AS SANÇÕES TRIBUTÁRIAS “NÃO PECUNIÁRIAS” – UMA ANÁLISE CONSTRUCTIVISTA
9 de novembro de 2022“NON-PECUNIARY” TAX SANCTIONS – A CONSTRUCTIVE ANALYSIS
Cognitio Juris Ano XII – Número 43 – Edição Especial – Novembro de 2022 ISSN 2236-3009 |
Autor: José Orivaldo Peres Júnior[1] |
RESUMO
O presente artigo tem por escopo investigar o aspecto pragmático das “sanções não pecuniárias”, bem como, o sentido ou os sentidos das expressões “sanções políticas”, como vem sendo denominado por boa parte da doutrina, no campo do Direito Tributário, com os recursos da Semiótica. A partir do método dedutivo, com pesquisa bibliográfica, conclui-se a “sanção não pecuniária” será inconstitucional quando prescrever, como condição para o pagamento de tributo: o impedimento, proibição ou interdição total das atividades econômicas do contribuinte.
Palavras-chave: Sanção tributária. Sanção político-administrativa. Sanção não-pecuniária. Semiótica.
ABSTRACT
The purpose of this article is to investigate the pragmatic aspect of “non-pecuniary sanctions”, as well as the meaning or meanings of the expressions “political sanctions”, as it has been called by much of the doctrine, in the field of Tax Law, with the resources of semiotics. From the deductive method, with bibliographic research, it is concluded that the “non-pecuniary sanction” will be unconstitutional when it prescribes, as a condition for the payment of tribute: the impediment, prohibition or total interdiction of the taxpayer’s economic activities.
Keywords: Tax sanction. Political-administrative sanction. Non-pecuniary sanction. Semiotics.
1. INTRODUÇÃO.
O presente trabalho tem por escopo investigar o aspecto pragmático das “sanções não pecuniárias”, bem como, o sentido ou os sentidos das expressões “sanções políticas”, como vem sendo denominado por boa parte da doutrina, no campo do Direito Tributário, com os recursos da Semiótica.
Para tanto, consideramos oportuno tecer algumas considerações relativamente ao Direito Tributário Sancionatório, pontuando a finalidade das sanções tributárias e identificando suas espécies e subespécies.
É cediço que as sanções têm por escopo reprimir ou inibir o infrator da prática de ilícitos fiscais, seja em relação à obrigação principal, seja no que tange aos deveres instrumentais, também denominadas obrigações acessórias.
Efetivamente, o ordenamento jurídico prescreve sanções pecuniárias e sanções que restringem direitos ou a perda de benefícios fiscais, que são as “não pecuniárias”.
Nem sempre as sanções pecuniárias são suficientes para atingir as finalidades didática ou repressiva almejadas pela Administração Tributária em face do contribuinte infrator ou contumaz. Por essa razão, as “sanções não pecuniárias” podem ser eficazes, complementando as “penalidades pecuniárias”.
Neste diapasão, infere-se que parte da doutrina tem fixado que há duas subespécies de “sanções não pecuniárias”: as “sanções políticas” e as “sanções indiretas”. Contudo, é importante deixar consignado que há doutrinadores que não diferenciam tais designações, tratando-as como sinônimos.
A jurisprudência do STF já manifestou entendimento pela inconstitucionalidade de “sanções não pecuniárias”, por ferir princípios constitucionais tais como: do não-confisco, do direito de propriedade, livre exercício da profissão e da atividade econômica, do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade, dentre outros. Aliás, não se pode olvidar que o Pretório Excelso considera confiscatória a multa fiscal pecuniária acima de 100% do valor do imposto devido, conforme vários precedentes, alguns vetustos, outros bem mais recentes.
De outra parte, há “sanções não pecuniárias”, consideradas como não violadoras da Constituição Federal, muito embora restrinjam direitos, mas não prejudicam diretamente a atividade profissional ou econômica contribuinte, de tal modo que são consideradas dentro do campo da razoabilidade e da proporcionalidade.
Quero dizer com isto que o Supremo Tribunal Federal indica que as penalidades tributárias desarrazoadas ou desproporcionais, são inconstitucionais, sejam elas “pecuniárias” ou “não-pecuniárias”.
Do ponto de vista semântico e pragmático, temos condições de investigar o objeto proposto, reduzindo complexidades, que ainda suscita discussões no Poder Judiciário.
Com efeito, nosso objetivo é fazer uma análise semântica e pragmática, visando identificar o desiderato das “sanções não-pecuniárias”, de modo a estabelecer os elementos identificadores da inconstitucionalidade de determinadas normas dessa espécie.
Não temos a intenção, nem muito menos, a pretensão de esgotar o tema através deste artigo, mormente por envolver matérias tão amplas e complexas, como a Semiótica, Teoria das Normas, Teoria dos Valores e a Fenomenologia da Incidência Normativa, à luz da Constituição Federal. O objetivo é apresentar nossa humilde opinião, bem como, provocar inquietações e reflexões sobre as “sanções não pecuniárias”, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro.
2. ORDENAMENTO JURÍDICO E SANÇÕES TRIBUTÁRIAS.
Como é consentâneo, o que caracteriza o Direito é a “coerção”. É o que distingue o Direito de outros campos normativos como a religião e a moral.
O Direito Positivo é formado por um conjunto de normas que visam regular as condutas de ordem intersubjetivas. As normas jurídicas são aquelas que veiculam um dos modais deônticos: obrigatório (O), proibido (V) ou permitido (P).
