
NORMAS FUNDAMENTAIS DA AÇÃO NO PROCESSO CIVIL SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL
26 de fevereiro de 2025FUNDAMENTAL NORMS OF ACTION IN CIVIL PROCEDURE UNDER THE CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE
Artigo submetido em 22 de fevereiro de 2025
Artigo aprovado em 25 de fevereiro de 2025
Artigo publicado em 26 de fevereiro de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: O presente artigo tem como objetivo descrever os princípios das normas fundamentais do processo civil, previstas nos artigos 1° ao 12 do Código de Processo Civil, sob a ótica constitucional. Trata-se de um estudo de cunho qualitativo, amparado em materiais documentais e bibliográficos. A pesquisa, de caráter descritivo, explora as principais particularidades e princípios de cada norma fundamental, com menções à jurisprudência de tribunais estaduais. O artigo está dividido em seções que abordam o modelo constitucional de processo civil e os princípios da inércia, do impulso oficial, da inafastabilidade da jurisdição, da razoável duração do processo, do contraditório e da ampla defesa, da cooperação e da publicidade. Como resultado, verificou-se que o Código de Processo Civil deve ser estudado e utilizado com base nos princípios constitucionais, que são capazes de orientar a atuação dos envolvidos no processo e do julgador da causa.
Palavras-chave: Normas fundamentais do processo civil. Princípios constitucionais. Código de Processo Civil.
ABSTRACT: This article aims to describe the principles of the fundamental norms of civil procedure, as provided for in articles 1 to 12 of the Code of Civil Procedure, from a constitutional perspective. This is a qualitative study, based on documentary and bibliographic materials. The descriptive research explores the main particularities and principles of each fundamental norm, with references to the jurisprudence of state courts. The article is divided into sections that address the constitutional model of civil procedure and the principles of inertia, official impetus, non-excludability of jurisdiction, reasonable duration of the process, adversarial system and broad defense, cooperation and publicity. As a result, it was found that the Code of Civil Procedure should be studied and used based on constitutional principles, which are capable of guiding the actions of those involved in the process and the judge of the case.
Keywords: Fundamental norms of civil procedure. Constitutional principles. Code of Civil Procedure.
INTRODUÇÃO
São diversos os conflitos que podem surgir nas relações sociais, esses conflitos podem ser solucionados de diversas maneiras. Uma dessas maneiras é por intermédio da jurisdição que consiste, basicamente, na possibilidade do Estado – por intermédio do Poder Judiciário, em regra – solucionar os conflitos entre as partes, substituindo a vontade das partes pela decisão do julgador.
Para que seja proferida uma decisão, no âmbito civil, é necessária a utilização do processo civil. O direito processual civil consiste em um ramo do Direito em que os procedimentos relativos à jurisdição civil é o principal instrumento a ser utilizado pelo julgador e pelas partes, a fim de solucionarem o conflito, promovendo, por consequência, a harmonia social.
Esse instrumento, contudo, é regido por normas e diretrizes que devem ser observadas pelas partes que dele participam. Nesse viés, na lei 13.105, de 16 de março de 2015 que dispõe sobre o Código de Processo Civil em seus artigos 1° ao 12 prevê as normas fundamentais do processo civil.
Essas normas fundamentais atuam delineando os princípios basilares que devem nortear a atuação dos sujeitos (partes, terceiros, servidores e outros) na busca pela atuação do conflito posto sob à apreciação judicial.
Dessa maneira, neste artigo, com o propósito de analisar as normas fundamentais do processo civil na perspectiva constitucional, bem como de elucidar a interação entre os princípios processuais e constitucionais que regem a matéria, utilizou-se de uma pesquisa qualitativa fundamentada em doutrina e na jurisprudência.
Dessas normas, sobressaem os princípios da inércia, do impulso oficial, da inafastabilidade da jurisdição, da razoável duração do processo, do contraditório, da ampla defesa, da cooperação e da publicidade processual. No estudo, incluem-se menções às jurisprudências de tribunais estaduais e citações doutrinárias.
A análise desses princípios, à luz da jurisprudência, visa demonstrar como as normas fundamentais do processo civil contribuem para a efetivação da justiça, garantindo a aplicação coerente e harmônica dos princípios constitucionais no âmbito processual.
Como resultado, destacou-se a importância da contribuição das normas fundamentais do processo civil e a sua interdisciplinaridade com princípios constitucionais, interagindo, na construção de um sistema judicial regrado e orientado por normas que legitimam a atuação jurisdicional.
