DO ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL PELA MULHER NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS NO BRASIL: ANÁLISE ACERCA DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO AMBIENTE DE TRABALHO E SUAS POSSÍVEIS SOLUÇÕES
1 de junho de 2021THE ACCESS TO SOCIAL JUSTICE BY WOMEN IN LABOR RELATIONS IN BRAZIL: ANALYSIS OF GENDER DISCRIMINATION IN THE WORKPLACE AND ITS POSSIBLE SOLUTIONS
Cognitio Juris Ano XI – Número 35 – Junho de 2021 ISSN 2236-3009 |
Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar a discriminação de gênero perpetrada contra a mulher no mercado de trabalho atual no Brasil. Para tanto, partiu-se da análise acerca do papel da mulher no patriarcado ao longo da história, dos dados estatísticos da mulher no ambiente de trabalho e, por fim, das possíveis medidas a serem tomadas para o combate à discriminação de gênero. No decorrer do trabalho, constatou-se que tal discriminação se perpetua até hoje e que ela se origina de construções históricas e sociais do patriarcalismo, bem como da forma como o poder está distribuído. Assim, concluiu-se que a desigualdade de gênero representa um impedimento a efetiva aplicação dos direitos fundamentais, razão pela qual deve ser combatida por toda coletividade por meio da efetivação da função social da empresa, da atuação do poder judiciário, do desenvolvimento da solidariedade sob o contexto da dignidade coletiva e pela concretização da democracia mediante a participação ativa das mulheres nos cargos de liderança na sociedade. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo com pesquisas bibliográficas, estudo da legislação pátria e tratados internacionais, resultados empíricos publicados por órgãos de pesquisas oficiais, atendendo-se também o critério da interdisciplinaridade.
Palavras-chave: Ambiente de Trabalho. Desigualdade de Gênero. Discriminação no Trabalho. Princípio da Igualdade.
Abstract: The present work aims to analyze the gender discrimination perpetrated against women in the current labor market in Brasil. For that, it started from the analysis about the role of women in patriarchy throughout history, of the statistical data of women in the workplace and, finally, the possible measures to be taken to combat gender discrimination. In the course of the work, it was found that such discrimination continues to this day and that it stems from the historical and social constructions of patriarchy, as well as from the way in which power is distributed, reason why it must be fought by the whole community through the realization of the social function of the company, the performance of the judiciary, the development of solidarity under the context of collective dignity and the realization of democracy through the active participation of women in leadership positions in society. For such end, the deductive method was used, with bibliographic research, study of national legislation and international treaties, empirical results published by official research bodies, also taking into account the interdisciplinarity criterion.
Key-words: Workplace. Gender inequality. Discrimination at work. Principle of Equality.
INTRODUÇÃO
O direito ao emprego é um direito fundamental previsto nos artigos 6º e 7º da Constituição da República Federativa do Brasil que garante o acesso de todos os brasileiros de forma igualitária a uma relação de emprego sadia e digna. No que tange às mulheres, a sua história na ocupação do mercado de trabalho é recente e tem como base os papéis que lhe foram atribuídos ao longo da história.
A atribuição dos afazeres às mulheres sempre foi designada por homens para atender os seus interesses e os interesses sociais que eram ditados pelos seus iguais e, assim, a mulher apenas cumpria o que lhe era atribuído e imposto. Com as revoluções ao longo da história e posterior conquista pelas mulheres a direitos que antes somente eram garantidos aos homens, entre eles o trabalho remunerado fora de casa, as mulheres começaram a ocupar espaços públicos.
A conquista por tais direitos não se deu de forma amigável ou amistosa, pois a diferenciação entre os gêneros sempre foi justificada e fundamentada por homens, devendo a mulher sempre atender os interesses da sociedade patriarcal. Quanto ao mercado de trabalho não foi e ainda não é diferente.
Assim, tal pesquisa tem como intuito responder, levando em conta principalmente o mercado de trabalho no Brasil, as seguintes questões: por que as mulheres, ainda em pleno século XXI, sofrem discriminação no mercado de trabalho? Quais os mecanismos a serem utilizados para a efetivação da igualdade entre os gêneros na ocupação de empregos?
Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, com fontes de pesquisa primária, em especial relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pesquisas conduzidas em âmbito nacional pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e fontes secundárias, a partir da pesquisa bibliográfica reunindo várias obras correlacionadas ao tema, com destaque a socióloga Simone Beauvoir, Ingo Wolfgang Sarlet e Luís Roberto Barroso, levando em consideração o papel da mulher no patriarcado ao longo da história e a necessidade de efetivação dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, a fim de atingir o objetivo almejado, o presente trabalho está estruturado em quatro partes. A primeira tratará sobre o papel da mulher ao longo da história, após a segunda parte abarcará sobre o princípio da igualdade e da não discriminação, seguido pela terceira parte que trará a situação da mulher no mercado de trabalho atual e, por fim, a última parte com os mecanismos de combate a discriminação da mulher no mercado de trabalho.
1 O PAPEL DA MULHER NO PATRIARCADO AO LONGO DA HISTÓRIA
Fruto de uma sociedade patriarcal de gênero é atribuído à mulher papel de inferioridade em relação ao homem o qual sempre possuiu papéis de destaque, autoridade e superioridade. Para entender a prevalência de tal discriminação em face das mulheres, que reflete atualmente nas relações e locais que ocupam, é necessário perpassar pelos papéis que lhe foram atribuídos ao longo da história.
Salienta-se que a histórias das mulheres é silenciosa, pois os registros históricos foram feitos de homens para homens que sempre foram vistos como biologicamente superiores. Contudo, para compreender o papel social da mulher, é necessário ir além do meramente biológico e entender o contexto a qual foi e é submetida por aqueles que são os detentores do poder.
Simone de Beauvoir (1970, p. 56-57) afirma que a sociedade não é uma espécie, mas uma realização como existência que transcende para o mundo e para o futuro e que seus costumes não se deduzem da biologia. Os indivíduos, então, não seguem a sua natureza, mas uma segunda que é fruto dos costumes, os quais refletem os desejos e temores que traduzem sua atitude ontológica, e conclui:
É portanto, à luz de um contexto ontológico, econômico, social e psicológico que teremos de esclarecer os dados da biologia. A sujeição da mulher à espécie, os limites de suas capacidades individuais são fatos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos elementos essenciais da situação que ela ocupa neste mundo. Mas não é êle tampouco que basta para a definir. Êle só tem realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio de uma sociedade; a biologia não basta para fornecer uma resporta à pergunta que nos preocupa: por que a mulher é o Outro? Trata-se de saber como a natureza foi nela revista através da história; trata-se de saber o que a humanidade fêz da fêmea humana.
Assim, a opressão da mulher não se pauta na diferenciação do sexo trazida pela biologia, mas na opressão de gênero cultivada no seio da sociedade a qual, em todos os âmbitos, é pautada na dominação masculina sobre o gênero feminino, sendo, dessa forma, um problema do patriarcado.
Ao se debruçar no contexto histórico percebe-se como o papel atribuído à mulher foi de inferioridade, impotência, de dissimulação, manipulação, além de pecadora e criatura inferior. A sexualidade da mulher já se apresenta como um poder de manipulação sobre o homem, Eva já era apresentada como manipuladora e exteriorização do mal e culpada pela maldição de Deus (BÍBLIA, 2008).
