
ADVOCACIA: PROFISSÃO DE RISCO
23 de fevereiro de 2025LAW: A RISKY PROFESSION
LEY: PROFESIÓN RIESGOSA
Artigo submetido em 27 de janeiro de 2025
Artigo aprovado em 21 de fevereiro de 2025
Artigo publicado em 23 de fevereiro de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Ricardo Nascimento Fernandes[1] |
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RESUMO: O presente trabalho vem abordar a advocacia como profissão e os riscos. Com a promulgação da Lei Federal 12.683/2012, ganhou relevância a discussão sobre a submissão de advogados aos mecanismos de controle em operações suspeitas de lavagem de capitais, sobretudo quando atuam no assessoramento de clientes em operações financeiras, imobiliárias e societárias. O presente trabalho se propõe a discutir a compatibilidade entre o dever de comunicar operações suspeitas de lavagem de capitais por advogados e os princípios inerentes ao exercício da advocacia. Nesse sentido, a entrada em vigor da parte administrativa da Lei de Lavagem de Capitais motivou os diversos órgãos representativos de classes profissionais a regulamentarem as atividades de seus representados, inclusive definindo quais operações apresentariam indícios de suspeição. O principal objetivo deste trabalho é apresentar os principais mecanismos de controle da profissão de advogados, e os mecanismos de punição penal. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica de literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado. Conclui-se que muitos advogados se tornaram alvo de investigações criminais por práticas profissionais que acabaram se revelando como possíveis contribuições a processos de lavagem de capitais de clientes. No âmbito internacional, entidades representativas no combate à lavagem de capitais entendem estarem os serviços jurídicos prestados por advogados sujeitos aos mecanismos controle. A submissão dos advogados ao dever de informar operações suspeitas de clientes, portanto, parece ser um caminho sem volta, ao menos sob certos pressupostos e condições.
Palavras-Chave: Advocacia. Mecanismos de Controle. Clientes.
ABSTRACT: This paper addresses the legal profession and its risks. With the enactment of Federal Law 12.683/2012, the discussion on the submission of lawyers to control mechanisms in suspected money laundering transactions has gained relevance, especially when they act as advisors to clients in financial, real estate and corporate transactions. This paper aims to discuss the compatibility between the duty to report suspicious money laundering transactions by lawyers and the principles inherent to the practice of law. In this sense, the entry into force of the administrative part of the Money Laundering Law motivated the various representative bodies of professional classes to regulate the activities of their representatives, including defining which transactions would present signs of suspicion. The main objective of this paper is to present the main control mechanisms of the legal profession, and the mechanisms of criminal punishment. The methodology adopted will be a bibliographical analysis of literature, with emphasis on the most current and relevant books and articles on the topic addressed. It is concluded that many lawyers have become targets of criminal investigations due to professional practices that turned out to be possible contributions to money laundering processes involving clients. At the international level, entities representing the fight against money laundering understand that legal services provided by lawyers are subject to control mechanisms. The submission of lawyers to the duty to report suspicious transactions by clients, therefore, seems to be a path of no return, at least under certain assumptions and conditions.
Keywords: Law Practice. Control Mechanisms. Clients.
RESUMEN: Este trabajo aborda el derecho como profesión y sus riesgos. Con la promulgación de la Ley Federal 12.683/2012, la discusión sobre la sumisión de los abogados a mecanismos de control en operaciones sospechosas de lavado de dinero cobró relevancia, especialmente cuando actúan en el asesoramiento a clientes en transacciones financieras, inmobiliarias y corporativas. Este trabajo tiene como objetivo discutir la compatibilidad entre el deber de informar sobre operaciones sospechosas de lavado de dinero por parte de los abogados y los principios inherentes al ejercicio del derecho. En este sentido, la entrada en vigor de la parte administrativa de la Ley de Blanqueo de Capitales motivó a los distintos órganos representativos de clases profesionales a regular las actividades de sus representantes, incluyendo definir qué operaciones presentarían signos de sospecha. El principal objetivo de este trabajo es presentar los principales mecanismos de control de la profesión jurídica, y los mecanismos de sanción penal. La metodología adoptada será un análisis bibliográfico de la literatura, con énfasis en los libros y artículos más actuales y relevantes sobre el tema tratado. Se concluye que muchos abogados se convirtieron en blanco de investigaciones penales por prácticas profesionales que terminaron siendo reveladas como posibles aportes a procesos de lavado de dinero de clientes. A nivel internacional, las entidades representativas en la lucha contra el blanqueo de capitales entienden que los servicios jurídicos prestados por abogados están sujetos a mecanismos de control. Por lo tanto, someter a los abogados a la obligación de informar sobre transacciones sospechosas de los clientes parece ser un camino sin retorno, al menos bajo ciertos supuestos y condiciones.
Palabras clave: Incidencia. Mecanismos de control. Clientes.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira preconiza em seu art. 133 que: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Preceito que é reafirmado pelo caput do art. 2º do Estatuto da Advocacia: “o advogado é indispensável à administração da justiça”; e pelo artigo 2º do Código de Ética da Advocacia: “o advogado é indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce”.
Assim, incontestável que o advogado é profissional cuja presença é necessária, obrigatória e imprescindível na prestação e provimento de decisões pelo Poder Judiciário, graças à sua indispensável contribuição ao convencimento do julgador, por meio de suas postulações, produção de provas e esclarecimento nos debates e sustentações orais.
O principal objetivo deste trabalho é apresentar os principais mecanismos de controle da profissão de advogados, e os mecanismos de punição penal. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica de literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado.
