conforme a professora de psiquiatria, Charlotte Patterson, explica:

“As pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais”.

A orientação sexual dos adotantes não tem influência na personalidade da criança, mas esse motivo é usado como uma distração para cobrir o preconceito, podendo gerar ante tantas dificuldades enfrentadas, danos psicológicos para os adotantes, mas a adoção por casais homoafetivos é um marco importante para transformar a visão das pessoas sobre o benefício que esses pais farão para as crianças e adolescentes que esperam por um lar.

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana afasta qualquer forma de discriminação. Não aceitar a orientação sexual de uma pessoa é ir contra a Constituição, negando o direito dos homossexuais. Esse princípio garante voz às minorias, que passaram a ter seus direitos respeitados tanto por seus semelhantes, como também pelo Estado.

O princípio da dignidade da pessoa humana, pois é utilizado para repudiar qualquer ato degradante ou desumano que possa afetar a unidade familiar. É o princípio estrutural da sociedade que garante uma vida saudável, concedendo a valorização do ser humano, avaliando, respeitosa e igualitariamente, seu modo de viver e suas ações. Sendo assim, o Estado deve promover a eficácia da qualidade de vida e da dignidade, que são garantias fundamentais, pois é o controlador das medidas sociais.

A função do Estado é garantir o respeito à diversidade, pois a orientação sexual tem a ver com a vida particular de cada um. Mas, quando a homossexualidade é tratada como uma anomalia, os princípios fundamentais são ignorados e se agride significativamente as vítimas, deixando-as com a sensação de insegurança e de humilhação.

Através dos princípios principais os homoafetivos conquistaram o direito de ser reconhecidos como entidade familiar, podendo constituir união estável, e estão lutando para conseguir constituir uma família por meio da adoção.

A adoção ocorre quando há a inclusão da criança, que está em estado de abandono, em um ambiente familiar, no qual a base da relação seria o afeto e o amor.  Não decorre de uma questão biológica, mas de um ato de vontade das partes de constituírem uma família e a parte do adotado de ter um lar. Nas palavras do ex-ministro do STF, Celso de Mello:

E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE – PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO – DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL – O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO. (RE 477554 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220-01 PP-00572)

No que se refere à constituição de uma família, pode-se notar a importância que a jurisprudência traz o afeto como valor jurídico nas relações sociais e, como o direito à felicidade está exposto no princípio da dignidade da pessoa humana, permitindo-se formar uma família independentemente da orientação sexual. Fica explícito o dever da sociedade em respeitar cada indivíduo, seja qual for a situação.

A adoção deve ser analisada cuidadosamente para que o julgador saiba se a adoção é aconselhável ao casal, baseando-se nas questões psicológicas, morais e sociais do adotante, e não nas opiniões preconceituosas que acabam ferindo o direito do outro. Conforme o art. 43, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção tem que ser realizada quando apresentar reais vantagens para o adotando e, em consonância com o art. 6, do mesmo texto, há o princípio da prevalência do interesse do menor levando em conta os fins sociais e o bem comum.

O princípio da prevalência do menor expõe a necessidade de pôr os direitos das crianças acima dos demais, pois o seu objetivo é zelar pela formação psíquica, moral e social, para que se possa proporcionar um processo tranquilo para aqueles que se encontram em um estado de vulnerabilidade, assegurando a devida proteção. O art. 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fala claramente que as crianças e os adolescentes não serão objetos de qualquer ato negligência ou opressão, sendo esses punidos na forma da lei.

Assim, o interesse da criança deve ser superior nas questões fáticas e jurídicas, definindo-se a solução mais adequada para cada caso concreto. Cada caso deve ser analisado em sua individualidade, sempre ocorrendo a oitiva da criança ou do adolescente, pois são sujeitos de direito capazes de expor suas necessidades. É notório que um ambiente familiar é o mais importante para que a criança tenha um desenvolvimento mais saudável, e não uma Instituição de acolhimento que traz desvantagens emocionais, psicológicas e sociais. Por isso, a adoção por casais homoafetivos só traria benefícios para o desenvolvimento da criança.

A adoção por casais homoafetivos ainda é um assunto complexo quando analisamos o ordenamento jurídico brasileiro, pois há uma ausência de regulamentação adequada para atender os interessados no processo. Mas essa falta de recursos legislativos não é motivo para a interrupção dos julgamentos de tais casos ou para a propagação de preconceitos para essa classe familiar.