A história se repetiu taxando as mulheres como feiticeiras, queimando-as vivas como bruxas durante a inquisição e, após, atribuindo-lhe o papel de sexo inferior em relação ao gênero masculino.
Por muito tempo a diferença entre o sexo feminino e masculino importou e determinou as atribuições de afazeres. Biologicamente a mulher era vista como mais fraca, quando a necessidade era de enfrentar animais selvagens ou colher frutas pesadas, a fraqueza física da mulher constituía uma inferioridade flagrante, porém com o advento das máquinas modernas, a mulher se torna igual ao homem para o trabalho (BEAUVOIR, 1970, p. 73-74). Contudo, em que pese o advento das máquinas e modernização no trabalho, a mulher continuou confinada e limitada à vida doméstica e ao papel de mãe.
Na antiguidade oriental a mulher era considerada como uma propriedade masculina, não possuindo qualquer direito. Quando era solteira, estava sob o poder do pai e quando se casava, passava ao poder do marido e, na ausência de um desses, permanecia dependente do Estado. Dessa forma a mulher era disposta como mercadoria (BEAUVOIR, 1970, p. 108-109).
Com o advento da propriedade privada o papel da mulher sofre modificações. Contudo, dela é tirado o poder de herdar, pois não é reconhecida como possuidora, na verdade ela própria faz parte do patrimônio do pai e em seguida do marido. A mulher não é elevada à dignidade de pessoa, ela não passa de um bem (BEAUVOIR, 1970, p. 103).
Na Idade Média, supracitada autora (1970, p. 125-126), aponta que a mulher possuía alguns direitos:
[…] nas aldeias ela tomava parte nas assembléias dos habitantes, participava das reuniões primárias para a eleição dos deputa- dos aos Estados Gerais e o marido só podia dispor a seu bel- -prazer dos móveis: para alienar os bens imóveis, era necessário o consentimento da mulher.
Entretanto, ainda permanecia sob tutela do pai ou trancafiada em conventos. Devido à ascensão do cristianismo, a mulher continuou marginalizada devendo cumprir os princípios de castidade, silêncio, humildade e trabalho. Somente foi a partir da Idade Moderna, com o Renascimento, que as mulheres começaram a exigir sua autonomia e espaço na sociedade.
A Idade Contemporânea foi marcada pelas grandes revoluções burguesas. Com elas esperava-se que o papel da mulher sofresse grandes modificações, porém os movimentos foram feitos pelo homem e para os homens não negando o patriarcalismo. Simone Beauvoir (1970, p. 143) afirma que o Código de Napoleão atrasou muito a emancipação da mulher, pois Napoleão via o papel da mulher apenas como o de mãe e traz que:
A mulher deve obediência a seu marido; êle pode fazer que seja condenada à reclusão em caso de adultério e conseguir o divórcio contra ela; se mata a culpada em flagrante, é desculpável aos olhos da lei; ao passo que o marido só é sujeito a uma multa se trouxer uma concubina ao domicílio conjugai, e é neste caso, somente, que a mulher pode obter o divórcio contra êle. O homem é quem fixa o domicílio conjugai. Tem sobre os filhos muito mais direitos do que a mãe e — salvo no caso em que a mulher dirige uma empresa comercial — sua autorização é necessária para que ela possa assumir obrigações. O poder marital exerce-se rigorosamente, ao mesmo tempo sobre a pessoa da esposa e sobre seus bens.
Um grande filósofo iluminista, Jean-Jacques Rousseau, acreditava na impossibilidade de igualdade entre homem e mulher, e afirmava que esta é naturalmente inferior, e sua única função é servir ao homem (ROCHA, Patrícia apud SIQUEIRA, Dirceu Pereira; SAMPARO, Ana Julia Fernandes, 2017, p. 295).
Auguste Comte (BEAUVOIR, 1970, p. 144), por sua vez, entendia a mulher como inferior tanto em aspecto físico quanto intelectual, permanecendo numa espécie de infantilidade contínua que se exterioriza por uma fraqueza intelectual e, por isso, o papel da mulher deveria ficar restrito ao papel de esposa e dona de casa, pois ela não poderia entrar em concorrência com o homem.
Por todo o século XIX a ausência de cidadania e de direitos das mulheres é reforçado pela própria jurisprudência – que ainda segue o Código de Napoleão – mesmo que a sociedade francesa já se encontrasse em uma situação mais avançada quando comparada com as demais, a mulher era vista como administradora do lar e pertencente à família, cabendo aos homens a atuação política (BEAUVOIR, p. 143).
Com o desenvolvimento industrial do século XIX inicia-se uma nova era na luta feminista. As mulheres passam a ocupar os espaços das fábricas e sua mão de obra passa a ser necessária e igual a do homem, pois as máquinas anulam a diferença de força física entre os sexos feminino e masculino. Porém, além de se submeterem à dupla jornada de trabalho, diante da lógica patriarcal, as mulheres eram submetidas a trabalhos repetitivos e salários mais baixos.
Já no século XX, com o período de guerras, as mulheres passam também a ocupar cargos que antes eram reservados aos homens. Contudo, independentemente da formação política e econômica vigente ou das mudanças e conquistas, a mulher ainda se encontra presa a sua função como reprodutora. Por mais que tivesse conquistado espaço nas mais diversas áreas, a independência da mulher nunca é plena, pois a sua submissão é útil à sociedade patriarcal.
Pierre Bourdieu (2012, p. 16-18) entende que a dominação masculina é algo enraizado que se inicia com divisão dos sexos pela sociedade, colocando-os como opostos. Essa divisão é vista como natural e normal a ponto de se tornar inevitável, e está presente, ao mesmo tempo na objetividade e nos esquemas de percepção, pensamento e ações dos agentes. Ao tornar essa divisão dos sexos, construída socialmente, como natural, é que se dá à ela, legitimação.
O fato da mulher ser vista como a reprodutora de nada ajudou para desconstruir tal parâmetro como inferior. Com a conquista do espaço de trabalho nas fábricas usava-se de justificativa para salários absurdamente inferiores aos dos homens o fato da mulher ser mãe e por ser considerada um “anexo”, ou seja, seu trabalho não visa sustentar a família, mas somente ajudar e complementar a renda. Dessa forma, o surgimento dos anticoncepcionais ou a possibilidade da mulher controlar quando iria engravidar foi de grande importância para sua “[…] libertação da escravidão reprodutiva” (BEAUVOIR, 1970, p. 157).
Quanto aos direitos políticos não foi com menos luta que as mulheres conquistaram o seu espaço. O voto é estritamente ligado à cidadania, o que era reservado a alguns homens a depender da sua raça e classe social. No Brasil, o direito ao voto pelas mulheres somente foi adotado em 1932 por meio do Decreto n. 21.076 instituído no Código Eleitoral Brasileiro, e consolidado na Constituição de 1934 (TOSSI, 2020).
A situação de ignorância nas quais eram mantidas acarretava as dificuldades que viviam, sem instrução não podiam participar da vida pública e sem a vida pública não possuíam instrução, ficando à mercê da vontade dos homens.
