A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE SOBRE PAGAMENTOS A BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS E OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO

A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE SOBRE PAGAMENTOS A BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS E OS LIMITES CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO

10 de outubro de 2025 Off Por Cognitio Juris

THE INCIDENCE OF WITHHOLDING INCOME TAX ON PAYMENTS TO UNIDENTIFIED BENEFICIARIES AND THE CONSTITUTIONAL LIMITS OF TAXATION

Artigo submetido em 08 de outubro de 2025
Artigo aprovado em 10 de outubro de 2025
Artigo publicado em 10 de outubro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Murilo Marco[1]

Resumo: O presente artigo analisa a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre pagamentos efetuados a beneficiários não identificados, à luz dos princípios constitucionais que regem a tributação no ordenamento jurídico brasileiro. Parte-se da compreensão de que o sistema tributário nacional é integralmente fundado na Constituição Federal, que delimita competências, define princípios e estabelece limites objetivos para a imposição de tributos.  A norma do artigo 61 da Lei nº 8.981/1995, ao prever a tributação definitiva e majorada de 35% sobre pagamentos a beneficiários não identificados, visa garantir a arrecadação e coibir a evasão fiscal. Contudo, sua aplicação deve respeitar os princípios da legalidade, capacidade contributiva, irretroatividade, não confisco e segurança jurídica. Demonstra-se que, uma vez identificados os beneficiários dos rendimentos, desaparece o pressuposto fático que autoriza a incidência da norma, devendo o Fisco buscar a tributação direta dos efetivos destinatários.  A exigência de IRRF sobre beneficiários não identificados não pode subsistir quando há comprovação da causa e da titularidade dos rendimentos, sob pena de violação ao texto constitucional e ao equilíbrio do sistema tributário.

Palavras-chave: Imposto de Renda; Retenção na Fonte; Beneficiário não identificado; Capacidade contributiva; Segurança jurídica.

Abstract: This article analyzes the incidence of the Withholding Income Tax (IRRF) on payments made to unidentified beneficiaries, in light of the constitutional principles that govern taxation within the Brazilian legal system. It begins with the understanding that the national tax system is entirely grounded in the Federal Constitution, which allocates competencies, defines principles, and establishes objective limits for the imposition of taxes. Article 61 of Law No. 8,981/1995, by providing for a definitive and increased taxation rate of 35% on payments to unidentified beneficiaries, aims to ensure tax collection and prevent tax evasion. However, its application must respect the principles of legality, ability to pay, non-retroactivity, non-confiscation, and legal certainty. It is demonstrated that once the beneficiaries of the income are identified, the factual basis authorizing the application of the rule ceases to exist, and the tax authorities must then pursue the direct taxation of the actual recipients. The requirement of IRRF on unidentified beneficiaries cannot prevail when the cause and ownership of the income are proven, under penalty of violating the constitutional text and the balance of the tax system.

Keywords: Income Tax; Withholding Tax; Unidentified Beneficiary; Ability to Pay; Legal Certainty.

1. Introdução

O sistema tributário nacional é todo calcado no texto constitucional, que estabelece as competências de cada entre tributante, as regras gerais de tributação, os limites a serem observados dentre outros regramentos que juntos formarão o complexo sistema tributário.

Também ficou a cargo da Constituição Federal a determinação dos princípios orientadores do ordenamento jurídico, em especial os princípios orientadores do sistema tributário, tais como o da legalidade, da legalidade estrita, da irretroatividade, da anterioridade, da capacidade contributiva, dentre outros, cada um com seu relevo e aplicação.

Essencial mencionar que ao tomarmos o texto constitucional por fundamento e interpretá-lo de maneira sistemática com o código tributário nacional e as demais legislações aplicáveis, teremos a ideia unívoca de que a materialidade tributável pelo imposto sobre a renda é a riqueza nova, é a renda e os proventos auferidos em determinado espaço de tempo, em geral o período de anual.

Em razão da constante evolução da sociedade como um todo, a administração e a fiscalização da efetiva tributação da renda se revelaram deveras complexa, fato que demandou do legislador providências no sentido criar mecanismos que simplificassem a tributação, reduzem substancialmente a evasão fiscal e possibilitassem a ampla fiscalização pelo órgão federal. Dentre os vários mecanismos encontrados um dos mais aplicados é a implementação do imposto retido pela fonte pagadora.

Em termos práticos, atualmente a imensa maioria dos rendimentos pagos é objeto de retenção na fonte, seja nas relações mantidas entre pessoas jurídicas ou em pagamentos efetuados por pessoas jurídicas a pessoas físicas, de maneira que o destinatário dos recursos o receba em valores já líquidos do imposto sobre a renda, ou pelo de parte deste, cabendo a esse fazer o acerto de contas com o fisco, se necessário, ao final do ano-calendário.

De toda sorte, sem prejuízo da relevância dessa modalidade de apuração do imposto sobre a renda, não se pode perder de vista que a materialidade tributável pelo imposto deve restar assegurada, assim como as demais características inerentes a este, tais como a progressividade, o não confisco entre outros limites objetivos estabelecidos pelo constituinte.