Portanto, o Direito existe para regular os comportamentos humanos em sociedade, sendo o consequente normativo elemento fundamental do conhecimento jurídico, que forma um vínculo ou relação obrigacional entre os sujeitos de direito, tendo em vista as condutas como: proibida, permitida ou obrigatória. E, para ter sentido os comandos jurídicos, devem se revestir de uma estrutura formal mínima para ter sentido deôntico completo (D[F – S’RS”). Ou seja, dado o fato “F”, então se instale a relação “R” entre os sujeitos S’ e S”. Sua composição sintática é constante, isto é, um juízo condicional que se associa à consequência com o acontecimento fático previsto no antecedente, fazendo-se por meio implicacional. Daí afirmar ser a norma jurídica “a unidade irredutível de manifestação do deôntico”.
Com efeito, haverá conduta lícita, se estiver de acordo com a norma. Haverá infração ou ilícito, se a norma for descumprida.
No Direito Tributário, se o contribuinte proceder à circulação de mercadorias onerosamente, deve pagar ICMS (modal deôntico obrigatório). Por outro lado, o contribuinte não pode dar saída de mercadorias sem a emissão de Nota Fiscal (modal deôntico proibido). Mas, o contribuinte que recebeu rendimentos tributáveis abaixo de determinado valor, pode ou não optar pela declaração do Imposto de Renda (modal deôntico permitido).
Todavia, se as obrigações tributárias pecuniárias ou formais forem descumpridas, acarretará uma sanção pecuniária e/ou não pecuniária, que, não sendo adimplida voluntariamente, o cumprimento poderá ser coercitivo pela atuação Estatal.
Neste sentido, podemos afirmar que a sanção tributária tem por escopo inibir e desestimular o sujeito passivo ao cometimento de infrações e ainda, como repressão para o ilícito tributário praticado, com o escopo didático para não fomentar a impunidade em detrimento da arrecadação do Estado, tendo em vista a supremacia do interesse público sobre o particular, mormente em relação ao agente que pratica conduta ilícita.
O ordenamento jurídico, mais precisamente, o Direito Tributário Sancionador, subclasse do Direito Tributário, prescreve duas espécies de sanções tributárias: a pecuniária e a não-pecuniária.
Interessa ao nosso estudo, o instituto das “sanções tributárias não pecuniárias”, que são aquelas que restringem direitos, imputa deveres formais mais severos perante o Poder Tributante, além da perda de benefícios fiscais e patrimoniais.
Conforme veremos adiante, o ordenamento prescreve o instituto das “sanções tributárias não pecuniárias”, sendo equivocado atribuir como subespécies desta ou como sinônimo, as designações “sanções político-administrativas” e “sanções indiretas”.
Não obstante, há “sanções não pecuniárias”, ou como alguns preferem, “sanções políticas”, que são consideradas inconstitucionais, pois, visam compelir o sujeito passivo a pagar o tributo, em violação a princípios constitucionais, em especial, ao princípio da “proporcionalidade”, como já definiu o Supremo Tribunal Federal, através das Súmulas nos 70, 323 e 547.[2]
Um exemplo de sanção não pecuniária ilegal e inconstitucional é a apreensão de mercadorias, condicionando sua liberação, ao pagamento do tributo, o que normalmente ocorre nas operações mercantis sujeitas à incidência do ICMS. A autoridade fiscal, no caso do ICMS, somente poderá apreender a mercadoria até que a situação fiscal formal da operação seja regularizada, mas nunca condicionar a liberação da mercadoria ao pagamento do imposto (artigo 163, inciso V, § 7o da Constituição do Estado de São Paulo).
Por outro lado, há “sanções não pecuniárias” lícitas ou constitucionais, que prescrevem restrição de direitos ao contribuinte, mas não de suas atividades econômicas, nem violam o direito de propriedade, nem tampouco, confiscam bens com escopo unicamente arrecadatório.
Nem todas as restrições ao exercício de algum direito do sujeito passivo podem ser consideradas como “sanção não pecuniária” inconstitucional. Basta que guarde proporcionalidade com seus objetivos.
O artigo 205 do Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de o Poder Tributante negar a expedição de Certidão Negativa de Débito – CND, quando existir créditos tributários sem exigibilidade suspensa (artigos 151 e 206 do CTN), o que inevitavelmente acarreta outras restrições ao exercício das atividades econômicas do “contribuinte”. A negativação do nome do “contribuinte” junto ao CADIN Federal, conforme Lei Federal nº 10.522/02, e no CADIN Estadual, consoante Lei Estadual bandeirante nº 12.799/08, também restringe direitos, posto que impede participação em processos licitatórios (artigo 63, inciso III, da Lei nº 14.133/2021)[3], bem como, para obtenção de linhas de créditos governamentais. Temos ainda o Protesto de Certidão de Dívida Ativa, regulamentado pela Lei nº 12.767/12 que modificou o artigo 1o da Lei nº 9.492/97[4], incluindo a CDA como título passível de protesto, o que à evidência, prejudica o crédito do “contribuinte” no mercado. Temos ainda como sanções não pecuniárias, o exercício do poder de polícia pela Administração Tributária, conforme expressamente previsto no artigo 78 do CTN, e a pena de perdimento prevista no Direito Aduaneiro, que é exceção ao direito de propriedade, mas que deve observar, antes de tudo, o devido processo legal.
Assim sendo, podemos afirmar que há “sanções não pecuniárias inconstitucionais” e aquelas que são admitidas como lícitas pelo ordenamento.
Daí a relevância da investigação da semântica da expressão “política” e a pragmática das sanções não pecuniárias no âmbito do Direito Tributário Sancionador, para diferençar a aquela que é lícita, da ilícita.