Ainda hoje a ocupação do espaço político e atuação nessa esfera pelas mulheres ocorre de maneira desigual. Em um levantamento feito pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2008, p. 116), a porcentagem da ocupação das mulheres no Poder Legislativo seja na esfera federal, estadual ou municipal não alcançam 15% (quinze por cento). No Poder Executivo esses números não chegam a 12% (doze por cento) e no Judiciário não passam de 18,20% (dezoito vírgula vinte por cento).
Assim, constata-se que a cultura da discriminação de gênero feminino juntamente com a colocação do homem em posição de superioridade em relação à mulher é legitimada e repetida historicamente. A mulher compreendida dentro do modelo patriarcado tem seus valores determinados por instituições dominadas por homens, as quais, mesmo que de forma velada, ainda não consideram a mulher em posição de igualdade com o homem, o que acarreta na sua discriminação nos mais diversos âmbitos, em especial nas relações de trabalho.
Antes de se passar a análise da proteção ao trabalho da mulher conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro é preciso se debruçar sobre o estudo acerca do princípio da igualdade e da não discriminação, uma vez se tratar dos principais pilares sob o qual se fundamenta a proteção destinada à mulher trabalhadora.
2 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
A discriminação contra a mulher é um problema mundial, uma vez que a sua prática representa a violação do princípio da dignidade humana o qual transcende o ordenamento interno de cada país e se torna uma questão que interessa a toda humanidade, razão pela qual insta tratar nesse capítulo acerca do princípio da igualdade e da não discriminação.
Logo após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou, em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos, na qual se materializou o consenso entre os povos de que há direitos e liberdades básicas que devem ser asseguradas a todos os seres humanos (BARROSO, 2010, p. 317). Referido documento internacional representou um marco normativo para a proteção dos direitos humanos e a partir dele diversos países passaram a reconhecer a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.
Segundo Luis Roberto Barroso (2010, p. 288), o princípio da dignidade humana configura-se como um espaço de integridade que deve ser assegurado a todas as pessoas pelo simples fato de existirem no mundo, bem como “representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro”.
Nesse contexto de defesa à dignidade humana, destaca-se a atuação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que desde sua criação, em 1919, tem como intuito a promoção da igualdade das condições de trabalho visando, com isso, a redução das desigualdades sociais (CALIL, 2007, p. 29). A Convenção n. 111 da OIT de 1958, atualmente incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro sob a forma do Decreto n. 10.088, de 5 de novembro de 2019, consagrou o conceito de discriminação praticado no emprego ou ocupação (BRASIL, 2019):
1. Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende:
a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.
Por sua vez, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) elaborada em 1979 pela ONU representou grande avanço no cenário internacional de proteção à mulher ao definir claramente o que pode ser entendido como discriminação contra as mulheres (BRASIL, 2002):
Para fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra as mulheres” significa toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Por força dos dispositivos da Convenção, o Estado que a ratificar (tal qual é o caso do Brasil) obriga-se a adotar uma série de medidas visando a eliminação da discriminação contra as mulheres sob todas as suas formas. Nesse sentido, o artigo 4º (BRASIL, 2002) trata acerca da possibilidade de adoção de ações positivas destinadas a eliminação da discriminação o que é chamado também de discriminação positiva.
Nesse sentido, imperioso o estudo acerca da discriminação positiva e negativa. Enquanto a discriminação negativa é proibida por normas internacional e nacionais e caracteriza-se pela exclusão e intolerância à diferença, a discriminação positiva visa a igualdade fática e, assim, é composta por mecanismos voltados a inclusão de grupos da sociedade que se encontrem em situação inferior aos demais (PIOVESAN, 2007, p. 189-191).
A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) enfatizou a necessidade da atuação do Estado, sindicatos e sociedade na luta contra a desigualdade de gênero, sendo imprescindível para tanto não só a proteção contra a discriminação negativa, mas principalmente a adoção de ações positivas que garantam o acesso da mulher ao mercado de trabalho em igualdade de condições.
Em relação aos documentos internacionais, insta tratar, por fim, acerca da Declaração Sociolaboral do Mercosul criada em 1998 (posteriormente revisada em 17 de julho de 2015) e da qual o Brasil é signatário. O início da preocupação com a questão da igualdade de gênero no âmbito do Mercosul é de extrema relevância, uma vez que até então o Mercosul se voltava tão somente para questões econômicas.
Assim, por força do artigo 5º (BRASIL, 2015) da Convenção, os Estados-partes se comprometem a adotar políticas públicas voltadas a igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens no trabalho e a não discriminação no acesso a postos de relevância nas empresas e instituições públicas e na remuneração.
Apesar do amplo combate à discriminação e da promoção à igualdade entre homens e mulheres dispostas em convenções e acordos internacionais, observa-se que o Brasil ainda está longe de atingir a efetiva igualdade material. Conforme será demonstrado no próximo tópico, a despeito do expressivo aumento no número de mulheres no mercado de trabalho, inúmeros são os obstáculos a serem superados, em especial no que tange a diferença salarial entre homens e mulheres e ao número ínfimo de mulheres que ocupam altos cargos de direção.
A legislação brasileira veda a discriminação com base no princípio da igualdade previsto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o qual determina como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação”.
Em relação especificamente a discriminação perpetrada no ambiente de trabalho contra a mulher, o artigo 7º, inciso XX e XXX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), determina que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais “a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei” e proíbe a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
Segundo José Canotilho e Vital Moreira (apud SARLET, MARIONI, MITIDEIRO, 2017, p. 615), “o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialeticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais ao conceito de Estado de direito democrático e social”.
O princípio da igualdade deve ser estudado sob suas duas acepções, são elas: a formal e a material. A igualdade formal diz respeito ao direito de todo cidadão de não ser desigualado pela lei salvo nos casos permitidos pelo ordenamento brasileiro, enquanto que a igualdade material não visa um tratamento igual perante o direito, mas uma igualdade real e efetiva (SILVA, 1992, p. 194).
Observa-se que a igualdade material surgiu como uma reação à percepção de que a igualdade formal, por si só, não era capaz de afastar as situações de injustiças. Assim, a igualdade material passou a ser tida como uma forma de compensação das desigualdades e, sendo assim, se volta para a situação real em que as pessoas se encontram (SARLET, MARIONI, MITIDEIRO, 2017, p. 620).
Assenta-se, assim, a ideia de que a igualdade só será efetivada quando o Estado, abandonar sua posição de neutralidade e passar a adotar uma postura ativa de promoção de políticas sociais para a sua concretização, uma vez que a ordem social enraizada na cultura do patriarcado de subordinação e interiorização das mulheres não será alterada tão somente por meio da criação de leis.
Em conformidade com o princípio da igualdade e da não discriminação, a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) prevê em seu artigo 5º (BRASIL, 1943) que a todo trabalho de igual valor corresponderá igual remuneração, sem distinção de sexo. Ainda em relação a remuneração, o artigo 377 da CLT (BRASIL, 1943) estabelece como medida de ordem pública a proteção ao trabalho das mulheres, sendo que em hipótese alguma poderá haver a redução de salário.
Por sua vez, o artigo 373-A da CLT (BRASIL, 1943) traz uma série de vedações, tais como: publicar anúncio que faça referência ao sexo ainda que a atividade a ser exercida não o exija (inciso I), recusar emprego ou promoção ou dispensar do trabalho em razão do sexo (inciso II), considerar o sexo como um fator determinante para fins de remuneração (inciso III), entre outros.