A partir da criação do mecanismo de retenção do imposto sobre a renda por parte das fontes pagadoras, o legislador buscou estabelecer situações em que a tributação se dá de maneira definitiva, bem como se deparou com a necessidade de estabelecer a figura sui generis, que visa assegurar a garantia do recolhimento do imposto de renda devido quando o destinatário dos rendimentos pagos não é identificado. Nesse contexto, a Fazenda Nacional tem exigido da fonte pagadora o recolhimento do imposto sobre a renda que a rigor seria devido pelo destinatário do rendimento, essencialmente por não conseguir identificar com clareza quem o é e, por conseguinte, se tal destinatário ofereceu os recursos devidos à tributação.

Em situações como essa, o legislador estabeleceu a presunção de que não houve e não haverá a tributação devida em razão do rendimento recebido, estabelecendo nessa hipótese a obrigação calculada com alíquota majorada e com a conversão da tributação do rendimento em tributação definitiva.

Contudo, considerando a necessária interpretação sistemática do ornamento jurídico, mesmo em situações em que há o estabelecimento de uma presunção legal o texto constitucional não pode ser ignorado, sendo determinante que mesma nessas hipótese em que a exigência do imposto sobre a renda retido na fonte em razão de pagamentos efetuados a beneficiários não identificados, os princípios orientadores da tributação devem ser amplamente considerados, assim com as demais características inerentes ao imposto sobre a renda.

Em situações em que sobreveio a identificação do beneficiário do rendimento, há espaço legal para a aplicação dessa regra? A ideia será averiguar tal proposição a partir dos dispositivos constitucionais e legais.

2. Princípios constitucionais aplicáveis ao imposto de renda

O sistema tributário nacional é intensamente[2] fundado no texto constitucional, que delimita as competências tributárias dos entes tributantes, estabelece os limites a serem observados pelos legisladores ordinários que criarão as normas de incidência tributária.

O constituinte preocupou-se em estabelecer regras rígidas para o sistema, com a determinação dos limites materiais da regra tributária, como também previu as características de cada tributo, se serão cumulativos ou não, se serão seletivos, se serão progressivos, se demandam lei complementar para a sua edição.

A Constituição Federal traz em seus termos todos os elementos necessários para a estrutura do sistema tributário, inclusive os princípios que deverão nortear o sistema tributário e que são determinantes para elaboração das demais regras.

Acerca do conceito de princípios, Humberto Ávila[3] leciona que:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Os princípios não são regras exaustivas, mas sim comandos genéricos que dão a medida do que se deve observar na confecção das demais normas. São normas orientadoras das demais, cuja observância tende a garantir a coerência com o sistema normativo da qual a norma editada fará parte.

A esse respeito indispensável é a lição de Roque Antonio Carrazza[4] ao consignar que:

 “(…) princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.”

Como apontado, os princípios podem ser implícitos ou explícitos, mas sempre com a finalidade de inspirar e servir de arrimo para as demais normas do sistema. Os princípios acabam por revelar a lógica do sistema, a sua essencialidade, o que o constituinte originário não permitiu que se pudesse alterar, tal como as cláusulas pétreas.

A observância aos princípios é peremptória. Não comporta exceções. Sua vinculação é indiscutível. Nessa medida, dentre os princípios constitucionais podemos citar o da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, do não confisco.

Em relação ao imposto sobre a renda podemos acrescer ainda outros princípios, como o princípio da capacidade contributiva, da universalidade e do não confisco.

O apontamento desses princípios no texto constitucional tem por finalidade assegurar que determinados valores sejam considerados na confecção das Leis impositivas tributárias. É dizer, os princípios estabelecem se determinado tributo incidirá de maneira universal, se será cumulativo ou não cumulativo, se será seletivo, enfim as regras gerais estão estabelecidas, cabendo ao legislador ordinário o seu complemento e a supressão de eventuais lacunas.

Deveras, a ideia é que a imposição tributária, que a rigor expropria parte do patrimônio do particular em prol de abastecer os cofres públicos, viabilizando a vida em sociedade, respeite regras objetivas e que tragam segurança e previsibilidade para o sistema tributário.

Oportuna é a lição de Ricardo Lobo Torres, que consignou: “O tributo, por conseguinte, sendo embora o preço e a garantia da liberdade já nasce limitado pela própria autolimitação da liberdade.”.[5]

Nessa ordem de ideias, destacamos alguns princípios aplicáveis ao imposto sobre a renda e que por conseguinte devem ser considerados também nas hipóteses em que o legislador previu a retenção na fonte.

2.1.1 – O princípio da Legalidade

O princípio da legalidade tem previsão no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal. O seu comando é claro, pois estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Em matéria tributária impera ainda o princípio da legalidade estrita, que assim determina:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O princípio da legalidade é essencial em nações orientadas pelo Estado de Direito, pois assegura que todos estão submetidos às mesmas regras. A Lei é por essência a expressão máxima da vontade do povo, manifestada por meio daqueles que foram por ele escolhidos para tal finalidade. A garantia de que somente a Lei pode impor obrigações ou restringir direitos revela a segurança de que o Estado não agirá de maneira arbitrária, lhe impondo obrigações cuja Lei não previu. Nessa medida, à administração é devido observar a determinação legal, não podendo ir além, tampouco alterando os seus limites e mandamentos.