3. A SEMIÓTICA E A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA NORMATIVA.
O Direito, como fenômeno da linguagem, todo o seu percurso será orientado pelas categorias semióticas, pesquisando as construções jurídico-prescritivas pelos ângulos da sintaxe, semântica e da pragmática, conforme aponta o Prof. Paulo De Barros Carvalho.[5]
O fenômeno da incidência tributária ou sancionatória tributária, pode se utilizar dos recursos da semiótica nos planos lógico (subsunção e imputação), semântico (denotação dos conteúdos normativos) e pragmáticos (interpretação e produção da norma individual e concreta) e da teoria das classes.
Assim, com três pontos de vista sobre mesmo objeto, fica mais rica a análise do fato-incidência. Sob o aspecto sintático, a incidência se perfaz em duas operações lógicas: (i) subsunção (inclusão de classes) do fato e da relação e (ii) imputação dos fatos aos efeitos jurídicos, que corresponde à implicação da relação jurídica. Sob o aspecto da semântica, a incidência é a determinação do conteúdo dos enunciados normativos gerais e abstratos, caracterizando-se como uma operação de denotação. Sob o ponto e vista pragmático, também se completa de duas operações: (i) interpretação (do fato e do direito); (ii) constituição da nova linguagem jurídica para a expedição da NIC-Norma Individual e Concreta[6].
O elo ou a relação existente entre a hipótese de incidência, o ato jurídico e a relação jurídica, se verifica justamente na incidência da norma ou da positivação do direito em face do evento ocorrido no mundo fenomênico.
Veja-se que o Evento é o acontecimento do mundo fenomênico, despido de qualquer relato linguístico. O Fato é tomado como enunciado denotativo de uma situação delimitada no espaço e no tempo. Fato jurídico se constitui no instante em que o enunciado ingressa no sistema do direito positivo como norma válida, satisfazendo os critérios de pertinencialidade à classe prevista por norma geral e abstrata, da qual se extrai o fundamento de validade. Assim, o fato jurídico está para o objeto imediato. E, Relação Jurídica,é o vínculo obrigacional instalado entre os sujeitos de direito. O nascimento da relação jurídica, acarretam dois fatos: do fato-causa (fato jurídico) e o fato efeito (relação jurídica – relação jurídica de causalidade – imputabilidade).
Tratando-se de incidência de sanção tributária, impende a observância do princípio da legalidade estrita, que nada mais é do que a operação lógica da “subsunção”. O fato descrito no antecedente da norma individual e concreta deve se encaixar perfeitamente na ambitude da norma geral e abstrata, ou da hipótese de incidência.
Incidência normativa é aplicação do Direito. Para que esse fenômeno ocorra, mister que a norma geral e abstrata a ser subsumida: (i) seja válida, vigente e eficaz e (ii) que respeite a Constituição Federal e as regras das normas infraconstitucionais aplicáveis.
Deste modo, o aspecto semântico e pragmático do instituto aqui estudado, são importantíssimos para a identificação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da “sanção não pecuniária”, e em última análise, para a validade da incidência tributária.
4. A SEMÂNTICA DAS EXPRESSÕES “SANÇÃO” E “POLÍTICA”
A palavra “sanção” tem sentido ambíguo. Pode significar uma penalidade aplicada ao infrator numa relação jurídica, via expedição de norma individual e concreta, ou pode significar também o consequente de uma norma geral e abstrata, ou seja, a norma que descreve no seu antecedente a tipificação do ilícito. Pode ainda significar a porcentagem aplicada sobre a base de cálculo da multa ou ainda, o encerramento do processo legislativo. Em sentido estrito, “sanção” equivale a “norma jurídica em que o Estado-juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa que postula a aplicação coativa da prestação descumprida”.[7]
Frise-se que a “sanção” é um único instituto. Todavia, a legislação tributária lhe atribui várias expressões. Dentre elas podemos destacar as seguintes designações: a) penalidade pecuniária; b) multa de ofício; c) multa punitiva ou por infração; d) multa isolada; e) multa agravada; f) multa de mora; g) juros de mora; h) acréscimos legais; i) correção monetária; e, j) outras delimitações de dever jurídico, como restrição a certidão de regularidade fiscal, apreensão de mercadorias etc.
Já no que tange à palavra “política”, também há ambiguidade, pois, pode significar um poder, uma arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados, ciência política, ou ainda, a atividade do cidadão quando exerce seus direitos em assuntos púbicos por meio do sufrágio ou de sua opinião.
A palavra “política” tem sua origem da palavra grega polis que significa “cidade”. Neste sentido, determinava a ação empreendida pelas cidades-estados gregas para normatizar a convivência entre seus habitantes e com as cidades-estados vizinhas.
Em Filosofia, para a expressão “política”, foram designadas várias coisas, tais como: (i) a doutrina do direito e da moral; (ii) a teoria do Estado; (iii) a arte ou a ciência do governo; (iv) o estudo dos comportamentos intersubjetivos.[8]
O “poder” pode ser definido como sendo a capacidade de conseguir resultados pretendidos.[9] Assim, a “política” também é um “poder”, ao lado de outros poderes, como o poder econômico e o poder ideológico ou ainda, o poder religioso.
O poder político se baseia na posse dos instrumentos com os quais se exerce a força física ou jurídica. É o poder coator no sentido mais estrito da palavra. A possibilidade de recorrer à força distingue o poder político das outras formas de poder.
Mas, é relevante para esse trabalho a “finalidade da política” que remonta à Grécia Antiga. Em verdade, a “política” tem por escopo o bem comum, ou seja, pretende alcançar pela ação dos políticos, em cada situação, as prioridades do grupo ou classe, ou do segmento nele dominante. É o caso das convulsões sociais, em que será objetivada a unidade do Estado. Em tempos de estabilidade interna e externa, objetiva-se a prosperidade. Em tempos de opressão, a liberdade, a democracia, os direitos civis e políticos, bem como, a soberania, ou a independência da nação.