Soma-se à proteção destinada a mulher no ambiente de trabalho, a Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995, a qual proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória ou limitativa de acesso ao mercado de trabalho e trouxe como sanção a possibilidade de aplicação de multa administrativa de até dez vezes o valor do salário mais alto pago pelo empregador, além da proibição de obter empréstimos ou financiamentos junto a instituições financeiras oficiais (BRASIL, 1995). A introdução de tais penalidades traz uma forma eficaz de combate à discriminação no ambiente de trabalho ao buscar desestimular a prática por meio da imposição de um prejuízo econômico considerável ao empregador.
Diante disso, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro incorporou as normas de direito internacional e dispõe de diversas normas destinadas a proteção do trabalho da mulher tendo o princípio da igualdade como uma das bases do Estado Democrático de Direito. No entanto, a ampla proteção legislativa destinada ao trabalho da mulher não significa que, no plano real, a mesma tenha alcançado a igualdade material junto ao homem, razão pela qual se passa a análise dos dados estatísticos relacionados as mulheres no ambiente de trabalho.
3 A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO ATUAL
A partir da análise da história da mulher na sociedade patriarcal, verifica-se que desde a entrada no mercado de trabalho as mulheres enfrentam dificuldades geradas pelo tratamento diferenciado que recebem, o qual decorre única e exclusivamente da sua condição de ser mulher. A realidade da mulher que trabalha é de discriminação, uma vez que seu trabalho não só é visto como descartável, como também é tido como de menor valor.
Em que pese os avanços graduais na conquista por direitos que as mulheres tiveram, a sua situação no mercado de trabalho atual ainda se encontra distante do ideal. De fato, a mulher tem abandonado a exclusividade da vida doméstica passando a conquistar seu espaço no mercado de trabalho, tendo a taxa das mulheres ativas no mercado de trabalho mais do que triplicado, sendo 13,6% em 1950 para 49,9% em 2010 (IBGE, apud, ANDRADE, 2016, p. 9). Contudo, tal ocupação não se tem demonstrado ideal. Segundo o relatório da ONU mulheres sobre o progresso feminino entre os anos de 2002 a 2010:
[…] as mulheres brasileiras estão cada vez mais escolarizadas, ingressando em profissões consideradas de prestígio e começam a ocupar postos de comando, ainda que lentamente. No entanto, as trabalhadoras seguem ganhando salários inferiores aos dos homens em quase todas as ocupações, são maioria no mercado informal, nas ocupações precárias e sem remuneração, além de recair sobre elas grande parte das tarefas domésticas (ONU, 2011, p. 143).
Ainda, conforme a OIT de 1995 a 2015 as disparidades de gênero na população ativa e taxas de emprego reduziram apenas marginalmente, sendo a de 2015 praticamente igual à de 1995 (OIT, apud, ANDRADE, 2016, p. 15). Aponta também que houve um certo esgotamento no crescimento da ocupação do mercado de trabalho pelas mulheres, tendo o ápice sido atingido em 2005 com 59% e, desde então, oscilando para baixo (ANDRADE, 2016, p. 17).
Em 2018, o relatório da OIT apontou que a taxa de participação das mulheres na força de trabalho era de 48,5%, permanecendo 26,5 pontos percentuais abaixo da taxa dos homens, além disso, constatou-se que a taxa de desemprego entre o gênero feminino é maior do que entre os homens, sendo que para cada 10 homens empregados, há apenas 6 mulheres. No mais, tem-se que as mulheres, em sua maioria, são trabalhadoras informais, não tendo, dessa forma, a devida proteção de seu trabalho (OIT, 2018).
Ainda, em meio a crise de empregos que abarcava o país em 2017, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) demonstrou que 21,6 mil vagas de trabalho foram ocupadas por homens, enquanto as mulheres perderam 42,4 mil postos de trabalho, ou seja, diante da crise econômica, as empresas preferem demitir mulheres e contratar homens (MTE, 2018).
A desigualdade no mercado de trabalho entre homens e mulheres tem origem na divisão sexual do trabalho. Preliminarmente, a divisão sexual do trabalho consistia em designar ao homem o trabalho produtivo e às mulheres o trabalho doméstico. Com a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho o quadro se modificou e a divisão passou a consistir em considerar determinadas profissões como femininas e outras como masculinas (CALIL, 2007, p. 99).
Essa discriminação ocasionada pela definição de trabalhos tidos como femininos é baseada em argumentos biologizados de que as mulheres por terem os dedos mais finos e ágeis, pela sua concentração e disciplina são melhores em determinadas tarefas. Tal preconceito, no entanto, tem gerado graves problemas de saúde nas mulheres que ao serem destinadas as funções repetitivas acabam sofrendo maior incidência de doenças profissionais.
Sendo assim, apesar da crescente ocupação no mercado de trabalho pelas mulheres, tal participação se mostra de forma desigual, acentuando as dificuldades que as mulheres possuem frente aos homens. Um exemplo dessa ocupação desigual são os segmentos mais ocupados pelas mulheres, esses ainda se ligam à divisão sexual do trabalho, atribuindo às mulheres atividades tipicamente vistas como “femininas”. Foi constatado pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME)[4] que:
[…] as mulheres eram minoritárias nos grupamentos que incluem a indústria, construção, comércio, serviços prestados a empresas e outros serviços. As mulheres eram maioria no segmento da administração pública e quase a totalidade nos serviços domésticos. Quanto à forma de inserção no trabalho (Gráfico 1.9), a maior parte dos cargos públicos estatutários e militares são ocupados por mulheres, assim como a quase totalidade dos postos de trabalho doméstico. Nas demais categorias de trabalhadores da iniciativa privada, o percentual de mulheres é bastante inferior ao dos homens. E, na categoria de empregadores, a participação masculina é mais que o dobro da feminina (ANDRADE, 2016, p. 17-18)
A ocupação majoritária das mulheres no mercado de trabalho ainda se concentra na prestação de serviços abarcando mais de 90%, após serviço público com um pouco mais de 60%, seguido pelo comércio na qual ocupam cerca de 40%. Ressalta-se que o serviço doméstico abarca os serviços prestados como cozinheiras, babás, diaristas, lavadeiras, domésticas, governantas e etc. (NICKNICH, Mônica, 2016, p. 286). As áreas de transporte, engenharia e construção, por exemplo, seguem quase que reservadas à população do gênero masculino.
A divisão sexual do trabalho não se reflete apenas na distinção de quais setores são ocupados por homens ou mulheres, mas também no fato de que os homens costumam ocupar cargos de maior remuneração e tomada de decisões, enquanto as mulheres estão fora do mercado formal e recebem piores salários.
Outro desdobramento da divisão sexual do trabalho são os afazeres domésticos que se concentram, majoritariamente, nas mãos do gênero feminino. À mulher é atribuída a dupla jornada, pois esta conquistou o seu espaço no mercado de trabalho, mas ainda se encontra presa às amarras da ditadura do serviço doméstico, trabalhando cerca de 73% a mais de horas do que os homens, sendo 18,1 horas para as mulheres em face de 10,5 horas dos homens (IBGE, 2018, p. 3).