O advogado é uma das principais pilastras de sustentação do Estado Democrático de Direito. Defensor da ordem jurídica em vigor, vigilante e pronto a denunciar os abusos e violações aos bens jurídicos e moralmente protegidos. É o guardião da liberdade, da equidade e da justiça.
A natureza jurídica da prestação advocatícia é privada, com ampla liberdade de recusa da prestação por parte do advogado, havendo a peculiaridade de se sujeitar ao interesse público e à função social, na medida em que o advogado participa e é fundamental na solução justa de conflitos e paz social.
A natureza jurídica da relação do advogado com seu cliente varia com as circunstâncias e a espécie de prestação estabelecida. Pode haver prevalência de elementos de prestação de serviços, quando patrocina um cliente ou exerce a direção de um caso, obrigação de meio; ou realização de obra, quando compromete sua atividade a um resultado; mandato, quando representa seu cliente. Podendo não se compreender em uma só figura contratual as relações profissionais estabelecidas entre o advogado e seu cliente, caracterizando um contrato inominado.
O advogado tem para com o cliente a obrigação de atuar com fidelidade, prudência, diligência, destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé. Tem também a obrigação de se empenhar em seu aperfeiçoamento profissional, guardar o segredo profissional, estimular a conciliação, prevenir litígios, não abandonar a causa sem justo motivo, informar e esclarecer. O advogado que violar seus deveres e obrigações poderá responder civil, penal e administrativamente, inclusive de forma cumulativa.
2 RISCOS NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA
No Brasil, define o artigo 29 do Código Penal que todo aquele que, de qualquer modo, concorre para a prática do crime, incide nas penas a este cominadas. Por não haver uma distinção formal entre autor e partícipe, parte da doutrina tradicional (Bittar, 2019, p.217) entende que o legislador brasileiro adotou uma teoria unitária e extensiva de autoria, para a qual todo aquele que contribui para a prática do crime é considerado autor do delito.
Em um sistema unitário de autoria, considera-se típica toda conduta inserta no curso causal que culmina no resultado delitivo. O fundamento desta definição parte da teoria da equivalência das condições, ou conditio sine qua non, para a qual configura causa de um resultado toda condição sem a qual ele não teria ocorrido. Em síntese, a referida teoria reduz a análise do tipo à causalidade. Toda ação que contribui para o resultado típico seria uma ação típica, já que todas as condições que circundam o acontecer típico são equivalentes. Assim, para ela, matar alguém é o mesmo que causar a morte de alguém (Dias, 2019, p.19).
A título exemplificativo, adotando-se os critérios definidos pela teoria unitária no caso paradigma deste trabalho, tanto o cliente “A” quanto o advogado “B” seriam autores, caso se concluísse pela tipicidade de suas condutas. Entretanto, por se escorar em uma concepção causalista do Direito Penal, a teoria da equivalência das condições vem sendo questionada, internacionalmente, desde o início do século XX. A aplicação desse conceito traz consigo indesejáveis distorções, que apenas são resolvidas no plano da tipicidade subjetiva (Gomes, 2020).
Para os causalistas, o afastamento da punibilidade se dá por meio da existência de dolo ou culpa, elementos que eram considerados integrantes da culpabilidade. Assim, a fabricação de uma arma era considerada uma ação típica, pois causa do crime de homicídio, e antijurídica, pois inexistentes as causas de exclusão da ilicitude, como a legítima defesa e o estado de necessidade, por exemplo. Mas tal ação era considerada não culpável, já que o fabricante de armas não previra o resultado morte – dolo, nem sequer tinha como prevê-lo – culpa (Bittar, 2019).
Em decorrência da incongruência de se considerarem típicas condutas absolutamente irrelevantes, surge, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, a teoria finalista, que criticava a doutrina anterior justamente por considerar o tipo objetivo como mera causalidade, dando causa às distorções citadas acima. Para os finalistas, “os tipos tinham de ser complementados pelo dado especificamente humano, que fazia de uma mera causação uma verdadeira ação humana: a finalidade” (Gomes, 2020, p. 21).
Ou seja, o indivíduo age porque “antecipa as consequências dos atos a que se propõe, e porque pode valer-se do conhecimento de que dispõe a respeito de cursos causais para dirigi-lo no sentido que lhe aprouver” (Dias, 2019, p.21). Esse conhecimento e vontade de atingir um resultado delitivo constituem o dolo, de modo que o tipo do homicídio, por exemplo, passa a compreender não apenas a causação da morte, mas também o conhecimento sobre suas elementares típicas e a vontade de praticá-la. Assim, os finalistas passam a entender a causalidade apenas como uma primeira parte constitutiva da teoria do delito: a tipicidade objetiva. Acrescenta-se, por outro lado, uma segunda parte à análise típica, denominada tipo subjetivo, representada pela finalidade.
Embora tenha o finalismo alçado a discussão sobre tipicidade a um patamar mais sofisticado, o tipo objetivo permanecia inalterado. A ação de fabricar uma arma, por exemplo, permanecia objetivamente típica. Esse problema apenas seria resolvido com a doutrina atualmente dominante nos países de tradição jurídica romano-germânica, a teoria da imputação objetiva, que recoloca o tipo objetivo para o centro da discussão. Para a imputação objetiva, o tipo objetivo não pode se esgotar em uma mera causalidade, sendo necessária a introdução de duas ideias (Gomes, 2020, p.73). A primeira delas, a criação de um risco juridicamente desaprovado; a segunda, a realização deste risco no resultado, que serão melhor abordadas adiante.