A segurança jurídica e o princípio da confiança são essenciais ao Estado Democrático. Se cada cidadão renuncia a parte dos seus direitos em prol da sociedade e confia ao Estado a administração desses direitos, é de rigor que as regras mínimas que objetivam assegurar garantias mínimas sejam observadas.

Novamente no escólio de Roque Antonio Carrazza[6] apreendemos que:

O princípio da legalidade garante, decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação. De fato, de pouco valeria a Constituição haver protegido a propriedade privada (arts. 5º, XXII, e 170, II) se inexistisse a garantia cabal e solene de que os tributos não seriam fixados ou alterados pelo Poder Executivo, mas só pela lei.

Em matéria tributária cabe consignar que o tributo deve necessariamente ser criado por Lei, com todos os elementos necessários à sua existência, tais como a sua hipótese de incidência, a sua alíquota, sua base de cálculo e os sujeitos implicados nessa relação. A sua criação deve se dar de maneira clara e objetiva, sem tergiversações conceituais.

Em arremate, temos que a observância ao princípio da legalidade traz segurança ao ordenamento jurídico, essencial nos Estados Democráticos.

2.1.2 – O princípio da capacidade contributiva e mínimo vital (artigo 145, § 1º da Constituição Federal)

Como observado por Regina Helena Costa[7], como desdobramentos do princípio da isonomia, temos os princípios da generalidade, universalidade e progressividade, que estão previstos no texto constitucional no artigo 153, §2º, I da CF.

O princípio da generalidade estabelece que todos os que auferirem renda ou proventos de qualquer natureza serão contribuintes do imposto sobre a renda. Nessa ordem de ideias, a universalidade impõe que todos os modais possíveis de rendas e proventos sejam considerados, não importando a sua origem. Em termos práticos, o imposto sobre a renda não será seletivo a partir da origem da riqueza, mas apenas quanto ao seu titular. Finalmente, a progressividade é relativa à técnica de apuração da base de cálculo, objetivando a tributação proporcional às riquezas individuais, em geral havendo o aumento das alíquotas devidas à medida em que há o aumento da base de cálculo correspondente.

Leandro Paulsen[8] aduz que:

“A progressividade é critério que exige variação positiva da alíquota à medida que há aumento da base de cálculo. De fato, tem-se progressividade quando há diversas alíquotas graduadas progressivamente em função do aumento da base de cálculo: maior a base, maior a alíquota.”

Destarte, temos que a soma desses princípios enumera uma série de características a serem observadas para que seja possível a tributação da renda.

2.1.3 – O princípio do não confisco (artigo 150, IV, CF/88)

O princípio da do não confisco se releva, de certa forma, paradoxal. Isso porque, é claro que a obrigação tributária não é voluntária, de maneira que alguma expropriação patrimonial sempre há. Contudo, esse avanço na riqueza do jurisdicionado deve se dar de maneira legítima, respeitando-se o complexo sistema tributário.

Novamente a intenção é dar segurança ao sistema tributário. É essencial que se assegure que o Estado não lançará mão de tributos para reduzir o patrimônio do contribuinte substancialmente. Em contrapartida, o particular não poderá se esquivar do seu compromisso social de contribuir com o Estado por meio do pagamento de tributo.

2.1.4 – O princípio da anterioridade

O princípio da anterioridade está fundamentado no artigo 150, inciso III, “b” e “c”, 150, §1º e 195, §6, todos da Constituição Federal. O seu comando busca assegurar que o particular não seja surpreendido com a exigência de tributos de no mesmo exercício financeiro de sua criação. A rigor, o princípio da anterioridade, tal qual o princípio da legalidade objetiva assegurar a segurança jurídica, evitando a imprevisibilidade.

A garantia de que eventual inovação em seara tributária releva a ideia de que só se altera a tributação relativa a fatos futuros, com previsibilidade, assegurando ao particular alguma organização, inclusive financeira, para se adequar às mudanças pretendidas pelo legislador tributário.

A despeito da relevância desse princípio, à revelia de todo o arquétipo constitucional vigente, o constituinte derivado houve por bem alterar o seu texto, excepcionando a sua aplicação em relação ao imposto sobre a renda.

2.1.5 – O princípio da Irretroatividade

Em linha com os demais princípios, também o princípio da irretroatividade tem por objetivo garantir a segurança jurídica dos contribuintes. Também previsto explicitamente no texto constitucional, o princípio da irretroatividade estabelece que:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”

O comando constitucional é claro. A Lei não pode reger fatos anteriores à sua própria vigência. Ora, a Lei que cria obrigações, como é típico da exigência constitucional, tem olhos para fatos vindouros e não para os passados. Novamente essa garantia é em prol da segurança jurídica do ornamento jurídico.

Não se perca de vista que a Lei que traz benefícios ou que deixa de prever penalidade pode tratar de fatos pretéritos, mas nunca a que cria obrigações.