Assim, as mulheres exercem atividade não remunerada dentro de seus lares, como se fosse intrínseco a sua ligação com o gênero feminino. Tal diferenciação das tarefas domésticas indicam que há maior probabilidade de as mulheres trabalharem menos horas em atividades remuneradas, pois dispendem muito de seu tempo para cuidar dos afazeres domésticos sozinhas.
A discriminação de gênero decorrente da condição feminina é um grande obstáculo na vida das mulheres. Tal preconceito se encontra enraizado na noção arcaica da força de trabalho feminina como secundária e complementar ao homem, centra-se na ideia que a mulher é cuidadora enquanto o homem é o provedor, e tais crenças são exteriorizadas no imaginário social, empresarial, na teoria econômica e sociológica (ANDRADE, 2016, p. 34).
A justificativa para a discriminação da mulher no mercado do trabalho em nada se relaciona com a sua competência. Tanto é que as mulheres representam a maioria entre as formadas em ensino superior com 21,5% em face de 15,6% dos homens, possuindo um indicador 37,9% superior ao dos homens (IBGE, 2018, p. 6).
Com tal escolarização era de se esperar que as mulheres ocupassem os melhores cargos com remuneração correspondente, contudo essa é mais uma dificuldade enfrentada pelo gênero feminino. No Brasil, em 2016, 60,9% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens, enquanto as mulheres preenchiam somente 39,1%. Em todas as faixas etárias havia uma proporção maior de homens ocupando cargos gerenciais, porém nas faixas etárias mais elevadas tal diferenciação se mostrava mais acentuada (IBGE, 2018, p. 11). Ainda, Tânia Andrade continua apontando estudos acerca da ocupação das mulheres em postos diretivos:
O estudo intitulado “Women in Business 2015” , da empresa de auditoria e consultoria Grant Thornton, informa que o Brasil ocupa a terceira posição em ranking de países que menos promovem mulheres a cargos de direção. Entre as 150 empresas entrevistadas no país, nenhuma possuía mulheres na presidência ou vice-presidência, e apenas 5% das executivas eram diretoras (Chief Executive Officer – CEO). Os conselhos de administração tinham em média cinco integrantes, sendo apenas uma vaga ocupada pelo sexo feminino.
A pesquisa revela um cenário de retrocesso no Brasil: em 2012, 26% das empresas brasileiras não possuíam mulheres em cargos de liderança; em 2015, essa fatia chegou a 57%, mais que o dobro (ANDRADE, 2016, p. 36-37).
O relatório da ONU sobre o progresso das mulheres entre os anos de 2003 e 2010 aponta a diferença salarial entre homens e mulheres no ano de 2009, se 43,9% dos homens ganham mais que 15 salários mínimos, a parcela de mulheres recebendo o mesmo valor é muito pequena, compreende 14,7% apenas. Verifica-se que essa disparidade diminui quando se tratam de salários menores, contudo na parcela de rendimentos de até 3 salários mínimos, ou seja, com os menores rendimentos, as mulheres são maioria (ONU, 2011, p. 165). Dados trazidos pelo IBGE apontam que as mulheres recebem cerca de 86,7% dos rendimentos auferidos pelos homens na mesma posição. Tal diferenciação aumenta quando os rendimentos são mais elevados, como na categoria de ensino superior completo ou mais, em que as mulheres recebem apenas 63,4% do que os homens (IBGE, 2018, p. 5).
Assim, mesmo que as mulheres sejam maioria no ensino superior e tenham acesso à educação, não significa que haja paridade salarial. Ainda que sejam mais qualificadas as mulheres não conseguem atingir o mesmo patamar de rendimentos que os homens, além de encontrarem dificuldades para serem promovidas ou terem acesso aos cargos de diretoria, principalmente em empresas privadas.
Acontece no país e no mundo todo uma série de movimentos que possuem como objetivo reduzir tal disparidade de remuneração. Contudo, essa aproximação de rendimentos ainda se mostra desigual entre os grupos:
Se, em 2015, as mulheres ultrapassaram pela primeira vez o patamar de 75% da renda masculina, as mulheres negras prosseguem recebendo menos de 40% da renda dos homens brancos. Portanto, não houve alteração em profundidade na estrutura da desigualdade de gênero e cor: “os homens continuam ganhando mais do que as mulheres (R$1.831 contra R$1.288, em 2014), as mulheres negras seguem sendo a base da pirâmide (R$946 reais, em 2014) e homens brancos, o topo (R$2.393 no mesmo ano)”. (ANDRADE, 2016, p. 57).
Quanto aos cargos de chefia e de gerência, em que pese tenha tido aumento no crescimento de homens e mulheres nessa posição, a diferença de salários auferidos por cada gênero aumentou entre os anos de 2004 e 2014, ainda quanto maior o cargo maior a diferença salarial entre os gêneros:
Em 2004, o rendimento médio em ocupações de chefia e gerência, era de R$2.882,00 para as mulheres e de R$4.281,00 para os homens. Em 2014, esse rendimento passou para R$3.714,00 para elas e R$5.538,00 para eles. Ou seja, a diferença aumentou em 16% no período, saltando de R$1.399,00 para R$1.624,00, em média, tudo com valores atualizados para setembro de 2014, pelo INPC.
A escolaridade está diretamente associada à elevação da renda: para ambos os sexos, à medida que a escolaridade avança, o rendimento médio aumenta. No entanto, conforme os dados da PNAD 2011 (Tabela 3.1), em todos os grupos de anos de estudo analisados, as mulheres recebem menos que os homens, embora em média elas tenham maior escolaridade do que eles (ANDRADE, 2016, p. 59).
Um estudo realizado pela World Economic Forum (2020, p. 30), aponta que a paridade de gênero não será atingida por pelo menos 99,5 anos, considerando o baixo progresso que se teve entre os anos de 2006 a 2020 e continua:
Progressing three places over 2018, Brazil ranks 92nd with an overall score of 69.1%. The country has closed 69% of its overall gender gap, up one percentage point from the previous edition. Despite this improvement, Brazil has one of Latin America’s largest gender gaps, ranking 22nd out of 25 countries in the region, and almost 90 places behind Nicaragua (80.4%, 5th), the region’s best performer. The country has closed both the educational and health gender gaps. There is perfect gender parity in literacy rate (93%) and primary education (95%), and a larger proportion of women than men are enrolled in both secondary and tertiary education, where there are 140 female students for every 100 male students. Furthermore, women can expect to live five years more than men in good health. The economic gender gap remains wide but has narrowed over the past year (score of 69.1%, 92nd). The low rate of female participation in the labour force, combined with persisting wage and income inequalities, weigh on the country’s performance on this subindex, but the occupation gap is much narrower. Brazil ranks among the 70 countries in the world that have reached parity between women and men for technical and professional roles, and some 40% of leadership roles (managers, senior officials, legislators) are filled by women (27th). Political empowerment, or lack thereof, represents the biggest drag on Brazil’s overall performance; with a score of 13.3%, the country ranks 104th in the world. As of June 2019, only two positions in the 22-member cabinet were held women (122nd) and women represent only 18% of the members of the parliament (114th).
