LIMITAÇÃO DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS E CAUTELARES DO STF: ANÁLISE CONSTITUCIONAL, RISCOS DEMOCRÁTICOS E POTENCIALIDADES REFORMADORAS (2004–2025)

LIMITAÇÃO DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS E CAUTELARES DO STF: ANÁLISE CONSTITUCIONAL, RISCOS DEMOCRÁTICOS E POTENCIALIDADES REFORMADORAS (2004–2025)

5 de dezembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

LIMITATION OF MONOCRATIC AND PRELIMINARY INJUNCTIVE DECISIONS OF THE BRAZILIAN SUPREME COURT (STF): CONSTITUTIONAL ANALYSIS, DEMOCRATIC RISKS, AND REFORM POTENTIALS (2004–2025)

Artigo submetido em 01 de dezembro de 2025
Artigo aprovado em 05 de dezembro de 2025
Artigo publicado em 05 de dezembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Rute Dutra Borges do Nascimento[1]
Orione Dantas de Medeiros[2]

RESUMO: Este artigo examina, sob perspectiva crítica e sistematizada, as propostas de emenda constitucional formuladas entre 2004 e 2025 que buscam limitar decisões monocráticas, restringir medidas cautelares e redesenhar competências do Supremo Tribunal Federal (STF). Parte-se da problemática central de determinar se tais iniciativas configuram ajustes institucionais legítimos — voltados ao fortalecimento da colegialidade, da transparência decisória e da segurança jurídica — ou se constituem instrumentos de constrição indevida da autonomia judicial, com potencial de violar a cláusula pétrea da separação dos Poderes prevista no art. 60, §4º, III, da Constituição de 1988. A pesquisa adota abordagem qualitativa de caráter jurídico-dogmático e institucional, com base na análise documental das principais Propostas de Emenda à Constituição (PECs 8/2021, 16/2019, 35/2015 e 51/2023), bem como das Emendas Constitucionais nº 45/2004 e nº 125/2022. O exame é complementado pela revisão da doutrina constitucional contemporânea e pela análise da jurisprudência do STF em julgados paradigmáticos, incluindo ADI 939, ADI 3.367 e ADI 5.104, os quais delineiam parâmetros sobre competência cautelar, monocrática e colegiada no âmbito do controle de constitucionalidade. Os resultados evidenciam que decisões monocráticas e medidas cautelares desempenham papel constitucional imprescindível, especialmente em cenários de urgência que demandam proteção imediata de direitos fundamentais ou prevenção de danos irreversíveis à ordem jurídica. A retirada ou a limitação excessiva desses instrumentos pode reduzir a capacidade responsiva do Tribunal, afetando o núcleo essencial da jurisdição constitucional. Argumenta-se, com base na literatura sobre erosão democrática e constitucionalismo abusivo (Landau; Ginsburg; Huq), que reformas dirigidas a constranger o exercício legítimo da atividade jurisdicional podem representar mecanismos sutis de enfraquecimento institucional, sobretudo quando motivadas por tensões conjunturais entre Poderes. Por outro lado, o estudo reconhece que reformas estruturais orientadas ao aperfeiçoamento dos procedimentos internos do STF — como o reforço da colegialidade, a ampliação da transparência decisória, a racionalização da distribuição de processos e a definição de critérios mais claros para concessão de medidas unipessoais — podem gerar ganhos institucionais relevantes. Tais medidas, contudo, devem preservar a autonomia funcional do Tribunal, sua capacidade operacional e sua competência para garantir tutela eficaz e tempestiva em matéria constitucional. Conclui-se que a constitucionalidade das propostas de alteração depende diretamente de seu desenho normativo. Reformas que aprimorem a governança interna e reduzam distorções procedimentais mostram-se compatíveis com a Constituição de 1988. Entretanto, iniciativas que esvaziem competências essenciais, instituam obstáculos desproporcionais à tutela jurisdicional urgente ou interfiram na independência judicial ultrapassam os limites materiais impostos ao Poder Constituinte derivado. O estudo reafirma que qualquer reforma do sistema de justiça deve respeitar a integridade da separação dos Poderes, a função contramajoritária atribuída ao STF e o papel estruturante do controle de constitucionalidade no Estado Democrático de Direito, sob pena de comprometer a estabilidade institucional e a proteção dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; decisões monocráticas; medidas cautelares; separação dos poderes; emenda constitucional; controle de constitucionalidade.

ABSTRACT: This article critically and systematically examines the constitutional amendment proposals presented between 2004 and 2025 that seek to limit monocratic decisions, restrict preliminary injunctions, and redesign the competencies of the Brazilian Supreme Federal Court (STF). The central question is whether such initiatives constitute legitimate institutional adjustments—aimed at strengthening collegiality, decision-making transparency, and legal certainty—or whether they operate as mechanisms of undue constraint on judicial autonomy, with the potential to violate the unamendable clause of the separation of powers established in Article 60, §4, III, of the 1988 Constitution. The research adopts a qualitative approach of a legal-dogmatic and institutional nature, based on documentary analysis of the main Proposed Amendments to the Constitution (PECs 8/2021, 16/2019, 35/2015, and 51/2023), as well as Constitutional Amendments No. 45/2004 and No. 125/2022. This examination is complemented by a review of contemporary constitutional scholarship and by an analysis of STF jurisprudence in landmark cases, including ADI 939, ADI 3,367, and ADI 5,104, which delineate standards concerning precautionary powers, monocratic authority, and collegiate decision-making within constitutional adjudication. The findings indicate that monocratic decisions and preliminary injunctions perform an indispensable constitutional function, especially in urgent situations requiring immediate protection of fundamental rights or the prevention of irreversible harm to the legal order. The removal or excessive restriction of these instruments may undermine the Court’s responsiveness and impair the essential core of constitutional jurisdiction. Drawing on the literature on democratic erosion and abusive constitutionalism (Landau; Ginsburg; Huq), the study argues that reforms aimed at constraining the legitimate exercise of judicial authority may operate as subtle mechanisms of institutional weakening, particularly when driven by conjunctural tensions between branches of government.Conversely, the study recognizes that structural reforms directed at improving the STF’s internal procedures—such as strengthening collegiality, expanding decision-making transparency, rationalizing case distribution, and establishing clearer criteria for the issuance of single-justice measures—may generate relevant institutional benefits. Such measures, however, must preserve the Court’s functional autonomy, operational capacity, and ability to provide effective and timely constitutional protection. The analysis concludes that the constitutionality of these reform proposals depends directly on their normative design. Adjustments that enhance internal governance and reduce procedural distortions are compatible with the 1988 Constitution. Nevertheless, initiatives that hollow out essential competencies, impose disproportionate obstacles to urgent judicial protection, or interfere with judicial independence exceed the material limits imposed on the derivative constituent power. The study reaffirms that any reform of the justice system must respect the integrity of the separation of powers, the counter-majoritarian role of the STF, and the structural function of constitutional review in the Democratic Rule of Law, under penalty of compromising institutional stability and the protection of fundamental rights.

Keywords: Supreme Federal Court; monocratic decisions; preliminary injunctions; separation of powers; constitutional amendment; judicial review.

INTRODUÇÃO

O presente artigo examina, de forma crítica e sistematizada, as propostas de emenda constitucional formuladas entre 2004 e 2025 que buscam limitar decisões monocráticas, restringir medidas cautelares e redesenhar competências do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo central é avaliar se tais iniciativas configuram ajustes institucionais legítimos, voltados ao aperfeiçoamento do sistema de freios e contrapesos, ou se representam tentativas de restrição indevida à independência judicial, em possível afronta ao modelo de separação dos poderes consagrado pela Constituição Federal de 1988 e protegido como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, III.

A problemática que orienta a pesquisa consiste em compreender até que ponto as propostas de emenda constitucional destinadas a limitar decisões monocráticas, restringir a concessão de medidas cautelares ou redesenhar competências do STF se harmonizam com os princípios estruturantes da República. Indaga-se, portanto, se tais medidas reforçam a colegialidade e a segurança jurídica, ou se configuram mecanismos de enfraquecimento institucional, diminuindo a capacidade da Corte de atuar como guardiã da Constituição e protetora dos direitos fundamentais.

Apesar de apresentadas como instrumentos de racionalização do processo decisório e de fortalecimento da deliberação colegiada, muitas dessas propostas suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com limites materiais impostos pela Constituição de 1988. Isso porque a limitação de competências essenciais do STF pode comprometer a independência judicial, reduzir a eficácia do controle de constitucionalidade e dificultar a tutela imediata de direitos em situações de urgência. Em diversos casos, as iniciativas legislativas parecem responder a conflitos políticos conjunturais, funcionando mais como formas indiretas de pressão sobre o Tribunal do que como medidas genuínas de aprimoramento democrático.

Diante desse cenário, o estudo tem como objetivo geral avaliar a constitucionalidade e os impactos democráticos das propostas de emenda voltadas a restringir a atuação do STF, com especial atenção às modificações relativas às decisões monocráticas e cautelares. Busca-se compreender se tais alterações fortalecem o equilíbrio entre os Poderes ou se configuram risco de erosão institucional, com potenciais prejuízos para a estabilidade da ordem constitucional.

A relevância da temática decorre da recorrência, nos últimos anos, de tentativas de limitar a atuação do Supremo Tribunal Federal, sobretudo após decisões judiciais de grande impacto político e social. Esses movimentos reacendem discussões sobre os limites do Poder Constituinte derivado reformador e sobre a necessidade de preservar a integridade da jurisdição constitucional, elemento vital para a realização dos direitos fundamentais e para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Uma análise crítica dessas propostas é essencial para verificar se o país caminha para o fortalecimento das instituições judiciais ou para um processo de restrição progressiva de sua capacidade de atuação.

Do ponto de vista metodológico, adota-se abordagem qualitativa, de caráter exploratório e comparativo, com base na análise documental das Emendas Constitucionais nº 45/2004 e nº 125/2022, bem como das Propostas de Emenda Constitucional nº 8/2021, 16/2019, 51/2023 e 35/2015. O estudo inclui, ainda, exame doutrinário e jurisprudencial, especialmente da própria Corte Constitucional, a fim de delimitar os contornos do núcleo essencial da jurisdição constitucional e os limites materiais ao poder de reforma.

Para alcançar os objetivos, o trabalho organiza-se da seguinte forma: (i) apresenta-se um panorama histórico da evolução institucional do Judiciário após a Reforma do Judiciário (EC 45/2004); (ii) examinam-se as principais propostas de emenda constitucional destinadas a limitar decisões monocráticas, medidas cautelares e outras competências do STF; (iii) analisa-se a compatibilidade dessas iniciativas com a separação dos poderes e com o núcleo essencial da jurisdição constitucional; e, por fim, no item (iv) apresentam-se os resultados críticos da pesquisa, com conclusões acerca dos riscos e das potencialidades dessas propostas para a democracia constitucional brasileira.

1 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE PRETENDEM LIMITAR DECISÕES MONOCRÁTICAS E MEDIDAS CAUTELARES DO STF

          As propostas legislativas voltadas a limitar decisões monocráticas, restringir medidas cautelares e alterar competências do STF vêm ganhando força desde a década de 2010, sobretudo após julgamentos de alta repercussão. Dentre essas iniciativas destacam-se a PEC 8/2021, a PEC 16/2019, a PEC 35/2015 e a PEC 51/2023, que suscitaram intenso debate doutrinário e jurisprudencial.

1.1 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS DAS PROPOSTAS

Os defensores das propostas de emenda constitucional que visam restringir decisões monocráticas e cautelares do Supremo Tribunal Federal sustentam que tais medidas seriam necessárias para enfrentar um cenário de crescente protagonismo judicial. Argumenta-se que, sobretudo nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, decisões individuais de ministros podem gerar insegurança jurídica, criar assimetria no exercício do poder judicante e permitir um nível de centralização decisória considerado excessivo diante do modelo colegiado do Tribunal. Além disso, parlamentares e setores do Executivo afirmam que a limitação desses instrumentos impediria “interferências individuais” em políticas públicas complexas, preservando a esfera de atuação dos demais Poderes.

Essa narrativa insere-se em um contexto mais amplo de tensionamento institucional que se acirrou a partir da década de 2010, especialmente em temas como financiamento eleitoral, operações de combate à corrupção, políticas de saúde pública, orçamento secreto e controle de políticas ambientais. Diversas decisões monocráticas — como as que suspenderam nomeações ministeriais (ADPF 402), interromperam políticas de desinformação durante a pandemia (ADIs 6586/6587) ou determinaram medidas cautelares para assegurar o funcionamento das instituições — tornaram o STF um ator central na arena política, intensificando críticas sobre “ativismo judicial” ou “intervenção excessiva”.

Contudo, a doutrina constitucional contemporânea rejeita a premissa de que limitar o instrumento monocrático seja sinônimo de fortalecimento democrático. Autores como Lenio Streck, Elival da Silva Ramos e Clèmerson Merlin Clève destacam que as decisões individuais exercem função técnica e constitucionalmente legítima, especialmente em contextos de urgência e risco de lesão irreparável à ordem constitucional. Para esses autores, o problema não está na existência da decisão monocrática, mas em seu uso inadequado ou abusivo — hipótese que deve ser enfrentada por meio de mecanismos internos de correção, como maior previsibilidade, observância de precedentes, incremento da colegialidade e racionalização procedimental.

O debate contemporâneo também ressalta que o Brasil adota um modelo de controle de constitucionalidade que combina celeridade e eficácia preventiva, razão pela qual medidas cautelares e decisões individuais foram incorporadas ao desenho institucional do Tribunal. Assim, reformas constitucionais que pretendem impor limites rígidos ou eliminar tais instrumentos podem, na prática, produzir um enfraquecimento sistêmico do controle de constitucionalidade, criando lacunas decisórias que favorecem violações de direitos fundamentais ou a consolidação de práticas governamentais inconstitucionais.

Em síntese, embora os argumentos políticos enfatizem a necessidade de maior colegialidade e previsibilidade, a doutrina majoritária alerta que a restrição estrutural de instrumentos decisórios indispensáveis ao STF pode criar riscos constitucionais relevantes, interferindo na separação dos Poderes e comprometendo a capacidade de proteção imediata da Constituição de 1988.

1.2 A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS E CAUTELARES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

As decisões monocráticas e cautelares desempenham papel essencial na arquitetura do controle de constitucionalidade brasileiro. Embora frequentemente criticadas como instrumentos de concentração excessiva de poder nas mãos de um único ministro, sua função institucional é mais complexa e está diretamente vinculada à proteção imediata da Constituição e à tutela urgente de direitos fundamentais. A compreensão adequada desse mecanismo exige, portanto, uma análise de sua origem normativa, de sua fundamentação doutrinária e de sua consolidação jurisprudencial.

Do ponto de vista normativo, as decisões monocráticas têm previsão histórica no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cuja força normativa foi reconhecida pelo próprio texto constitucional (art. 96, I, “a”). Desde a década de 1980, esse instrumento vem sendo utilizado em situações excepcionais, caracterizadas por urgência, risco de dano irreparável ou necessidade de aplicação imediata de precedentes consolidados. Em matéria de controle concentrado, tais decisões permitem evitar que atos estatais inconstitucionais produzam efeitos irreversíveis enquanto o Plenário não se reúne para decidir de forma colegiada.

A doutrina constitucional reconhece, de maneira ampla, a legitimidade desses instrumentos. Para Luís Roberto Barroso, as cautelares e as decisões monocráticas não são um “poder discricionário isolado”, mas sim parte de um “sistema de proteção preventiva da ordem constitucional”, assegurando tempestividade e efetividade ao controle jurisdicional. Já Ingo Sarlet e Daniel Sarmento ressaltam que, em matéria de direitos fundamentais, a demora da atuação colegiada pode implicar comprometimento irreversível do bem jurídico tutelado, razão pela qual a intervenção monocrática deve ser concebida como mecanismo de garantia, e não de exceção arbitrária.

Na jurisprudência do STF, o papel estratégico das decisões monocráticas é reiteradamente afirmado. Em ADI 4.439-DF, por exemplo, a medida liminar individual evitou a imposição de restrições à liberdade religiosa que poderiam produzir efeitos imediatos antes da análise do Plenário.

Outro exemplo expressivo é o julgamento conjunto do chamado “orçamento secreto” (ADPF 850 e correlatas), no qual a decisão monocrática inicial suspendeu práticas administrativas que, se mantidas, comprometeriam a transparência orçamentária e a moralidade administrativa. O Plenário confirmou posteriormente a medida, demonstrando que a atuação urgente e individual de um ministro pode ser indispensável para resguardar valores estruturantes da ordem constitucional.

Além da proteção de direitos, tais decisões cumprem função de preservação da própria institucionalidade democrática. Em situações de crise — como na pandemia da Covid-19 — medidas cautelares monocráticas, como as proferidas nas ADIs 6.586 e 6.587, permitiram assegurar competências federativas de estados e municípios e evitar omissões administrativas gravemente lesivas à saúde pública. Esse tipo de intervenção confirma que o controle constitucional não pode depender exclusivamente do ritmo de deliberação colegiada, que por vezes é incompatível com a urgência da realidade fática.

A literatura internacional reforça esse entendimento. Segundo Tom Ginsburg e Aziz Huq, sistemas constitucionais complexos exigem instrumentos que permitam respostas rápidas a ameaças graves e imediatas às instituições democráticas. No modelo brasileiro — marcado por uma Constituição analítica, por frequente judicialização da política e por ciclos recorrentes de crise institucional — tais instrumentos não constituem anomalia, mas elemento estruturante do desenho institucional.

Portanto, as decisões monocráticas e cautelares não são um privilégio individual, mas uma ferramenta constitucional de proteção preventiva, ancorada em fundamentos normativos sólidos, na teoria dos freios e contrapesos e na jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal. A limitação rígida desses mecanismos, como propõem diversas PECs, comprometeria a capacidade do Tribunal de impedir danos imediatos e irreversíveis à ordem constitucional, afetando diretamente a efetividade do controle de constitucionalidade e a tutela dos direitos fundamentais.

1.3 AS PRINCIPAIS PECs E SEUS IMPACTOS INSTITUCIONAIS

As Propostas de Emenda à Constituição que pretendem limitar decisões monocráticas, restringir medidas cautelares ou alterar competências estruturais do Supremo Tribunal Federal constituem o núcleo do recente movimento de reformulação do papel do Judiciário no sistema político brasileiro. Embora apresentem justificativas semelhantes — fortalecimento da colegialidade, aumento da segurança jurídica e reequilíbrio entre os Poderes — tais iniciativas variam significativamente quanto ao alcance das restrições impostas e quanto ao potencial de impacto sobre a independência judicial e a efetividade da jurisdição constitucional.

A seguir, analisa-se cada proposta, considerando-se sua redação, sua justificativa político-institucional e suas possíveis consequências para o modelo de controle de constitucionalidade brasileiro.

1.3.1 PEC 8/2021: restrição às decisões monocráticas e condicionamento ao colegiado

A PEC 8/2021 é a proposta mais conhecida e debatida desse conjunto. Seu texto determina que ministros do STF não poderão, individualmente, suspender a eficácia de leis, atos normativos ou políticas públicas, salvo em situação de “grave e urgente risco de dano irreparável”. Além disso, impõe prazo reduzido para que a decisão cautelar seja submetida ao Plenário. Os impactos institucionais dessa proposta são significativos e representam riscos à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em primeiro lugar, há uma redução da capacidade de tutela urgente de direitos fundamentais. A exigência de submissão imediata da decisão monocrática ao colegiado pode inviabilizar medidas que demandam resposta instantânea em temas sensíveis de política pública, como saúde, educação, segurança e meio ambiente.

Ademais, a limitação da atuação individual pode levar ao potencial esvaziamento do controle preventivo da constitucionalidade. Isso ocorre porque a proposta atinge diretamente a dimensão preventiva da jurisdição constitucional, a qual é essencial para impedir a consolidação de lesões irreparáveis ao texto constitucional.

Outro ponto é a interferência na autonomia organizacional do STF. A proposta implica ingerência legislativa sobre matéria interna corporis, o que contraria precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal (como a ADI 3.367 e a ADI 4.048), que vedam a imposição externa de regras que esvaziem competências essenciais do Tribunal.

Por fim, há um risco de “paralisia cautelar”. Em contextos de crise, como o vivenciado durante a pandemia de COVID-19, a impossibilidade de uma atuação monocrática imediata teria comprometido medidas essenciais à proteção da vida e da saúde pública.

1.3.2 PEC 16/2019: quórum qualificado para medidas cautelares no controle concentrado

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/2019 busca reformular a concessão de medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade. Para tanto, propõe a exigência de quórum qualificado — tipicamente, dois terços dos ministros — e a imposição de prazos exíguos para o julgamento final da matéria. Essa rigidez processual gera riscos institucionais notáveis.

Primeiramente, ela provoca uma alteração estrutural no modelo de controle abstrato: o sistema brasileiro foi concebido para permitir intervenções rápidas e eficazes; contudo, a exigência de um quórum tão elevado pode tornar o mecanismo lento e, em última análise, potencialmente inoperante. Adicionalmente, isso aumenta o risco de manutenção de atos inconstitucionais, visto que a demora na formação do quórum qualificado, em cenários de urgência, permite que atos normativos incompatíveis com a Constituição produzam efeitos danosos antes que o colegiado possa deliberar.

Ademais, a proposta causa uma retração na função contramajoritária do STF, pois tende a favorecer maiorias políticas circunstanciais, dificultando que o Tribunal exerça seu papel essencial de contenção de abusos dos Poderes Legislativo e Executivo. Por fim, a medida é vista como uma violação da proporcionalidade, pois substitui a possibilidade de ajustes internos do Tribunal por uma rigidez procedimental imposta externamente, comprometendo diretamente a efetividade da jurisdição constitucional.

1.3.3 PEC 35/2015 e PEC 51/2023: restrições amplas às competências e ao funcionamento do STF

As propostas em análise possuem caráter mais amplo e, por isso, apresentam potencial disruptivo significativamente maior. Entre as principais medidas previstas, destacam-se:
– a limitação ao controle concentrado de constitucionalidade;
– alterações nas regras de nomeação e no funcionamento do Tribunal;
– a criação de novas condicionantes para inclusão de temas em pauta;
– e restrições à concessão de liminares e medidas provisórias.

Essas mudanças acarretam impactos institucionais profundos. Em primeiro lugar, tendem a reconfigurar o próprio desenho constitucional do STF. Diferentemente da PEC 8/2021 e da PEC 16/2019, tais proposições interferem diretamente na estrutura, composição e auto-organização da Corte, afetando seu funcionamento de maneira sistêmica.

Há também o risco de esvaziamento do controle de constitucionalidade: ao limitar o controle concentrado, reduz-se a capacidade do Tribunal de avaliar, de forma eficaz, a compatibilidade das normas com a Constituição. Para a doutrina majoritária — como Clève, Sarlet, Ramos e Mendes — reformas que enfraqueçam competências essenciais do STF configuram violação à separação dos Poderes e, portanto, não podem ser objeto de emenda, por afrontarem cláusulas pétreas.

Nesse contexto, ganha relevância o fenômeno do “constitucionalismo abusivo”, descrito por David Landau, no qual reformas preservam a estrutura formal das instituições, mas enfraquecem suas funções de controle, promovendo uma erosão democrática silenciosa.

Por fim, as propostas ampliam a influência política sobre o Tribunal, ao estabelecer novos critérios de nomeação, prazos, pautas e procedimentos, abrindo espaço para uma ingerência mais direta dos Poderes Legislativo e Executivo no funcionamento do STF.

1.3.4 Síntese crítica das propostas

A análise das principais PECs revela um padrão: sob o argumento de fortalecer a colegialidade e a segurança jurídica, buscam-se mecanismos que, na prática, reduzem a autonomia decisória do STF e comprometem sua capacidade de atuação em cenários urgentes.

Embora algumas medidas contenham potencial de aprimoramento institucional, o conjunto das propostas levanta sérias preocupações constitucionais — especialmente no que se refere ao núcleo essencial da jurisdição constitucional, à separação dos Poderes e à função contramajoritária do Tribunal.

1.4 A JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL COMO LIMITE AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

A atuação do Poder Constituinte derivado reformador não é irrestrita. Ao contrário, encontra limites materiais explícitos no art. 60, § 4º, da Constituição Federal — sobretudo na proteção da separação dos Poderes — e limites implícitos decorrentes da própria lógica estruturante do constitucionalismo democrático. O Supremo Tribunal Federal, como guardião último da Constituição, tem desempenhado papel central na definição desses limites, construindo sólida jurisprudência que impede reformas capazes de esvaziar competências essenciais do Tribunal ou de comprometer o funcionamento equilibrado entre os Poderes.

Nesse contexto, a jurisprudência do STF cumpre dupla função: (i) protege o núcleo essencial da jurisdição constitucional e (ii) impede que o Poder Constituinte derivado, mediante emendas aparentemente formais, promova alterações que, na prática, desfigurem a estrutura de freios e contrapesos necessária ao Estado Democrático de Direito.

A análise dos principais precedentes revela a construção de um verdadeiro regime constitucional de proteção do Judiciário, segundo o qual reformas que atinjam a essência das competências do STF — como o controle de constitucionalidade, a concessão de medidas cautelares e o exercício autônomo de sua organização interna — são materialmente inconstitucionais.

1.4.1 ADI 939/RS: a proteção material das funções de cada Poder

No julgamento da ADI 939/RS, o STF consolidou um marco relevante ao afirmar que as cláusulas pétreas não resguardam apenas a existência formal dos Poderes, mas também a sua capacidade material de exercer, de maneira plena, as funções que a Constituição lhes atribui. O Tribunal destacou que a separação dos Poderes veda qualquer reforma constitucional que “modifique de tal modo o desenho institucional” a ponto de inviabilizar ou esvaziar competências essenciais.

Esse entendimento amplia significativamente o alcance da proteção conferida pelas cláusulas pétreas, ao reconhecer que a separação dos Poderes possui dimensão funcional, e não apenas estrutural. Dessa forma, não basta preservar a mera configuração institucional: é preciso garantir que cada Poder possa desempenhar efetivamente seu papel constitucional.

À luz dessa interpretação, qualquer proposta de emenda que afete o núcleo de atuação do STF deve ser analisada sob a perspectiva da proteção material do Poder Judiciário — e não apenas de sua manutenção formal no texto constitucional.

1.4.2 ADI 3.367/DF: vedação ao esvaziamento das competências constitucionais do STF

Na ADI 3.367/DF, o STF enfrentou diretamente o problema de tentativas legislativas de limitar ou condicionar competências essenciais do Tribunal. O voto condutor, do ministro Ayres Britto, consolidou a ideia de que o Poder Constituinte derivado não pode, sequer por emenda constitucional, esvaziar ou inutilizar instrumentos indispensáveis ao exercício da jurisdição constitucional.

O Tribunal afirmou que: certas competências são constitucionalmente indisponíveis;  o núcleo essencial do controle de constitucionalidade não pode ser comprimido; medidas que inviabilizem a atuação preventiva do STF violam a separação dos Poderes.

Este precedente é especialmente relevante no debate atual, pois diversas PECs pretendem justamente impor entraves procedimentais que, ainda que não eliminem formalmente competências do STF, reduzem sua eficácia prática — fenômeno que a Corte enquadrou como inconstitucional.

1.4.3 ADI 5.104/DF: o núcleo essencial da jurisdição constitucional

A ADI 5.104/DF reafirmou de modo robusto o entendimento de que a jurisdição constitucional possui um núcleo essencial intangível, que não pode ser suprimido, reduzido nem desfigurado. O STF enfatizou que o controle de constitucionalidade — tanto concentrado quanto difuso — constitui uma dimensão basilar da ordem constitucional brasileira, atuando como garantia institucional da supremacia da Constituição.

Nesse julgamento, o Tribunal reforçou que a proteção do núcleo essencial não é uma faculdade, mas uma imposição constitucional; que a atuação jurisdicional deve ser dotada de condições operacionais mínimas, dentre elas a possibilidade de conceder medidas urgentes; e que o Poder Constituinte derivado não pode criar “obstáculos normativos” que tornem inoperante a tutela constitucional.

Esse precedente consolida a ideia de que reformas que restrinjam decisões monocráticas, liminares ou instrumentos urgentes podem violar o núcleo essencial da jurisdição constitucional, mesmo quando redigidas sob o pretexto de aperfeiçoamento institucional.

1.4.4 Síntese doutrinária e jurisprudencial: os limites materiais às reformas

A partir da análise desses precedentes do STF, a doutrina consolidou a identificação de três limites principais que o Poder Constituinte derivado deve observar ao tratar de reformas que afetem o Poder Judiciário:

Em primeiro lugar, o Limite Estrutural estabelece que o STF não pode ter sua posição institucional diminuída ou subordinada a outro Poder da República. Em segundo lugar, o Limite Funcional exige que o Tribunal mantenha instrumentos suficientes para exercer sua missão de guarda da Constituição, o que necessariamente inclui a capacidade de proferir decisões monocráticas e cautelares. Por fim, o Limite Operacional veda a imposição de procedimentos que tornem inviável a atuação tempestiva do STF, sob pena de violar indiretamente as cláusulas pétreas.

Autores como Clèmerson Clève, Ingo Sarlet, Lênio Streck, Luís Roberto Barroso e Elival Ramos concordam que essas balizas impedem reformas que, embora aparentem neutralidade técnica, produzem o efeito prático de contenção política da jurisdição constitucional. Esse fenômeno é, inclusive, associado na literatura ao conceito de “constitucionalismo abusivo”.

1.4.5 Consequências práticas para a análise das PECs atuais

Diante da jurisprudência firmada, conclui-se que: propostas que limitem decisões monocráticas, imponham quórum qualificado para cautelares ou criem entraves procedimentais podem ser materialmente inconstitucionais; o Poder Constituinte derivado não pode “sufocar” o STF por meio de restrições que, cumulativamente, comprometam sua função contramajoritária; as PECs analisadas devem ser examinadas com extrema cautela, sob pena de configurar redução indevida das competências essenciais do Tribunal.

Assim, a jurisprudência constitucional não apenas baliza o debate contemporâneo, como impõe limites jurídicos concretos às iniciativas legislativas que pretendem redesenhar o papel do STF no arranjo institucional brasileiro.

1.5 RISCOS DEMOCRÁTICOS E INSTITUCIONAIS DAS PROPOSTAS DE LIMITAÇÃO

A análise das propostas de emenda constitucional que pretendem restringir decisões monocráticas, limitar medidas cautelares ou redesenhar competências do Supremo Tribunal Federal revela um conjunto expressivo de riscos democráticos e institucionais. Esses riscos não decorrem apenas de eventuais excessos pontuais, mas sobretudo do impacto cumulativo das restrições sobre a capacidade do Tribunal de exercer sua função contramajoritária e de proteger, de maneira tempestiva, a supremacia da Constituição.

1.5.1 Redução da capacidade de resposta a violações urgentes de direitos fundamentais

O primeiro e mais evidente risco é o comprometimento da tutela imediata dos direitos fundamentais. Decisões monocráticas e cautelares constituem instrumentos essenciais para impedir danos irreversíveis à ordem constitucional — como demonstram precedentes em matéria de saúde pública, liberdade religiosa, educação, regras eleitorais e acesso a políticas sociais.

Ao impor quóruns elevados, prazos rígidos ou condicionamentos procedimentais incompatíveis com a urgência das situações típicas do controle abstrato, as PECs analisadas podem tornar ineficaz o sistema de proteção preventiva da Constituição. Em contextos de crise, essa restrição tende a produzir vácuos de tutela, beneficiando justamente atos estatais de caráter abusivo ou práticas administrativas inconstitucionais.

1.5.2 Fragilização do controle de constitucionalidade

O controle concentrado — em especial a concessão de liminares — cumpre papel estratégico na preservação da supremacia constitucional. A dificuldade de atuação autônoma do ministro relator, ou a exigência de deliberação colegiada em prazo curto, compromete a efetividade desse mecanismo.

Como afirmado na ADI 3.367, a Constituição protege não apenas a existência do controle de constitucionalidade, mas também sua funcionalidade mínima. Quando reformas criam entraves que retardam ou inviabilizam a suspensão de atos normativos inconstitucionais, o resultado é a diluição prática da jurisdição constitucional, ainda que sua forma permaneça intacta.

1.5.3 Instrumentalização política do processo de reforma constitucional

Outro risco relevante refere-se à possível utilização do Poder Constituinte derivado como instrumento de retaliação política contra decisões judiciais impopulares ou contramajoritárias.

A literatura em direito constitucional comparado — especialmente Tom Ginsburg, Aziz Huq e David Landau — demonstra que reformas direcionadas a restringir capacidades institucionais de tribunais constitucionais surgem frequentemente em contextos de tensão entre Judiciário e maiorias parlamentares ou executivas. Nesses casos, propostas de alteração estrutural podem ser motivadas menos por preocupação institucional e mais por tentativas de reduzir o alcance de decisões desfavoráveis, comprometendo o papel do tribunal como instância de contenção do poder político.

1.5.4 Erosão gradual da independência judicial

O risco mais profundo e estrutural é o de erosão progressiva da independência judicial. Não se trata da intervenção direta, por parte dos demais Poderes, na atuação de magistrados, mas sim da adoção de medidas formais que, ao limitar instrumentos essenciais da jurisdição constitucional, tornam o tribunal menos capaz de atuar contra maiorias circunstanciais.

Esse processo ocorre de forma incremental e muitas vezes imperceptível — característica típica do constitucionalismo abusivo, em que reformas aparentemente neutras ou técnicas são utilizadas para reduzir, gradualmente, a capacidade de controle do Poder Judiciário.

Assim, ainda que nenhuma PEC, isoladamente, suprima competências constitucionais do STF, o efeito conjunto das restrições pode esvaziar a função contramajoritária do Tribunal, enfraquecer os freios e contrapesos e alterar o equilíbrio estrutural do Estado Democrático de Direito.

A partir dessa análise, torna-se evidente que as propostas de emenda constitucional destinadas a restringir decisões monocráticas e cautelares não podem ser avaliadas apenas sob o prisma procedimental ou administrativo. Seus impactos institucionais ultrapassam a discussão sobre a razoabilidade do uso desses instrumentos e alcançam a própria integridade do modelo constitucional brasileiro.

Por essa razão, o próximo capítulo examina de forma aprofundada a compatibilidade dessas iniciativas legislativas com a separação dos Poderes e com o núcleo essencial da jurisdição constitucional, delimitando os critérios teóricos e jurisprudenciais que orientam os limites materiais ao Poder Constituinte derivado e que condicionam a validade dessas reformas no Estado Democrático de Direito.

2 COMPATIBILIDADE COM A SEPARAÇÃO DOS PODERES E COM O NÚCLEO ESSENCIAL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

A avaliação da constitucionalidade das propostas de emenda que limitam decisões monocráticas, restringem medidas cautelares ou redesenham competências do Supremo Tribunal Federal exige um exame criterioso à luz de dois parâmetros estruturantes da Constituição de 1988:

  • a separação dos Poderes, reconhecida como cláusula pétrea; e
  • o núcleo essencial da jurisdição constitucional, que integra os limites materiais do poder reformador.

O presente capítulo busca analisar como tais propostas se relacionam com esses parâmetros, delimitando os critérios teórico-jurídicos que condicionam a validade das reformas no âmbito do Estado Democrático de Direito.

2.1 SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO CLÁUSULA PÉTREA

A separação dos Poderes, consagrada no art. 2º da Constituição e protegida materialmente pelo art. 60, §4º, III, não se esgota na mera existência formal de três Poderes constitucionalmente distintos. Conforme consolidado pela doutrina e pela jurisprudência do STF, trata-se de um princípio funcional, cujo objetivo central é garantir que cada Poder disponha de condições materiais e instrumentos mínimos para exercer adequadamente suas atribuições constitucionais.

2.1.1 Dimensão funcional e material da separação dos Poderes

Autores como Luís Roberto Barroso, Elival da Silva Ramos, Ingo Sarlet e Clèmerson Merlin Clève sustentam que a separação dos Poderes não protege apenas a estrutura estática do Estado, mas também a sua capacidade dinâmica de funcionamento.

Assim, mesmo que uma reforma não elimine formalmente o Supremo Tribunal Federal, poderá ser inconstitucional se: esvaziar parte essencial de suas competências; reduzir sua autonomia organizacional; impedir a atuação tempestiva na proteção da Constituição; criar obstáculos procedimentais que tornem inoperante a jurisdição constitucional.

Essa concepção é reforçada pela jurisprudência do STF, especialmente na ADI 939, em que o Tribunal reconheceu que cláusulas pétreas resguardam não apenas a existência nominal dos Poderes, mas sua força funcional.

2.1.2 Separação dos Poderes como parâmetro de controle de emendas constitucionais

Dessa forma, a separação dos Poderes opera como um critério de aferição da constitucionalidade das PECs que pretendem limitar competências do STF. Se a reforma impedir o Tribunal de desempenhar sua missão constitucional — atuar como guardião da Constituição (art. 102) — ela ultrapassa os limites materiais do Poder Constituinte derivado.

A lógica constitucional é clara: o Poder Constituinte derivado não pode desfigurar o desenho institucional estabelecido pelo Poder Constituinte originário.

Propostas que restringem de forma desproporcional decisões monocráticas ou cautelares devem, portanto, ser examinadas com especial rigor, pois podem atingir o cerne da função judicial em momentos de urgência constitucional.

2.2 NÚCLEO ESSENCIAL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL COMO LIMITE AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

A jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal possui um núcleo essencial que não pode ser suprimido, reduzido ou desfigurado por reformas constitucionais. Esse núcleo decorre diretamente da supremacia da Constituição e da função atribuída ao STF como seu guardião último (art. 102 da CF). Embora a Constituição permita ao Poder Constituinte derivado promover ajustes institucionais, tais reformas não podem comprometer a capacidade mínima do Tribunal de proteger a ordem constitucional, sob pena de violação das cláusulas pétreas.

2.2.1 Conceito e fundamento do núcleo essencial da jurisdição constitucional

A doutrina contemporânea — especialmente Clèmerson Merlin Clève, Ingo Sarlet, Daniel Sarmento e Luís Roberto Barroso — aponta que o núcleo essencial corresponde ao conjunto de poderes, instrumentos e garantias indispensáveis para que a Corte Constitucional exerça sua missão. Entre eles estão: o controle de constitucionalidade (difuso e concentrado); a concessão de medidas cautelares para evitar danos irreversíveis; a apreciação de casos urgentes mediante decisões monocráticas; a autonomia organizacional e procedimental; a independência funcional dos ministros; a possibilidade de atuar como poder contramajoritário eficaz.

Sem esses elementos, o STF deixaria de ser uma instância de controle e passaria a atuar de forma meramente simbólica, incapaz de responder tempestivamente a violações constitucionais graves.

2.2.2 Reconhecimento jurisprudencial do núcleo essencial

A jurisprudência do próprio STF consolidou o entendimento de que existe um núcleo intangível da jurisdição constitucional. Destacam-se três precedentes estruturantes: ADI 939/RS – assentou que cláusulas pétreas protegem não apenas a forma, mas a capacidade de atuação de cada Poder.

ADI 3.367/DF – vedou reformas que esvaziem competências essenciais do STF, reconhecendo limites materiais ao Poder Constituinte derivado.

ADI 5.104/DF – afirmou expressamente que o núcleo essencial da jurisdição constitucional não pode ser restringido, mesmo por emenda constitucional.

Essas decisões confirmam que o STF reconhece a si próprio como instituição constitucionalmente blindada contra reformas que reduzam sua atuação a uma função meramente decorativa.

2.2.3 A centralidade das decisões cautelares e monocráticas no núcleo essencial

As decisões cautelares e monocráticas não constituem privilégios individuais, mas sim ferramentas que integram a essência da jurisdição constitucional. Elas são indispensáveis para: impedir que atos inconstitucionais produzam efeitos irreversíveis; evitar danos progressivos a direitos fundamentais; assegurar a autoridade da Constituição em contextos de urgência; garantir a proteção preventiva da ordem constitucional.

Retirar esse poder do STF, ou submetê-lo a dificuldades procedimentais insuperáveis, equivale a retirar a capacidade do Tribunal de agir exatamente quando mais é necessário — o que a doutrina chama de “colapso funcional” da jurisdição constitucional.

2.2.4 Núcleo essencial como limite às PECs que restringem competências

Diante disso, propostas que: proíbem decisões monocráticas em praticamente todas as situações; condicionam cautelares a quóruns elevados; impedem o relator de agir em casos de urgência; impõem prazos incompatíveis com a realidade da Corte; restringem a auto-organização do Tribunal; violam diretamente o núcleo essencial da jurisdição constitucional.

Não se trata de mera discussão sobre eficiência administrativa, mas de preservação da própria arquitetura institucional do Estado Constitucional, conforme reiterado nos julgados acima e defendido pela doutrina majoritária.

2.3 COMPATIBILIDADE DAS PECs COM OS LIMITES DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DO NÚCLEO ESSENCIAL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCONAL

A partir dos parâmetros teóricos e jurisprudenciais delineados — separação dos Poderes como cláusula pétrea e núcleo essencial da jurisdição constitucional — é possível avaliar, de forma sistemática, a compatibilidade das propostas de emenda constitucional analisadas com a ordem constitucional brasileira. O exame demonstra que, embora revestidas de aparente neutralidade procedimental, as PECs que restringem decisões monocráticas, condicionam cautelares a quóruns qualificados ou impõem limitações à dinâmica interna do STF apresentam elevado potencial de inconstitucionalidade material.

2.3.1 Incompatibilidade com a separação dos Poderes

As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) analisadas comprometem a separação dos Poderes por duas razões estruturais fundamentais. A primeira reside no fato de que elas interferem diretamente na organização interna e no funcionamento do Supremo Tribunal Federal, o que configura uma violação da autonomia administrativa e jurisdicional constitucionalmente assegurada. A segunda razão é que essas propostas reduzem a capacidade institucional do Tribunal de exercer suas funções essenciais, especialmente no controle de constitucionalidade e na proteção urgente de direitos fundamentais.

Nesse sentido, a doutrina majoritária — sustentada por autores como Clève, Sarlet, Streck e Ramos — defende que a separação dos Poderes protege não apenas a existência formal dos órgãos, mas também o núcleo essencial de suas competências mínimas. Sem a garantia dessas competências, o arranjo de freios e contrapesos perde sua efetividade. Portanto, propostas que esvaziam a atuação do STF, ainda que de maneira indireta, são consideradas materialmente incompatíveis com a Constituição.

2.3.2 Violação do núcleo essencial da jurisdição constitucional

As PECs incidem diretamente sobre instrumentos que compõem o núcleo essencial da jurisdição constitucional: decisões monocráticas, cautelares urgentes, autonomia do relator e capacidade de atuação preventiva.

Ao retirar ou restringir esses instrumentos, as propostas: impedem o STF de atuar tempestivamente; dificultam o controle prévio de atos inconstitucionais; reduzem a proteção dos direitos fundamentais; tornam a jurisdição constitucional reativa, e não preventiva.

Essa restrição viola frontalmente o entendimento reafirmado nas ADIs 939, 3.367 e 5.104, segundo o qual o Poder Constituinte derivado não pode fragilizar o funcionamento essencial da Corte.

2.3.3 Problemas de proporcionalidade e razoabilidade

Ainda que se admita algum grau de reforma, as PECs não satisfazem os critérios constitucionais de adequação, pois as medidas propostas não solucionam os supostos problemas que afirmam enfrentar, como os alegados “excessos monocráticos”; tampouco atendem ao requisito da necessidade, já que existem alternativas menos restritivas, a exemplo de ajustes regimentais internos; e, por fim, não superam o teste de proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que o sacrifício imposto à proteção constitucional é significativamente maior do que o benefício institucional que se pretende justificar.

Assim, as PECs apresentam vícios materiais que comprometem sua validade constitucional.

2.4 TENSÕES ESTRUTURAIS E O RISCO DE CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO

A análise das propostas de emenda constitucional insere-se em um debate mais amplo sobre os riscos contemporâneos à estabilidade das democracias constitucionais. O fenômeno é amplamente discutido por autores como Tom Ginsburg, Aziz Huq, David Landau e Rosalind Dixon, que identificam um padrão comum nos processos de erosão democrática ao redor do mundo: reformas institucionais que, embora formalmente legítimas, são utilizadas para limitar a atuação de tribunais constitucionais e reduzir mecanismos de controle do poder político.

2.4.1 Reformas como mecanismos de limitação do poder judicial

Em diversos países, práticas de constitucionalismo abusivo envolveram: restrições a liminares e poderes cautelares de tribunais; imposição de quóruns qualificados para decisões urgentes; aumento da dependência desses tribunais em relação ao Legislativo ou ao Executivo; alterações regimentais que tornaram impossível a atuação preventiva.

As propostas analisadas se inserem nessa mesma lógica, especialmente ao condicionarem a atuação do STF a procedimentos que inviabilizam sua capacidade de resposta.

2.4.2 O risco da erosão incremental

Um dos aspectos mais preocupantes das PECs é seu caráter incremental, isto é, cada alteração isolada parece pequena, mas o efeito cumulativo conduz à: redução progressiva da independência judicial; diminuição da eficácia do controle de constitucionalidade; subordinação indireta do STF a maiorias políticas circunstanciais.

Essa erosão lenta e contínua é justamente o cenário mais perigoso, pois não ocorre por ruptura institucional, mas por reformas graduais que enfraquecem o Tribunal por dentro.

2.4.3 A importância da proteção preventiva da Constituição

O modelo constitucional brasileiro foi estruturado para permitir que o STF atue de forma preventiva e urgente, sobretudo por meio de decisões monocráticas e cautelares. Limitar esses instrumentos significa, na prática, alterar o próprio modelo de fiscalização da constitucionalidade estabelecido em 1988, deslocando o Brasil para um arranjo menos protetivo e mais vulnerável a abusos de poder.

Autores como Huq e Ginsburg alertam que a eliminação de instrumentos preventivos transforma o controle de constitucionalidade em um mecanismo tardio e ineficaz — quando os danos já se concretizaram ou se tornaram irreversíveis.

A partir dessa análise, torna-se evidente que a constitucionalidade das propostas de reforma não pode ser aferida apenas com base em critérios formais. É necessário compreender seus efeitos sistêmicos, sua interação com a separação dos Poderes e seu impacto sobre a preservação do núcleo essencial da jurisdição constitucional.

Nesse contexto, o item 3 aprofunda os resultados da análise crítica, avaliando os riscos e as potencialidades das reformas e apresentando as conclusões sobre o futuro da democracia constitucional brasileira diante das propostas que pretendem restringir a atuação do STF.

3 RESULTADOS DA ANÁLISE CRÍTICA: RISCOS E POTENCIALIDADES

O conjunto das propostas de emenda constitucional examinadas revela um cenário complexo e ambivalente. De um lado, há sinais de risco institucional, especialmente quando as reformas restringem instrumentos essenciais da jurisdição constitucional; de outro, observa-se que algumas iniciativas podem, se bem calibradas, contribuir para o aperfeiçoamento do Supremo Tribunal Federal, ampliando colegialidade e previsibilidade decisória. A análise crítica demonstra, portanto, que o efeito das propostas não é intrinsecamente positivo ou negativo: depende do desenho normativo, da proporcionalidade das restrições e da preservação do núcleo essencial das competências do Tribunal.

3.1 RISCOS À INDEPENDÊNCIA JUDICIAL

A imposição de limites rígidos às decisões monocráticas e às medidas cautelares implica risco direto à independência funcional dos ministros do STF. Como demonstra a jurisprudência constitucional (ADI 939, ADI 3.367 e ADI 5.104), a separação dos poderes protege não apenas a existência formal de cada Poder, mas também a capacidade de exercer plenamente suas funções.

Ao restringir instrumentos que permitem respostas imediatas a violações graves — como liminares em ações diretas — o Poder Constituinte derivado pode interferir na autonomia do Judiciário, conduzindo a: subordinação prática do STF ao Legislativo, que passa a controlar as condições de exercício da jurisdição constitucional; redução da margem de atuação individual de ministros, afetando o equilíbrio interno do Tribunal; condicionamento político do processo decisório, especialmente em casos de elevada sensibilidade institucional.

Autores como Daniel Sarmento e Luís Roberto Barroso alertam que reformas dessa natureza podem caracterizar mecanismos de “pressão institucional” sobre a Corte, reduzindo sua capacidade de atuar com independência diante de maiorias momentâneas.

3.2 IMPACTOS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

As limitações às decisões urgentes também repercutem diretamente sobre a efetividade da proteção dos direitos fundamentais. A jurisdição constitucional brasileira foi estruturada para oferecer tutela imediata em cenários de ameaça ou violação grave, sobretudo em políticas públicas que produzem danos progressivos.

Propostas que condicionam a concessão de medidas cautelares ou eliminam hipóteses de decisão monocrática podem resultar em: perecimento de direitos antes da apreciação colegiada; manutenção temporária de atos inconstitucionais, com efeitos potencialmente irreversíveis; desproteção de grupos vulneráveis, que dependem do STF para frear abusos governamentais; desigualdade de acesso à justiça constitucional, já que apenas lesões lentas ou formais permanecem plenamente tuteláveis.

A literatura de proteção constitucional (Clèmerson Clève, Ingo Sarlet, Ana Paula de Barcellos) indica que a preservação de instrumentos cautelares é indispensável para garantir a eficácia dos direitos fundamentais em sua dimensão preventiva.

3.3 POTENCIALIDADES DE APERFEIÇOAMENTO

Apesar dos riscos, as propostas não são monoliticamente negativas. Algumas apresentam potencial de aperfeiçoamento institucional, sobretudo quando voltadas a reforçar a colegialidade, contribuindo para a legitimidade democrática das decisões; a aumentar a transparência do processo decisório, reduzindo personalismos; a uniformizar entendimentos, evitando divergências excessivas entre ministros; e a estabelecer prazos razoáveis para a ratificação colegiada de decisões liminares.

Se desenhadas de forma proporcional e em respeito ao núcleo essencial da jurisdição constitucional, tais medidas podem promover ajustes legítimos. A literatura comparada sobre desenho institucional — especialmente a obra de Roberto Gargarella — sustenta que reformas constitucionais de caráter incremental, desde que preservem as competências essenciais das cortes, podem contribuir para o aprimoramento do funcionamento e da legitimidade dos tribunais constitucionais.

3.4 ENTRE APRIMORAMENTO E EROSÃO: O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO

O impacto das propostas depende, em última análise, da fronteira entre ajustes institucionais legítimos e reformas que configurem erosão constitucional. Conforme defendem Tom Ginsburg, Aziz Huq e David Landau, muitas erosões democráticas contemporâneas ocorrem por meio de reformas formalmente válidas, mas que reduzem gradualmente a capacidade de controle dos tribunais constitucionais — fenômeno conhecido como constitucionalismo abusivo.

Nesse contexto, o Brasil enfrenta o desafio de distinguir entre:

a) Reformas que fortalecem instituições ampliam colegialidade; tornam decisões mais transparentes; reforçam a legitimidade pública do STF; aprimoram procedimentos sem comprometer competências essenciais.

b) Reformas que fragilizam instituições, reduzem instrumentos de atuação jurisdicional; condicionam a tutela imediata; criam entraves ao controle de constitucionalidade; minam a independência funcional dos ministros.

A análise realizada indica que as PECs avaliadas contêm elementos de ambos os tipos. Assim, sua compatibilidade constitucional dependerá de escolhas normativas específicas, da proporcionalidade das restrições e da capacidade do legislador de preservar o núcleo essencial da jurisdição constitucional — conforme exigido pela cláusula pétrea da separação dos poderes.

CONCLUSÃO

          A análise desenvolvida ao longo deste trabalho demonstrou que as propostas de emenda constitucional que pretendem limitar decisões monocráticas, restringir medidas cautelares e redesenhar competências do Supremo Tribunal Federal situam-se no centro de uma disputa institucional mais ampla sobre o papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito. Embora apresentadas como iniciativas voltadas ao fortalecimento da colegialidade, ao incremento da segurança jurídica e ao reequilíbrio entre os Poderes, tais propostas revelam efeitos ambíguos e demandam exame criterioso sob a perspectiva constitucional.

O estudo evidenciou que decisões monocráticas e cautelares cumprem função indispensável no desenho da jurisdição constitucional brasileira, especialmente para assegurar a tutela urgente de direitos fundamentais e impedir a consolidação de atos estatais incompatíveis com a Constituição. A jurisprudência consolidada do STF confirma que tais instrumentos constituem parte essencial da estrutura decisória prevista pelo constituinte originário, razão pela qual sua supressão ou limitação desproporcional pode afetar diretamente a independência judicial.

Do ponto de vista jurídico-constitucional, verificou-se que a separação dos poderes — enquanto cláusula pétrea — impõe limites materiais ao exercício do Poder Constituinte derivado, vedando reformas que esvaziem competências essenciais do STF ou dificultem, em grau excessivo, o exercício da jurisdição constitucional. Assim, propostas que condicionam a concessão de medidas cautelares a quóruns qualificados, submetem decisões urgentes a exigências formais rígidas ou reduzem significativamente as hipóteses de atuação monocrática apresentam elevado risco de inconstitucionalidade.

Por outro lado, a pesquisa identificou que determinadas iniciativas, quando cuidadosamente desenhadas, podem contribuir para o aperfeiçoamento institucional. Reformas destinadas a reforçar a colegialidade, aumentar a transparência, uniformizar procedimentos e garantir maior previsibilidade no processo decisório têm potencial para aprimorar a governança judicial sem comprometer sua autonomia. O desafio está em distinguir ajustes legítimos de mecanismos de erosão institucional, especialmente em contextos de tensão entre Poderes.

A literatura internacional sobre constitucionalismo abusivo (Landau, Dixon, Ginsburg, Huq) reforça que processos de degradação democrática frequentemente se desenvolvem por meio de alterações graduais, formalmente válidas, mas que reduzem a capacidade de resistência das instituições de controle. Nesse sentido, o Brasil não está imune às tendências globais de pressão política sobre tribunais constitucionais, o que torna ainda mais necessária a vigilância sobre reformas que alteram a arquitetura constitucional do STF.

Em conclusão, as propostas analisadas apresentam riscos e potencialidades: podem tanto fortalecer a legitimidade democrática das decisões judiciais quanto desencadear processos de fragilização institucional. O parâmetro decisivo reside na preservação do núcleo essencial da jurisdição constitucional e na garantia de que o STF continue apto a exercer, com independência e eficácia, seu papel de guardião da Constituição. Reformas que respeitem esses limites podem contribuir para um ambiente institucional mais estável e previsível; reformas que os ultrapassem, ao contrário, representam ameaça à própria estrutura do Estado Democrático de Direito.

Assim, conclui-se que o debate público sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal deve ser orientado por critérios jurídicos consistentes, e não por reações conjunturais a decisões específicas. Qualquer alteração constitucional que incida sobre o Tribunal precisa ser construída com responsabilidade institucional, compromisso democrático e observância rigorosa dos limites impostos pela separação dos poderes. Apenas assim será possível conciliar o aperfeiçoamento do sistema de justiça com a preservação das garantias fundamentais que sustentam a ordem constitucional brasileira.

REFERÊNCIAS

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BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023.

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GARGARELLA,  Roberto.  La  sala  de  máquinas  de  la  Constitución.  Dos  siglos  de constitucionalismo en América Latina (1810-2010). Buenos Aires, 2010

GINSBURG, Tom; HUQ, Aziz Z. How to save a Constitutional Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2018.

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[1] Aluna do Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Ceres-Campus de Caicó-RN.

[2] Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).