1. INÉRCIA JURISDICIONAL E O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO
‘Em uma sociedade marcada pela convivência de indivíduos com interesses e valores diversos, a ocorrência de conflitos é inevitável. Nesse viés, compete ao Estado atuar como o mantenedor da harmonia social, exercendo, consequentemente, a função jurisdicional com o objetivo de solucionar esses conflitos.
Essa função é exercida preponderantemente pelo Poder Judiciário que utiliza do processo judicial para, ao fim, apreciar a causa e prover a tutela jurisdicional ao caso. Todavia, a atuação do Estado, em regra, depende da provocação das partes interessadas.
Da necessidade de provocação (pelas partes) da função jurisdicional, origina-se o princípio da inércia. Esse princípio é expressamente positivado no artigo 2° do Código de Processo Civil em que, em suma, esclarece que o processo tem o seu início a partir da iniciativa da parte, e, após iniciado, irá se desenvolver por impulso oficial.
Segundo MISAEL FILHO (2017, p. 09), assim esclarece:
O art. 2º do CPC estabelece que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”, comprovando a adoção do princípio da inércia (ne procedat iudex ex officio, ou o juiz não procede de ofício, em tradução livre).
Assim, infere-se que a jurisdição é condicionada à provocação das partes. Contudo, essa regra não é absoluta e existem exceções (previstas em leis) nas quais é admitida a atuação do Poder Judiciário independentemente da provocação das partes, sem que isso acarrete vícios processuais.
Feitas tais ressalvas, uma vez iniciado o processo, este se desenvolve por impulso oficial.
O desenvolvimento da atividade jurisdicional, porém, deve seguir outro princípio considerado como norma fundamental do processo civil; qual seja: o Modelo Constitucional do Processo Civil.
As normas infraconstitucionais, como a Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil), ocupam um patamar hierárquico inferior à Constituição Federal, logo, deve ser interpretada e aplicada em conformidade com os princípios do texto constitucional, servindo, por consequência, de fundamento e limite para a atuação do Poder Judiciário.
Nesse viés, ainda que o Código de Processo Civil seja a principal norma que rege o processo civil brasileiro, este não pode ser utilizado de maneira isolada dos princípios e garantias fundamentais que versam sobre o tema e que estão previstos na própria Constituição, como, por exemplo, o contraditório, o devido processo legal, a ampla defesa, a paridade processual e a inafastabilidade da jurisdição.
Sobre o assunto Câmara (2022, p.19):
O processo civil brasileiro é um procedimento em contraditório, que se desenvolve de forma isonômica perante o juiz natural, destinado a permitir a construção de decisões fundamentadas em tempo razoável sobre qualquer pretensão que se deduza em juízo (já que é garantido o acesso universal à justiça). É, enfim, um devido processo legal (entendido como devido processo constitucional). Pois é a partir desse modelo constitucional de processo que foi construído o Código de Processo Civil.
Assim, depreende-se que o modelo constitucional do processo civil é marcado pela necessidade de harmonizar as normas processuais infraconstitucionais com os princípios e regras constitucionais.
A utilização e interpretação isolada do Código de Processo Civil desconsiderando as diretrizes constitucionais, mostram-se contrárias aos princípios e normas fundamentais da ação no processo civil.
O princípio do Modelo Constitucional de Processo vem expresso logo no primeiro artigo do Código de Processo Civil no qual dispõe que o processo civil será ordenado, disciplinado e até interpretado em conformidade com os valores e normas fundamentais da Constituição, sem prejuízo das disposições do próprio Código de Processo Civil.