Uma vez abordados alguns dos princípios informadores do sistema tributário nacional, podemos concluir que o nosso sistema é basicamente principiológico. O legislador tem as referências objetivas estabelecidas pelo constituinte através dos princípios orientadores da tributação. Em termos mais práticos, ao legislador caberá exclusivamente observá-los ao editar as Leis criadoras de imposição tributária, mesmo aquelas de natureza instrumental.

3. O imposto de renda e a retenção na fonte

A Constituição Federal, em seu artigo 153, III, atribui à União a competência para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. A legislação infraconstitucional, especialmente o Código Tributário Nacional (artigos 43 a 45), detalha seus elementos constitutivos, estabelecendo que o fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda.

O constituinte, como se vê, cuidou de estabelecer a hipótese de incidência do imposto e os critérios que deverão orientar a sua implementação. Desde logo consigne-se que este não delegou ao legislador ordinário a definição da materialidade tributável, ou mesmo os elementos orientadores da regra matriz do imposto sobre a renda. O constituinte deixou claro que a tributação deve se dar sobre a renda ou proventos de qualquer natureza e a sua incidência deve ser genérica, universal e progressiva.

É fato, contudo, que o legislador ordinário herdou a incumbência de estabelecer, a partir da hipótese de incidência constitucionalmente definida, a base de cálculo da incidência do imposto. O legislador ordinário criou uma série de elementos a serem considerados em sua composição, estabeleceu

Sobre o conceito de renda, valiosos são os conceitos estabelecidos por Roque Antonio Carrazza  sobre o tema:

(…) renda e proventos de qualquer natureza são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio em certo lapso de tempo. (…)

Ainda sobre o conceito de renda, Charles Willian Mc Naughton  assevera:

“(…) nosso ponto de vista é que o signo “renda e proventos de qualquer natureza” demarca a riqueza nova obtida pelo contribuinte em determinado período de apuração, isto é, o acréscimo patrimonial identificado em determinado período de tempo (…)”

Sobre o mesmo tema Regina Helena Costa  aponta que:

“(…) O conceito de renda, delimitado constitucionalmente traduz acréscimo patrimonial, riqueza nova, que vem se incorporar a patrimônio preexistente, num determinado período de tempo. Constitui sempre um plus, não apenas algo que venha a substituir uma perda no patrimônio do contribuinte.”

Como vimos, conquanto o texto constitucional tenha estabelecido as balizas e designado os elementos essenciais à regra matriz do imposto sobre a renda, outros elementos ficaram a cargo do legislador ordinário, que cuidou de inserir no Código Tributário Nacional, mais especificamente em seu artigo 43, os elementos objetivos do que se deve tomar pela materialidade tributável.

Veja-se seu texto:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

        I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

        II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

        § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

        § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Sempre partindo do texto constitucional, é oportuno reiterar que os termos indicados na legislação ordinária não podem alegar ou alterar as materialidades estabelecidas pela constituição como tributáveis, valendo, a rigor, a previsão constitucional que delimitou a competência.

3.1       Base de cálculo e alíquota

Considerando a previsão constitucional, o imposto só poderá incidir sobre renda nova, que seja oriunda de capital ou trabalho, ou mesmo de sua combinação. É dizer, a regra é tributar riqueza nova. A ponderação a esse respeito é relevante na medida em que consideradas essas premissas é essencial que se assegure que a tributação incida sobre a renda ou proventos e não sobre o patrimônio.

Paulo de Barros Carvalho  leciona que:

“O centro de convergência do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo, e do dever jurídico cometido ao sujeito passivo, é um valor patrimonial, expresso em dinheiro, no caso das obrigações tributárias. Este, o sainete próprio da categoria obrigacional, em confronto com as demais relações jurídicas, cujo objeto não é dimensível em proporções econômicas.”

A obrigação tributária deve necessariamente ter expressão econômica de sua grandeza. Para a configuração completa dessa expressão econômica é essencial que se estabeleça a base de cálculo e a alíquota aplicável, visando, ao final e ao cabo a apuração do quantum debeatur.

Há que se consignar que a base de cálculo deve estar umbilicalmente ligada à materialidade tributável designada pelo constituinte. Do contrário, a imposição tributária será necessariamente inconstitucional.

A base de cálculo é a dimensão econômica que a obrigação tributária tomará por medida para configurar a obrigação tributária, mediante a aplicação da alíquota respectiva, que inclusive irá variar a partir de sua dimensão.

Essencial destacar que em relação ao imposto de renda há que se considerar que a o artigo 44 do Código Tributário Nacional estabelece que a base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. Tais conceitos – lucro real, lucro arbitrado ou lucro presumido – são mais bem explorados pelo legislador ordinário, que estabelece os critérios a serem observados para que encontre a grandeza tributável.

O designado lucro real é o que se toma pelo resultado efetivo do acréscimo de riqueza e pode ser apurado tanto pela pessoa física quanto pela pessoa jurídica. Nessa hipótese de apuração o contribuinte traz a colação seu patrimônio originário, suas despesas e sua renda e proventos ao longo do exercício e, ao final, encontrará o resultado efetivo do período, que pode ser positivo ou negativo.

