IRMANDADE E DISCÓRDIA: A INCLUSÃO DOS IRMÃOS ADOTIVOS NO ROL DE PESSOAS DISPENSADAS DE TESTEMUNHAR PELO ARTIGO 448 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

IRMANDADE E DISCÓRDIA: A INCLUSÃO DOS IRMÃOS ADOTIVOS NO ROL DE PESSOAS DISPENSADAS DE TESTEMUNHAR PELO ARTIGO 448 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

6 de dezembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

BROTHERHOOD AND DISCORD: THE INCLUSION OF ADOPTIVE SIBLINGS IN THE LIST OF PERSONS EXEMPTED FROM TESTIFYING ACCORDING ARTICLE 448 OF THE BRAZILIAN CODE OF CIVIL PROCEDURE

Artigo submetido em 05 de dezembro de 2025
Artigo aprovado em 06 de dezembro de 2025
Artigo publicado em 06 de dezembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Gabriel Pereira de Medeiros[1]
Carlos Francisco do Nascimento[2]

RESUMO: Este estudo trata da inclusão dos irmãos e demais parentes adotivos na exceção do dever de prestar testemunho no processo civil quando houver menção a fatos danosos a algum dos parentes da testemunha, conforme o artigo 448 do Código de Processo Civil. Serão abordados temas como a organização dos tipos legais de parentesco antes da Constituição Federal de 1988, a forma como passaram a ser estabelecidos pelo Código Civil de 2002 e a aplicação do artigo mencionado do CPC. A importância da pesquisa reside na necessidade de esclarecer se a análise do sistema jurídico para além da redação do dispositivo processual confere aos irmãos adotivos o direito de se eximirem do dever de testemunhar. Objetiva-se, pois, investigar se a relação de parentesco iniciada a partir da adoção é equivalente aos laços familiares biológicos ou de parentes afins, e se isso gera a ampliação da interpretação do artigo 448 do CPC de modo a incluir nele os irmãos adotivos. Os procedimentos metodológicos consistem em pesquisa básica, descritiva, bibliográfica, documental, qualitativa, com abordagem hipotético-dedutiva. Conclui-se que as disposições constitucionais e o regramento civil conferem plenamente aos irmãos adotivos o mesmo nível de parentesco legal que os irmãos biológicos e os parentes afins, permitindo a aplicação do art. 448 do CPC a eles.

Palavras-chave:Irmãos adotivos; Equiparação; Dispensa de testemunhar; Art. 448; Código de Processo Civil.

ABSTRACT: This study deals with the inclusion of siblings and other adopted relatives in the exception of the duty to testify in civil proceedings when there is mention of facts harmful to any of the witness’s relatives, according to article 448 of the Code of Civil Procedure. Topics such as the provision of legal types of kinship before the Federal Constitution of 1988, as established in the Civil Code of 2002, and the application of the aforementioned article of the CPC will be addressed. The importance of the research lies in the need to clarify whether the analysis of the legal system beyond the wording of the procedural provision gives the adoptive siblings the right to exempt themselves from the duty to testify. The objective is, therefore, to investigate whether the kinship relationship initiated from adoption is equivalent to biological family ties or related relatives, and whether this generates the expansion of the interpretation of article 448 of the CPC in order to include adoptive siblings. The methodological procedures consist of basic, descriptive, bibliographic, documentary, qualitative research, with a hypothetical-deductive approach. It is concluded that the constitutional provisions and the civil regulation fully confer on the adoptive siblings the same level of legal kinship as the biological siblings and the related relatives, allowing the application of article 448 of the CPC to them.

Keywords:Adoptive Siblings; Equivalence; Exempted from Testifying; Article 448; Code of Civil Procedure.

1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios do processo civil, um dos instrumentos mais utilizados para comprovar as alegações apresentadas é o testemunho de um terceiro que presenciou os fatos do litígio ou possui conhecimento capaz de contribuir para sua resolução.

