O ATIVISMO JUDICIAL NAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO

O ATIVISMO JUDICIAL NAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

THE ACTIVISM OF THE JUDICIARY COURTS IN NOTARY AND REGISTRY ACTIVITIES

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Aurélio Joaquim da Silva[1]
Marcos Paulo Passoni[2]

RESUMO: A Constituição Federal/1988, artigo 236, regulado e complementado por um conjunto de leis extravagantes, forma, no ordenamento jurídico pátrio, um microssistema notarial e registral. Trata-se de experiência brasileira de segurança jurídica e de solução preventiva de litígios, que pode ser material de estudos, tanto nacional quanto internacional, dada a riqueza, diversidade e complexidade dos atos realizados e de sua eficácia. Há particularidades únicas no ordenamento jurídico registral e notarial brasileiro, em vista da construção histórica, dogmática e normativa de seus princípios, procedimentos, práticas consuetudinárias muito ricas, eficientes e econômicas, com serventias espalhadas por todo território nacional, e, no presente estudo, aborda-se o exacerbado ativismo judicial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em sua atividade de controle desses serviços extrajudiciais. O campo de estudo foi dado notadamente pela doutrina do Direito Processual Constitucional, cuja metodologia foi pautada pela dogmática abstrata hermenêutica e analítica e pragmática com o objetivo de evidenciar e resultado a alcançar: o ativismo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Palavras-chave: Ativismo judicial. Fiscalização. Poder Judiciário. Regulação. Serviços notariais e de registro.

ABSTRACT: The Federal Constitution/1988, article 236, regulated and complemented by a set of extravagant laws, forms, in the Brazilian legal system, a notary and registry microsystem. This is a Brazilian experience of legal certainty and preventive litigation solution, which can be material for studies, both nationally and internationally, given the richness, diversity and complexity of the acts performed and their effectiveness. There are unique particularities in the Brazilian registry and notarial legal system, in view of the historical, dogmatic and normative construction of its principles, procedures, very rich, efficient and economic customary practices, with services spread throughout the national territory, and, in this study, it addresses the exacerbated judicial activism of the National Council of Justice (CNJ) in its activity to control these extrajudicial services. The field of study was notably the doctrine of Constitutional Procedural Law, whose methodology was guided by the abstractly hermeneutic and analytical dogmatics of the Council of Justice and pragmatics with the objective of evidence and result to be achieved: the activity of the National Council of Justice (CNJ).

Keywords: Activism of the Judiciary Courts. Administrative supervising. Regulation. Judiciary Courts. Notary and registry activities.

  1. INTRODUÇÃO

Os Serviços Notariais e Registro estão constitucionalizados pela Carta Magna de 1988, no artigo 236 e respectivos parágrafos, regulados por um conjunto de leis que formam o sistema notarial e registral brasileiro. É tema ligado umbilicalmente com o Direito Processual Constitucional, como se denotará no curso e conclusão desse trabalho.

A história dos serviços extrajudiciais de segurança jurídica e de solução preventiva de litígios, no Brasil, é rica, profícua e pode ser material de estudos acadêmico e científico, tanto nacional quanto internacionalmente, dada a riqueza, diversidade e complexidade dos atos realizados e de sua eficiência e eficácia.

A experiência brasileira registral e notarial possui particularidades únicas no mundo, em vista da construção histórica, dogmática (hermenêutica, analítica e pragmática) e normativa de seus princípios, procedimentos e ricas, eficientes e econômicas práticas consuetudinárias, com serventias espalhadas por todo território nacional.

Nessa conjuntura, os serviços notariais e registrais brasileiros, enquanto serviços públicos prestados em caráter privado, nos ditames constitucionais, também devem aperfeiçoar-se e modernizar-se. Para tanto, torna-se necessário: – realização de concursos públicos de qualidade, para melhor seleção de novos titulares; – informatização e digitalização integrais; – economicidade e gradação de tabelas de emolumentos; – redução da altíssima tributação incidente sobre emolumentos, encarecendo os serviços; e, – razoabilidade e equilíbrio em regulação e fiscalização dos serviços, exercidas pelo Poder Judiciário.