Dessa forma, se demonstra que por mais que se tenha uma série de garantias e direitos conquistados pelas mulheres e para as mulheres, a igualdade de todos, de gênero, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 ainda está longe de ser atingida.
As mulheres ocupam as piores vagas de trabalho, com as piores remunerações, ocupam empregos precários ou informais, são submetidas à dupla jornada de emprego por serem responsáveis – diante da lógica patriarcal de gênero – também pelo serviço doméstico, tudo isso possuindo grau de instrução superior aos dos homens. A discriminação enfrentada pela mulher no mercado de trabalho é talvez a sua maior barreira, além de toda dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e de remuneração inferior, tem-se que muitas delas ainda são vítimas de assédio, seja moral ou sexual.
Assim, vislumbra-se que o mercado de trabalho é mais um local onde a lógica patriarcal de gênero se exterioriza, ainda atribuindo à mulher papéis inferiores aos dos homens. Essa discriminação se dá de forma velada e interiorizada quase que legitimada pelas instituições. E mesmo que a mulher ocupe os mesmos cargos, com a mesma eficiência, ou até superior, ela ainda vai encontrar óbices ao seu reconhecimento.
Para que haja efetiva diminuição nessa disparidade, é necessário um trabalho conjunto das instituições para a efetivação dos direitos que o gênero feminino detém por ser também um ser humano. Entretanto, ainda faltam muitas conquistas e vai demorar muitos anos para auferir tal objetivo.
4 FORMAS DE COMBATE A DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NA RELAÇÃO DE TRABALHO
Entre os séculos XIX e XX, ocorreram profundas transformações na organização social motivadas pelo crescente processo de industrialização. A supervalorização da produção e do lucro trouxe como consequência péssimas condições de trabalho, o qual se desenvolvia em ambientes inapropriados, com jornadas exaustivas e remunerações ínfimas.
Nessa época a sociedade se pautava nos emblemas da Revolução Francesa, quais sejam: liberdade, igualdade e fraternidade, tendo a liberdade de propriedade como um direito absoluto e intocável o qual tinha como figura central o indivíduo (ALVIM, 2006, p. 20). Tal contexto trouxe grandes preocupações, uma vez que “sempre que os valores econômicos são colocados acima de todos os demais, homens medíocres, sem nenhuma formação humanística e apenas preocupados com o rápido aumento de suas riquezas, passaram a ter o domínio da Sociedade” (DALLARI, 1998, p. 110).
A busca desenfreada pelo lucro e a concepção da existência de uma liberdade irrestrita desencadearam movimentos de supervalorização do ser humano como meio de combater as precárias condições de trabalho. Nesse contexto, nasce a ideia do Estado do Bem-Estar Social como reação as crises do início do século XX, isto é, a Primeira Guerra Mundial e a depressão econômica de 1929.
Esse novo modelo é caracterizado pela atuação ativa do Estado que deve intervir na esfera privada do indivíduo com o objetivo de combater às desigualdades sociais e garantir a prestação de serviços públicos básicos. Observa-se, a partir daí uma ordem econômica mais voltada para a valorização do trabalho humano.
Nesse contexto, vem à tona o conflito entre a pretensa liberdade do empregador em gerir sua empresa e o direito dos indivíduos de não serem discriminados e terem garantido o seu direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego, independentemente do seu sexo, raça, cor, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social.
A Constituição Federal de 1988 estipula no artigo 170 (BRASIL, 1988) que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa de acordo com os ditames da justiça social e com o objetivo de assegurar a todos a existência digna. Verifica-se, portanto, que “o constituinte privilegia o modelo capitalista, porém, não se pode esquecer da finalidade da ordem econômica, qual seja: assegurar a todos a existência digna, conforme os ditamos da justiça social” (LENZA, 2011, p. 113).
Nesse cenário, emerge a figura das sociedades empresárias como as grandes instituições do século XXI, as quais têm a função de exercer sua atividade de acordo com os interesses e necessidades da sociedade. A empresa, portanto, não pode promover o lucro em detrimento dos direitos humanos e fundamentais e deve, juntamente com o Poder Público, promover a justiça social e assegurar os direitos protegidos pelo Estado Democrático de Direito. Nas palavras de Eduardo Tomasevicius Filho (2003, p. 43):
Não se admite, segundo o art. 170, que a liberdade de empresa seja considerada uma função individual do empresário, que só a ele traga benefícios. A existência digna, nos termos da Constituição, está condicionada a uma justiça social. Nessa perspectiva, é inadmissível o exercício da liberdade econômica que permita apenas o crescimento das riquezas, sem permitir a sua distribuição entre os indivíduos que contribuíram com o mesmo, através do trabalho.
O caráter social da Constituição Federal de 1988 mudou, portanto, a visão da propriedade e da livre iniciativa ao trazer em seus dispositivos a obrigação do atendimento a função social. Há três vertentes da função social aceitas pelo Direito, quais sejam, a do contrato, da propriedade e da empresa.
A função social da propriedade é tratada no artigo 5º, inciso XXII e artigo 170, inciso III, ambos da Constituição Federal (BRASIL, 1988). De acordo com Tullo Cavallazzi Filho (2003, p. 531):
Função social significa dizer que a propriedade é direito/dever, antes que mero direito subjetivo, à disposição dos interesses e conveniências particulares de seu titular; significa também que a propriedade, ainda que passível de domínio privado, não pode servir a simples deleites e caprichos de seu titular, mas precisa ser útil à coletividade, no que couber. Enfim, função social significa que o Estado está legitimado a intervir na propriedade privada sempre que o seu titular exercer tal direito em contrariedade a certa finalidade ou política pública.
A função social do contrato está prevista no artigo 421 do Código Civil (BRASIL, 2002), o qual dispõe que “a liberdade de contratar será exercida nos limites da função social do contrato”. A despeito de sua previsão estar expressa no Código Civil, ela é aplicável a todo o ordenamento jurídico.
Especificamente no direito do trabalho, a função social do contrato atua como um instrumento voltado para a atenuação da desigualdade entre empregados e empregadores. Sendo assim, havendo um desequilíbrio na relação contratual e constatado a exploração da mão-de-obra ou a prática de qualquer ato de discriminação, imperioso a revisão das cláusulas contratuais.
Por sua vez, a função social da empresa está prevista na Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), nos seus artigos 116, parágrafo único e artigo 154, os quais obrigam o acionista controlador e o administrador a utilizar do seu poder para fazer cumprir a função social da empresa e satisfazer as exigências do bem público (BRASIL, 1976).
A empresa estará respeitando a função social se seguir todos os princípios constitucionais, tais como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais, promover o bem de todos sem preconceito ou qualquer forma de discriminação e buscar cumprir com os valores sociais do trabalho.
Se a propriedade, o contrato e a empresa devem estar atrelados à função social, isso significa que dentro de um ambiente laboral o empregador não pode discriminar ilegalmente nenhum indivíduo, sendo que tal preceito se aplica no momento da contratação, da manutenção ou da dissolução da relação trabalhista.
Sob tais fundamentos é impossível aceitar qualquer forma de ato que negue a igualdade entre homens e mulheres nas relações trabalhistas. Contudo, a partir dos dados trazidos anteriormente, constatou-se as dificuldades enfrentadas pela mulher no mercado de trabalho que vão desde o momento da contratação, devido à dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e de remuneração inferior, até o momento da dissolução, tendo em vista que a mulher tem mais chances de ser demitida do que o homem.