Dentre as regras para produção de prova testemunhal e que estabelecem quem pode ou não servir ao processo como testemunha, estão as exceções, que eximem os indivíduos de participar da instrução do caso quando eles se encontram em determinadas situações. Uma delas, conforme preceitua o artigo 448 do Código de Processo Civil, é quando o fato que se deseja esclarecer perante o juízo pode causar danos a um parente da testemunha, seja ele biológico ou afim. (Brasil, 2015)

O presente estudo analisará os tipos de parentesco à luz da legislação civil, discutindo sua eventual equivalência e o impacto dessa classificação na aplicação do artigo supramencionado do Código Processual.

A pesquisa que fundamenta o presente artigo se justifica pela necessidade de analisar se os irmãos adotivos possuem, de fato, os mesmos direitos reconhecidos aos parentes biológicos e aos afins, de modo a permitir que o art. 448 do CPC também seja aplicado aos familiares adotivos, garantindo-lhes acesso efetivo e pleno à justiça.

Por isso, busca-se analisar a possibilidade de aplicação do dispositivo legal mencionado a casos que envolvam parentes cujo vínculo familiar decorra da adoção, como irmãos adotivos. Para tanto, parte-se da análise do ordenamento jurídico pátrio antes e depois da Constituição Federal de 1988, examinando de que forma, em cada período, os parentes adotivos são legalmente reconhecidos em comparação aos demais.

É utilizada metodologia baseada na abordagem hipotético-dedutiva, com pesquisa básica, descritiva, documental, qualitativa e com enfoque bibliográfico. 

São demonstrados os marcos teóricos no tocante à prova testemunhal e as modalidades de dispensa, seguida pelos tipos legais de parentesco, a possível equiparação dos irmãos adotivos aos outros parentes biológicos ou afins, e, findando, as considerações finais.

2 DA PROVA TESTEMUNHAL E DAS POSSIBILIDADES DE DISPENSA LEGAL DO DEVER DE TESTEMUNHAR

O processo civil, além de ter de verificar os pressupostos necessários para sua própria concretização, objetiva analisar o direito permeado na relação jurídica material apresentada aos tribunais, como elucida Alfredo Buzaid (2002).

Para que o julgador alcance uma conclusão razoável a respeito desse direito, o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 permite alguns instrumentos a fim de se comprovar as alegações feitas pelas partes processuais. Um desses instrumentos é a prova testemunhal, como se extrai do art. 442, que dispõe expressamente que “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso” (Brasil, 2015).

Contudo, dispensa-se a utilização de testemunhas quando as provas documentais são suficientemente esclarecedoras a respeito dos fatos que se desejam comprovar ou quando há confissão da parte contrária, conforme o art. 443 do CPC:

Art. 443. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:

I – já provados por documento ou confissão da parte;

II – que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. (Brasil, 2015).

Em todo caso, a prova testemunhal permanece sendo um instrumento importantíssimo no âmbito do processo civil, na medida em que a testemunha auxilia na elucidação de “[…] fatos passados, ainda que o objetivo da prova seja simplesmente autorizar o juiz a concluir que algo provavelmente vai ocorrer no futuro […]” (Marinoni, Arenhart e Mitidiero, 2021).

O que se busca é a validação da afirmação proferida pela parte, por meio da declaração verbal de uma pessoa, mesmo considerando as possíveis falhas inerentes à mente humana.

Apesar da ampliação das hipóteses em que há permissão legal para a inquirição de testemunhas trazida pelo CPC de 2015 em relação ao de 1973, algumas restrições foram mantidas em nome do equilíbrio processual e com o objetivo de resguardar os interesses de ambas as partes da demanda.

O CPC mais recente dispõe, nesse sentido, sobre as pessoas que não são aptas a atuar como testemunhas, estabelecendo três categorias, a partir do art. 447: as incapazes, as impedidas e as suspeitas (Brasil, 2015). Os parágrafos do artigo detalham quem se enquadra em cada uma delas, deixando claras as situações que podem excluir determinada testemunha.