 Contudo, a pretexto de exercício normativo e fiscalizatório, o Poder Judiciário pratica exacerbado ativismo judicial[3], que transborda os limites da lei e constrói duvidosa hermenêutica constitucional. São circunstâncias que poderão levar ao desequilíbrio de todo o sistema extrajudicial, cujos serviços são, gradativamente, capturados por bancos ou empresas de informática, que não garantem isonomia, imparcialidade, segurança jurídica, nem, tampouco, eficácia dos atos jurídicos.

Demonstra-se nos tópicos abaixo que praticamente nenhuma outra atividade ou serviço público prestado em caráter privado é tão demasiado regulado e fiscalizado quanto os serviços notariais e registrais brasileiros. Assinalar-se-ão alguns pontos importantes caracterizadores de exacerbado ativismo judicial[4] sobre atividades notariais e de registro, especialmente o praticado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, sob o pretexto de conferir aplicação a princípios previstos no artigo 37, caput, da CF/1988, pode estar mais burocratizando do que aperfeiçoando a atividade que, como determina o artigo 236 da CF/1988, deve ser exercida em caráter privado, apesar de ser regulada pelo Poder Judiciário.[5] O ativismo nessa circunstância viola o Direito Processual Constitucional, consistente de forma ampla no respeito à lei, à jurisprudência sedimentada e vinculada e, igualmente, à Constituição Federal de 1988.

2.  O PODER JUDICIÁRIO E A FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO

A CF/1988, artigo 236, parágrafo 1º, estabeleceu a competência do Poder Judiciário como órgão de fiscalização dos Serviços Notariais e de Registro.

A Lei nº 8.935/1994 fora elaborada como norma regulamentadora do artigo 236 da Carta Magna, definindo natureza dos serviços, responsabilidades, direitos, infrações disciplinares, penalidades e fiscalização pelo Poder Judiciário.

A Emenda Constitucional nº 61, de 11 de novembro de 2009, inseriu o art. 103-B no Capítulo III, relativo ao Poder Judiciário, criando o CNJ. Ao Conselho compete controlar tanto atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, quanto cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Cabe ao CNJ, além de outras atribuições, receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de Serviços Notariais e de Registro, que atuem por delegação do poder público (CF/1988, art. 103-B, § 4º, inciso III).

Portanto, de acordo com a CF/1988 e a legislação regulamentadora, a fiscalização dos Serviços Notariais e de Registro dar-se-á: pelo Poder judiciário, por meio dos Juízes diretores do foro e das Corregedorias dos Tribunais de Justiça Estaduais; e, pelo CNJ.

No exercício de suas funções regulamentadoras, Tribunais de Justiça Estaduais, por meio de suas Corregedorias-Gerais, e o CNJ têm editado inúmeras Resoluções Normativas de caráter geral e abstrato, seja nos Estados, seja de caráter nacional, muitas vezes exercendo verdadeira função legislativa.

Além disso, quanto à atividade extrajudicial dos Serviços Notariais e de Registro, o Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, judicial ou administrativa, por meio do CNJ e das Corregedorias estaduais, tem exercido, em inúmeros procedimentos e processos, em todo o Brasil, ativismo judicial, assim entendido como desrespeito aos limites normativos substanciais da função jurisdicional.[6]

3. O CNJ E FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO

O CNJ é órgão do Poder Judiciário; é órgão judicial sem, contudo, jurisdição. É órgão administrativo de controle externo do Poder Judiciário e da atividade da magistratura, cabendo-lhe fiscalizar gestão financeira e administrativa desse Poder e cumprimento do dever funcional dos Juízes.[7]

Incumbe ao CNJ, reitera-se, receber e conhecer de reclamação contra os serviços auxiliares do Poder Judiciário, bem como em face de serventias e órgãos prestadores de Serviços Notariais e de Registro que atuem por delegação do poder público, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais (CF/1988, art. 103-B).