Jurisprudencialmente, o princípio do Modelo Constitucional de Processo também é utilizado pela interpretação dos julgadores, a saber:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO – NULIDADE DA SENTENÇA – JULGAMENTO CITRA PETITA – SENTENÇA CASSADA – APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 1013 DO CPC – JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL – IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – PONDERAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO NA ANÁLISE DE PEDIDOS – NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – RETORNO DOS AUTOS À PRIMEIRA-INSTÂNCIA.- A sentença citra petita, em seu aspecto objetivo, é aquela que fica aquém do pedido do autor ou deixa de enfrentar e decidir causa de pedir ou alegação de defesa apresentada pelo réu.- o Art. 1.013, §3º, do CPC deve ser interpretado em consonância com o princípio do duplo grau de jurisdição, como corolário da garantia fundamental constitucionalizada do devido processo legal, uma vez que a mitigação dessa cláusula pétrea no regime de direito democrático somente se justifica nos casos em que, mediante um juízo de ponderação dos princípios constitucionais processuais, revela-se mais compatível com o próprio modelo de concreta e eficaz prestação jurisdicional o imediato julgamento do mérito da demanda, a revelar evidente economia e celeridade processual.- Nos casos em que é flagrante a negativa da efetiva prestação jurisdicional pelo juízo de origem, deve, não apenas em caráter pedagógico, mas também como forma de prestigiar a atuação dos juízes de primeiro grau, prevalecer na integralidade o duplo grau de jurisdição, inexistindo, pois, nesses casos, qualquer ofensa ou incompatibilidade com os princípios da celeridade e economia processual. (…) (TJMG – Apelação Cível 1.0000.23.221178-9/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/04/2024, publicação da súmula em 11/04/2024)
Com base nesses princípios, nota-se que a atuação do judiciário depende, em regra, de provocação da parte interessada e, uma vez provocado, deve se desenvolver por impulso oficial.
O processo civil, contudo, não pode ser aplicado de maneira isolada desconsiderando as diretrizes constitucionais. Esses princípios, norteiam a harmonia que deve ser seguida entre as normas processuais e as disposições constitucionais na ação e no desenvolvimento do processo civil a fim de buscar a tutela jurisdicional.
2. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE (INDECLINABILIDADE) JURISDICIONAL
Como compete ao Poder Judiciário, em regra, o papel de exercer a jurisdição, ele não poderá recusar a apreciação das lides que lhe forem submetidas.
Em uma sociedade diversificada é comum a ocorrência de conflitos e como forma de solução desses conflitos tem-se a jurisdição. Essa obrigação do Poder Judiciário também é considerada como um direito àqueles que buscam o amparo judicial.
Esse direito é previsto expressamente no artigo 3° do Código de Processo Civil ao afirmar que “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (BRASIL, 2015). Além da previsão legal do mencionado princípio, tem-se o reforço desse princípio na órbita constitucional conforme expresso no artigo 5°, XXXV em que a lei (infraconstitucional) não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Em síntese, o princípio da inafastabilidade, também nomeado pela doutrina como Princípio da Indeclinabilidade Jurisdicional, é positivado na Constituição e replicado pela legislação infraconstitucional.
Ademais do previsto no Código de Processo Civil, a obrigatoriedade da tutela jurisdicional também é mencionada, ainda que indiretamente, no artigo 4° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro ao dispor “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípio gerais de direito” (BRASIL, 1942).
De acordo com CUNHA (2022, p.46):
Inafastabilidade: princípio de envergadura constitucional, a inafastabilidade assegura que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, sendo seu corolário a proibição do non liquet (veda-se ao juiz deixar de julgar a lide por falta de norma jurídica).
No entanto, é importante destacar que, embora o Judiciário seja obrigado a apreciar as causas que lhe são apresentadas, o princípio da inafastabilidade da jurisdição não é absoluto.
Nesse sentido, existem requisitos que devem ser observados pelas partes interessadas para que um pleito seja analisado e julgado pelo Judiciário. A legitimidade das partes, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido, são exemplos de requisitos que devem ser observados pelas partes ao submeter a demanda à apreciação judicial.
Essa conclusão advém do disposto no artigo 485 do Código de Processo Civil que admite ao juízo não resolver o mérito quando verificar a ausência de legitimidade ou de interesse processual. Inclusive, em sede jurisprudencial, a ausência das condições da ação e o princípio da inafastabilidade da jurisdição são considerados ao apreciar uma causa, nesse viés:
EMENTA: APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO. 1. Em vista do princípio da primazia do julgamento de mérito, deve o órgão julgador priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra, prestigiando a efetividade das decisões judiciais e a rápida solução do litígio (Art. 4º e 6º, CPC). 2. Conforme orientação do STJ, o “…exame das condições da ação se dá com abstração dos fatos demonstrados no processo. Examinados as provas e argumentos, o provimento é de mérito. 3. A pertinência da pretensão do autor é questão atinente ao mérito da causa, o que não pode conduzir à extinção prematura do feito por ausência de interesse processual. 4. O princípio da inafastabilidade da jurisdição é garantia erigida no art. 5º, XXXV, da CF, ao que se acresce a dignidade da pessoa humana, dada a natureza alimentar dos proventos. 5.No Recurso Especial n. 1.676.027/PR o STJ, firmou a orientação no sentido de que a “… inovação do art. 10 do CPC/2015 está em tornar objetivamente obrigatória a intimação das partes para que se manifestem previamente à decisão judicial. A consequência da inobservância do dispositivo é a nulidade da decisão surpresa, ou decisão de terceira via, na medida em que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador”. 6. Recurso provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.431451-4/001, Relator(a): Des.(a) Maria Luiza Santana Assunção , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2024, publicação da súmula em 13/12/2024)
Desse modo, em resumo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição garante o acesso à justiça e impede que o Judiciário se recuse a apreciar as demandas que lhe são submetidas.