Por todas essas considerações, despretensiosamente, podemos estabelecer as definições dos institutos da “sanção” e da “política.
Com efeito, a “sanção”, sob o enfoque do Direito Tributário, é a relação jurídica instalada em razão da ocorrência de fato ilícito previsto em “lei”, entre o sujeito passivo, que descumpriu uma obrigação tributária, e o sujeito ativo, titular do direito violado, que está investido no direito subjetivo de exigir a prestação da obrigação inadimplida. Política é desiderato que uma comunidade aspira, através dos agentes políticos investidos de legitimidade ou de competência jurídica, consoante os princípios constitucionais vigentes.
5. AXIOMAS DAS NORMAS SANCIONATÓRIAS.
Não obstante as definições apresentadas, é fundamental para este trabalho, abordarmos alguns aspectos que envolvem a Teoria dos Valores, relativamente às normas atinentes às “sanções não pecuniárias”, que, juntamente com as categorias da semiótica, possamos identificar com mais precisão aquelas que podem ser consideradas inconstitucionais.
Pois bem. Os valores integram o ordenamento jurídico, vale dizer, estão nas normas e nos princípios jurídicos implícitos e explícitos. O legislador, quando da enunciação, ao recortar do tecido social eventos que sejam relevantes para que sejam regulados, faz escolhas, isto é, recolhe um e deixa os demais, atribuindo valores, dentro da concepção e dos costumes de uma determinada comunidade.
É neste instante que se emite um juízo de valor na enunciação de determinada regra jurídica, significando a função axiológica de quem legisla. O mesmo se diga quanto ao modo de regular as condutas. As possibilidades são três: obrigatória, permitida e proibida. Em todas elas há marcas de valores, ou sejam, aquilo que pode ou não pode, tendo em vista as aprovações, desaprovações ou tolerâncias da sociedade (valores positivos e negativos).
Com relação aos princípios, que carregam grande carga axiológica, infere-se que há princípios positivados, como é o caso do “princípio do não-confisco”, e não positivados ou implícitos, como por exemplo, o princípio da segurança jurídica ou o princípio da certeza do direito, e outros que se deflagram a partir da combinação de dois princípios.
Os princípios, assim como as leis, são normas jurídicas, que, para que ingressem no sistema, vale dizer, para que sejam válidas, devem satisfazer os requisitos para a criação e produção das normas, por meio de autoridade competente.
Os princípios jurídicos estão presentes em todos os setores da investigação do direito, e eles podem ser classificados como gerais ou específicos e explícitos ou implícitos. Entretanto, o direito positivo é formado unicamente por normas jurídicas, não comportando a presença de outras entidades, como os princípios, por exemplo.
Desse modo, é possível dizer que tais princípios são também normas jurídicas, mas carregadas de conotação axiológica. São regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influenciando na orientação dos setores da ordem jurídica.
O Direito Tributário Sancionatório está permeado por princípios constitucionais gerais e por princípios comuns do Direito Tributário, e também do Direito Penal. Este, aliás, dada a identidade ontológica e teleológica existente.
Assim como ocorre com o princípio do não-confisco, consoante manifestações do Supremo Tribunal Federal, as normas sancionatórias estão imbuídas de vários valores (segurança jurídica, razoabilidade, proporcionalidade, o direito de propriedade do cidadão, a função social da atividade econômica, a capacidade econômica do cidadão, a garantia do mínimo existencial, a dignidade humana e o princípio da justiça social, além de outros valores correlatos).
Neste eito, as normas “sancionatórias não pecuniárias”, como subespécie de “sanção tributária”, obviamente, também carregam todos os valores acima mencionados, ou pelo menos, devem conter os valores desinentes, sob pena de afronta à Constituição Federal.
6. SANÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA, SANÇÃO POLÍTICA OU “SANÇÃO INDIRETA – DESIGNAÇÕES INAPROPRIADAS.
Antes de tudo, quero deixar fixado que existem apenas duas espécies de sanções tributárias: a pecuniária e a não pecuniária, sendo equivocadas as designações que se possam dar às “sanções não-pecuniárias” como: “sanção política, ou sanção político-administrativa, ou ainda, sanção indireta”.
Renato Lopes Becho, em preciso artigo, denomina “sanção político-administrativa” como sinônimo de “sanção não pecuniária”, definindo o instituto da seguinte forma:
Por sanções político-administrativas nomeamos todas aquelas decorrências do descumprimento de deveres para com o Fisco que se caracterizem por restrições de direitos, sem impacto direto ou perceptível com as operações básicas da matemática quanto ao valor a ser pago, mas que restringirão as atividades do sujeito passivo.[10]
Para o referido Professor, esta espécie de sanção tributária refere-se ao sujeito passivo devedor, assim declarado pelo Fisco, restringindo-lhe a atividade econômica, notadamente diante da administração pública direta e indireta. Há sanções políticas constitucionais e inconstitucionais, tanto que algumas normas sancionatórias “políticas” foram rechaçadas pelo Supremo Tribunal Federal através das Súmulas 70, 323 e 547, já indicadas anteriormente, segundo comenta no referido artigo.