A rigor, apenas o resultado positivo poderá ser tributado pelo imposto sobre a renda. Se o resultado for negativo, ou seja, se o contribuinte tiver prejuízo no período, então não haverá o que ser tributado.

O lucro presumido é apurado a partir de ficção estabelecida pelo legislador, e é objeto de livre escolha pelo contribuinte. Nessa hipótese a renda tributável é obtida a partir da aplicação de um percentual da receita apurada.

Já o lucro arbitrado é a alternativa que o legislador estabeleceu para viabilizar a tributação da renda ou dos proventos do contribuinte que se omitiu em fornecer informações mínimas para que possa apurar eventual acréscimo no período. Tal modalidade de apuração do lucro é exclusivamente realizada por meio de lançamento de ofício, não sendo opção do contribuinte.

Para aferir o acréscimo patrimonial, a riqueza nova, enfim, a base de cálculo imponível, é indispensável que se considere determinado marco temporal de comparação. Em termos práticos, é indispensável que se estabeleça um termo inicial e um termo final para que seja possível identificar se houve acréscimo ou decréscimo patrimonial.

A alíquota é, com a base de cálculo, elemento formador do critério quantitativo da obrigação tributária. Geralmente a alíquota é estabelecida mediante a indicação percentual.

Vale destacar que em geral a sua estipulação é legal, não tendo cuidado o constituinte de estabelecer objetivamente alíquotas possíveis, mas tendo estabelecido os elementos objetivos que se deve observar na definição da alíquota. À guisa de exemplo vale consignar que a alíquota não poderá ter percentual que leve à expropriação patrimonial do contribuinte, não poderá impor carga insuportável pelo sujeito passivo da obrigação.

A conjugação da alíquota e da base de cálculo formará a obrigação tributária, sempre de maneira coerente com o sistema tributário vigente.

3.2       Aspecto temporal do fato gerador

Para termos a dimensão quantitativa do imposto sobre a renda devido, é essencial a delimitação temporal que orientará essa quantificação. É intuitivo imaginar que a marcação temporal correrá o risco de tributar o que não é renda ou provento, pois basta que o contribuinte tenha despesas que superem o montante acumulado no exercício anterior para seja configurada a situação de prejuízo.

De toda sorte, não podemos nos afastar da ideia de que o tributo tem por objetivo não o enriquecimento do Estado, mas sim viabilizar os objetivos econômicos, administrativos e políticos do Estado. Como ensina Ricardo Lobo Torres  “Obter recursos e realizar gastos não é um fim em sí mesmo”.   Assim, não caberia imaginar que o contribuinte do imposto sobre a renda “acertasse as suas contas” com o fisco federal apenas ao final da vida, época em que verdadeiramente se teria a dimensão do ganho ou da perda ao longo dos anos.

Assim, o legislador ordinário, certamente influenciado pela definição de ano civil, estabeleceu o período anual para aferir se houve acréscimo ou decréscimo patrimonial a partir da renda e proventos auferidos pelo contribuinte.

Releva apontar ainda que o fato gerador do imposto sobre a renda é complexivo, ele ocorre ao longo do ano, se perfectibilizando no dia 31 de dezembro, quando será possível estabelecer, em caráter definitivo, se há ou não base imponível ao imposto sobre a renda.

3.3       Sujeitos Ativo e Passivo e responsáveis tributários

Agora nos cabe avaliar a designação do legislador ordinário acerca de quem deve ser considerado contribuinte do imposto. Tal definição ficou a cargo do artigo 45 do Código Tributário Nacional, que assim prescreve:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Novamente inspirado pelo texto constitucional, vemos a definição do contribuinte do imposto sobre a renda a partir da titularidade da renda ou de proventos de qualquer natureza. Esse contribuinte pode ser pessoa física ou jurídica, sendo muito diversa a sua realidade em relação à forma e ao conteúdo da apuração do imposto sobre a renda.

E aqui também nos interessa a abordagem acerca da figura do responsável tributário estabelecido pelo legislador, em especial ao prescrever que à fonte pagadora é possível atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto em razão do pagamento de renda ou dos proventos de qualquer natureza. É dizer, permitiu o legislador que seja imputado à fonte pagadora a responsabilidade pelo recolhimento do imposto sobre a renda devido pele beneficiário do rendimento, ainda que não se saiba efetivamente qual a situação real do beneficiário, tampouco se haverá lucro ou prejuízo no período.

Nos parece claro que o responsável nessa hipótese seguirá na posição de sujeito passivo da obrigação tributária, ainda que tal posição não implique a cumulação dessa posição com o contribuinte.

Seguindo o propósito do presente trabalho, cabe agora observar se na figura da retenção na fonte todo o complexo sistema tributário prevalece, em especial nas hipóteses de regras específicas que tem por objetivo evitar a evasão fiscal.