Contudo, as partes devem, para ter suas pretensões apreciadas, cumprir os requisitos mínimos necessários a possibilitar o julgamento de mérito da causa, posto que, do contrário, o feito poderá ser extinto pelo juiz sem resolução do mérito conforme previsto no artigo 485 do Código de Processo Civil.
Não basta, porém, a mera apreciação da questão posta em juízo, a jurisdição também deve se dar em um prazo razoável e de maneira pública, originando, assim, o princípio da razoável duração do processo e o princípio da publicidade.
3. PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
O acesso à justiça, com a provocação do judiciário, configura um direito fundamental. No entanto, não basta o acesso à justiça, compete também ao Poder Judiciário o dever de solucionar os conflitos em tempo razoável, posto que do contrário não ocorreria a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Nesse contexto, advém o princípio da duração razoável do processo. Dito princípio encontra previsão tanto legal (no Código de Processo Civil) quanto constitucional.
O princípio da razoável duração do processo, em síntese, visa garantir que a efetiva tutela jurisdicional seja prestada em um período razoável, sem que se tenha dilações protelatórias ou indevidas.
No Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), em seu artigo quarto, há a previsão de que as partes possuem o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, além disso, inclui, a atividade satisfativa em tempo razoável.
Desse modo, como se infere da legislação, não somente a crise de conhecimento posto à apreciação do judiciário é alvo desse princípio, mas também a crise de adimplemento, ou seja, a mera decisão judicial a tempo, sem a satisfação em prazo razoável configura violação ao princípio da razoável duração do processo.
No âmbito constitucional dito princípio é extraído do inciso LXXVIII do artigo quinto no qual assegura que a todos, seja em processo judicial ou administrativo, a razoável duração do processo, bem como dos meios que garantam a celeridade da tramitação.
Além do previsto legalmente e na Constituição, sobre o princípio, a doutrina de LOURENÇO (2021, p.53) assim dispõe:
Tal princípio impõe que a decisão judicial seja prolatada em tempo razoável, sem indevidas dilações […] Frise-.se, por fim, que razoável duração do processo não é sinônimo de processo rápido, mas que deverá durar somente o tempo necessário para a solução do litígio.
A não observância desse princípio pode configurar ao órgão julgador algumas consequências. As partes podem realizar medidas administrativas e até judiciais perante os órgãos competentes para assegurar o cumprimento do princípio da razoável duração do processo.
Outra forma de fiscalização da atividade jurisdicional decorre do princípio da Publicidade/transparência. Pelo princípio da publicidade, tem-se que, em regra, os processos judiciais são públicos a fim de possibilitar o controle das decisões na atuação judicial.
Tal como os demais princípios, a publicidade não é absoluta e, em casos específicos, o processo poderá tramitar em segredo de justiça. O artigo 11 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) prevê que todos os julgamentos dos órgãos jurisdicionais serão públicos sob pena de nulidade.
No parágrafo único do mesmo artigo, há a ressalva quanto a possibilidade de julgamentos em segredo de justiça em que a publicidade é limitada às partes, aos advogados constituídos, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público que no feito atuarem, esse princípio também se origina da previsão do artigo 93, IX da Constituição Federal.
O interesse público ou social, bem como ações que versem sobre a intimidade e a arbitragem são alguns exemplos de demandas que poderão tramitar em segredo de justiça sem que ocorra a transgressão do princípio da publicidade, além dessas, o artigo 189 do Código de Processo Civil elenca outras hipóteses nas quais o processo poderá tramitar em segredo de justiça, ou seja, com a publicidade restringida.