  • Do corregedor nacional de justiça

            Ao Corregedor Nacional de Justiça, que integra o CNJ, nomeado dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), compete, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados a aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos Serviços Notariais e de Registro, bem como dos demais órgãos correicionais, sobre matéria de competência da Corregedoria Nacional de Justiça (Regimento Interno do CNJ – Resolução nº 67/2009, art. 8º, inciso X).

3.2 Dos procedimentos perante o CNJ

O artigo 46 do Regimento Interno do CNJ (Resolução nº 67/2009) dispõe sobre diversos procedimentos e classes processuais específicos deste órgão nacional de controle.[8]

O ativismo do CNJ é exercido por meio de alguns Procedimentos de Controle Administrativo, cuja abrangência é mais ampla do que a competência prevista no artigo 91 de seu Regimento Interno. Nesse ponto a raiz do ativismo do CNJ, eis que a própria competência do órgão é, em certa medida, ultrapassa contra os termos da lei.

Como o artigo 91 do Regimento Interno do CNJ estriba-se nos ditames dos princípios constitucionais previstos no artigo 37, caput, da CF/1988, a abrangência de matérias é ampla, dando azo ao discutido ativismo judicial realizado pelo CNJ. O Conselho chega, até mesmo, a extrapolar sua competência constitucional administrativa, uma vez que, ao regular a atividade notarial e de registro, acaba por adentrar em matérias de direito de família, registros públicos, direitos reais, sucessões etc.

            Por exemplo, tem-se o Pedido de Providências que é procedimento por meio do qual o CNJ recebe propostas e sugestões tendentes à melhoria da eficiência e eficácia do Poder Judiciário, bem como todo e qualquer expediente que não tenha classificação específica, nem seja acessório ou incidente. Nessa linha, cabe ao Plenário do CNJ ou ao Corregedor Nacional de Justiça, conforme a respectiva competência, conhecimento e o julgamento daquele Pedido de Providência. Por meio desse pedido, cuja abrangência é ampla e residual, são praticados muitos atos que podem ser classificados por o exercício de um ativismo judicial deste órgão administrativo de controle da magistratura nacional e dos Serviços Notariais e de Registro. Muitas de suas decisões, como abaixo se verá, extrapolam sua competência administrativa, exercendo verdadeira atividade juslegislativa.

  • Atos normativos expedidos pelo CNJ

O CNJ tem expedido, com certa profusão, atos normativos, em intensa atividade juslegiferante, conforme Regimento Interno do CNJ, artigo 102.

O Plenário do CNJ, por maioria absoluta, tem editado atos normativos, mediante Resoluções, Instruções ou Enunciados Administrativos e, ainda, Recomendações.

Edição de ato normativo ou regulamento poderá ser proposta por Conselheiro ou resultar de decisão do Plenário, quando apreciar qualquer matéria, ainda quando o pedido seja considerado improcedente, podendo ser realizada audiência pública ou consulta pública.

Decidida a edição do ato normativo ou da recomendação, a redação do texto respectivo será apreciada em outra sessão plenária, salvo comprovada urgência.

A edição de ato normativo poderá, a critério do Plenário ou do Relator, ser precedida de audiência pública ou consulta pública, em prazo não superior a 30 (trinta) dias.

Os efeitos do ato serão definidos pelo Plenário. Resoluções e Enunciados Administrativos terão força vinculante, após sua publicação no Diário da Justiça e no sítio eletrônico do CNJ. Os Enunciados serão numerados em ordem crescente de referência, com alíneas, quando necessário, seguidas de menção dos dispositivos legais e dos julgados em que se fundamentam.

Em vista de seu caráter vinculante e de observância obrigatória, ato normativo do CNJ pode possuir força maior do que lei elaborada e aprovada pelo Poder Legislativo. Isso porque a sua não observância pode significar perda de delegação, ou seja, cassação da delegação outorgada àquele que ousar não cumpri-la.