4. Pagamentos a beneficiários não identificados e o artigo 61 da Lei nº 8.981/1995

Uma vez estabelecidos os fundamentos constitucionais do imposto sobre a renda, a sua natureza e características principais, bem como os sujeitos implicados na relação tributária que o tem por objeto, cabe, agora, tratar especificamente da figura do imposto sobre a renda retido na fonte, sobretudo quando há pagamentos a beneficiários não identificados.

Sobre o tema, vale mencionar a valorosa lição de Hugo de Brito Machado :

“quando a lei atribui a outra pessoa, indiretamente ligada ao fato gerador da obrigação tributária, a responsabilidade pelo pagamento do tributo, não cria uma relação obrigacional tributária autônoma, mas simplesmente uma relação obrigacional inerente àquela da qual depende cuja estrutura agora tornada completa passa a integrar.”.

Inspirados na mencionada reflexão, intuímos que a obrigação atribuída à fonte pagadora não é autônoma. Não há a criação de nova relação implicacional, mas sim a complementação de relação pretérita, estabelecida entre o contribuinte e o sujeito ativo da obrigação. A relação com a fonte pagadora é complementar à obrigação do contribuinte do imposto. Todos esses elementos nos levam à conclusão de que todo o arquétipo constitucional deve ser respeitado. Ou seja, os limites, os princípios, as demais características demonstradas até aqui seguirão determinantes também nessa relação implicacional.

Tomando isso por premissa, vejamos algumas especificidades da sistemática de retenção na fonte. As situações sujeitas à retenção na fonte atualmente são as mais diversas, a Receita Federal do Brasil inclusive divulga anualmente manual  com a específica finalidade de orientar o contribuinte na vastidão de fatos que dão origem à retenção na fonte.

Em geral, as regras de retenção na fonte estão diretamente relacionadas ao pagamento de rendas ou proventos que, em princípio, deverão ser objeto de tributação pelo imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. A título de exemplo vale mencionar o disposto no artigo 7º da Lei n 7.713/88:

Art. 7º Ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta Lei:     (Vide: Lei nº 8.134, de 1990, Lei nº 8.383, de 1991, Lei nº 8.848, de 1994, Lei nº 9.250, de 1995 )

I – os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas;            (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)

II – os demais rendimentos percebidos por pessoas físicas, que não estejam sujeitos à tributação exclusiva na fonte, pagos ou creditados por pessoas jurídicas.

§ 1º O imposto a que se refere este artigo será retido por ocasião de cada pagamento ou crédito e, se houver mais de um pagamento ou crédito, pela mesma fonte pagadora, aplicar-se-á a alíquota correspondente à soma dos rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título.

Vemos que em geral a opção do legislador visa a facilitação da atividade fiscalizadora e a eficácia na arrecadação, afinal, é muito mais simples fiscalizar milhares de pessoas jurídicas (fontes pagadoras) do que dezenas de milhares de pessoas físicas (beneficiários dos rendimentos) em relação ao cumprimento de suas obrigações.

Há, ainda, outra razão, diretamente relacionada à frequência com que realizados os recolhimentos a título de retenção na fonte, pois enquanto as pessoas físicas em geral liquidam as suas obrigações tributárias anualmente – exceção feita às hipótese sujeitas ao recolhimento mensal, que são minoria e aquelas cuja tributação é diferenciada, tal como as operações sujeitas ao ganho de capital – as pessoas jurídicas o fazem mensalmente, pois na grande maioria das vezes a retenção ocorre no mês seguinte ao do pagamento da renda ou do provento.

Em tal sistemática o fluxo de pagamentos destinados ao sujeito ativo da relação tributária é muito maior do que seria se o fisco federal aguardasse cada uma das pessoas físicas apurar o imposto efetivamente devido e se sujeitasse ao recolhimento respectivo.

O efeito prático dessa realidade é o recebimento, pelo destinatário do rendimento, de valores líquidos de tributos, neste caso, do imposto sobre a renda, estando esse sujeito à apuração, no final do exercício, de eventual imposto complementar, ou mesmo a devolução do imposto que sobejou o devido no período.

Em se tratando do sistema de fontes, é válido mencionar a figura das retenções em caráter definitivo. Nesses casos, os rendimentos serão considerados tributados em caráter definitivo, não sendo necessária à sua adição aos demais rendimentos do período para apuração do eventual imposto efetivo. Nesse particular, é válido mencionar a crítica a essa modalidade de apuração, que acaba desprezando completamente todos os elementos informadores da materialidade do imposto sobre a renda, na medida em que a tributação definitiva ocorrerá mesmo se o contribuinte estiver na situação de decréscimo patrimonial.

Agora, nesse universo de possibilidades que se pode considerar em relação aos rendimentos sujeitos à retenção na fonte, há uma figura específica que nos chama atenção. Trata-se da hipótese de rendimentos pagos a beneficiários não identificados. Deveras, vimos que o complexo sistema tributário nacional está organizado de maneira estrita, com as competências tributárias e princípios informadores da tributação amplamente tratados no texto constitucional.

Na mesma linha, a legislação complementar – CTN – observou as balizas impostas e seguiu a mesma métrica. Contudo, a figura específica da retenção na fonte em razão de pagamentos efetuados a beneficiários não identificados desafia todo esse enredo.