Apesar do sistema judiciário ter reconhecido a união homoafetiva como entidade familiar, não se posicionaram sobre a adoção por esses casais, assim como não houve manifestação na esfera legislativa. Essa ausência permite ao julgador diferentes interpretações, se baseando, somente, no ordenamento jurídico, possibilitando a interrupção de alguns direitos por parte dos beneficiados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que regulamenta a adoção no ordenamento jurídico brasileiro e, com base nisso, não há nenhum impedimento expresso que proíba a adoção por casais homossexuais, só retratando quais os requisitos para os adotantes, conforme o art. 42 do ECA:

Art. 42.  Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

§ 4 o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 5 o Nos casos do § 4 o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil . (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 6 o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Pode-se notar que, dentre os requisitos que são exigidos para-se conceder a adoção, não há orientação sexual. O que realmente interessa é que o adotante tenha certas características, como: idoneidade moral, capacidade para assumir a responsabilidade de criar e educar uma criança, estabilidade profissional e um ambiente familiar saudável. O ECA, contudo, não traz a possibilidade, de forma expressa, da adoção por casais homoafetivos, gerando uma abertura no entendimento jurisprudencial, que pode conceder ou não essa adoção. Essa omissão legislativa prejudica mais ainda os pedidos de adoção feitos pelos casais homossexuais, pois deixa livre a interpretação do julgador.

Ainda há possibilidades no sistema judiciário para ocorrer a  adoção, mas de forma demorada, por meio de uma interpretação aprofundada das leis e das jurisprudências em conformidade com a realidade social, afastando uma análise rígida e formal das leis.

Através das mudanças sociais, o ordenamento jurídico brasileiro se vê obrigado a segui-las e, com isso, torna-se indispensável o direito do casal homoafetivo, e da criança, principal objetivo da adoção. Os casais homossexuais devem ser respeitados e tratados de forma digna, principalmente quando o assunto é tão importante quanto o direito de adotar, pois é um ato de amor, carinho e reciprocidade. Os adotantes, como também os adotados, têm o direito à felicidade de compor uma família. Silvana Maria Carbonera explica:

O Direito não deve decidir de que forma a família deverá ser constituída ou quais serão as suas motivações juridicamente relevantes (…) formando-se uma que respeite a dignidade de seus membros, a igualdade na relação entre eles, a liberdade necessária ao crescimento individual e a prevalência nas relações de afeto entre todos, ao operador jurídico resta aplaudir, como mero espectador CARBONERA (1999, p.23).

Observamos que não se pode negar esse direito de se constituir uma família. A sociedade tenta justificar de diversas formas a não concessão da adoção por casais homoafetivos, como a criança que poderá sofrer influência na sua orientação sexual e preconceitos durante sua vida toda. Mas concluímos que o principal objetivo é que seja respeitado o direito da criança de ser adotada, sem se basear na orientação sexual dos adotantes.

No Brasil são criadas, diariamente, várias leis que repreendem condutas e também permitem direitos a todas as pessoas. Hodiernamente, os casais homoafetivos têm buscado amparo nas jurisprudências para conseguir a adoção, mas não é justo, em um país que é vasto de leis, não haver uma lei específica que trate da proteção ao homossexual, sendo este um tema tão sensível.

Há uma insegurança jurídica gerada pela falta da regulamentação de lei específica, por não ter uma norma que possa ser aplicada de forma igualitária e uniforme para todos. O Poder Judiciário não é suficiente para preencher essa lacuna. Maria Berenice Dias fala da criação de lei específica para condutas contra os homossexuais:

Mas em um país onde a lei escrita é tão prestigiada, a jurisprudência – ainda que cristalizada – não é suficiente. Assim, é necessário instituir um novo ramo do direito: o direito homoafetivo, estabelecer os seus princípios, fontes, suas conexões com outros ramos do direito e um regramento próprio. Destarte, é necessário elaborar um estatuto da diversidade sexual, tal qual há o estatuto do idoso, da criança e do adolescente. DIAS (2004. p. 15)

É necessária uma regulamentação própria para assegurar a efetividade na proteção dos homossexuais. Assim, priorizando seus direitos e permitindo que adoção aconteça sem tanta burocracia, ocorrendo uma superação de preconceitos e dogmas para o avanço do instituto da adoção.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito do artigo foi expor a dificuldade que os casais homoafetivos enfrentam no processo de adoção, apresentando, primeiramente, o processo da adoção no Brasil, que se encontra em extrema lentidão e com grandes burocracias, podendo, a adoção, levar anos para ser concretizada, com consequências psicológicas e sociais para o adotante e adotado, até irreversíveis.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regulamenta a adoção, priorizando os requisitos que o adotante deve ter para conseguir participar do processo e, dentre eles, não se visualiza a orientação sexual como um impedimento. Já é normalmente um processo demorado e desgastante para as crianças que querem sair dos abrigos, para os pretensos adotantes, mas, para os casais homoafetivos ainda há a barreira do preconceito .

Um dos empecilhos da adoção seria a discrepância entre os números das crianças disponíveis e a quantidade de pretendentes. Mesmo havendo uma quantidade maior de pretendentes, ainda existem crianças esperando por um lar, e isso se dá pelas características que os pretendentes escolhem para a criança, criando um padrão entre eles. Os homossexuais muitas vezes não têm um padrão de criança e, mesmo assim, o Poder Judiciário traz impasses para que essa adoção seja realizada. Essa atitude só traz malefícios para o Brasil, já que tira a oportunidade da criança de sair de um abrigo para compor uma família.