Leonardo Gandara, sem fazer alusão às expressões “sanção não pecuniária”, afirma que a “sanção política”, contraria a Constituição:
A sanção política busca, basicamente, alcançar interesses arrecadatórios da Fazenda por meio de medidas indiretas, deslocadas dos princípios da potestade fiscalizatória e punitiva do Estado, tratando-se do uso de meios diversos daqueles, institucionalmente e, também, juridicamente disponíveis para que o contribuinte seja coagido e constrangido a cumprir uma obrigação, sem que o trânsito jurisdicional seja respeitado.[11]
Para Helenilson Cunha Pontes, a maior parte das denominadas “sanções políticas” são inconstitucionais, por serem desproporcionais, dado que impõe graves restrições à livre iniciativa das atividades econômicas ou do exercício da profissão:
O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em s rias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que v o da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibi o de participar de concorrências públicas.[12]
Eduardo Fortunato Bim, assevera que as denominadas de “sanções indiretas” violam o princípio da proporcionalidade e do devido processo legal:
…que as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mais ainda o ‘substantive due process of law’[13]
As expressões “sanção política” ou “sanção político administrativa” e “sanção indireta”, como todo respeito aos que assim as designam como sinônimo de “sanção não pecuniária”, não me parece apropriado.
A palavra “política” não se coaduna com o Regime Jurídico das Sanções Tributárias. A “política” visa o bem de uma comunidade através de ações dos agentes políticos, mediante o estabelecimento de prioridades, tendo como componentes a conveniência e oportunidade, dentro de certa discricionariedade do agente competente, nos termos da lei, que não é compatível com o princípio da legalidade estrita que rege o Direito Tributário.
Como já deixamos assentado, a sanção tributária, seja ela pecuniária ou não pecuniária, é norma primária, portanto, norma de conduta. Frise-se que as regras tributárias sancionatórias são normas primárias e que apresentam a mesma estrutura lógica da regra-matriz de incidência, ou seja, um antecedente (descritor de fatos) e um consequente (prescritor de vínculo jurídico entre sujeitos). Portanto, ocorrido o ilícito tributário, o fato será vdertido em linguagem competente, acarretando a incidência normativa sancionatória.
De outra parte, numa acepção estrita, segundo o Prof. Paulo de Barros Carvalho, sanção é norma jurídica em que o Estado-Juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa que postula a aplicação coativa da prestação descumprida.[14]
Assim, descumprido um dever prescrito na norma de conduta e a despeito da sanção prevista, havendo resistência do agente, é desencadeado o “processo sancionatório” de que o Estado-juiz está investido.
Não se pode olvidar quanto a finalidade das sanções tributárias. Registramos, alhures, que a “sanção” tem por objetivo inibir, prevenir e reprimir o descumprimento de obrigações tributárias.
É o que ensina o Prof. Robson Maia Lins, quando assevera sobre a finalidade “repressiva” e “preventiva” da sanção tributária, pontuando que:
Mais a distinção também aparece no plano pragmático. Enquanto o tributo é instituído pelo Poder Público com a finalidade, em tese, de fazer frente às despesas públicas, as sanções tributárias têm por objeto reprimir a conduta ilícita do sujeito passivo (função repressiva), além de, preventivamente, induzir os administrados a não praticarem determinadas condutas que, a juízo do legislador infraconstitucional – mas desde que dentro da moldura constitucional – sejam negativas para a conveniência em sociedade.[15]
As sanções tributárias aqui estudadas, com destaque para a “sanção não tributária”, possuem desideratos próprios do Direito Tributário, assumindo um papel de integração do ordenamento, pois, sem sanção, não há coatividade, nem coercitividade, vale dizer, não há Direito.
Com efeito, não se verifica uma “política” relativamente às sanções não pecuniárias. Há sim valores que foram considerados na enunciação das normas sancionatórias e nas normas constitucionais. É neste instante que o legislador emite um juízo de valor na enunciação de determinada regra jurídica, significando a função axiológica de quem legisla.[16]
Os “valores” estão impregnados nos princípios constitucionais e nas demais normas infraconstitucionais, que são considerados pelo intérprete, mormente pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de determinada “sanção não pecuniária”.
Não há que se falar, portanto, em “política” arrecadatória das “sanções tributárias não pecuniárias”. O que pode existir no ordenamento são normas sancionatórias que violam ou não os princípios constitucionais vigentes.
Se admitirmos que as “sanções não pecuniárias” estão imbuídas de uma política Estatal, teremos de admitir que as “sanções pecuniárias” também seriam sanções políticas. Daí teríamos uma esdrúxula classificação de sanções tributárias: as “sanções políticas pecuniárias” e as “sanções políticas não pecuniárias”.
Devemos admitir que, as sanções tributárias têm por finalidade a “eficiência arrecadatória” que a Administração Pública Tributária deve perquirir, e não um mero propósito arrecadatório para aumentar a arrecadação. São coisas diferentes. Afinal, os tributos são necessários para fazer frente às despesas do Estado, que em última análise, devem garantir os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, dentre eles, o “mínimo existencial”
Mas, jungido aos interesses arrecadatórios, está a Justiça Tributária que o Estado também deve observar.
O professor José Afonso da Silva, observa que o princípio da isonomia tributária está jungido à distribuição da justiça fiscal, escrevendo o seguinte:
O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria fiscal do modo mais justo possível. Fora disso a igualdade será puramente formal. Diversas teorias foram constituídas para explicar o princípio, divididas em subjetivas e objetivas. As teorias subjetivas compreendem duas vertentes: a do princípio do benefício e a do princípio do sacrifício igual. O primeiro significa que a carga dos impostos deve ser distribuída entre os indivíduos de acordo com os benefícios que desfrutam da atividade governamental; conduz à exigência da tributação proporcional a propriedade ou a renda; propicia em verdade situações de real injustiça, na medida em agrava ou apenas mantém as desigualdades existentes. O princípio do sacrifício ou do custo implica em que, sempre que o governo incorre em custos em favor de indivíduos particulares, estes custos devem ser suportados por eles. Esse princípio foi defendido por Stuart Mil, segundo o qual a igualdade tributária é o corolário lógico do princípio geral de igualdade e o imposto se reparte segundo este critério de justiça quando cada contribuinte suporta um sacrifício igual ao suportado por qualquer outro, e ninguém sofre mais do que outro como conseqüência do pagamento do imposto. Esse critério de sacrifício igual redunda, na verdade numa injustiça, porque, numa sociedade dividida em classes, não é certo que todos se beneficiem igualmente das atividades governamentais.[17]
A justiça tributária tem por escopo garantir que os indivíduos da sociedade tenham comportamentos e oportunidades dentro das mesmas condições legais e econômicas e que desenvolvam suas atividades de forma equilibrada e saudável. Por essa razão é que o Fisco deve zelar pela eficiência fiscalizatória e arrecadatória, dentro do seu mister, e nesse contexto, as sanções tributárias exercem papel fundamental.