  • Das Notas Técnicas expedidas pelo CNJ

            Sempre que estiver sendo debatida política pública que se refira ao Poder Judiciário ou aos Serviços Notariais e de Registro, anteprojeto de lei ou qualquer ato com força normativa que estiver tramitando no Congresso Nacional, em Assembleia Legislativa ou em qualquer ente da Administração Pública Direta ou Indireta, inclusive perante o STF, o CNJ tem expedido Notas Técnicas em que opina sobre o tema em debate ou em elaboração, conforme Regimento Interno do CNJ, artigo 103.

            Por meio dessas Notas Técnicas, o CNJ costuma fazer juízo prévio de constitucionalidade de projeto de leis e, até mesmo, de proposta de emenda constitucional, dialogando e opinando sobre trabalho de Comissões do Congresso Nacional.

            Essa visão genérica desenvolvida até aqui é importante para estabelecer uma visão geral sobre o CNJ.

4. ATIVISMO JUDICIAL RELATIVAMENTE A EMOLUMENTOS E TAXAS JUDICIÁRIAS INCIDENTES SOBRE OS ATOS PRATICADOS PELOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES

            Notários e registradores são remunerados por meio de emolumentos. Emolumentos são despesas devidas por interessado a responsável pelos Serviços Notariais e de Registro, por ato que vier a ser praticado no âmbito de sua serventia. São normatizados, a nível nacional, pela Lei Federal no 10.169/2000, que regula o § 2º do art. 236 da CF/1988, mediante estabelecimento de normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

            A Lei Nacional de Emolumentos (Lei Federal no 10.169/2000) não autoriza o Poder Judiciário criar, em tabela estadual, “taxas de fiscalização” sobre percentual de emolumentos. Mesmo assim, em todos Estados da Federação, incidem-se “taxas” sobre emolumentos notariais e de registro. Isso porque os Tribunais de Justiça, que detêm a competência de iniciativa de encaminhar projetos de leis a Assembleias Legislativas para estabelecimento de tabelas remuneratórias, incluem sobre tais valores “taxas judiciárias” para exercício de poder de polícia administrativo. No entanto, conforme ensina Roque Antônio Carraza, aos Tribunais pode estar faltando competência constitucional tributária estadual para esse fim.[9]

            Tais “taxas judiciárias” são cobradas sobre emolumentos dos notários e registradores a pretexto de que decorrem de fiscalização que o Poder Judiciário realiza sobre tais atividades, por força do §1º do artigo 236 da CF/1988. Em alguns Estados da Federação, esses valores vão para o caixa estatal e, de lá, são distribuídos para vários destinos, dentre os quais o Poder Judiciário.

            “Taxa” é espécie de tributo, disciplinada pelos artigos 77 a 80 do Código Tributário Nacional. Decorre de poder de polícia administrativa, resultante do poder de fiscalização exercido pelo Poder Judiciário perante essa atividade especializada. No entanto, os vultosos valores decorrentes dos percentuais, que não são proporcionais à materialidade da atividade de poder de polícia administrativa, podem ser entendidos como desvio de poder. Além de duvidosa constitucionalidade por falta de competência tributária para esse fim, uma vez que, nas disposições do artigo 236 da CF/1988, não há autorização constitucional específica para tal cobrança, pois se trata de poder-dever do Judiciário exercer papel administrativo normativo e fiscalizador perante os Serviços Notariais e de Registro.[10]

            Aparentemente por pretexto de fiscalizar tais serviços, o Poder Judiciário tem cobrado, a título de “taxas de fiscalização”, de 20 % (vinte por cento) a cerca de 40 % (quarenta por cento) da receita bruta dos cartórios extrajudiciais. O percentual varia conforme Estado da Federação e natureza do emolumento. O procedimento encarece o custo dos serviços; lembrando que, sobre o remanescente, notários e registradores recolhem 27,5 % (vinte e sete e meio por cento) de imposto sobre a renda.

            Apenas para ilustrar, no Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 11.331/2002, que dispõe sobre emolumentos relativos a atos praticados pelos Serviços Notariais e de Registro, estabelece, por exemplo, que 62,5% da arrecadação com atos de notas, registro de imóveis, registro de títulos e documentos e registro civil das pessoas jurídicas e de protesto de títulos e outros documentos de dívidas, serão receitas de notários e registradores. O restante fica assim dividido: receita do Estado: 17,7 %; contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado: 13,15 %; compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e complementação da receita mínima das serventias deficitárias: – 3,2 %; Fundo Especial de Despesa do TJ: 3,2 %.