Além dos casos em que há proibição de testemunhar, também estão presentes no código processual as circunstâncias que permitem a recusa pelos próprios sujeitos em prestar testemunho sob juízo. O art. 448 do CPC define que:

[…] A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:

I – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau;

II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. (Brasil, 2015)

Percebe-se, a partir do artigo acima, que, na iminência da revelação ou confirmação de fatos que causem danos a si mesma ou a algum dos seus parentes, a testemunha pode se abster de testemunhar no processo, sem sofrer qualquer tipo de sanção. Do mesmo modo, em caso de impedimento por sigilo profissional.

Ocorre que o artigo apresenta, em sua redação, apenas menção aos parentes de mesmo sangue ou afins, mas não se manifesta de maneira explícita sobre os parentes com vínculo familiar formado a partir de adoção, como no caso de irmãos adotivos.

3 DOS PARENTES CONSANGUÍNEOS, PARENTES AFINS E IRMÃOS ADOTIVOS

Em que pese os cidadãos no mundo fático não fazerem distinção entre os parentes consanguíneos e os parentes afetivos no dia a dia, o ordenamento jurídico brasileiro deixa claro os direitos e deveres que cada um possui a partir da legislação de matéria civil.

Conforme esclarece Maria Helena Diniz (2022), o parentesco consanguíneo ou natural entre duas ou mais pessoas é caracterizado quando elas descendem dos mesmos ancestrais, compartilhando, portanto, semelhanças sanguíneas e genéticas. Por outro lado, os parentes afins se definem a partir do “[…] liame jurídico estabelecido entre um consorte, companheiro e os parentes consanguíneos, ou civis, do outro nos limites estabelecidos na lei […]” (Diniz, 2022).

O segundo tipo, possuindo previsão no artigo 1.595 do Código Civil (Brasil, 2002), garante que o companheiro e alguns de seus familiares tenham relação de parentesco reconhecida também junto aos familiares do outro indivíduo, na medida em que há “junção” das famílias. Como bem destaca Francisco Pontes de Miranda, estamos diante “[…] pois, de ficção do direito, ficção que tem por fim estabelecer, entre cada um dos cônjuges e os parentes do outro, relações de parentesco condignas da íntima significação do casamento e demais uniões sexuais.” (Miranda, 2012, p. 69)

Existem, ainda, casos em que adultos plenamente capazes decidem adotar crianças ou adolescentes, filhos de outras pessoas, tornando-se não apenas responsáveis pela guarda do infante, mas sua família definitiva. Conforme dispõe o art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), o adotado passa a ser considerado filho do adotante, inclusive para fins sucessórios, sendo desligado legal e completamente de seus parentes biológicos.

Com relação a esses laços familiares estabelecidos a partir da adoção, o direito civil não os pode incluir na classificação dos parentes consanguíneos, já que são indivíduos de linhas ancestrais diferentes, tampouco são considerados parentes afins, em razão de o vínculo não derivar de uma relação matrimonial ou sexual. Há, pois, a inclusão na terceira categoria: os parentes civis, em que é estabelecida uma relação de parentesco entre o adotante e o adotado alicerçada na legislação civil. (Diniz, 2022)

Embora, nos três casos acima expostos, haja relações de parentesco oficialmente reconhecidas e com repercussões no âmbito jurídico, nem sempre os filhos adotivos desfrutaram dos mesmos direitos atribuídos aos demais descendentes. É verídico que o Código Civil de 1916 já apontava, no seu artigo 1.605, a relação jurídica entre os pais adotantes e seus filhos adotivos, quando reconhecia de forma expressa a equiparação destes aos demais descendentes biológicos para efeitos de sucessão. (Brasil, 1916)

Não obstante, o CC/1916 também fazia explícita separação do vínculo de parentesco gerado entre os pais e filhos adotivos em relação aos demais parentes:

Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, á cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V (Brasil, 1916).

Em outros termos, o vínculo legal firmado entre os adotantes e o adotado era um parentesco definitivo, ao passo que o vínculo entre este jovem e os familiares biológicos dos adotantes não era sequer existente do ponto de vista jurídico.

 Havia, então, certo reconhecimento do laço de parentalidade entre irmãos adotivos, mas de forma muito tênue, incapaz de produzir consequências concretas no mundo jurídico, além da seara sucessória. O Código Civil de 2002, por outro lado, permitiu uma interpretação diferente e, além do mais, modificou o panorama que havia nesse sentido.