Destarte, a locução “política” não deve ser utilizada na classificação das sanções tributárias.
O mesmo se diga com relação às palavras “sanção indireta” para se referir à “sanção não pecuniária”. A incidência normativa sancionatória (pecuniária ou não pecuniária), ocorre tendo em vista um fato ocorrido, que se transforma em fato jurídico ilícito quando vertido em linguagem competente, fazendo surgir a relação jurídica tributária sancionatória (seja ela pecuniária ou não pecuniária).
A sanção tributária é uma relação jurídica e como tal, a implicação é entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, que deverá cumprir a penalidade prevista. Não há nada de “indireto” nesse fenômeno. Se assim fosse, as sanções pecuniárias também seriam “sanções indiretas”, pois, do mesmo modo, tem por escopo inibir ou reprimir o descumprimento da obrigação tributária.
Logo, não há que se falar em “sanção indireta”, mas apenas, norma “sancionatória não pecuniária”, que incide em face do descumprimento da obrigação tributária pelo sujeito passivo.
7. A IDENTIFICAÇÃO DA SANÇÃO NÃO PECUNIÁRIA TRIBUTÁRIA INCONSTITUCIONAL SOB O ASPECTO PRAGMÁTICO.
Independentemente das designações que possam ser atribuídas para as “sanções não pecuniárias”, percebe-se que a doutrina vai na mesma direção quanto à definição do instituto. Porém, há três correntes doutrinárias acerca das “sanções não pecuniárias”.
Temos a doutrina contrária às “sanções não pecuniárias”, também chamadas de “sanções políticas”, conforme Clélio Chiesa[18] e Sacha Calmon Navarro Coelho[19], que entendem que são inconstitucionais por violar o devido processo legal e o princípio da livre iniciativa. Já a doutrina totalmente favorável, tem posicionamento no sentido de que não há exagero do trato das chamadas “sanções políticas”, pois, o “princípio da livre iniciativa” deve ser sopesado com a situação fática concreta, mas nunca à priori, bem como, por ser a materialização do dever fundamental de pagar tributos, com o objetivo eficaz do fisco em arrecadar tributos. É o que aponta Onofre Alves Batista Junior[20] citando de Álvaro Lazzarini e Ramon Parada.
Adotamos a doutrina “relativizadora”, que coincide com o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Pode haver “sanções não pecuniárias” constitucionais e inconstitucionais. Tudo irá depender se determinada sanção está dentro do campo da razoabilidade e da proporcionalidade e se respeita os demais princípios constitucionais aplicáveis. Essa é a questão que o intérprete terá de identificar e definir.
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são indispensáveis para limitar o poder e os abusos do Estado, e também para que as políticas públicas sejam adequadamente implementadas, visando a consecução de interesses comuns, como: o bem-estar social, a justiça social e a proteção da dignidade humana; princípios esses que informam o Estado Democrático Social de Direito, que concorrem com o Estado Democrático de Direito. Basta verificar o artigo 1o da Constituição Federal que diz: “[…] o fundamento da República é cidadania, dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho”.[21]
Com efeito, o princípio da proporcionalidade integra um dos princípios de limitação material a ser observado no processo legislativo. [22]
Paulo de Barros Carvalho, observa que as sanções a serem aplicadas devem ficar dentro dos lindes da razoabilidade e da proporcionalidade:
A imposição de multas, por conseguinte, devem ficar dentro do limite da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, precisa guardar adequação como o ilícito praticado, não podendo ser excessivo relativamente ao dano causado e ao benefício obtido com a prática indevida, pois como leciona Odete Medauar, não podem ser impostas aos indivíduos obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público, segundo o critério de razoável adequação dos meios aos fins. Havendo distorção entre a medida exigida e o fim efetivamente nela previsto, in casu, entre a multa imposta e a finalidade de sua imposição, haverá inadmissível violação aos mencionados princípios.[23]
O princípio da proporcionalidade, na visão de Paulo Bonavides:
[…] é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexões prós e contras (abwägung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso (Übermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.[24]
As decisões do Poder Judiciário dão ênfase ao princípio da proporcionalidade nos julgamentos acerca da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de norma sancionatória “não pecuniária”.
Neste sentido, trazermos à colação o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 666.405/RS[25], que está assim Ementado:
EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO – INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF) – RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA – LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO ‘SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW’ – IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 – RTJ 173/807-808 – RTJ 178/22-24) – O PODER DE TRIBUTAR – QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE – ‘NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR’ (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132) – A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE – A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO ‘ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE’ – DOUTRINA – PRECEDENTES – RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.