            Quando se trata de ato privativo do registro civil das pessoas naturais, 83,3 % são receitas dos oficiais registradores e 16,6 % são contribuições à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo.

            Além disso, há, no Estado de SP, o Decreto nº 46.700/2002, que estabelece que, em todo ato extrajudicial, excetuados os previstos no § 1º do artigo 1º da lei Federal nº 6.015/1973, será cobrada contribuição de solidariedade às Santas Casas de Misericórdia, estabelecidas no Estado, cujo valor será igual a 1 % dos emolumentos devidos ao escrivão.

            No Estado do Rio de Janeiro, a arrecadação relativa a ato praticado pelos Serviços Notariais e de Registro é repassada a Poder Judiciário, MP, Defensoria Pública e um Fundo de apoio aos registradores civis. Os valores estão fixados na Portaria nº 95/2013, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e na Lei nº 3.350/1999, que dispõe sobre emolumentos notariais e registrais, no Estado, nos seguintes percentuais: Fundo Especial do Tribunal de Justiça – FETJ: 20%; Fundo Especial da Procuradoria Geral do Estado – FUNPERJ: 5%; Fundo Especial da Defensoria Pública-Geral do Estado – FUNDPERJ: 5%; Fundo de Apoio aos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro – FUNARPEN/RJ: 4%.

            No Estado de Minas Gerais, a chamada taxa de fiscalização, embutida nos valores dos emolumentos, é estabelecida pela Lei Estadual nº 15.424/2004, que dispõe sobre a questão. No entanto, emolumentos e a respectiva taxa são fixados por Portaria da Corregedoria do TJMG e são pagos pelo interessado que solicitar o ato, no requerimento ou na apresentação do título. Depois, os valores são repassados ao Judiciário. Por exemplo, em 2021, em lavratura de testamento público sem conteúdo financeiro, o valor final é de R$ 297,84, sendo que R$ 226,59 correspondem a emolumentos e R$ 71,25 correspondem a taxa de fiscalização (MINAS GERAIS, Portaria nº 6.653/TJMG/CGJ, 2020, alínea h.1).

            A jurisprudência do STF firmou orientação no sentido de que custas judiciais e emolumentos concernentes a Serviços Notariais e de Registro possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos. Sujeitam-se, em consequência, quer no que concerne a sua instituição e majoração, quer no que se refere a sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado. Notadamente aos princípios fundamentais, que proclamam, entre outras, as garantias essenciais de reserva de competência impositiva, legalidade, isonomia e anterioridade (ADI 1.378 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 30-11-1995, DJ de 30-5-1997; ADI 3.260, rel. min. Eros Grau, j. 29-3-2007, DJ de 29-6-2007; ADI 1.926 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 19-4-1999, DJ de 10-9-1999).

            Ora, se emolumentos extrajudiciais são taxas, como é possível que sobre eles incidam “taxas” cobradas pelo Poder Judiciário? Ou seja: cobra-se taxa de taxa? Teria sido correto, lógico e sistemático, seguindo a ciência do Direito Tributário, que o STF tivesse entendido emolumentos cobrados por notários e registradores como modalidade especial de tarifa, e sobre estes incidirem taxas judiciárias.[11]

            Por fim, segundo estatísticas, notários e registradores têm arrecadado ao Poder Público, anualmente sem qualquer custo para o Estado, 45 bilhões de reais. Ou seja, trata-se de atividade que tem sido utilizada como meio de arrecadação de receitas públicas, cujo volume incita a volúpia de muitos setores, consubstanciando-se em realidade acerca da qual o Poder Judiciário, em todas suas esferas, no exercício de seu poder fiscalizatório e normativo, tem demonstrado visão apenas parcial, acrítica e disfuncional.[12]

            Ao nosso sentir, esse mecanismo viola o Direito Processual Constitucional na medida em que o Poder Judiciário adota essa visão míope sobre o tema.