4 DA EQUIPARAÇÃO PLENA ENTRE IRMÃOS ADOTIVOS E DA DISPENSA DE TESTEMUNHAR CONFORME O ARTIGO 448 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O artigo 448, inciso I, do Código de Processo Civil não apresenta disposição expressa sobre os irmãos adotivos, conforme explicitado anteriormente. A restrição de parentesco estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro, primordialmente na primeira metade do século XX, em relação aos irmãos adotivos não permitiria uma interpretação extensiva do inciso mencionado. Mas ao se considerar o panorama jurídico atual, a situação ganha novos contornos.

Com a redemocratização da República e a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitos direitos fundamentais foram resgatados e outros conceitos, redefinidos, dentre eles o de família. O art. 226, § 4º, abrange o conceito tradicional para considerar também o núcleo afetivo formado por qualquer um dos pais (e não somente os dois) juntamente com os seus descendentes. (Brasil, 1988)

Também é possível notar a guinada na posição quanto ao reconhecimento de direitos dos filhos adotados a partir de uma disposição constitucional, mormente quando comparado ao cenário do Código Civil de 1916.

O art. 227, § 6º, da CF/88 dispõe que: “[…] os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (Brasil, 1988). Essa é, inclusive, a mesma redação dada ao art. 1.596 do Código Civil de 2002, limpidamente apoiada no texto constitucional.

Mesmo não sendo irmãos biológicos ou parentes por afinidade, os irmãos adotivos se tornaram, portanto, irmãos perante a lei, tanto quanto os outros dois tipos. Assim, “[…] não há mais que se fazer tal discriminação, de modo que para todos os efeitos legais o filho será simplesmente filho, seja qual for o tipo de relacionamento de seus genitores.” (Diniz, 2022)

Para além das normas positivadas, a aplicação prática da paridade entre irmãos adotivos também é percebida em diversos tribunais brasileiros, a exemplo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu recentemente em matéria semelhante envolvendo adoção de criança com nacionalidade estrangeira, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. OPÇÃO PELA NACIONALIDADE BRASILEIRA. FILHO ADOTIVO ESTRANGEIRO DE BRASILEIRO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE FILHOS BIOLÓGICOS E ADOTIVOS. NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME […] 4. A interpretação restritiva que condiciona a aquisição da nacionalidade originária ao vínculo biológico desrespeita o princípio da igualdade, pois ignora o laço jurídico e afetivo criado pela adoção. […]. 6. A questão foi reforçada pelo parecer do Ministério Público Federal e pela orientação do STF em temas correlatos, como o reconhecimento de direitos iguais entre filhos biológicos e adotivos, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação. […] IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: Filhos adotivos de brasileiros têm direito à nacionalidade originária mediante preenchimento dos requisitos do art. 12, inc. I, alínea ‘c’, da CF/1988, em observância ao princípio da igualdade entre filhos biológicos e adotivos […]. (Brasil, 2025)

Não há razão, portanto, para manter segregados os parentes por adoção na aplicação do inciso I do art. 448 do CPC, que assegura à testemunha o direito de se recusar a prestar depoimento sobre fatos que possam causar danos a ela ou a seus familiares (Theodoro Júnior, 2019)

Ainda que se defendesse a taxatividade do dispositivo, alcançar-se-ia uma ideia irrazoável e desrespeitosa ao restante do ordenamento jurídico pátrio. O próprio princípio lógico, pelo qual as autoridades públicas devem aplicar as leis aos casos concretos de acordo com a racionalidade (Theodoro Júnior, 2019), estaria sendo ofendido.

É válido lembrar também do princípio da igualdade processual, ou da paridade de armas, que garante às partes do processo igualdade de tratamento, direitos e deveres, na medida dos papéis desempenhados individualmente dentro da ação processual, visando a igualdade no acesso à justiça. (Didier Júnior, 2019, p. 127)

Quando se menciona o termo “partes”, inclui-se todos aqueles que participam do processo, de forma recorrente ou pontual, incluindo as testemunhas. Estas merecem, tanto quanto os demais atuantes, o respeito e o reconhecimento dos seus direitos, como, no caso em discussão, a qualidade de irmão ou irmã de um dos sujeitos processuais. 