Assim, considerando o princípio da razoável duração do feito e o da publicidade, tem-se que, a um só tempo, as demandas processuais devem ser solucionadas em tempo proporcional à complexidade – sem distinção das fases de conhecimento ou satisfativa.
A participação do povo fiscalizando a atuação do judiciário também ocorre em razão do princípio da publicidade, afinal, os atos processuais devem, em regra, ser acessíveis pela sociedade. Ambos princípios, portanto, garantem a efetividade e a transparência da atuação do Poder Judiciário no exercício da jurisdição assegurando não só o acesso à justiça, mas também a fiscalização dessa atividade.
4. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DO CONTRADITÓRIO
Ao judiciário compete ainda o dever de observar outros dois princípios que integram o conjunto de normas fundamentais do processo civil, quais sejam: o princípio da isonomia e do contraditório.
O princípio do contraditório, em síntese, garante às partes envolvidas no litígio o direito de participar do processo conjugando a ciência dos atos praticados e a possibilidade de se manifestar sobre eles. Assim, com o conhecimento dos atos processuais realizados e a manifestação sobre tais atos, tem-se ainda a possibilidade de as partes influenciarem a decisão do julgador.
A isonomia, por sua vez, consiste no dever do julgador em tratar igualmente as partes, isto é: assegurando as mesmas oportunidades, dispensando tratamento igualitário a elas e não realizando atos prejudiciais ou benéficos a uma (ou outra) parte em detrimento do polo contrário.
No âmbito legal, o princípio do contraditório deriva da conjugação dos artigos 9° e 10 do Código de Processo Civil. O artigo nono assegura às partes o direito de serem cientificadas sobre os atos processuais e, após a ciência, a possibilidade de manifestar sobre os atos. O artigo 10 do Código de Processo Civil, por sua vez, também reforça o tratamento igualitário às partes, bem como impede que o juiz venha a praticar atos processuais sem que seja possibilitado às partes a chance de se manifestarem previamente.
O princípio da Isonomia deriva, legalmente, do artigo 7° do Código de Processo Civil, como se vê:
É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. (BRASIL, 2015)
No entanto, excepcionalmente, a própria legislação pode apresentar hipóteses em que será dispensado às partes tratamento diferenciado.
Um exemplo de tratamento processual diferenciado corresponde à previsão do artigo 183 do Código de Processo Civil que dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações gozarão de prazo em dobro para as manifestações processuais.
A observância desses princípios por parte do magistrado é tão relevante a ponto de garantir a validade do processo e da decisão judicial.
Caso esses princípios não sejam observados, a sentença proferida poderá até mesmo ser cassada com a necessidade de realização de novo julgamento, nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DOCUMENTO INDISPONÍVEL AO AUTOR. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE PRAZO. NÃO APRECIADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. NECESSIDADE. Conforme art. 93, IX, da Constituição Federal, as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Dante do requerimento autoral, destacando que não teve acesso ao documento produzido pelo réu, e que não houve apreciação de tal pedido, de rigor o acolhimento da preliminar. Desse modo, ante a supressão dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a cassação da sentença se demonstra como medida adequada ao caso em comento, pelo que os autos devem retornar ao juízo de origem para que seja oportunizada a impugnação e especificação de provas. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.455995-1/001,Relator(a): Des.(a) Amauri Pinto Ferreira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/12/2024, publicação da súmula em 19/12/2024)
Assim, os princípios da isonomia e do contraditório não podem ser ignorados sob pena de ensejar na eventual sentença a ser proferida vícios capazes de ensejar a anulação do julgamento.
Esses princípios são tidos como basilares do processo civil e asseguram a participação ativa e isonômica das partes durante o processo. Asseguram também que a decisão proferida ocorra somente após a manifestação das partes, evitando, por consequência, decisões surpresas.
A observância desses princípios, portanto, a um só tempo, evitam a ocorrência de nulidades processuais e reforçam a imparcialidade de tratamento e legitimidade das decisões esperadas no exercício da jurisdição pelo Estado.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que as normas fundamentais do processo civil atuam para sedimentar um sistema processual brasileiro alicerçado em mandamentos constitucionais. A positivação dos princípios nos artigos 1º ao 12º do Código Processo Civil desempenham um função crucial no ordenamento brasileiro em vista de garantir um processo eficiente, justo e em conformidade com à tutela de direitos, pautados em valores democráticos e visando uma prestação jurisdicional efetiva.
Os princípios da inércia, indeclinabilidade, razoável duração do processo, publicidade, isonomia e contraditório não são apenas dispositivos previstos em lei, mas diretivas que guiam todos os sujeitos processuais, garantindo equilíbrio entre o direito processual e material. Tais princípios, ao serem apreciados de forma conjunta com a Constituição Federal, possibilitam um processo civil que além de solucionar conflitos, promove a equidade, previsibilidade e segurança jurídica.
Verifica-se, que os tribunais por meio das jurisprudências desempenham um papel importante na concretização de um processo civil constitucional, quando concede efetividade à leis processuais. A integração entre legislação, doutrina e jurisprudência promove um alinhamento e aperfeiçoamento coeso e contínuo do sistema processual brasileiro, o que permite ao processo civil quando chamado a resolução de demandas atuar de maneira democrática e atentas às necessidades sociais.
Para além disso, o princípio da inércia garante que a atuação do Judiciário apenas ocorra após a provocação das partes, observadas as exceções previstas em lei, momento em que o magistrado pode agir de ofício. Ressalva essas hipóteses não pode o juiz realizar uma busca ativa pela solução do conflito, devendo respeitar a autonomia das partes. Todavia, após provocado, o princípio do impulso oficial assegura que o processo será conduzido pelo Poder Judiciário.
Lado outro, reafirmando a missão de garantir acesso à justiça a todos, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, certifica que nenhuma ameaça ou lesão a direito deixe de ser apreciada pelo Poder Judiciário, conforme estabelecido na Carta Magna e replicado no Código de Processo Civil.
Nesse sentido, os princípios da isonomia e do contraditório são eixos fundamentais ao processo civil, afiançando que todos os sujeitos do processo tenham tratamento igual e condições de influenciar a decisão judicial. A aplicação desses princípios busca diminuir as nulidades processuais e corrobora com a imparcialidade do julgador, evitando assim, que as partes sejam surpreendidas com decisões surpresas.
Assim, a integração entre os princípios constitucionais e as normas constitucionais fortifica o sistema processual brasileiro e permite que a solução das demandas observe os valores constitucionais certificando que o processo civil não seja tão somente um mecanismo de solução de conflitos, mas também um instrumento para aplicar e assegurar direitos fundamentais.
Desse modo, é notório que a promoção da harmonia social e da justiça passa necessariamente por um processo que aplique e respeite os princípios constitucionais, assegurando uma legítima e eficaz prestação constitucional. O modelo constitucional do processo civil, é o resultado da interdisciplinaridade entre normas infraconstitucionais e garantias fundamentais, que alcançam a resolução de conflitos e o fortalecimento dos direitos individuais.
Conclui-se, portanto, que o estudo das normas fundamentais, sob a ótica da Constituição, é crucial para entender a dinâmica processual e solidificar um sistema processual, acessível, justo e eficaz. A observância dos princípios legitima a atuação jurisdicional e reafirmam o compromisso com a democracia a garantia de direitos e a efetiva prestação jurisdicional.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 dez. 2024.
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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0000.23.221178-9/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna, 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/04/2024, publicação da súmula em 11/04/2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n° 1.0000.24.431451-4/001. Relatora: Des.ª Maria Luiza Santana Assunção, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2024, publicação da súmula em 13/12/2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0000.24.308568-5/001, Relator José Arthur Filho, 9ª Câmara Cível, julgamento em 29 de outubro de 2024, publicação da súmula em 5 de novembro de 2024. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.455995-1/001. Relator: Des. Amauri Pinto Ferreira. 17ª Câmara Cível. Julgamento em 18 de dezembro de 2024. Publicação da súmula em 19 de dezembro de 2024.
[1] Fernando Henrique Dutra. Professor Universitário (Centro de Educação Superior – INHUMAS). Mestre em Educação – Universidade de Uberaba (UNIUBE). Pós-graduado em Direito e Processo Civil (LEGALE). Bacharel em Direito pela Faculdade de Talentos Humanos (FACTHUS). fhdutra@gmail.com
[2] Danielle Rodrigues Félix. Professora Universitária e Coordenadora Do Núcleo de Práticas Jurídicas (Centro de Educação Superior – INHUMAS). Pós – graduada em Direito Civil e Processual Civil (Instituto Elpídio Donizetti). Bacharela em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. danifelixadv@gmail.com