Pois bem, ainda que a lei penal brasileira tenha sido concebida sob as bases de alguns conceitos do causalismo, encontra-se na legislação penal e processual penal a indicação de diferentes graus de concorrência para o crime. Nessa direção, o mesmo 29 do Código Penal, em seu caput, estatui que aquele que participa do cometimento do ilícito responderá por este na medida de sua culpabilidade, indicando uma escala na aplicação da pena. Seu § 1º, ainda, aponta para a incidência de uma causa de diminuição de pena de um sexto a um terço para participações de menor importância, corroborando a possibilidade da existência de características de um sistema diferenciador (Bittar, 2019).
Nesse sentido, Lôbo (2021, p.38) é preciso ao indicar como referência os dispositivos normativos que indicam esse dualismo: o artigo 29 (“concorre para o crime”), o artigo 62, inciso I (“cooperação no crime”), o artigo 29, § 2º (“se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave”) e o artigo 31. Segundo o autor:
É de evidência solar que uma “teoria che configura il concorso criminoso di persone come pluralità di reati distinti” não pode conviver com tais dispositivos, por mais que a equiparação de base causal sugira o entendimento de autonomia do título de punibilidade dos concorrentes. Não é possível, a partir deles, ascender àquela construção tão cara ao pluralismo, que apresenta o ato do partícipe como um crime condicional, de punibilidade dependente da realização do fato principal. O artificialismo da equiparação da execução do delito a uma condição objetiva de punibilidade do partícipe é, teoricamente, flagrante, assistindo razão a Boscarelli quando nota que tal afirmativa “eqüivale a dizer que a conduta do partícipe não é criminosa, e pois não constitui um delito’’. Se já é teoricamente artificial, quando cotejada com os dispositivos do Código Penal brasileiro essa argumentação passa a ser desvairada.
Na lei processual, o artigo 413 também aponta para essa dicotomia, afirmando que a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Portanto, embora a doutrina mais tradicional entenda de forma contrária, a interpretação sistemática do conjunto de normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro fundamenta a conclusão de que, a despeito de não haver norma expressa que faça uma distinção axiomática entre níveis de autoria, “não é impossível reinterpretar esse pequeno sistema normativo à luz de um conceito restritivo, que distingue entre autores e partícipes” (Dias, 2019, p.87).
É possível concluir, nessa direção, que uma contribuição de menor importância para o cometimento do crime merece uma resposta penal menos gravosa que a contribuição direta para sua consecução. E é justamente nesse sentido que, em um sistema diferenciador, estabelecem-se critérios distintos para definir-se a punibilidade de quem atua como autor e de quem atua como partícipe. Referida teoria reconhece o autor como a figura central do acontecer típico, que domina o risco de causar um resultado lesivo ao bem jurídico, enquanto o partícipe representa uma figura secundária, cuja ação constitui causa de extensão da punibilidade, já que circunda o acontecer típico sem domínio (Lôbo, 2021, p.42).
Em suma, a teoria reconhece três tipos de domínio em ações comissivas: o domínio da ação (autoria imediata), o domínio da vontade (autoria imediata) e o domínio funcional (coautoria). Autor imediato é aquele que tem domínio sobre sua própria ação, e que realiza, em sua própria pessoa, os elementos de um tipo penal; autor mediato é aquele que possui domínio sobre um terceiro, que é utilizado como instrumento por meio de coação, erro ou aparato organizado de poder; coautores são os que atuam de forma coordenada, em divisão de tarefas, e realizam conjuntamente o tipo, atuando em um plano comum e dando uma contribuição relevante para o resultado, o que fundamenta uma imputação recíproca (Pereira, 2020).
Por sua vez, partícipe será todo aquele que não executa diretamente a conduta descrita no tipo penal, mas que auxilia na sua prática, sendo considerada acessória e punível quando suficiente para atrair a tipicidade, mas não para transformar o indivíduo responsável imediato pelo ilícito (Lôbo, 2021, p. 454).
O sistema de diferenciação de autoria formulado prevê duas formas de participação comissiva, especificamente a instigação e a cumplicidade. Independentemente da categorização, ambas as formas pressupõem como requisitos objetivos uma conduta (contribuição do partícipe para o resultado), um resultado (fato tido como antijurídico) e uma causalidade (nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo). Em linhas gerais, a instigação ocorre quando um agente provoca no outro a decisão de praticar o delito (Pereira, 2020, p.106), a qual até aquele momento não havia sido considerada por este, e a cumplicidade quando um agente auxilia o outro a cometer o delito cuja prática já havia sido decidida por ele.
De acordo com Pereira (2020), atua como instigador, por exemplo, o gerente bancário que recomenda a um cliente a realização de determinada transferência de valores a fundos localizados em paraísos fiscais, sem passar pelos controles do Banco Central. E como cúmplice o indivíduo que transporta e vigia, do lado de fora do banco, o autor imediato que arromba o cofre da instituição financeira, e o cidadão que empresta um revólver para que um terceiro cometa um homicídio contra sua sogra. Veja-se que, em uma primeira análise, adotando-se os critérios da teoria do domínio do fato para aplicação ao problema paradigma, o cliente “A” age com domínio sobre sua própria ação, sendo autor imediato do crime de lavagem de capitais; o advogado “B”, por sua vez, auxilia o cliente a cometer o delito cuja prática já havia sido decidida por ele, a princípio, atuando como partícipe (cúmplice).
3 CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO DA PUNIBILIDADE
A fixação de critérios para determinação do limite punível da participação na modalidade colaboração material é tema de grande relevância na dogmática contemporânea. A pergunta que se faz, sob esse prisma, é qual o momento em que o auxílio na prática do crime passa a ter relevância penal. Tais critérios são imprescindíveis para o livre desenvolvimento da atividade profissional do advogado frente à lavagem de capitais (Dias, 2021).
Tanto no Brasil quanto no exterior a linha doutrinária mais moderna utiliza os critérios da imputação objetiva para determinar os limites da abrangência da norma penal sobre comportamentos concretos. Veja-se que, conforme mencionado anteriormente, as teorias do crime que antecedem a imputação objetiva (causalismo e finalismo) não conseguem resolver, no plano da tipicidade objetiva, alguns problemas relevantes, como o afastamento da tipicidade objetiva da conduta do fabricante da arma utilizada por um homicida. A teoria da imputação objetiva, ao contrário, recoloca o tipo objetivo no centro das atenções (Venosa, 2022).
Assim, a conduta (seja do autor, seja do partícipe) possui relevância penal quando cria um risco não permitido de afetação do bem jurídico tutelado pela norma, e esse risco se realiza no resultado, dentro do âmbito de abrangência da norma penal. O primeiro fator a se analisar em uma conduta é se ela cria um risco (Dias, 2021, p.128). E tal verificação se dá por meio da ideia da prognose póstuma objetiva. Isso ocorre quando a ação humana, analisada sob uma perspectiva ex ante, tem potencial para expor a perigo ou efetivamente lesionar um determinado bem jurídico.
Segundo Venosa (2022), será arriscada a ação quando, segundo o juízo de um homem prudente do mesmo círculo social do autor, situado no momento da prática da ação e dotado de conhecimentos especiais, traz consigo a possibilidade de dano ao bem jurídico. Em relação ao caso paradigma, por exemplo, o intérprete deve considerar um homem de igual posição social e econômica, colocando-o no momento da consulta, para aferir se, em seu entendimento, o assessoramento terá o potencial de lesionar a Administração da Justiça. O exercício que deve ser feito é imaginar se, aos olhos de um outro advogado, de igual posição social e econômica de “B”, colocado no momento da consulta, o assessoramento jurídico gera real possibilidade de ofensa à Administração da Justiça. A resposta a essa primeira pergunta é positiva.
Isso porque, em primeiro lugar, os setores financeiro, societário e imobiliário constituem uma reconhecida porta de entrada para operações de ocultação e dissimulação da origem ilícita de bens. Fornecer assessoramento jurídico nessas atividades econômicas constitui, por si só, uma ação arriscada para diversos bens jurídicos, como a Ordem Tributária, a Ordem Econômica, as Relações de Consumo, a Administração Pública, o Meio Ambiente etc (Dias, 2021).
Em segundo lugar, a grande quantidade de red flags que circundam a consulta indicam que o assessoramento do advogado tem o potencial de lesionar a Administração da Justiça: o cliente “A” é Pessoa Politicamente Exposta; as Ilhas Solomon são um país com regime fiscal privilegiado; pretende-se realizar uma transferência de titularidade de bens por meio de um instituto que, embora lícito, é comumente utilizado para a lavagem de dinheiro etc. Entretanto, este primeiro critério analisado isoladamente pouco ou nada contribui para a aferição de uma conclusão acerca da tipicidade de uma conduta, uma vez que a criação de riscos é absolutamente necessária em sociedades contemporâneas (Venosa, 2022).
Não fosse assim, seria impensável o desenvolvimento social, considerado em seu amplo espectro, posto que grande parte dos comportamentos humanos criam riscos a bens jurídicos: a fabricação de automóveis, a construção de edifícios, e até mesmo a produção de alimentos. A mera criação de um risco, portanto, não torna o comportamento típico, seja a título de autoria, seja a título de participação (Dias, 2021).
4 DESAPROVAÇÃO DO RISCO
O risco relevante é, assim, aquele não-permitido, o que ultrapassa os limites previstos na lei, ou, em outras palavras, o juridicamente desaprovado. Este é o segundo elemento a ser analisado. Nesse momento, a questão central é definir os critérios para considerar se um risco é permitido ou não, fixando seus limites (Vassilieff, 2022).
O instrumento mais importante para avaliar se um risco é juridicamente desaprovado é a existência de normas de segurança que regulam a prática da ação tida por perigosa. Em geral, as normas de segurança costumam se apresentar por meio de normas públicas, as chamadas normas jurídicas, ou por meio de normas privadas ou técnicas, as normas não jurídicas (Vassilieff, 2022).
Exemplo clássico das normas de segurança jurídicas são as leis de trânsito. A violação de uma determinada norma de trânsito representa um relevante indício de que o risco criado é juridicamente desaprovado. Assim, caso o descumprimento de uma regra de trânsito seja motivador de um acidente com morte, referida violação representa indício razoável do preenchimento do segundo requisito da imputação objetiva (Venosa, 2022, p.372).
Diz-se indício porque tal fórmula não é imutável. Nem sempre a violação da norma de segurança fundamentará risco proibido; nem tampouco a obediência à norma de segurança fará do risco algo permitido. Mas o critério das normas de segurança, em conjunto com outros elementos com os quais a doutrina costuma trabalhar, representa um importante fator de análise sobre a reprovabilidade de um risco. As normas de segurança não jurídicas, por seu turno, são as de natureza privada que regulam atividades perigosas. Via de regra, são as promulgadas por representantes da indústria ou do esporte, “daí um enorme déficit de legitimação democrática, de maneira que não de poderá conferir-lhes a mesma relevância que se conferiu às normas jurídicas” (Vassilieff, 2022, p.56).
A despeito de as normas privadas nem sempre decorrerem de uma ponderação imparcial de interesses, ou mesmo não objetivarem tutelar a proteção de bens jurídicos, não se pode desconhecer sua importância para ponderação do risco, uma vez que seu principal valor é o de documentar o que é tido por uma boa prática (Ribeiro Júnior, 2021, p.59). Exemplo: um soco desferido na parte de trás da cabeça em uma luta de boxe entre pugilistas profissionais representa um desrespeito às normas estabelecidas pela Organização Mundial de Boxe, de modo que o risco criado pela ação do transgressor é não permitido, ou juridicamente desaprovado, pois não representa uma boa prática no exercício de tal atividade esportiva.
Um segundo critério para avaliação da desaprovação do risco é o princípio da confiança. De acordo com esse critério, um indivíduo, ao agir, não tem o dever de antecipar a possibilidade de outra pessoa se comportar erradamente, e com isso concorrer para um resultado indesejável. Em outras palavras, todos podem confiar que os demais indivíduos se comportarão de forma correta (Ribeiro Júnior, 2021, p.24). Utilizando o mesmo exemplo do ambiente de trânsito: um indivíduo que dirige seu veículo às 10h00 acima dos limites de velocidade, e cruza o semáforo cuja sinalização apresentava a luz verde, pode confiar que outra pessoa, que transita pela rua transversal, espere a sua vez para avançar o cruzamento.
Ainda, um terceiro critério utilizado pela doutrina para identificar se a criação do risco é juridicamente desaprovada, caso as duas primeiras sejam insuficientes para se chegar a uma conclusão, é a figura do homem prudente. Tal critério é o mesmo que fundamenta a criação do risco, mas nesse momento o que interessa não é mais se o homem prudente consideraria perigosa determinada ação. Neste momento o que importa é verificar se, mesmo considerando perigosa, o indivíduo, pertencente ao mesmo círculo social em que se encontra o autor, ainda assim praticaria a conduta (Greco Filho, 2022).
Em suma, são esses os três principais critérios que se prestam a identificar se a criação do risco é permitida ou não: as normas de segurança, o princípio da confiança e a figura do homem prudente. No geral, tais parâmetros são suficientes para a análise da permissão do risco criado em atividades cotidianas. Entretanto, há um grupo especial de atividades para o qual a doutrina desenvolveu parâmetros específicos que devem nortear a análise da permissão do risco. São atividades que ganham especial relevância em um ambiente dinâmico e globalizado, onde atividades aparentemente normais podem suscitar a dúvida sobre sua licitude, especialmente em relação aos delitos empresariais (mas não somente a estes). São as chamadas ações neutras (Ribeiro Júnior, 2021).
A problemática da intervenção no delito por meio de condutas neutras tem gerado um debate relevante na literatura penal alemã nos últimos 30 anos. Recentemente, a discussão ganhou corpo também na doutrina espanhola, o que demonstra sua relevância prática e teórica. A questão central gira em torno da necessidade de se determinar se as ações neutras são ou não são puníveis pelo Direito Penal. Assim, tais tipos de comportamento estão no limite entre o que seria uma conduta socialmente adequada e, portanto, impunível, e uma participação delitiva e, portanto, punível (Pacífico, 2021).
Mas a despeito do esforço doutrinário dos últimos anos, não existe uma pacificação na doutrina sobre as regras que devem nortear a análise das condutas neutras, permanecendo abertas as conclusões sobre o tema (Greco Filho, 2022, p.114). Em síntese, condutas neutras são aquelas contribuições a fato ilícito alheio que, à primeira vista, parecem completamente normais, e que acabam favorecendo causalmente o autor do delito mesmo que com pleno conhecimento deste favorecimento por parte do favorecedor.
Via de regra, são condutas inseridas em contextos altamente padronizados ou standardizados que, se praticadas isoladamente, são indiscutivelmente lícitas. Nessa direção, entende que ações neutras podem ser definidas como “conductas estándar, estereotipadas o ejecutadas conforme a un rol social”, o que implica dizer que “en sí mismas consideradas son conductas lícitas o inócuas”, e que “son conductas que se insertan en contextos altamente regulados o estandardizados” (Diniz, 2021, p.191).
De igual modo, são as contribuições dadas, por exemplo, pelo gerente da instituição financeira em uma operação de evasão de divisas, ou a dada pelo advogado “B” ao cliente “A” que solicita seu auxílio profissional para elaborar um planejamento sucessório por meio de um trust constituído nas Ilhas Solomon. São atividades que, em si mesmas (gerenciar contas bancárias, fornecer assessoramento jurídico), são inquestionavelmente lícitas, mas a depender do contexto podem levantar dúvidas sobre a participação punível em determinado delito (Greco Filho, 2022).
As ações neutras estão no limite entre a participação punível e a contribuição impunível, e serão consideradas tal e qual a depender das circunstâncias em que praticadas. Na atualidade, é amplamente majoritário na doutrina o entendimento de que a fixação de critérios para definir se determinada ação (neutra ou não) merece reprimenda penal deve ser realizada no plano da tipicidade (Campos, 2022, p.114). Entretanto, o tipo é constituído de uma face objetiva e de outra subjetiva, de modo que, resumidamente, há teorias que resolvem o problema no plano do tipo objetivo, e teorias que resolvem o problema no plano do tipo subjetivo.
O primeiro grupo é composto pelas teorias subjetivistas, as quais analisam as contribuições neutras sob o aspecto preenchimento das elementares do tipo subjetivo – dá-se preponderância ao tipo subjetivo na análise da reprovabilidade das condutas neutras ou, em outras palavras, dizem existir um risco juridicamente desaprovado no conhecimento ou na possibilidade de conhecê-lo. O segundo grupo, de teorias objetivistas, propõe-se a solucionar a questão da reprovabilidade das contribuições neutras na esfera do tipo objetivo – renuncia-se à análise da psiquê do agente para aferição da relevância penal da participação (Pacífico, 2021).
5 TEORIAS OBJETIVISTAS
Diniz (2021, p.136) parte da ideia da idoneidade, que representa um dos componentes do princípio constitucional da proporcionalidade, segundo a qual apenas será legítimo limitar a liberdade de agir dos cidadãos quando a proibição for adequada para alcançar o fim almejado. Segundo o autor, “uma proibição se poderá dizer idônea […] se a não-prática da ação proibida servir de meio para alcançar determinado fim”. O fim almejado é a proteção do bem jurídico concreto, sendo desnecessário que a não-prática da ação proibida salve o bem jurídico, bastando que ela melhore sua situação. E melhorar a situação do bem jurídico, para o critério proposto, “pressupõe uma melhora relevante: menos do que salvar, mas mais do que modificar”.
Campos (2022, p.147), por seu turno, entende que a avaliação deve ser feita sob o aspecto da solidariedade, ou da falta dela. O autor baseia sua ideia na lição de Bottini (2024, p.88), no sentido de que uma sociedade mais integrada gera uma maior proliferação de riscos, fazendo surgir o que chamou de “sistemas peritos”. Referidos sistemas representam as redes técnicas e de saber das quais as pessoas dependem nos dias atuais, como instituições financeiras, provedores de internet, sistemas de informações diversos etc., operados por “peritos”.
Por ocasião da atual organização social, todas as pessoas dependem da ação idônea desses peritos, e podem ser afetados por seu comportamento ilícito. Assim um perito envolvido na cadeia causal de uma conduta lesiva executada por outro perito, dada a magnitude dos riscos gerados por esta conduta e a opacidade dos sistemas abstratos nos quais atuam, possui o dever de solidariedade, isto é, deve agir de maneira que o resultado seja impedido ou evitado de alguma maneira (Diniz, 2021, p.148).
Assim, haverá a criação de um risco juridicamente desaprovado na participação quando houver uma violação ao dever de solidariedade que, em nosso ordenamento jurídico, recebeu disposições legais nos crimes omissivos. Como no caso das ações neutras há uma contribuição no fato do autor, incrementando o risco de seu resultado, Rassi entende pela aplicabilidade do artigo 13, § 2º, “como critério normativo para se avaliar se o incremento do risco ultrapassou os limites do permitido, tornando a conduta em princípio considerada neutra como punível” (Pacífico, 2021, p.150).
Haverá responsabilidade quando o interveniente especificamente configura seu auxílio de tal modo que encaixe ao contexto delitivo do comportamento alheio (Bottini, 2024, p.253), devendo-se também analisar, portanto, o contexto em que a conduta está inserida. Ou seja, a fundamentação da sanção, nesses casos, parte de um excesso no exercício da liberdade juridicamente definida. E para constatação desse excesso, deve-se utilizar os critérios objetivos, uma vez que os subjetivos (má intenção do agente) são insuficientes para tal verificação.
As ações neutras, por exemplo, são condutas que, ao menos nos casos mais comuns, estão no marco da liberdade jurídica de agir. A questão é, portanto, identificar quando o sujeito já não mais se move no marco de sua liberdade. Assim, de acordo com seu entendimento, apenas será ilícita aquela conduta com indubitável significado delitivo. Ou, em outras palavras, quando a conduta se adapta de tal maneira à facilitação da ação delitiva do autor imediato que esgota seu próprio conteúdo no favorecimento alheio (Campos, 2022).
6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
Apesar de não regular diretamente a responsabilidade do advogado por sua atuação profissional, o Código Civil, CC, trata do mandato judicial que opera se ao receber o advogado poderes para postular em juízo. Trata-se de contrato consensual, porque se aperfeiçoa com o acordo de vontade das partes, personalíssimo porque se baseia na confiança, podendo ser extinto quando esta cessar, não solene, cuja aceitação pode ser expressa ou tácita; bilateral e oneroso por acarretar vantagens para ambas às partes (Cervini e Adriasola, 2023).
No art. 692 o CC estabelece que “o mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que deveria exercer pessoalmente”. E nos arts. 118 e 667 trata da responsabilidade do advogado mandatário, estabelecendo as obrigações de diligência e de indenizar os prejuízos por exceder o mandato e não aplicar a diligência habitual, inclusive os resultantes de caso fortuito, se substabelecer outro mandatário sem autorização do mandante. Por fim, o art. 602 do CC aborda o instituto da prestação de serviços e também pode aplicar-se aos advogados, que muitas vezes são prestadores de serviços de natureza intelectual, e, portanto, a indenização prevista nesse preceito, a título de perdas e danos, pode aplicar-se também aos advogados (Lopez, 2022).
O art. 104 do CPC refere-se diretamente à responsabilidade do advogado, estabelecendo que: “o advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente. (…) § 2º – O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado por despesas e por perdas e danos”. Quanto à obrigatoriedade de aceitação do mandato judicial, o advogado tem ampla liberdade para recusar o patrocínio, ampla liberdade para recusar o mandato, sem sequer aduzir os motivos por que o fazem. Assim, o advogado pode, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, desde que cientifique o mandante e continue a representá-lo por dez dias a fim de que este providencie substituto e não sofra prejuízo, nos termos do art. 112 do CPC (Lopez, 2022).
O CPC estabelece nos arts. 77 a 78, 774 e seu parágrafo o dever de ética e lealdade processual para as partes e seus procuradores durante o processo e o respeito devido à dignidade dos órgãos do Poder Judiciário, deveres cujo desrespeito pode acarretar a responsabilidade do advogado. Os arts. 79 e 80 do Código de Processo Civil prevê a responsabilidade processual por danos se uma das partes viola a obrigação de comportar-se no processo com lealdade e probidade ou se a lide é temerária ou maliciosa, conforme declarado por sentença; nessa situação, cabe multa, que reverterá em favor da parte contrária, conforme a responsabilização tarifada do art. 81 do CPC (Campos, 2022).
Como bem elucida Bottini (2024, p.259), “litigância de má-fé é comportamento desleal do litigante ou de seu patrono. (…) A responsabilidade por litigância de má-fé é patrimonial e sempre perante o adversário, que é parte inocente. A parte responde sempre por ela, quer o ato antiético haja sido recomendado ou autorizado ao defensor, quer não haja sido. O advogado só responde se houver participado conscientemente da ilicitude”.
A primeira das condutas que caracterizam litigância de má fé, art. 81, I do CPC, “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei (…)”, requer especial atenção, pois não se procura impedir a interpretação dos textos legais e tão pouco limitar o contraditório; quanto a “deduzir pretensão ou defesa contra (…) fato incontroverso”, esse é fato notório ou confessado pela parte. Quanto à conduta descrita no inciso II, “alterar a verdade dos fatos”, esta deve ser dolosa, intencional. A conduta prescrita no inciso III, “usar do processo para conseguir objetivo ilegal”, é conceito impreciso que, segundo Andrade (2023) “abrange os casos em que a propositura da demanda é em si mesma um expediente engendrado com a finalidade de obter aquilo que a lei não permite, às vezes a dano de terceiros. Incluem-se nessa previsão as demandas de separação judicial destinadas a frustrar credores mediante a subtração dos bens de um dos cônjuges à responsabilidade patrimonial ou a afastar inelegibilidade”.
O art. 14 do CDC cuida da responsabilidade do prestador de serviços e seu parágrafo 4º trata especificamente da responsabilidade do profissional liberal limitando-a à sua atuação culposa. Os advogados são prestadores de serviços, pois atuam para o cliente, destinatário final do serviço, mediante remuneração, e, portanto, sujeitos a esse artigo. Assim sendo, a adequada interpretação desse artigo deve ser feita mediante a substituição ficta no caput do artigo da expressão “independentemente de culpa” pela do parágrafo 4º, “mediante verificação de culpa”, inferindo-se que o advogado responde, mediante a verificação de culpa pela reparação dos danos causados ao cliente por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e risco (Lopez, 2022).
Dessa forma, apesar da responsabilidade do CDC ser predominantemente objetiva, a responsabilidade do advogado será subjetiva, por acertada opção legislativa; será fundada na culpa, em razão da natureza intuitu personae dos serviços advocatícios, baseados na confiança pessoal do cliente em seu advogado. Outra particularidade é que o contrato entre o advogado e seu cliente não é de natureza consumerista, não é contrato de adesão, mas contrato de direito privado, negociado individualmente, no qual se vislumbra a igualdade das partes contratantes. Essa característica não é suficiente para afastar a aplicação do CDC do Consumidor, pois a determinação de sua aplicação aos profissionais liberais é explícita em seu texto, mas fortalece a justificação da responsabilidade dos advogados ser subjetiva e não objetiva como o é em geral no CDC (Dinamarco, 2021).
Contudo, muitas vezes não é fácil para a vítima provar a culpa do profissional, como elucida Bottini (2024, p.563): “(…) em muitos casos, pôr a prova a cargo da vítima é recusar-lhe qualquer reparação”.No mesmo sentido Josserand: “um direito só é efetivo quando a sua realização, a sua praticabilidade é assegurada; não ter direito, ou, tendo-o, ficar na responsabilidade de fazê-lo triunfar, são uma coisa só”. O art. 6º, inciso VIII, do CDC estabelece que: “são direitos básicos do consumidor: (…) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”.
Segundo esse inciso, a inversão do ônus da prova, em situações determinadas, mostra-se como opção para facilitar que a vítima alcance reparação. Para Cervini e Adriasola (2023), “são inversões do ônus da prova as alterações de regras legais sobre a distribuição deste, impostas ou autorizadas por lei”; a inversão autorizada pelo CDC é inversão judicial do ônus da prova em benefício exclusivo do consumidor “em atenção à hipossuficiência organizacional” deste. Cumpre acentuar que a inversão do ônus da prova aplicar-se-ia exclusivamente à prova da culpa, pois a prova do prejuízo ou dano e do nexo de causalidade sempre cabem à vítima.
O princípio da inversão do ônus da prova do CDC não é princípio automaticamente ou genericamente aplicável, mas tem seu alcance restrito às alegações verossímeis e aos hipossuficientes, ou seja, àqueles que não dispõem de condições técnicas e financeiras mínimas para produzirem a prova. Ora, a aplicação deste princípio é faculdade do juiz, que não está adstrito a fazê-lo, pois muitas vezes o cliente, pessoa física ou jurídica, tem iguais ou melhores condições que o profissional para angariar provas, o que afastaria a inversão do ônus da prova. Para Andrade (2023, p.255), “embora o texto legal fale nominalmente em verossimilhança ou hipossuficiência, a leitura correta deve substituir o disjuntivo ou pelo aproximativo e, porque a leitura nominal implicaria inconstitucionalidade do texto”.