Para conseguir que a adoção se torne algo natural e fácil em seu processo, deve-se ir além dos padrões estabelecidos pela sociedade, abandonando o preconceito e priorizando a família. O objetivo deve ser a inclusão da criança e do adolescente em um lar digno, ocorrendo o respeito pelo seu melhor interesse.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, o que foi um grande passo para os casais homossexuais. Assim, a entidade familiar é toda pessoa que quiser compor uma família com base no afeto. O mais importante é que os direitos dos homossexuais comecem a ser respeitados e que os efeitos jurídicos se propaguem na sociedade.

O que está explícito é que o mundo está mudando constantemente e, por causa disso, o Direito tem o dever de acompanhar essas mudanças. É necessária a diversidade na composição familiar, para que o elemento essencial se torne o afeto, afastando-se qualquer tipo de discriminação, priorizando-se a dignidade humana.

A base da família é o afeto, amor e a solidariedade, não interessando importar a orientação sexual das pessoas ou como são formadas. Ao defendermos a família, estamos protegendo as pessoas, e o direito de autodeterminação e garantia de uma vida digna. E o ato de adotar e a afetividade estão intimamente relacionados fazem parte da formação de uma família.

Os homoafetivos conseguem seus direitos por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana, que extingue qualquer forma de preconceito, priorizando a proteção do ser; e o da igualdade, que estabelece uma isonomia entre as pessoas, sem levar em conta a raça, condição social e o sexo, pois todos são iguais perante a lei.

Mas, os princípios não são suficientes para proporcionar o direito do homossexual e essa ausência de uma regulamentação específica acaba deixando eles desprotegidos de ataques e de viverem livremente.

A adoção homoafetiva é prejudicada pela omissão legislativa, pois concede ao julgador interpretar à sua maneira, sendo muitas vezes negado um direito por preconceito, pela crença que essas pessoas poderiam trazer danos às crianças por causa da sua orientação sexual, mas há pesquisas que mostram a falácia desse entendimento. A sociedade não aceita o diferente, e por isso, querem tirar esse direito dos adotantes que esperam formar uma família, além disso, a criança continua em um abrigo que não é nada benéfico para seu desenvolvimento, por isso, deve ser respeitado o interesse da criança que precisa ser cuidada e amada, e o direito de todos de constituir família.

Mesmo havendo interpretação jurisprudencial para que ocorra a adoção homoafetiva, o que é uma vitória, não é algo garantido, pois vai depender do entendimento de cada julgador, ou seja, o processo vai ser desnecessariamente mais complicado. A realidade social obriga o Direito a acompanhar essas mudanças para que as pessoas sejam respeitadas, tornando indispensável uma regulamentação que garanta o direito do homossexual.

A sociedade tenta de todas as formas achar motivos para não concederam a adoção homoafetiva, por causa da discriminação gerada há anos aos casais homoafetivos, que só buscam dar um lar digno a uma criança. Diante disso, uma regulamentação específica deve ser o principal objetivo do Poder Legislativo para que possam respeitar e garantir que os casais homoafetivos sejam respeitados e não passem por situações constrangedoras.

O Poder Judiciário não é suficiente para preencher a lacuna deixada pela omissão legislativa, por isso, é necessária uma lei específica que trata detalhadamente do assunto, priorizando os direitos homoafetivos, principalmente na questão da adoção.

Concluímos que a adoção homoafetiva só traria benefícios para o Brasil, sendo um marco importante para a superação dos preconceitos. Quando se trata da formação da criança ou do adolescente, nada é mais importante do que a união familiar e o ato de prezar pela saúde, bem-estar e felicidade dos menores. Os pais, sejam adotantes ou não, sejam homoafetivos ou não, acima de todas as características, devem ser atenciosos e pregar o sentimento mais puro aos filhos, que é o amor. 

Referências:

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BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha).

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 4 de março de 2021.

BRASIL. RE 477554 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220-01 PP-00572.

BRASIL. TJ-SC – AC: 00025831120178240036 Jaraguá do Sul 0002583-11.2017.8.24.0036, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 13/03/2018, Terceira Câmara de Direito Civil.

CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

DIAS, Maria Berenice. Conversando Sobre Homoafetividade. Porto Alegre: livraria do advogado, 2004. p. 15.

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[1] Cleydsa Mikaelle Pereira Batista. Aluna do 6° período do Curso de Direito Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Presidente do Recursos Humanos da Liga Acadêmica de Direitos Humanos, Arte e Literatura; Extensionista do Projeto Base Power (UNIPÊ).

[2] Natália Matias Abrantes. Aluna do 5° período do Curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Assessora do eixo acadêmico do Núcleo de Apoio ao Estagiário (NAE) da OAB/PB. Extensionista do Projeto Base Power (UNIPÊ).

[3] Mestre em Ciências Jurídico-Históricas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Advogada regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraíba, OAB/PB nº16.493. Professora de Ciências Jurídico-Históricas (Direito Romano, História do Direito) e Direito Civil, na Faculdade de Direito do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ.