ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UM OLHAR SOB A ÓTICA DOS DESAFIOS E SUA APLICAÇÃO FRENTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UM OLHAR SOB A ÓTICA DOS DESAFIOS E SUA APLICAÇÃO FRENTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

24 de novembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

NON-PROSECUTION AGREEMENT: A LOOK FROM THE PERSPECTIVE OF CHALLENGES AND ITS APPLICATION IN THE FACE OF THE FEDERAL CONSTITUTION

Artigo submetido em 19 de novembro de 2025
Artigo aprovado em 24 de novembro de 2025
Artigo publicado em 24 de novembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Thiago Rodrigo Assumpção de Abreu [1]
João Baradi Neto [2]

RESUMO: O ordenamento jurídico brasileiro passou por grande transformação com o Pacote Anticrime, inovando no contexto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) que representou uma mudança significativa no cenário jurídico brasileiro, introduzindo uma nova abordagem para a resolução de casos criminais. No entanto, essa medida levanta preocupações sobre sua conformidade com os princípios constitucionais e os direitos individuais garantidos pela Carta Magna. A possibilidade de celebrar um acordo entre o Ministério Público e o acusado, com benefícios em troca de confissão de culpa, gera debates sobre a legalidade, presunção de inocência e devido processo legal. Utilizando uma metodologia baseada em pesquisas exploratórias e descritivas, examinando artigos científicos e literatura especializada, onde pretende-se mapear a forma de compreender o negócio do direito penal, visando identificar quais preceitos constitucionais basilares estão sendo violados. Este estudo intenta investigar a fundamentação jurídica do ANPP à luz dos princípios constitucionais, analisando posicionamentos doutrinários, argumentos a favor e contra o instituto. Além disso, o trabalho busca discutir a constitucionalidade do ANPP em relação aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. O objetivo geral é contribuir para o debate e aprimoramento do sistema de justiça penal brasileiro, considerando aspectos jurídicos, sociais e políticos relacionados a benesse.

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal. ANPP. Negócios Jurídicos. Inconstitucionalidade. Princípios.

ABSTRACT: The Brazilian legal system underwent a major transformation with the Anti-Crime Package, innovating in the context of the Criminal Non-Prosecution Agreement (ANPP) which represented a significant change in the Brazilian legal scenario, introducing a new approach to resolving criminal cases. However, this measure raises concerns about its compliance with constitutional principles and individual rights guaranteed by the Magna Carta. The possibility of entering into an agreement between the Public Prosecutor’s Office and the accused, with benefits in exchange for a guilty plea, generates debates about legality, presumption of innocence and due legal process. Using a methodology based on exploratory and descriptive research, examining scientific articles and specialized literature, which aims to map the way of understanding the business of criminal law, aiming to identify which basic constitutional precepts are being violated. This study attempts to investigate the legal basis of the ANPP in light of constitutional principles, analyzing doctrinal positions and arguments for and against the institute. Furthermore, the work seeks to discuss the constitutionality of the ANPP in relation to the fundamental rights provided for in the Federal Constitution. The general objective is to contribute to the debate and improvement of the Brazilian criminal justice system, considering legal, social and political aspects related to charity.

Keywords: Non-Criminal Prosecution Agreement. ANPP. Legal Business. Unconstitutionality. Principles.

1 INTRODUÇÃO

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019, apresenta-se como uma alternativa promissora para a resolução de conflitos criminais, visando a celeridade e eficiência na administração da justiça. No entanto, sua implementação não se dá sem levantar importantes questionamentos, especialmente no que diz respeito à sua conformidade com os preceitos constitucionais.

O cerne da discussão em torno do ANPP reside na possível inconstitucionalidade de suas disposições e na sua compatibilidade com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. A celebração de um acordo entre o Ministério Público e o investigado ou acusado, com a concessão de benefícios em troca da confissão de culpa e do cumprimento de determinadas condições, suscita preocupações quanto ao respeito aos direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal.

Diante desse contexto, torna-se imperativo investigar os fundamentos jurídicos do ANPP à luz dos princípios constitucionais, a fim de avaliar sua conformidade com o arcabouço normativo brasileiro. Questões relacionadas à legalidade, presunção de inocência, ampla defesa e devido processo legal emergem como elementos centrais neste debate, exigindo uma análise criteriosa e aprofundada.

Esta pesquisa justifica-se por torna-se evidente a relevância como intuito principal abordar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) introduzido no sistema jurídico nacional, pois, teve como objetivo estabelecer uma alternativa para os acusados, com a finalidade de evitar os procedimentos judiciais relacionados a infrações de menor relevância, conforme preconizado pela Lei nº 9.099/95. Enquanto a transação penal e a suspensão condicional do processo dispensam formalidades, o acordo persecutório requer uma confissão detalhada e minuciosa por parte do investigado.

Diante do contexto surge o seguinte questionamento: O dispositivo presente no artigo 28-A do Código de Processo Penal revela uma inconstitucionalidade material ao estabelecer requisitos que confrontam diretamente a Constituição de 1988, especialmente ao exigir a confissão do investigado o seia apenas uma utopia?

A presente pesquisa propõe-se a explorar as controvérsias e desafios que envolvem o ANPP sob a perspectiva da inconstitucionalidade, buscando identificar possíveis conflitos entre suas disposições e os princípios basilares do Direito Constitucional. Por meio de uma abordagem crítica e interdisciplinar, pretende-se examinar posicionamentos doutrinários e argumentos apresentados tanto a favor quanto contra o instituto, visando fornecer subsídios para o debate e para o aprimoramento do sistema de justiça penal brasileiro.

O objetivo geral é contribuir para o debate e aprimoramento do sistema de justiça penal brasileiro, considerando aspectos jurídicos, sociais e políticos relacionados a benesse, com o intuito de fomentar uma reflexão mais ampla sobre os limites e a legitimidade ou não deste mecanismo no contexto constitucional brasileiro. E como objetivos específicos: Analisar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e sua aplicabilidade; examinar posicionamentos doutrinários e argumentos apresentados tanto a favor quanto contra o instituto; identificar possíveis conflitos entre suas disposições e os princípios basilares do Direito Constitucional.

A metodologia de pesquisa escolhida foi a dedutiva, e, também, empírica, uma vez que aprofundarei a discussão realizando análise de entendimentos doutrinários, jurisprudenciais e dados concretos, referentes ao tema abordado.

2 O CONCEITO E DEFINIÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um acordo pré-processual celebrado entre o Ministério Público e o indivíduo sob investigação, com o apoio de seu advogado, no qual o indivíduo admite detalhadamente a prática do crime e aceita as condições propostas pelo Ministério Público, em troca da não apresentação de uma denúncia formal.

Este acordo é um pacto legal entre o Ministério Público e o indiciado, com o auxílio de seu defensor, visando evitar o processo judicial, substituindo-o por condições estipuladas no acordo (cláusulas), posteriormente homologado pelo juiz competente, no caso, a princípio, pelo juiz de garantias (Art. 3º- B, inciso XVII, do Código de Processo Penal) (CABRAL, 2023).

Após o cumprimento integral das condições estabelecidas, o juiz decretará a extinção de punibilidade (Art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal). Vale ressaltar que, caso haja descumprimento de tal medida o acordo poderá ser reincidido.

De acordo com Cabral (2023):

Dentro da parte processual ou procedimental, as implicações são as seguintes: i) o Ministério Público pode apresentar uma denúncia (CPP, art. 28-A, § 11); ii) também pode usar o não cumprimento do ANPP como motivo para não oferecer a suspensão condicional do processo (CPP, art. 28-A, § 11); iii) o Ministério Público pode usar a confissão detalhada feita pelo investigado para celebrar o acordo de não persecução penal como fonte de informação, para corroborar provas (CPP, art. 155) e como elemento de contraste em relação a outros depoimentos e seu interrogatório (CABRAL, 2023, p. 51).

Em síntese, a nova medida representa uma alternativa viável para a resolução de conflitos penais de forma consensual, visando agilizar o processo legal e evitar custos e desgastes para ambas as partes envolvidas. Contudo, sua eficácia depende do fiel cumprimento das condições estabelecidas, pois o descumprimento pode acarretar sérias consequências para o investigado.

2.1 Origens e evolução legislativa do ANPP no ordenamento jurídico brasileiro

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é uma inovação recente no sistema jurídico brasileiro, sendo resultado de mudanças legislativas significativas.

No Brasil, o ANPP foi estabelecido pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, que passou a vigorar em janeiro de 2020.

Essa legislação trouxe diversas modificações ao Código de Processo Penal e ao Código Penal, incluindo a introdução do ANPP como uma alternativa para a resolução de conflitos penais de forma consensual. Antes da implementação do ANPP, a regulamentação se fazia presente no artigo 18 da Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) (FERREIRA, 2023).

Com objetivo principal é promover a celeridade e a eficiência na administração da justiça criminal, permitindo que o Ministério Público e o investigado cheguem a um acordo sobre a resolução do caso, evitando assim a realização de um processo judicial completo.

Mesmo que o Brasil mantenha a tradição do Civil Law, vem gradualmente incorporando certos preceitos do sistema Commow Law, notadamente a assimilação da sofisticada estrutura do Plea Bargain americano. No âmbito do Commow Law, a admissão de culpa por parte do acusado resulta, automaticamente, na imputação de sua responsabilidade, ao passo que, no sistema Civil Law, tal confissão detém meramente caráter probatório, devendo ser submetida à escrutínio minucioso da legislação, da doutrina e da jurisprudência (FERREIRA, 2023).

Conforme Fontes (2019):

“Em um escrutínio sumário desse paradigma adotado pelo estado brasileiro, emergem como pilares fundamentais a primazia dos códigos legais e da Constituição Federal, orientados a conferir maior proteção à coletividade, sob a égide de um ordenamento jurídico estritamente codificado, ao passo que a independência judiciária se consolida por intermédio da separação dos poderes. Entretanto, o Plea Bargain estadunidense destaca-se como uma forma de pacto entre a promotoria e o acusado, mediante o qual este último, ao reconhecer sua culpabilidade, obtém benefícios da parte acusadora, visando a mitigar os custos processuais e a reduzir a quantidade de litígios nos tribunais” (FONTES, 2019, p. 21).

Embora este Acordo seja uma novidade no Brasil, o conceito de acordos extrajudiciais em matéria penal não é exclusivo do país. Em outros sistemas jurídicos ao redor do mundo, como nos Estados Unidos, são comuns e têm sido utilizados há décadas como forma de solução consensual de casos criminais.

2.1.1 Uma breve comparação com sistemas de justiças de outros países

Apesar de constituir uma figura jurídica peculiar ao sistema de justiça brasileiro, sistemas análogos são encontrados em diversas jurisdições internacionais, embora sob denominações distintas e com nuances próprias em seus procedimentos e aplicabilidade. Tais variações espelham as idiossincrasias de cada ordenamento jurídico e contexto cultural.

Segundo Alexandre e Morais (2021):

Nos Estados Unidos, o “plea bargaining” emerge como uma prática disseminada que faculta aos réus confessarem-se culpados em troca de redução de pena ou outros benefícios concedidos pelo Ministério Público. Convergindo com o ANPP, o plea bargaining é amplamente utilizado para descongestionar os tribunais e agilizar o desenrolar processual (ALEXANDRE; MORAIS, 2021, p. 22).

Entretanto, é alvo de críticas por seu potencial coactivo sobre os réus, especialmente aqueles desprovidos de recursos, os quais enfrentam a perspectiva de sanções mais severas caso optem por um julgamento.

De acordo com Cardoso (2020, p. 18) “Na Alemanha, os programas de desvio (diversion programs) oferecem uma alternativa ao sistema penal convencional para determinadas categorias de delitos, particularmente para infratores primários ou ofensas de baixa magnitude.”

Distintamente do ANPP, tais programas frequentemente enfatizam a reabilitação, mediante medidas como educação, terapia ou trabalho comunitário, objetivando reintegrar o infrator à sociedade e mitigar a estigmatização associada ao processo criminal.

Segundo Correia, (2020, p. 34) “O mais conhecido é o sistema Absprachen que oferece a oportunidade para o réu negociar uma sentença mais suave em troca de uma confissão, embora esse processo seja formal e sujeito à aprovação do tribunal.”

De acordo com Da Rosa, (2019):

Na Itália, o Patto di patteggiamento permite que o réu e a promotoria cheguem a um acordo sobre a pena, também sujeito à aprovação judicial. No Reino Unido, a opção simplificada Guilty Plea permite que os réus se declarem culpados em troca de uma pena mais leve, frequentemente no início do processo judicial.

Na França, o Comparution surreconnaissance préalable de culpabilité, ou plaider coupable, possibilita que o acusado admita sua culpa e obtenha uma pena reduzida, especialmente em casos menos graves.

Na Espanha, o conceito é conhecido como Conformidad, onde promotoria e defesa podem chegar a um acordo sobre a pena, submetida posteriormente à aprovação do juiz (DA ROSA, p. 2019).

Essas comparações ressaltam as distintas abordagens adotadas pelos sistemas de justiça em todo o mundo para lidar com problemáticas análogas às enfrentadas pelo ANPP no Brasil. Cada sistema reflete as particularidades da legislação, cultura e tradições jurídicas de sua respectiva nação.

2.2 Objetivos, vantagens e desvantagens da benesse na justiça criminal

Conforme já dito, o ANPP tem como objetivo a celeridade processual e trazer uma nova Justiça Consensual.

Diante do exposto, é notório na atualidade uma nova abordagem em relação ao crime, uma nova compreensão ou até mesmo trazer uma flexibilização para com os métodos de resolução na aplicação em si da pena.

Com isso, a Resolução nº 2002/12 da ONU trata sobre Princípios fundamentais para a implementação de programas de Justiça Restaurativa em assuntos criminais, segundo a normativa possibilita aos ofensores uma profunda reflexão sobre as raízes e implicações de suas ações, assumindo responsabilidade de maneira genuína. Ao mesmo tempo, proporcionando uma oportunidade singular para que as vítimas alcancem reparação, se fortaleçam e consigam transcender a adversidade (PEREIRA, 2020).

Segundo Correia, (2020, p. 37) “Ademais, oferece à comunidade uma compreensão mais ampla das causas subjacentes ao crime, fomentando o bem-estar coletivo e, por conseguinte, contribuindo para a prevenção da criminalidade.”

De acordo com Lima (2020, p. 37)  “Nesse contexto, destaca-se a Justiça Restaurativa como um recurso fundamental do “instituto despenalizador”, essencial para lidar com condutas criminalizadas.”

Essa abordagem idealiza o crime como uma transgressão dos princípios sociais e das relações interpessoais envolvidas nos eventos, buscando compreender os motivos e as circunstâncias que levaram o indivíduo a cometer o delito, com foco prioritário na vítima.

Ao considerar as vantagens da benesse, torna-se evidente uma forte necessidade de acelerar os processos judiciais para aliviar o sistema judiciário do grande volume de demandas. No entanto, essa abordagem pode dificultar a realização da verdadeira finalidade do Instituto como fonte de uma Justiça Restaurativa.

Desafogar o Poder Judiciário deve ser uma decorrência natural, aliada ao objetivo primordial de aprimorar a sociedade de maneira genuína, refletindo uma importância autêntica para a população. Visar exclusivamente números como indicadores de eficiência ou acelerar a fase inquiritorial para evitar o procedimento judicial tradicional como forma de economizar recursos, conflita diretamente com o verdadeiro propósito da Justiça Restaurativa (FERREIRA, 2023).

2.3 Dos tipos de crimes passíveis do benefício

Conforme a legislação, o acordo pode ser oferecido para crimes que não envolvam violência ou ameaça grave e tenham uma pena mínima inferior a 4 (quatro) anos. Diante disso, é importante compreender quais são esses delitos que se enquadram nessas condições e que podem ser objeto de negociação entre o Ministério Público e o investigado (FONTES, 2019).

Dentre os exemplos de crimes passíveis de ANPP, podemos citar o furto, o estelionato, o dano simples, a apropriação indébita, além de crimes contra a honra, como calúnia, difamação ou injúria, e o desacato. Também se incluem nessa lista crimes ambientais de menor potencial ofensivo, bem como casos de falsidade ideológica, entre outros.

No entanto, é crucial ressaltar que a aplicação precisa dessas benesses pode variar conforme as circunstâncias específicas de cada caso e a interpretação da lei pelo sistema judicial. Cada situação deve ser analisada individualmente, levando em consideração todos os elementos presentes no processo, para que se possa determinar a viabilidade e a adequação da aplicação do ANPP.

3 ANÁLISE DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA BENESSE

Com a recente inclusão do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), emergiram diversas discussões acerca da sua consonância com os princípios constitucionais basilares insculpidos na Carta Magna brasileira. Nesse contexto, torna-se premente uma análise acurada sobre a congruência do ANPP com tais preceitos (DE BRITO, 2020).

Iniciando nossa análise, convém abordar o Princípio da Igualdade, erigido no art. 5º da Constituição Federal, o qual consagra a premissa da igualdade de todos perante a lei, sem qualquer distinção de ordem hierárquica, social ou econômica. Nesse sentido, torna-se imperioso assegurar que o ANPP seja ofertado de forma equânime a todos os sujeitos envolvidos, sem qualquer tipo de discriminação ou tratamento diferenciado.

O Princípio do Devido Processo Legal, amparado pelo Art. 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988, estabelece que ninguém poderá ser privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal, garantindo-lhe, assim, a plenitude de defesa e a oportunidade de contraditar as alegações imputadas. No âmbito do ANPP, surge a indagação acerca da presença dos requisitos indispensáveis para a sua efetivação, uma vez que o acusado é facultado a evitar o escrutínio do processo judicial mediante o cumprimento de determinadas condições pré-estabelecidas (FERREIRA, 2023).

Adentrando ao princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, previsto no Art. 5º, LV, da Carta Magna, observamos que aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos inerentes a ela.

No contexto do ANPP, desponta uma controvérsia quanto à sua conciliação com tais preceitos, haja vista que o réu se depara com a imposição de confessar o delito como requisito para a celebração do acordo, o que, em tese, poderia vulnerar o seu direito de se defender contra as acusações.

Segundo Nucci (2020, p. 22) “destaca que a admissão de culpa no processo penal implica no reconhecimento da responsabilidade por parte do suspeito ou acusado de um crime.” Essa aceitação deve ocorrer de maneira consciente, voluntária e pessoal, diante da autoridade competente. Essa declaração é formalizada por meio de um procedimento público e solene, sendo oficialmente registrada, o que valida a confissão do delito cometido.

Nesse mesmo diapasão, à análise crítica de Lima,  (2020, p. 25), “esmiúça a essência da matéria, assentada no cerne da culpa judaico-cristã.”

Nesse contexto paradigmático, Lima (2020):

impõe- se ao réu a onerosa tarefa de se auto imolar diante do tribunal da consciência, mediante a confissão e contrição, almejando a indulgência divina e, por conseguinte, a mitigação das agruras punitivas (inclusivamente em consonância com as prerrogativas de atenuação da sanção, consoante o estipulado no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do vetusto Código Penal) (LIMA, 2020, p. 33).

Ademais, a inconfidência do inculpado oportuniza ao magistrado a cômoda trilha da castidade judicativa, permitindo, desse modo, a inculpação do tormento por meio da sentença, sem que o julgador se veja fustigado pelos açoites do remorso, uma vez que o réprobo, em ato de rara sapiência, expiou suas transgressões perante a balança da Justiça.

Essas são algumas das inquietações constitucionais que permeiam o debate acerca da constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal, instigando análises e reflexões acerca da sua conformidade com os pilares fundamentais do ordenamento jurídico pátrio.

3.1 Dos argumentos favoráveis à constitucionalidade

Quando nos aprofundamos na análise dos Argumentos Favoráveis à Constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), destacam-se alguns elementos que merecem particular atenção, a saber: a celeridade processual e a economicidade processual.

De acordo com Queijo, (2021, p. 65) “No que concerne à celeridade processual, alude-se à possibilidade de celebração do Acordo entre o Ministério Público e o acusado sem a necessidade de instauração de um processo judicial formal.”

Em outras palavras, a instituição do ANPP apresenta potencial para mitigar a burocracia inerente ao sistema judiciário, promovendo a agilização do trâmite processual penal.

Ademais, o Acordo de Não Persecução Penal se revela como instrumento de economicidade processual, uma vez que acarreta custos substancialmente inferiores quando comparado a um processo judicial convencional. Tal economia é evidenciada pela diminuição de despesas processuais, eliminação ou redução da necessidade de perícias, bem como pela minimização dos gastos decorrentes da manutenção do réu durante o período de prisão preventiva ou o cumprimento da pena (SCHIETTI; MONTEIRO, 2024).

Não obstante, não pode-se ignorar a possível vantagem que o ANPP pode conferir ao réu, uma vez que este tem a oportunidade de evitar o enfrentamento de um processo judicial exaustivo ao celebrar o acordo e se comprometer a cumprir as condições pactuadas. Dessa forma, o acusado é poupado do ônus de ser submetido a um julgamento e de ser eventualmente sentenciado.

3.2 Das Críticas e questionamentos à constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)

Segundo Queijo, (2021, p. 55) “Uma das principais preocupações suscitadas reside na possibilidade do acordo infringir princípios constitucionais basilares, notadamente o da igualdade perante a lei.”

Argumenta-se que sua implementação poderia propiciar disparidades de tratamento entre os investigados e acusados, acarretando potenciais discriminações fundamentadas em critérios como posição socioeconômica, raça ou influências políticas.

Ademais, indagações surgem quanto à salvaguarda do devido processo legal no âmbito do ANPP. A contenda orbita em torno da garantia de um julgamento justo e imparcial para todos os envolvidos. Críticos sustentam que, em determinadas circunstâncias, os direitos dos investigados ou acusados poderiam restar prejudicados durante as tratativas do acordo, suscitando questionamentos acerca da legitimidade do procedimento.

Outro ponto de crítica recorrente diz respeito ao princípio do contraditório e ampla defesa. O ANPP poderia, em tese, restringir a capacidade dos investigados ou acusados de impugnar as acusações que pesam sobre eles ou de participar ativamente das negociações do pacto. Tal cenário acarreta inquietações acerca da equidade processual e da justiça do desfecho alcançado.

Segundo Cabral (2021, p. 23), “a confissão, quando desvinculada de qualquer coação que impacte a liberdade e a volição do investigado, não caracteriza violação ao direito do mesmo de permanecer em silêncio.”

Na mesma linha de entendimento Renato Brasileiro de Lima, conforme citado por Cruz e Monteiro (2024, p.13), o artigo 28-A do Código de Processo Penal ostenta plena constitucionalidade no que concerne à sua exigência de confissão:

“[…] tal declaração voluntária representa uma contribuição essencial por parte do investigado para o desenrolar das investigações criminais e, potencialmente, para o subsequente processo penal (em caso de descumprimento das estipulações contratuais). Contudo, é imprescindível que o investigado seja formalmente notificado sobre o seu direito de abster-se de produzir prova contra si mesmo, e que não sofra qualquer forma de coerção para firmar o acordo. Dessa maneira, não parece haver qualquer incongruência entre esta primeira obrigação imposta ao investigado, conforme delineado no artigo 28-A, e o direito ao silêncio consagrado no artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal” (MARINHO, 2021, p.13).

Diante dessas ponderações críticas, impõe-se uma análise minuciosa e meticulosa acerca da constitucionalidade do negócio jurídico. Torna-se imprescindível assegurar que o acordo esteja em consonância com os preceitos constitucionais e que respeite os direitos fundamentais dos envolvidos, garantindo, assim, a promoção da justiça e da equidade no âmbito do sistema de justiça criminal.

3.3 Confissão como Pressuposto para o Acordo Não Persecutório

O dispositivo presente no caput do art. 28-A do Código de Processo Penal brasileiro estabelece requisitos fundamentais para a celebração do acordo de não persecução penal. Entre esses requisitos, destaca-se a necessidade de que o investigado realize uma confissão de forma formal e minuciosa perante o Ministério Público durante as negociações do acordo.

Essa confissão, requisito indispensável para a obtenção da benesse, não se limita a uma mera admissão genérica do delito; ao contrário, deve ser detalhada e precisa. O investigado deve fornecer informações completas sobre todas as circunstâncias relevantes ao crime, incluindo a participação de eventuais coautores ou cúmplices, a modalidade de execução do delito, dentre outros aspectos relevantes (LOPES JUNIOR, 2019).

Somente ao apresentar uma confissão circunstanciada e formal, o investigado estará apto a firmar o acordo com o Ministério Público, conforme estabelecido de maneira expressa no artigo, observa-se:

“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

  1. – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
  2. – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
  3. – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
  4. – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
  5. – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada” (BRASIL, 1941).

O estudo desse capítulo se dedica à análise dos princípios da não autoincriminação e da presunção de inocência, à luz do sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Destaca-se a confissão como meio de prova obtido no acordo de não persecução penal e utilizado para o processo penal em caso de violação deste acordo. Por fim, examina-se o caráter consensual da resposta estatal na realização do ANPP e possíveis violações às garantias constitucionais mencionadas.

3.3.1 Significado de Confissão Formal, Circunstanciado e Qualificada

Segundo De Brito (2020, p. 12) “A confissão formal, circunstanciada e qualificada, em contexto de celebração do ANPP (Acordo de Não Persecução Penal), representa uma declaração detalhada e oficial prestada pelo investigado diante do Ministério Público durante as tratativas do acordo.”

“Quando mencionamos confissão formal, estamos nos referindo à sua natureza jurídica reconhecida e realizada conforme os procedimentos legais estabelecidos. Já a caracterização como circunstanciada indica que a confissão deve abordar todos os elementos relevantes do crime, incluindo detalhes sobre como, quando e por que o delito ocorreu, bem como a participação de outros indivíduos e quaisquer outros aspectos pertinentes” (DE BRITO, 2020, p. 12).

Por fim, a designação de qualificada ressalta a necessidade de uma confissão específica e precisa, fornecendo informações completas e detalhadas sobre o crime em questão, possibilitando uma análise abrangente da conduta do investigado. Esses requisitos visam garantir que a confissão seja suficientemente robusta para embasar as negociações do acordo, contribuindo para uma resolução consensual do caso dentro dos parâmetros legais estabelecidos.

3.3.2 A ilegitimidade do uso da confissão como meio de prova

Segundo Da Rosa, (2020, p. 33) “Conforme a lógica epistêmica do processo, a confissão desempenha um papel como meio de prova, objetivando corroborar a hipótese acusatória dentro de um sistema legal de provas, sob o crivo do contraditório.”

 Entretanto, devido ao seu caráter extraprocessual, a confissão realizada nas tratativas do acordo não pode ser empregada como meio de prova, ferindo a presunção de inocência e não sendo admitida sequer como indício de autoria.

Por outro lado, alguns estudiosos defendem que a confissão visa alterar a mentalidade do compromissado. Contudo, o ANPP é um acordo não judicial no qual não se avalia a culpa ou se examina o mérito dos fatos. A possibilidade de o beneficiado refletir sobre o delito que cometeu não justifica a violação de preceitos constitucionais. Além disso, não se pode afirmar que a confissão impede que inocentes celebrem o acordo, uma vez que os indícios mínimos de autoria já deveriam estar presentes desde o início da persecução penal (MARINHO, 2021).

De acordo Pereira e Parise, (2020):

lançam luz sobre a confissão como um elemento crucial no cenário judiciário, capaz de suavizar a rigidez das penas impostas. Todavia, a aplicação contemporânea da benesse parece lançar uma sombra sobre a verdadeira natureza desse ato. Embora o sistema acusatório reconheça a confissão apenas como atenuante, tendo aplicabilidade ponderada em relação às demais provas colhidas, o ANPP resgata a ideia de que essa espécie probatória é hierarquicamente superior às demais, por se tornar suficiente para embasar uma condenação criminal (PEREIRA; PARISE, p. 13-14).

Por conseguinte, a exigência de confissão não possui qualquer finalidade além de prejudicar o acusado, configurando uma tentativa ilícita de favorecer o Ministério Público em uma eventual ação penal.

Betta (2020, p. 45) “sugere inequivocamente a persistência de vestígios do antiquado modelo inquisitório.” Tal indagação possivelmente encontra respaldo na lamentável persistência de práticas arcaicas, ainda enraizadas em alguns setores de nossos poderes legislativo e executivo.

Essas práticas são diametralmente opostas ao paradigma acusatório e ao devido processo penal em um Estado Democrático de Direito, onde o suspeito ou acusado deve ser tratado com presunção de inocência e não compelido a confessar sob coação, mas sim permitido a confrontar as acusações e se defender de forma justa e equitativa (BETTA, 2020, p. 45).

Em relação à ausência de voluntariedade, a confissão obtida como requisito para a celebração revela-se viciada devido à falta de espontaneidade. Embora não constitua um constrangimento equiparável à tortura, a imposição legal da confissão como critério para o acordo equivale a uma forma de coação, tornando ilusória a ideia de voluntariedade.

De acordo co Alexandre, (2021, p. 66) “A existência de voluntariedade é questionável quando a confissão é uma exigência; o indivíduo não confessa por vontade própria, mas por necessidade.” Embora o § 4º do art. 28-A do Código de Processo Penal exija voluntariedade, essa condição é ilusória, pois o beneficiário é compelido a confessar para receber a proposta.

Considera-se o exemplo de um usuário de entorpecentes preso em flagrante e autuado por tráfico privilegiado, uma situação comum no judiciário brasileiro. O suspeito se depara com duas opções: enfrentar todo o processo penal como traficante, correndo o risco de condenação, ou confessar o tráfico para evitar antecedentes criminais, ainda que isso signifique uma confissão em seu desfavor.

Além disso, não há igualdade entre as partes na negociação. Em muitos casos, as cláusulas e condições do acordo são estabelecidas unilateralmente pelo Ministério Público, que detém toda a vantagem negocial devido aos critérios subjetivos e à exigência de confissão. Diante dessa assimetria, o acusado se sente inclinado a aceitar as demandas da acusação para evitar um inquérito criminal e uma possível condenação.

Portanto, em relação ao direito ao silêncio, não deve haver margem para barganha. O acusado não pode ser compelido pela lei a confessar para garantir um direito. Por mandamento constitucional, o investigado não deve sofrer qualquer prejuízo por não confessar algo que lhe seja prejudicial do ponto de vista criminal. A confissão deve sempre ser uma escolha, jamais uma imposição.

4 À AFRONTA AO PRINCÍPIO NEMU TENETUR SE DETEGERE

No Brasil, após o regime ditatorial militar, o país passou por um processo de redemocratização que culminou na promulgação da Carta Magna de 1988. A emergente ordem jurídica visava à erradicação completa dos abusos do regime anterior e à implementação de mecanismos preventivos para evitar a reincidência das violações aos direitos humanos que haviam sido perpetradas até então (MELLO, 2019).

Os doutrinadores proponentes da exigência de confissão formal e circunstancial como condição ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) sustentam diversas razões. Primeiramente, argumentam que isso pode motivar os envolvidos a honrarem o acordo. Em segundo lugar, afirmam que, como o oferecimento do acordo não persecutório é proibido nos casos de arquivamento, a confissão auxiliaria na avaliação da existência de justa causa, ou seja, na presença de indícios mínimos de autoria e materialidade (MARINHO, 2021).

 Por fim, defendem que a confissão circunstancial pode revelar situações em que o confessor busca o acordo para evitar investigações ou processos penais contra o verdadeiro autor do delito.

Segundo Marinho, (2021, p. 54) “No entanto, à luz do princípio da prevalência dos direitos humanos, tais argumentos são questionáveis.

Os princípios do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo) e da presunção de inocência são fundamentais para a humanização do processo penal e não devem ser desconsiderados sob qualquer circunstância (MELLO, 2019).

A exigência de confissão cria uma presunção de culpa e viola a presunção de inocência, comprometendo garantias fundamentais em favor de uma suposta vantagem para o Ministério Público.

De acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal, que requer a produção de provas em contraditório judicial, a confissão como requisito para o acordo é apenas um indício de autoria, com constitucionalidade e validade questionáveis. Não possui valor probatório processual, como previsto anteriormente nas resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (PEREIRA; PARISE, 2020).

Exigir a confissão, mesmo como mero indício de autoria, é inaceitável, pois cria uma presunção de culpabilidade. Não se deve permitir sob nenhuma circunstância a imposição da confissão, mesmo que ela não seja utilizada em processo judicial, como no caso da confissão em inquérito policial. Assim como o interrogatório, a confissão não deve ser considerada um dever; deve ser um ato voluntário, livre de coerção ou ameaça.

De acordo com Nucci (2020, p. 44) “argumenta que não é válido obrigar o suspeito ou acusado a confessar um crime para possibilitar a celebração do ANPP.” Esse acordo pode ser alcançado sem a necessidade de confissão formal, desde que o suspeito tenha confessado detalhadamente a prática do crime, sem coerção grave. Exigir a confissão formal para depois determinar penas alternativas e outras condições viola o direito à imunidade contra a autoincriminação.

Torna-se manifesta a premente discussão acerca da imposição da confissão formal como requisito primordial para a celebração do acordo jurídico, que suscita não apenas inquietações de ordem ética, mas também de natureza jurídica.

Embora alguns defendam que tal imposição propicie a eficácia do negócio e a clareza dos acontecimentos, há fundadas preocupações quanto à sua consonância com os princípios basilares do ordenamento jurídico.

É relevante ressaltar que o sistema acusatório adotado no Brasil determina que, após o início do processo penal e o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, o depoimento do acusado se constitua como o derradeiro ato da instrução processual. Esta premissa fundamental ressalta a importância da voluntariedade da confissão, evitando-se qualquer forma de coerção ou pressão sobre o indivíduo envolvido (SCHIETTI CRUZ; MONTEIRO, 2024).

4.1 Afronta a Normativas Federais, Constitucionais e Internacionais

A exigência de admissão culpabilística como requisito ao ajuste de não persecução penal, delineada no caput do art. 28-A do Código de Processo Penal, afronta de modo frontal preceitos normativos federais, constitucionais e internacionais, salvaguardadores dos direitos humanos. O parágrafo singular do art. 186 do mencionado codex atesta que o indivíduo suspeito ou acusado não deve sofrer detrimento por exercer seu direito à reserva (BRASIL, 1941).

Por outra ótica, o art. 5°, inciso LV, da Magna Carta de 1988, consagra o direito à defesa plena; o inciso LVII garante que ninguém será reputado culpado até o esgotamento das instâncias recursais, e o inciso LXIII confere ao indiciado ou réu o direito de guardar silêncio, sem que tal postura prejudique sua defesa.

Acrescenta-se que o art. 8º, inciso II, alínea “g” da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e o art. 14, inciso III, alínea “g” do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos consagram claramente a inviolabilidade do princípio nemo tenetur se detegere, vedando a coação para a autoincriminação (MARINHO, 2021).

4.2 Desafios para a celebração do negócio jurídico

Conforme Lopes Junior  (2019, p. 81) “A concretização do contrato enfrenta uma miríade de obstáculos práticos que podem comprometer sua efetividade e consonância com os preceitos legais.

“Dentre tais desafios, destaca-se a ameaça de coerção, erguendo-se como uma preocupação central, pois subsiste o perigo de que os investigados ou acusados se sintam compelidos a aceitar às condições, ora estabelecidas, em virtude de sua vulnerabilidade, seja por falta de recursos para suportar os ônus de um procedimento judicial, seja pelo temor das consequências advindas de um julgamento” (LOPES JUNIOR, 2019, p. 81).

Ademais, a disparidade de tratamento emerge como uma questão crítica, tendo em vista que pode haver discrepância na forma como o ANPP é oferecido e aplicado a distintos sujeitos, a depender de variáveis como status socioeconômico, raça, gênero ou influências políticas, o que pode suscitar uma percepção de injustiça e desigualdade no seio do sistema de justiça criminal.

Segundo Nucci, (2018, p. 31) “Outros desafios incluem a ausência de transparência e fiscalização, o risco de impunidade, a aferição da proporcionalidade das condições do ANPP e a salvaguarda dos direitos dos investigados ou acusados.”

Para mitigar tais desafios, impera a necessidade de fomentar a transparência, equidade e accountability na aplicação do acordo, assegurando uma supervisão adequada e um controle judiciário eficaz para coibir abusos e garantir o respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mencionado acordo ao ser introduzido no sistema jurídico nacional, teve como objetivo estabelecer uma alternativa para os acusados, com a finalidade de evitar os procedimentos judiciais relacionados a infrações de menor relevância, conforme preconizado pela Lei nº 9.099/95. Enquanto a transação penal e a suspensão condicional do processo dispensam formalidades, o acordo persecutório requer uma confissão detalhada e minuciosa por parte do investigado.

Entretanto, é de suma importância salientar que essa necessidade de confissão no âmbito da benesse levanta questionamentos quanto à sua constitucionalidade e compatibilidade com os princípios fundamentais do direito penal. Além de potencialmente violar o princípio da não autoincriminação, essa imposição pode transgredir os direitos à ampla defesa, ao devido processo legal e à presunção de inocência, afetando negativamente a dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, o dispositivo presente no artigo 28-A do Código de Processo Penal revela uma inconstitucionalidade material ao estabelecer requisitos que confrontam diretamente a Constituição de 1988, especialmente ao exigir a confissão do investigado. Portanto, torna-se imperativo que o ANPP adote os parâmetros delineados pela Lei nº 9.099/95, eliminando a necessidade de confissão para a proposta ministerial, a fim de resolver as controvérsias decorrentes dessa inconstitucionalidade. Uma declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 28-A se mostra essencial para alinhar o ANPP aos princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico penal.

Em resumo, este tipo de acordo emerge como uma ferramenta relevante para a eficácia do sistema penal brasileiro, proporcionando uma alternativa ágil e restaurativa para a resolução de litígios penais de menor gravidade. No entanto, sua aplicação deve ser conduzida com cautela e respeito aos preceitos constitucionais, garantindo os direitos e garantias dos investigados.

No contexto processual, a confissão desempenha o papel de um meio de prova – visa corroborar a acusação dentro do sistema legal de provas, sujeito ao contraditório. Todavia, a confissão realizada nas tratativas do ANPP, por ser extraprocessual, não pode ser admitida como meio de prova, e, ao violar a presunção de inocência, não deve ser considerada nem mesmo como indício de autoria. Ademais, argumentar que a confissão tem o propósito de modificar a mentalidade do suspeito ou acusado é questionável no âmbito do ANPP, pois este é um acordo extrajudicial no qual a culpa não é determinada e os fatos não são julgados. A simples possibilidade de o confitente refletir sobre o delito não justifica a violação de preceitos constitucionais.

Por fim, é impreterível reconhecer que a confissão não garante a exclusão de denunciados na celebração de acordos, contudo, é crucial ponderar sobre os efeitos adversos de uma autoincriminação desprovida ainda de contraditório e ampla defesa na obtenção de benefícios. Os indícios mínimos de autoria não podem ser fundamentados exclusivamente na confissão, devendo ser estabelecidos desde o início do processo penal. Dessa forma, evidencia-se que a exigência de confissão carece de propósito legítimo além de prejudicar o acusado, configurando-se como uma medida arbitrária para favorecer o Ministério Público em potenciais ações penais.

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[1] Acadêmico em Direito pela Faculdade São Lucas – Porto Velho, autor do presente artigo. Endereço eletrônico: thiagorodrigoabreu@gmail.com

[2] Professor de Direito pela Faculdade São Lucas – Porto Velho. Endereço eletrônico: baraldinetojoao@gmail.com