No julgamento da ADI 5135, quanto ao protesto de Certidão de Dívida Ativa, o STF, admitindo a constitucionalidade da “sanção não pecuniária”, fixou a seguinte tese: “O protesto de Certidão de Dívida Ativa constituí mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.”[26]
Os direitos e garantias individuais não tem caráter absoluto. Assim sendo, reconhecemos que as “sanções não pecuniárias” são instrumentos necessários e úteis para que o Estado cumpra seu mister com a maior eficiência possível, bem como, para preservar a neutralidade tributária.
No entanto, o Estado não pode impor tributos e sanções que asfixie arbitrariamente a atividade econômica, para que a Constituição Federal não seja violada, isto é, para que a função social da atividade econômica e a livre iniciativa sejam preservadas. As “sanções não pecuniárias” não podem substituir a sanção tributária stricto sensu. Não podem substituir a efetividade que a coação permite através das execuções fiscais que é o único meio em que o Estado pode invadir o patrimônio do sujeito passivo da obrigação tributária inadimplida.
Portanto, o princípio da proporcionalidade, tem prevalente influência no controle no exercício das potestades punitivas do Estado[27]
A doutrina alemã decompôs o princípio da proporcionalidade em três comandos balizadores: a) adequação (compatibilidade entre os fins desejados e os meios utilizados para alcançar os objetivos; b) necessidade (escolha dos meios disponíveis pelo Estado que provoque o menor restrição ou interferência nos direitos dos particulares); c) pertinência (razoabilidade ou justa medida – sopesamento entre as consequências da intervenção junto ao particular e os objetivos pretendidos pelo Direito).
Cabe ao intérprete identificar quais sanções são inconstitucionais, ou seja, aquelas que não guardam proporcionalidade, ou que desrespeitam outros princípios constitucionais, consoante o caso concreto, procedendo-se um árduo sopesamento, consoante a hermenêutica jurídica. Os valores que cada princípio constitucional carrega, podem ser interpretados em relações de subordinação e/ou coordenação, mas não ordenados, seguindo a proposta interpretativa do Prof. Paulo De Barros Carvalho, que realiza esse processo partindo de uma decomposição do sistema do direito positivo em quatro subsistemas (S1 ao S4), aprofundando o conhecimento à medida que a interpretação evolui, estes seriam os critérios objetivos da interpretação e tendo como elementos subjetivos os horizontes culturais do indivíduo, como sendo suas experiências.
Dentro do trabalho interpretativo há dois axiomas que são fundamentais: a intertextualidade e a inesgotabilidade que são ínsitos da interpretação.
A intertextualidade proporciona o diálogo que os textos, no passado ou no futuro, mantém entre si, independentemente das relações de dependência entre eles. Uma vez inseridos no sistema, inicia-se um intercâmbio conversação com outros conteúdos intrassistêmicos ou extrassistêmicos. É o diálogo que se faz de lei ordinária com a Constituição, com Lei Complementar e com outras normas, inclusive as infralegais ou até mesmo regras já revogadas, ou em relação a outras propostas cognoscentes (Sociologia do Direito, História do Direito, Antropologia do Direito), perfazendo o universo de conteúdo delimitado apenas pelos horizontes de nossa cultura.
Deste modo, temos como consequência “inesgotabilidade” da interpretação, que é o segundo axioma do trabalho interpretativo. Significa dizer, em outras palavras, que a interpretação é “infinita”, isto é, nunca fica restrita a determinado campo semântico, de tal modo que o texto poderá sempre ser reinterpretado. E, não poderia ser diferente, na medida em que o saber ou o conhecimento, é obra de uma vida inteira, até porque, o homem, a sociedade, sofrem mutações, num dinamismo cada vez mais frenético, provocando o surgimento de novos valores, e por consequência, o surgimento de novas prescrições jurídicas no ordenamento.
Quero dizer com isto que não há fórmula para se identificar a inconstitucionalidade de uma norma sancionatória “não pecuniária”. Porém, penso que é possível estabelecer critérios objetivos mínimos que inexoravelmente tem o condão de reconhecer uma “sanção não pecuniária” violadora da Constituição Federal.
As “sanções tributárias não pecuniárias”, são as penalidades fiscais que restringem direitos, imputa deveres formais mais severos ou da perda de benefícios fiscais e patrimoniais, tendo em vista a existência de um débito fiscal sem exigibilidade suspensa.
Sem prejuízo de outros aspectos a serem considerados pelo aplicador do Direito ao caso concreto, entendemos que a “sansão não pecuniária” será inconstitucional quando prescrever, como condição para o pagamento de tributo:
- o impedimento, proibição ou interdição total das atividades econômicas do contribuinte;
- ainda que o impedimento, proibição ou interdição seja parcial, se inviabilizar suas atividades industriais, comerciais ou econômicas;
- que acarrete confisco ou retenção de bens ou mercadorias, sem o devido processo legal no âmbito administrativo e judicial, mesmo que temporariamente.
Se pelo menos alguma destas prescrições estiverem presentes no consequente da norma sancionatória, haverá de ser reconhecida a inconstitucionalidade, dada a insofismável desproporcionalidade da sanção, configuradora do abuso Estatal, que não encontra supedâneo na Constituição Federal. São hipóteses que facilmente constatamos o desrespeito de valores que estão ínsitos em diversos princípios constitucionais. São eles: a dignidade humana, a segurança jurídica, a certeza do direito, a propriedade, o livre exercício da profissão e da atividade econômica, a econômica nacional, o mercado de trabalho do cidadão, o direito de defesa, a geração de tributos pelo particular, dentro outros.
Portanto, do ponto de vista pragmático, os critérios acima indicados permitem o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma sancionatória de forma mais precisa.
O tema é polêmico e tormentoso, de modo que longe de esgota-lo no restrito âmbito deste artigo, procuramos apontar os principais problemas, mas também o nosso entendimento, visando, precipuamente, contribuir para a reflexão dos leitores e da comunidade jurídica.