Tal situação leva ao questionamento de quais seriam as punições aplicáveis àquele empregador/empresário que descumprir com a função social da empresa. Atualmente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma sanção específica para referida conduta, de forma que o infrator, em geral, é punido por outras condutas que supostamente a abarcam.
Nesse aspecto a função social da empresa diverge em relação as outras duas vertentes. Enquanto que a violação da função social do contrato tem como consequência a anulação do mesmo e o descumprimento da função social da propriedade imobiliária urbana ou rural pode acarretar sua perda, a desobediência à função social da empresa não dispõe de qualquer sanção específica.
Na prática “o direito material trabalhista, no Brasil, tem um baixo índice de cumprimento espontâneo pelos destinatários de seus comandos normativos, muito menor do que o de qualquer ordenamento jurídico admite como tolerável” (PIMENTA, 2003, p. 341). Diante dessa realidade é que se sobressai a importância do ativismo judicial, o qual tem como objetivo concretizar os valores normativos constitucionais. Assim, ao decidir sobre o caso concreto o magistrado garante não só a solução dos litígios, como também supre a omissão legislativa e até mesmo executiva.
O ativismo do judiciário pode ser observado sob quatro pontos de atuação: o contramajoritário, jurisdicional, criativo e remedial. No caso em tela, sobressai a sua atuação jurisdicional caracterizada pela maior intervenção do judiciário com o fim de suprir a falta de normas, bem como a sua atuação remedial voltada a criação de políticas públicas através de suas decisões (CARMONA, 2012). O Judiciário, portanto, tem o poder/dever de garantir a eficácia dos direitos fundamentais.
Quando as empresas cumprem com a sua função social, elas consagram os fundamentos da república protegidos pela Constituição. As empresas, portanto, devem se posicionar como propagadoras do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que àquela que não cumprir com sua função social deverá ser aplicada sanção compatível com a violação, razão pela qual é essencial garantir ao referido instituto eficácia jurídica e efetividade social.
Por meio da efetivação da função social da empresa pretende-se desenvolver um sistema capaz de promover a dignidade da pessoa humana e reduzir o descumprimento das normas trabalhistas, uma vez que de nada adianta se ter uma constituição se a mesma não tem qualquer eficácia no plano fático. Segundo, Josep Aguiló Regla (2014, p. 445), “um sistema jurídico-político tem uma constituição quando conta com a reforma constitucional como garantia de ditos ideais; e vive em constituição quando esses direitos são praticados”.
O descumprimento reiterado por anos a fio dos direitos fundamentais levam a crer que esses foram “reduzidos a triste condição de meras promessas demagógicas feitas pelos legisladores às grandes massas” o que é chamado na atualidade como “hipocrisia constitucional e legal” (PIMENTA, 2003, p. 347). Não basta, portanto, que haja previsão constitucional de igualdade de gênero para que se impeça a discriminação perpetrada nas relações trabalhistas.
No Brasil, o preconceito e os estereótipos sexistas ainda vigoram afetando o mercado de trabalho das mulheres, o que influencia diretamente na remuneração que percebem e nos cargos que ocupam. É inadmissível que nos dias atuais um fator tão irrelevante quanto o gênero ainda cause tantas situações de violação, tal como os casos retratados alhures.
A falta de efetividade dos dispositivos constitucionais gera não só o descumprimento reiterado dos comandos normativos, mas também os sentimentos de preconceito e individualismo que assolam a sociedade. O individualismo tem sido uma das principais características da pós-modernidade, a despeito de “as formas modernas de comunicação terem expandido os meios de sentir empatia pelos outros, elas não têm sido capazes de assegurar que os homens ajam com base nesse sentimento de camaradagem” (HUNT, 2009, p. 212).
O individualismo exacerbado impede o desenvolvimento de uma dimensão coletiva de valores, o que de fato barra o processo de reconhecimento do outro como um ser digno. Tal situação coloca a solidariedade como um dos principais alvos de preocupação, uma vez que se aplica, sobretudo, às relações entre os membros da comunidade, por meio da validação de direitos coletivos (ANDRADE, 2010, p. 29), tal como o direito à igualdade material no ambiente de trabalho.
A solidariedade constitui-se como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil por força do artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e se aplica a todas as searas, sendo essencial para a ordem jurídica. Contudo, a tomada de uma consciência coletiva vai além do âmbito jurídico e sua efetividade depende do envolvimento de toda sociedade. Nesse sentido, Philippe Perrenoud (2003) afirma que a “solidariedade é uma construção social e cultural, uma conquista frágil da civilização” contra o “egocentrismo e o egoísmo”.
A solidariedade emana do princípio da dignidade da pessoa humana o qual é concretizado “por meio de outros princípios e regras constitucionais formando um sistema interno harmônico, e afasta, de pronto, a ideia de predomínio do individualismo” (FACHIN, 2006, p. 176). Conjuntamente ao princípio da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, destaca-se a necessidade do desenvolvimento da dignidade coletiva.
A dignidade coletiva pode ser conceituada como “o valor essencial, protegido por toda a comunidade, a qual engloba todos os anseios captados pela consciência jurídica e espalhados na identidade constitucional” (SOUZA, 2012, p. 67-68). Sendo assim, enquanto a dignidade da pessoa humana se volta para o reconhecimento do outro como um ser digno, a dignidade coletiva é construída a partir dos valores fundamentais de certa coletividade que devem ser protegidos por todos.
Pelo que foi exposto anteriormente, percebe-se que a discriminação de gênero é derivada do modelo de sociedade patriarcal, na qual a mulher é colocada em posição de inferioridade em relação ao homem, o que acarreta na sua discriminação nos mais diversos âmbitos, em especial nas relações de trabalho. No entanto, enquanto não houver uma mudança na mentalidade das pessoas e a solidariedade e dignidade coletiva não forem devidamente desenvolvidas, será impossível se alcançar a igualdade de gênero.
A sociedade, como um todo, deve se unir no combate à desigualdade de gênero e exigir a efetivação das normas postas. As ações estatais, os tratados internacionais, as previsões constitucionais e infralegais e a atuação jurisdicional são essenciais, mas não bastam por si só.
Nesse contexto, a educação voltada para os direitos humanos revela-se um instrumento de transformação da sociedade. Segundo a socióloga Maria Benevides (2000), “a educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz”.
A educação também deve ser dirigida ao incentivo da participação efetiva de todos os cidadãos na democracia, uma vez que somente os envolvidos poderão lutar pelos seus direitos. Nesse aspecto, destaca-se a importância da participação feminina nos espaços públicos e processos de tomada de decisões, haja vista que a partir da concretização da democracia é possível a consolidação dos direitos humanos e fundamentais.
O problema da desigualdade de gênero origina-se das construções históricas, sociais e ideológicas do patriarcalismo, bem como deriva da forma como o poder está distribuído tanto no que se refere a dificuldade de acesso a recursos materiais quanto a escassa participação das mulheres nos cargos de liderança na sociedade. Observa-se, portanto, que se trata de um problema que diz respeito a questões de justiça econômica, cultural e política.