Aqui resta revelado uma parcela do ativismo legiferante na hipótese.

4. O ATIVISMO JUDICIAL NA LIMITAÇÃO DA RENDA DOS DELEGATÁRIOS INTERINOS DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO

            O CNJ, no âmbito do Pedido de Providências nº 00384.41.2010.2.00.0000, ratificado em decisão proferida no MS 29.192, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 10.10.2014, decidira que nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado entre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25 % (noventa vírgula vinte e cinco por cento) dos subsídios de Ministros do STF.

            O CNJ tem fundamentado tal decisão:

  1. no poder de fiscalização e de normatização do Poder Judiciário dos atos praticados por seus órgãos (CF/1988, art. 103-B, § 4º, I, II e III);
  2. na competência do Poder Judiciário de fiscalizar os serviços extrajudiciais (CF/1988, arts. 103-B, § 4º, I e III, e 236, § 1º);
  3. na competência da Corregedoria Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros atos normativos destinados a aperfeiçoamento das atividades dos serviços extrajudiciais (Regimento Interno do CNJ, art. 8º, X);
  4. na obrigação dos serviços extrajudiciais de cumprir as normas técnicas estabelecidas pelo Poder Judiciário (Lei n. 8.935/1994, arts. 37 e 38);
  5. nos princípios da supremacia do interesse público, eficiência, continuidade do serviço público e segurança jurídica.

Note-se que o CNJ, sob a isolada e frágil premissa de fiscalização e normatização e sob o argumento da supremacia do interesse público, fixou, em procedimento administrativo, entendimento no sentido de limitar a renda de notários e registradores interinos a 90,25 % (noventa vírgula vinte e cinco por cento) dos subsídios dos Ministros do STF.

Trata-se de decisão ativista por parte do Poder Judiciário que se funda em hermenêutica que não obedece à sistemática da CF/1988, cujo artigo 236 estabelece que Serviços Notariais e Registro são prestados sob regime do direito privado, onde não se aplica essa interpretação restritiva de limitação de renda a subsídio de Ministros do STF.

Os Serviços Notariais e de Registro são serviços públicos, prestados por particulares por meio de delegação, como também o são outros serviços públicos concedidos tais como transporte público, educação, bancários etc., e nestes não há este tipo de limitação de renda.

Essa limitação (potencialmente inconstitucional) de renda de notários e registradores interinos contraria lições de Luís Roberto Barroso, em Interpretação e aplicação da Constituição, onde escreve sobre interpretação declarativa, restritiva e extensiva.[13]

Segundo Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, citando Joseph Story, as palavras de uma Constituição devem ser tomadas em sua acepção natural e óbvia, evitando-se o indevido alargamento ou restrição de seu significado. Havendo incongruência entre interpretação lógica e gramatical, caberá ao intérprete operar retificação no sentido verbal na conformidade e na medida do sentido lógico.[14]

A CF/1988 é clara no sentido de que a prestação dos Serviços Notariais e de Registro obedecerá ao regime privado (conquanto não se desconheça que o serviço delegado ao particular seja público). Ora, não há incongruência na norma constitucional específica, nada justificando interpretação restritiva da renda daqueles titulares interinos.

É possível que razões de ordem político-administrativa tenham influenciado essa decisão, como meio de fragilizar a situação de interinos, sob o pretexto de que estes seriam os atores que influenciariam a procrastinação dos concursos públicos definidos em lei.

No entanto, tal medida teve efeito político-administrativo diverso, uma vez que a limitação da renda de interinos carreou seus rendimentos para os Tribunais de Justiça Estaduais, que, em alguns Estados da Federação, passaram a não ter tanto interesse em dinamizar tais concursos públicos, uma vez que ficam, ainda que inconstitucionalmente, com a receita excedente destes serviços prestados por particulares.

Não bastasse isso, essa limitação de receita tem tido efeitos claros na qualidade da prestação dos serviços, com redução de investimentos e qualificação, além de problemas quando da transição para novos titulares por força de nova delegação dos serviços, com reflexos de ordem trabalhista e tributária.

Aqui, nesse tópico, evidencia-se mais um galho na atividade ativista do CNJ.

5. O ATIVISMO JUDICIAL NOS PROCEDIMENTOS DOS CONCURSOS PÚBLICOS DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO

            A delegação dos Serviços Notariais e de Registro a particulares dá-se por meio de concurso público de provas e títulos a ser realizado pelos Tribunais de Justiça estaduais, nos termos do que estabelece o § 3º do artigo 236 da CF/1988.

            Apesar de referido dispositivo constitucional ser de 1988, até o presente momento, ou seja, passados mais de 30 anos, há, em alguns Estados, cartórios extrajudiciais não submetidos a concurso público, com titulares efetivados sem o devido concurso público.

            Como instrumento de normatizar e padronizar tais concursos públicos em âmbito nacional, o CNJ editou a Resolução nº 81, de 09 de junho de 2009, atualizada por alterações posteriores. Junto a esta Resolução fora elaborado um edital de concurso modelo a ser obedecido pelos Tribunais de Justiça Estaduais.

            Interpretando o § 3º do art. 236 da CF/1988, dispõe a Resolução nº 81/2009 do CNJ que:

Art. 2º Os concursos serão realizados semestralmente ou, por conveniência da Administração, em prazo inferior, caso estiverem vagas ao menos três delegações de qualquer natureza.

§ 1º Os concursos serão concluídos impreterivelmente no prazo de doze meses, com a outorga das delegações. O prazo será contado da primeira publicação do respectivo edital de abertura do concurso, sob pena de apuração de responsabilidade funcional.

§ 2º Duas vezes por ano, sempre nos meses de janeiro e julho, os Tribunais dos Estados, e o do Distrito Federal e Territórios, publicarão a relação geral dos serviços vagos, especificada a data da morte, da aposentadoria, da invalidez, da apresentação da renúncia, inclusive para fins de remoção, ou da decisão final que impôs a perda da delegação (artigo 39, V e VI da Lei n. 8.935/1994).[15]

            Essa Resolução nº 81/2009 do CNJ adveio com o desiderato de normatizar, dinamizar e estabilizar a realização de tais concursos públicos, em âmbito nacional. No entanto, comete equívocos, dentre os quais os abordados, a seguir, de forma sucinta com o fim de evidenciar a violação ao Direito Processual Constitucional atrelado ao cometimento de ativismo judicial.

5.1 Da vacância da delegação dos Serviços Notariais e Registro e do prazo de realização de concurso públicos

            A interpretação que o CNJ deu ao § 3º do artigo 236 da CF/1988, contida na Resolução nº 81/2009 e em seus julgados, fere a razoabilidade, a economicidade e a interpretação lógica do dispositivo constitucional.

            Dispõe o artigo 236 da CF/1988: “§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.

            O texto constitucional vedou expressamente que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso por mais de 6 (seis) meses. Não disse que concurso público deveria ser abertos a cada 6 (seis) meses e que deveria ser concluído em 1 (um) ano. Ou seja, ficando vaga serventia, deve-se abrir concurso em 6 (seis) meses. No entanto, não determinou abertura de vários concursos simultâneos, em um mesmo Estado da Federação, a cada 6 (seis) meses, promovendo verdadeiro tumulto administrativo, gastos financeiros e recursos humanos dispendiosos, em ofensa aos princípios constitucionais da eficiência e da razoabilidade.

            A dicção da norma constitucional contida no §3º do artigo 236 da CF/1988 foi no sentido de que, em se vagando cartório, o respectivo concurso público deve ser aberto em 6 (seis) meses. No entanto, de acordo com os princípios da razoabilidade, da eficiência, da moralidade administrativa, só depois de terminado este concurso deve-se abrir-se um novo.

            Em havendo incongruência entre intepretações lógica e gramatical, caberá ao intérprete retificar o sentido verbal, em conformidade com e na medida do sentido lógico.