7. CONCLUSÃO
Como é consentâneo, o que caracteriza o Direito é a “coerção”. O Direito Positivo é formado por um conjunto de normas que visam regular as condutas humanas em sociedade, de tal modo que haverá conduta lícita, se estiver de acordo com a norma. Haverá infração ou ilícito, se a norma for descumprida.
Quando as obrigações tributárias pecuniárias ou formais forem descumpridas, acarretará uma sanção pecuniária e/ou não pecuniária.
O Direito Tributário Sancionador, subclasse do Direito Tributário, prescreve duas espécies de sanções tributárias: a pecuniária e a não-pecuniária. Mas a “sanção” tem por objetivo inibir, prevenir e reprimir o descumprimento de obrigações tributárias.
Efetivamente, para este trabalho, o aspecto semântico e pragmático do instituto da “sanção não pecuniária”, são importantíssimos para a identificação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma.
Definimos “sanção” como a relação jurídica instalada em razão da ocorrência de fato ilícito previsto em “lei”, entre o sujeito passivo, que descumpriu uma obrigação tributária, e o sujeito ativo, titular do direito violado, que está investido no direito subjetivo de exigir a prestação da obrigação inadimplida. E, “política”, como o desiderato que uma comunidade aspira, através dos agentes políticos investidos de legitimidade ou de competência jurídica, consoante os princípios constitucionais vigentes.
Frise-se que existem apenas duas espécies de sanções tributárias: a pecuniária e a não pecuniária, sendo equivocadas as designações que se possam dar às “sanções não-pecuniárias” como: “sanção política, ou sanção político-administrativa, ou ainda, sanção indireta”.
Adotamos a doutrina “relativizadora”, segundo a qual pode haver “sanções não pecuniárias” constitucionais e inconstitucionais, desde que a norma sancionatória esteja no campo da razoabilidade e da proporcionalidade, e que não viole os demais princípios constitucionais vigentes.
Por fim, entendemos que a “sanção não pecuniária” será inconstitucional quando prescrever, como condição para o pagamento de tributo: o impedimento, proibição ou interdição total das atividades econômicas do contribuinte; ainda que o impedimento, proibição ou interdição seja parcial, se inviabilizar suas atividades industriais, comerciais ou econômicas; que acarrete confisco ou retenção de bens ou mercadorias, sem o devido processo legal no âmbito administrativo e judicial, mesmo que temporariamente.
Se alguma dessas prescrições estiverem presentes no consequente da norma sancionatória, haverá de ser reconhecida a inconstitucionalidade, diante da insofismável desproporcionalidade da sanção, configuradora do abuso Estatal, em contrariedade à Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP, Membro do IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário, Juiz do TRIBUNAL DE IMPOSTOS E TAXAS – TIT, Diretor Jurídico Adjunto do CIESP, Coordenador Jurídico do CIESP Regional Botucatu-SP, Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT do NEF-Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Faculdade de Direito e Ex-Membro Efetivo da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP, Advogado em São Paulo e Botucatu-SP
[2] Súmula nº 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Súmula nº 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Súmula nº 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
[3] Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: III – serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado;
[4] Artigo 1º: Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Parágrafo único: Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas (incluído pela Lei nº 12.767, de 2012).
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30.
[6] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 468-469
[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 464-465.
[8] ABBAGANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 1ª. edição coordenada e revista por Alfredo Bosi, Revisão da Tradução e tradução de novos textos or Ivone Castilho Benedetti, Martins Fontes, São Paulo, 2020, p. 900.
[9] RUSSEL, Bertrand. O PODER – UMA NOVA ANÁLISE SOCIAL. Tradução de Rubens Gomes de Souza, Livraria Martins, São Paulo, p. 24.
[10] BECHO, Renato Lopes. Artigo: O Direito Tributário Sancionador e as Sanções Político-administrativas. Revista Dialética de Direito Tributário, volume 222, São Paulo, 2014, p. 108.
[11] GANDARA, Leonardo. Sanções Políticas e o Direito Tributário. Belo Horizonte: D’Plácido, 2015, p. 39.
[12] PONTES, Helenilson Cunha Pontes. O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo, Dialética, 2000, item n. 2.3, p. 141/143.
[13] BIM, Eduardo Fortunato. Artigo: A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas Tributárias no Estado de Direito: Violação ao ‘Substantive Due Process of Law’ (Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário”, volume 8º, 2004, São Paulo, Dialética, p. 67-92, 83.
[14] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 866.
[15] LINS, Robson Maia. A Mora no Direito Tributário. 2008. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo, SP, 2008, p. 99.
[16] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 7ª. ed., 2018. Primeira Parte, Capítulo 3, item 3.2, p. 181.
[17] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 196.
[18] CHIESA, Clélio. A atividade empresarial e os limites ao poder de fiscalizar. In NETO, Miguel Hilu (Coord.) Questões atuais de direito empresarial. São Paulo, MP Editora, 2007, p. 63.
[19] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Infração tributária e sanção. In MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo, Dialética, 2004, p. 429.
[20] BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. As sanções administrativo-fiscais heterodoxas e sua cuidadosa possibilidade de aplicação no direito tributário. In SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Grandes temas de Direito Tributário Sancionador. São Paulo, Quartier Latin, 2010, p. 79-96.
[21] Artigo 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[22] MASSUD, Leonardo. DA PENA DE SUA FIXAÇAO. dpj Editora, São Paulo, 2009, p. 92.
[23] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 907.
[24] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 436.
[25] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 25 jun. 2021.
[26] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 25 jun. 2021.
[27] SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. Quartier Latin, São Paulo, 2007, p. 309.