Sendo assim, outra forma de superação das desigualdades está ligada ao desenvolvimento da democracia por meio da participação ativa das mulheres nos órgãos de tomada de decisões. Trata-se do empoderamento que pode ser conceituado como o “mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir” (COSTA, 2008, p. 43).
O empoderamento por meio da participação ativa das mulheres em organizações coletivas e mobilizações políticas e educacionais possibilita que as próprias mulheres determinem suas necessidades e interesses estratégicos. Assim, a sua inserção nas estruturas de poder proporcionaria a negociação com outros grupos de interesse e com as autoridades públicas voltadas a garantir os seus interesses (OIT, 2005, p. 17).
Essencial, portanto, a discriminação positiva de incentivo à participação das mulheres nos espaços públicos. Nesse sentido, a II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres tratou acerca das medidas para ampliação da participação das mulheres nos espaços de poder a fim de que se modifique as suas estruturas, bem como a cultura e a mentalidade da sociedade.
O Comitê incentiva o Estado-parte a tomar medidas legais e outras sustentadas para aumentar a representatividade das mulheres em cargos eleitos e nomeados, nos mais altos níveis do judiciário e na diplomacia. Recomenda que o Estado-parte introduza medidas legais e outras apropriadas, incluindo a alteração e ou substituição de leis ineficazes e a adoção de medidas especiais temporárias (…). O Comitê recomenda que o Estado-parte realize campanhas de conscientização, tanto entre homens como mulheres, sobre a importância da participação plena e igualitária da mulher na vida política e pública e na tomada de decisão, como um componente necessário de uma sociedade democrática, e crie condições favoráveis que propiciem e estimulem essa participação (BRASIL, 2008, p. 116).
Tais medidas se tornam fundamentais frente a situação desigual e discriminatória que as mulheres vivenciam no ambiente de trabalho e se voltam para o alcance da igualdade econômica, cultural e política. A participação nos espaços de poder envolve tanto o acesso aos cargos de direção das organizações sindicais de trabalhadores e de empresas privadas, como a ocupação de cargos eletivos nos poderes legislativo, judiciário e executivo.
A participação das mulheres nos espaços de poder caracteriza-se como uma medida de acesso à justiça social e concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil a fim de que a mulher alcance o patamar de igualdade perante o homem em todos os âmbitos sociais, em especial o das relações trabalhistas.
Observa-se, portanto, que a superação das desigualdades de gênero está ligada a efetivação da função social da empresa, a atuação do poder judiciário, ao desenvolvimento da solidariedade, dignidade coletiva e respeito aos direitos humanos pela educação e a concretização da democracia por meio da participação ativa das mulheres nos órgãos de tomada de decisões.
CONCLUSÃO
A partir do desenvolvimento da presente pesquisa, constatou-se que a discriminação de gênero, especialmente nas relações de trabalho, ainda se faz presente no século XXI. Ao se analisar a história da mulher na sociedade patriarcal, verificou-se que desde a entrada no mercado de trabalho as mulheres enfrentam dificuldades geradas pelo tratamento diferenciado que recebem, o qual decorre única e exclusivamente da sua condição de ser mulher.
A desigualdade no mercado de trabalho entre homens e mulheres tem origem na divisão sexual do trabalho que consiste em considerar determinadas profissões como femininas e outras como masculinas. Na prática tal argumento faz com que sejam reservados às mulheres trabalhos precários ou informais, com as piores remunerações, a submissão à dupla jornada de emprego por serem responsáveis – diante da lógica patriarcal de gênero – também pelo serviço doméstico e a maior dificuldade de acesso a posições de comando ou direção, tudo isso possuindo grau de instrução superior aos dos homens.
Observou-se, assim, que as dificuldades enfrentadas pela mulher no mercado de trabalho que vão desde o momento da contratação, devido à dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e de remuneração inferior, até o momento da dissolução, tendo em vista que a mulher tem mais chances de ser demitida do que o homem. Tal situação representa grave violação ao princípio da dignidade humana e ao princípio da igualdade e serve como mecanismo para perpetuação da miséria, pobreza e má distribuição de renda.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de diversas normas destinadas a proteção do trabalho da mulher tendo o princípio da igualdade como uma das bases do Estado Democrático de Direito. No entanto, a ampla proteção legislativa destinada ao trabalho da mulher não significa que, no plano real, a mesma tenha alcançado a igualdade material junto ao homem. Essencial, portanto, a busca pela igualdade não apenas formal, mas sobretudo a igualdade fática.
Nesse aspecto, verificou-se a imprescindibilidade da atuação do Estado mediante o ativismo do judiciário com o objetivo de concretização dos valores normativos constitucionais por meio da sua atuação com vistas a suprir qualquer lacuna legal e voltado a criação de políticas públicas através de suas decisões.
A falta de efetividade dos dispositivos constitucionais gera não só o descumprimento reiterado dos comandos normativos, mas também os sentimentos de preconceito e individualismo que assolam a sociedade o que, de fato, impede o desenvolvimento de uma dimensão coletiva de valores e barra o processo de reconhecimento do outro como um ser digno.
Enquanto a solidariedade e dignidade coletiva não forem devidamente desenvolvidas será impossível se alcançar a igualdade de gênero. A sociedade, como um todo, deve se unir no combate à desigualdade de gênero e exigir a efetivação das normas postas. As ações estatais, os tratados internacionais, as previsões constitucionais e infralegais e a atuação jurisdicional são essenciais, mas não bastam por si só.
Ademais, observou-se também que a desigualdade de gênero se origina não só das construções históricas, sociais e ideológicas do patriarcalismo, mas também da forma como o poder está distribuído tanto no que se refere a dificuldade de acesso a recursos materiais quanto a escassa participação das mulheres nos cargos de liderança na sociedade.
Nesse aspecto, destaca-se a importância da participação feminina nos espaços públicos e processos de tomada de decisões, haja vista que a partir da concretização da democracia é possível a consolidação dos direitos humanos e fundamentais. Sendo assim, outra forma de superação das desigualdades está ligada ao desenvolvimento da democracia por meio da participação ativa das mulheres nos órgãos de tomada de decisões.
Concluiu-se, portanto, que a desigualdade de gênero diz respeito a questões de justiça econômica, cultural e política. Trata-se de um impedimento a efetiva aplicação dos direitos humanos, fundamentais e trabalhistas, razão pela qual deve ser combatida por toda coletividade por meio da efetivação da função social da empresa, da atuação do poder judiciário, do desenvolvimento da solidariedade e dignidade coletiva e pela concretização da democracia mediante a participação ativa das mulheres nos órgãos de tomada de decisões.
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[1] Advogada. Aluna especial pelo Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pós graduada em Direito Empresarial pela Faculdade Legale; Pós graduanda em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Pós graduanda em Lei Geral de Proteção de Dados pela Faculdade Legale; Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: francielebs3097@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6255-5907.
[2] Advogada. Aluna especial pelo Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pós graduanda em e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Pós graduanda em Direito Extrajudicial pela Faculdade Legale; Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: lillian.oliveira20@outlook.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1243-4354.
[3] Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Professor titular dos Programas de Doutorado/Mestrado da Universidade de Marília. Professor do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual de Londrina. Advogado. E-mail: lourival.oliveira40@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6700-0820.
[4]Pesquisa domiciliar urbana por amostragem, desenvolvida nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.