Resgata-se a lição de Pontes de Miranda, quando diz que “[…] as regras jurídicas, incidindo nos suportes fáticos, apanham relações entre pessoas; e fazem-nas jurídicas. A relação jurídica suscita o nascimento, a modificação, ou a extinção de direitos […].” (Miranda, 2013, p. 379)

Sendo assim, torna-se plenamente válido, por exemplo, que uma filha ou filho adotivo, na premência de ter que testemunhar a respeito de fatos sensíveis e danosos para a filha ou filho biológico dos mesmos pais, e vice-versa, possa se desobrigar de prestar o testemunho, considerando que ambos são tão parentes quanto dois familiares biológicos ou por afinidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prova testemunhal se apresenta no sistema jurídico brasileiro como um instrumento essencial para auxiliar o deslinde de determinadas questões dentro do processo civil. Contudo, nem todas as pessoas se sujeitam à obrigação de testemunhar, havendo exceções previstas em lei.

Nessa seara, o presente estudo objetivou analisar se os irmãos adotivos podem ser enquadrados no rol de dispensa do artigo 448 do Código de Processo Civil, no tocante ao testemunho de fatos danosos a eles próprios e a seus parentes por adoção.

Em um primeiro momento, realizou-se um exame acerca do dever de prestar testemunho e das dispensas legais que excepcionam essa regra, com enfoque no dispositivo que prevê a dispensa concedida às testemunhas que são parentes biológicos ou afins da parte que poderá sofrer algum dano caso os fatos sejam narrados sob sua perspectiva.

De fato, o artigo mencionado é omisso quanto aos irmãos adotivos e demais parentes, não os colocando junto aos demais tipos de parentesco elencados para a dispensa. Assim, resgatou-se o panorama jurídico a respeito do tema antes da Constituição Federal de 1988, e depois dela, principalmente com o Código Civil de 2002.

Percebeu-se, a partir de então, uma mudança significativa no posicionamento dos diplomas legais brasileiros, que passaram a equiparar os filhos adotivos aos filhos biológicos do casal adotante. Essa evolução resultou na superação do antigo paradigma segregacionista e tem permitido, progressivamente, que as categorias “irmãos biológicos” e “irmãos adotivos” cedam lugar simplesmente à concepção de “irmãos”. Para além da equiparação legal, é cristalino que, na vida cotidiana, os irmãos adotivos são irmãos como os outros, com vínculos afetivos iguais aos outros.

O objeto que se busca preservar ao permitir que parentes biológicos e parentes afins possam se eximir do dever de testemunhar quando confrontados com a ideia de discorrer sobre fatos prejudiciais a eles está protegido da mesma forma quando se trata de familiares com vínculo adotivo.

Assim sendo, concluiu-se que, mesmo o artigo 448 do CPC permanecendo omisso quanto aos irmãos adotivos, estes detêm o mesmo direito conferido aos demais tipos de familiares. E essa equidade deve ser respeitada ao longo de todo o processo, em observância aos preceitos constitucionais e aos princípios regentes do direito processual, afinal de contas, “é pela equidade que o valor moral penetra na aplicação judicial do direito.” (Theodoro Júnior, 2019)

Por tudo isso, espera-se que este estudo contribua para pesquisas posteriores e o tema seja retomado futuramente, a fim de que se possa avançar na efetiva garantia de direitos para as famílias constituídas por laços que vão além do biológico.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 04 nov. 2025.

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[1] Bacharelando do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Técnico em Têxtil pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Email: gabrielpdemedeiros@gmail.com.

[2] Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Direito (UFRN). Especialista em Direito Processual Civil (UFRN), e em Patrimônio Histórico-Cultural e Turismo (UFRN). Professor Adjunto do Departamento de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Email: carlos.nascimento@ufrn.br.