Outro importante aspecto que não se pode deixar de analisar é que o CDC foi elaborado tendo em mente as relações de consumo de bens materiais, quando, na maioria das vezes, o consumidor não detém os meios para conhecer os elementos componentes e os riscos dos produtos, quanto mais para fazer prova a seu favor contra o fornecedor, sendo usualmente parte hipossuficiente. Isso, entretanto, frequentemente não se verifica nas prestações de serviços, pois, ao contrário do desconhecimento do consumidor e de seu defensor técnico em relação à fórmula de um medicamento, de um produto de higiene ou cosmético, ou do funcionamento de um aparelho mecânico ou eletrônico, entre outros exemplos, outro profissional, principalmente se também prestador da mesma espécie de serviço, pode, com segurança, conhecer e avaliar a atuação de seu colega, o que se verifica, em especial, na prestação de serviços advocatícios, pois a propositura de demanda de indenização por danos causados no exercício profissional far-se-á, necessariamente, por intermédio de outro profissional com formação semelhante, ou seja, outro advogado, e deste espera-se que possua condições técnicas para avaliar a conduta do colega réu da demanda e assistir tecnicamente a parte na demonstração da culpa do réu. Espera-se que um advogado diligente tenha todas as condições técnicas e conhecimentos jurídicos para avaliar e apontar a atuação culposa de outro advogado. Não é possível vislumbrar que um profissional não tenha condições técnicas e intelectuais suficientes para orientar e assistir seu cliente na realização da prova da culpa de outro profissional prestador da mesma espécie de serviços (Dinamarco, 2021).
O Estatuto da Advocacia determina que a conduta do profissional que incidir em erros reiterados, que evidenciem inépcia profissional, constitui infração disciplinar e, no art. 32, determina que: “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”. Assim sendo, constata-se que não mais se exige erro grosseiro ou total inépcia profissional para a responsabilização do advogado. Verifica-se que a culpa exigida para a responsabilidade civil profissional é a mesma espécie de culpa aplicável a todas as hipóteses de reparação civil. Ora, com efeito, a responsabilidade profissional nada mais é que pura responsabilidade civil, com todos seus elementos, apenas especificada por nomenclatura própria, cuja única função parece ser identificar, de pronto, estar-se diante de responsabilidade civil por ato praticado por profissional no exercício da profissão (Dinamarco, 2021).
Efetivamente, a obrigação de reparar o dano resulta do ato ilícito, que vem a ser a ação ou a omissão humana, voluntária, imputável à pessoa capaz de entender e querer, que aja com discernimento, com intenção, imprudência ou negligência, ou seja, culpa, e que cause prejuízo a outrem. O ato ilícito é também chamado inadimplemento culposo e composto de dois elementos, um subjetivo, que é a culpa, e outro objetivo, que é o dano. Esses elementos devem estar vinculados um ao outro; a culpa deve ser a causa e o dano o efeito dessa causa. Em síntese, consiste numa ação ou omissão da conduta necessária ao cumprimento de uma obrigação preexistente, seja ela legal ou convencional, que cause prejuízo. Seguindo a mesma linha doutrinária, o autor Andrade (2023, p.287) afirma que “no caso concreto dos profissionais, a antijuridicidade pode produzir-se, além disso, por violação específica às normas especiais, referentes ao exercício da profissão de que se trate, que estabeleçam deveres de conduta ou modos de agir, ou determinem proibições”.
A responsabilidade civil origina-se no dano e consiste na obrigação de indenizar, ou seja, na obrigação de reparar esse dano. A responsabilidade civil que se verifica se presente a culpa (lato sensu), a qual é avaliada em função do comportamento do sujeito, é chamada de responsabilidade subjetiva. Assim, para caracterizar-se a responsabilidade civil, deve haver ilícito, e para haver obrigação de reparar é necessário comprovar-se a presença dos três elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a culpabilidade, ou seja, que a ação ocorreu por inobservância do dever de diligência, por negligência, imprudência ou imperícia, o prejuízo ou dano (material ou dano moral) e o nexo de causalidade, que vem a ser a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente (Cervini e Adriasola, 2023).
CONCLUSÃO
O exercício da advocacia se tornou uma atividade temerária e de risco quanto à segurança e integridade física dos advogados. A onda de atentados contra os profissionais do direito preocupa e assusta a categoria em todo o país. Isto posto, é indispensável reconhecer que, assim como os juízes e promotores, os advogados também exercem atividades que expõem sua vida e integridade física.
O advogado criminal também sempre deve ter uma postura firme com seu constituído. Na sua vida profissional vão aparecer os mais diversos tipos de clientes, inclusive aqueles que acham que sabem mais do que o próprio advogado.
Risco existe em todas as profissões basta você ser um mal profissional que certamente desenvolverá sentimentos de revolta no seu cliente. Isso é natural em qualquer prestação de serviço. A profissão é segura, basta ser honestos, leais, humildes e trabalhar forte que tudo dá certo. Trabalhando de maneira correta com o teu cliente, a advocacia criminal torna-se uma das profissões mais seguras do mundo.
REFERÊNCIAS
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[1] Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante. E-mail: ricardonfernandes@hotmail.com