Com efeito, pressupondo que a lógica da retenção na fonte é assegurar à Fazenda Nacional o recebimento antecipadamente do imposto que lhe é ou ao menos será devido, cuidou o legislador de estabelecer regra para as hipóteses em que não há a identificação do efetivo destinatário dos rendimentos pagos pelo responsável. Tal situação específica deu margem à criação do disposto no artigo 61 da Lei nº 8.981/1995 que estabeleceu que:

 Art. 61. Fica sujeito à incidência do Imposto de Renda exclusivamente na fonte, à alíquota de trinta e cinco por cento, todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado, ressalvado o disposto em normas especiais.

        § 1º A incidência prevista no caput aplica-se, também, aos pagamentos efetuados ou aos recursos entregues a terceiros ou sócios, acionistas ou titular, contabilizados ou não, quando não for comprovada a operação ou a sua causa, bem como à hipótese de que trata o § 2º, do art. 74 da Lei nº 8.383, de 1991.

        § 2º Considera-se vencido o Imposto de Renda na fonte no dia do pagamento da referida importância.

        § 3º O rendimento de que trata este artigo será considerado líquido, cabendo o reajustamento do respectivo rendimento bruto sobre o qual recairá o imposto.

Chama atenção o fato de o legislador ter estabelecido meios para assegurar o recebimento do imposto devido “a qualquer custo”. Em termos práticos abandona-se o aspecto personalíssimo da aferição do ganho/renda – obviamente por impossibilidade prática – em prol de assegurar a incidência da regra objetiva que determina a tributação da renda e dos proventos de qualquer natureza, aqui declaradamente presumidos, submetendo-os à alíquota majorada de 35%, considerando o rendimento pago como líquido de impostos e a tributação nesses termos definitiva.

A razão da regra nos parece óbvia, pois não terá razão alguma a tentativa de o fisco federal buscar a confirmação da tributação do rendimento pago, pois simplesmente são se sabe a quem caberá apresentar tal confirmação. Nessa hipótese legal específica, o que era uma probabilidade – imposto antecipado ante a probabilidade de haver imposto devido em razão do rendimento ou provento recebido – se transformou em certeza, inclusive com a garantia de que haverá o adimplemento integral da obrigação, ainda que por parte do responsável (fonte pagadora).

A relação implicacional nessa hipótese é no mínimo curiosa, pois se impõe à fonte pagadora a obrigatoriedade no recolhimento do imposto que se acredita ser devido pelo beneficiário não identificado. Veja-se que nessa relação específica o ilícito da fonte pagadora – aqui configurado pela impossibilidade na identificação dos destinatários dos rendimentos pagos – culminou em obrigação tributária.

Aliás, o viés de ilicitude na conduta do responsável tributário, previsto no antecedente da norma, é reforçado, geralmente, pelo fato de o lançamento de ofício que viabiliza a exigência tributária nessa hipótese ser acompanhado de relevante multa de 150% sobre o valor o imposto devido, calculado com a alíquota majorada.

Entretanto, e se após a imposição da obrigação à fonte pagadora esta consegue identificar o beneficiário do rendimento pago? Poderá a norma do artigo 61 da Lei nº 8.981/1995 incidir? Entendemos que não.

Isso porque, nessa hipótese específica, uma vez identificado o beneficiário do rendimento, faltará o pressuposto fático de aplicação da norma. Ou seja, uma vez identificado o beneficiário do rendimento não haveria que se falar na aplicação de tão rígida regra.

Até porque, parece-nos inegável que a norma que atribuiu às fontes pagadoras a responsabilidade pelo recolhimento do imposto sobre a renda, quando não há a identificação dos beneficiários do rendimento, pressupõe um ilícito. Ou seja, há de haver o fato típico para que seja aplicável a aludida norma.

Ante a sua pertinência, vale mencionar as razões de decidir proferidas no voto vencedor do acórdão 1201-004.560, que ficou à cargo da Conselheira Gisele Barra Bossa:

12. Uma vez identificado o beneficiário e demonstrada a ocorrência da operação (efetivo pagamento), não há que se falar em incidência do IR-Fonte nos termos do artigo 61, da Lei nº 8.981/1995.

13. Diferente do caso da glosa de despesa, a natureza jurídica do pagamento não tem relevância. Pouco importa se a causa do pagamento é ligada ou não a atividade da empresa. Em se comprovando que existe uma causa ao pagamento, não se aplica a tributação e IRRF prevista no 61, §1º, da Lei nº 9.891/95.

(…)

15. Importante salientar que, a inaplicabilidade da tributação de IRRF nesse caso não significa deixar de tributar esses valores. Diante da constatação desses pagamentos, deve a fiscalização averiguar se os receptores declararam corretamente tais pagamentos e se os valores foram oferecidos à tributação, autuando eventual omissão de receitas.

Parece-nos crível a fundamentação adotada no referido voto vencedor, na medida em que é irrelevante o resultado útil da tributação na avaliação da aplicabilidade, ou não, da norma tributária que estabelece como pressuposto a não identificação do beneficiário do rendimento. Ora, se esse fundamento não mais subsiste, a presunção legal estabelecida pelo legislador foi ilidida, cabendo, agora, à autoridade fiscalizadora, as providências cabíveis no sentido de exigir dos beneficiários identificados do rendimento a tributação respectiva.

A exigência do IRRF sobre pagamentos a beneficiários não identificados, sem a verificação concreta da existência de renda tributável, revela tensão entre a eficiência arrecadatória e a conformidade constitucional.

Ao tributar de forma definitiva rendimentos apenas presumidos, o legislador abandona o exame da materialidade da renda, violando o núcleo essencial do imposto sobre a renda. Mais grave: ao manter a exigência mesmo após a identificação posterior do beneficiário, a Fazenda ignora o desaparecimento do fato gerador e perpetua uma obrigação destituída de base fática e jurídica.

Nesse contexto, deve prevalecer a interpretação conforme a Constituição: identificado o beneficiário, cabe ao Fisco exigir o imposto devido diretamente deste, e não da fonte pagadora, que apenas cumpriu papel acessório.

5. Conclusão

Vimos ao longo do presente estudo que o sistema tributário nacional é basicamente determinado pela Constituição Federal, que cuidou de estabelecer as competências tributárias, designar os princípios orientadores da tributação e estabelecer os limites objetivos a serem observados.

Ao estabelecer princípios o constituinte cuidou de dar sinais claros no sentido de que o sistema tributário deve estabelecer relação segura e transparente entre o fisco e os contribuintes. Nesse tocante, os princípios determinados pelo constituinte rumam sempre para dar a estabilidade ao sistema tributário.

Sempre fundados nessas premissas, a legislação complementar, com sua função inerente de regulamentar o texto constitucional criou de maneira objetiva as materialidades tributáveis pelo imposto de renda – sempre inspirado no texto constitucional. E foi além, estabeleceu os sujeitos da obrigação tributária e outros elementos da obrigação tributária, inclusive os responsáveis.

Nesse mister, estabeleceu a figura da retenção na fonte, com a função precípua de viabilizar a fiscalização e garantir a efetiva tributação dos rendimentos e outros proventos pagos diuturnamente, ainda que os mantenha sujeito a posterior ajuste pelos contribuintes.

Contudo, em razão de situações em que a fonte pagadora de rendimentos deixa de identificar seus beneficiários, o que por decorrência impossibilita à autoridade fiscal a fiscalização acerca da efetiva tributação do rendimento pelo seu titular, buscou o legislador assegurar que a tributação se desse em caráter definitivo. Para tanto, imputou ao responsável tributário a responsabilidade pela retenção do imposto de renda devido na fonte, à alíquota de 35%, que deve incidir sobre a base líquida do rendimento pago. Por meio dessa equação, ao final e ao cabo, a Fazenda Nacional terá garantido o recebimento pelo imposto que muito provavelmente lhe seria devido.

É certo que esta hipótese acaba por abandonar os preceitos a serem considerados na aferição da materialidade tributável pelo imposto de renta, especialmente a renda e proventos de qualquer natureza que seja novo. Que seja fruto de efetivo acréscimo ao longo do período de um exercício anual.

Tal modalidade de incidência de certa forma abandona boa parte dos princípios constitucionais aplicáveis, tais como o da capacidade contributiva, do não confisco e os demais enumerados linhas atrás, contudo, tal não se dá de maneira deliberada, mas sim a partir da premissa de probabilidade de que os rendimentos pagos a beneficiários não identificados seriam efetivamente tributáveis de maneira integral.

Ocorre que, quando o contribuinte consegue demonstrar a que o rendimento foi pago , caberá à autoridade fazendária buscar a efetiva tributação do rendimento recebido, não havendo mais o pressuposto de aplicação da norma constante do artigo 61 da Lei nº 8.981/1995, posto que, havendo condições de se aferir a materialidade devida, a capacidade contributiva do contribuinte, a efetiva existência de renda ou proventos novos no período de apuração determinado em Lei, cabe ao ente tributante buscar suprir eventuais lacunas e constituir a obrigação tributária com efetivo fundamento de validade, pois, do contrário, estaríamos diante de uma obrigação exigida ao arrepio do texto constitucional, que obviamente não tem lugar em um Estado Democrático como o nosso.

Referências

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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.


[1] Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado em São Paulo.

[2] Costa, Regina Helena, Código tributário nacional comentado em sua moldura constitucional, Rio de Janeiro: Forense: 2021, p. 02.

[3] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. P 85.

[4] Carrazza, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 30ª edição, Editora Malheiros, 2009, p.

[5] Torres, Ricardo Lobo, Curso de direito financeiro e tributário – 16ª edição; Editora Renovar, Rio de Janeiro 2009. p. 64.

[6] Carrazza, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 30ª edição, Editora Malheiros, 2009, p. 277.

[7] Costa, Regina Helena, Código tributário nacional comentado em sua moldura constitucional, Rio de Janeiro: Forense: 2021. p 108.

[8] Paulsen, Leandro, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: 2011, p 303.