            De acordo com Francisco Ferrara, a imperfeição linguística pode manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do queria dizer, ou disse menos, quando deveria dizer mais. No primeiro caso, impõe-se interpretação restritiva (ou estrita), onde a expressão literal da norma precisa ser limitada para exprimir seu verdadeiro sentido (lex plus scripsit, minus voluit). No segundo, será necessária interpretação extensiva, com o alargamento do sentido da lei, pois este ultrapassa a expressão literal da norma (lex minus scrpisit quam voluit).[16]

            Interpretação constitucional, vista de maneira isolada, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível compreender, integralmente, alguma coisa – seja texto legal, história ou composição – sem entender suas partes, assim como é possível entender as partes de alguma coisa sem compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital.[17]

            O método sistemático disputa com o teleológico a primazia, no processo interpretativo. O direito objetivo não é aglomerado aleatório de disposições legais, mas organismo jurídico, sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente, estabelecendo as conexões internas que enlaçam instituições e normas jurídicas. A interpretação não é, senão, a afirmação do todo, da unidade diante da particularidade e da fragmentariedade de comandos singulares.[18] 

            No centro do sistema, irradiando-se pelo ordenamento, encontra-se a Constituição, principal elemento de sua unidade, porque a ela se reconduzem todas as normas no âmbito do Estado. Além da unidade interna, a Constituição é responsável pela unidade externa do Sistema.[19]

            Sabe-se que concurso público de várias fases, com provas objetivas, escritas, orais e de títulos, não termina em menos de 1 (um) ano, pois se deve obedecer ao devido processo legal[20] na esfera administrativa, em vista de recursos e impugnações previstas em editais. Assim, pela experiência, sabe-se que, objetivamente, o tempo razoável entre início e conclusão de certame com fases e recursos é entre 1 (um) e, no máximo, 2 (dois) anos.

            Portanto, nesse aspecto, a Resolução nº 81/2009 do CNJ, ao tentar interpretar a norma contida no § 3º do artigo 236 da CF/1988, fere os princípios da eficiência, da economicidade e da moralidade, uma vez que é objetivamente impossível o seu cumprimento, criando situações esdrúxulas em vários Estados da Federação que não conseguem cumpri-la. Quando se tenta cumpri-la, têm-se, como em Minas Gerais, vários concursos acumulados, ineficientes, que se atropelam e geram elevados custos sob o aspecto financeiro e humano. Aliás, há casos, em outras Estados da Federação, de concursos que, ante judicialização dos mesmos, levam 4 (quatro), 5 (cinco), 7 (sete) ou mais anos para se concluírem.

            Mais uma modalidade de ativismo judicial praticado na hipótese.

5.2 Da avaliação das provas dos concursos para notários e registradores e os princípios da proporcionalidade e da impessoalidade

            Delegação dos Serviços Notariais e de Registro a particulares dá-se por meio de concurso de público de provas e títulos, conforme mandamento constitucional (CF/1988, art. 236, § 3º).

            O CNJ, em ato anexo à Resolução nº 81/2009, que regula tais concursos, fez acompanhar minuta de edital que vincula todos os Tribunais de Justiça Estaduais. Consta do item 5 da minuta de edital do CNJ:

[….]

5. DAS PROVAS 5.1. O concurso para os dois critérios de ingresso (provimento e remoção) compreenderá as seguintes fases: 5.1.1. Prova objetiva de Seleção; 5.1.2. Prova Escrita e Prática; 5.1.3. Prova Oral; e 5.1.4. Exame de Títulos. 5.2. A Prova de Seleção terá caráter eliminatório. As demais terão caráter eliminatório e classificatório, e o Exame de Títulos, apenas classificatório.[21]

            Note-se que, de acordo com tal edital vinculativo e obrigatório[22] para os Tribunais de Justiça, conforme dispõe a Resolução nº 81/2009, artigos 8º e 10, se tem:

  1. prova objetiva – apenas eliminatória, não se computando na classificação final;
  2. prova discursiva – eliminatória e classificatória, com peso 8 (oito);
  3. prova oral – eliminatória e classificatória, com peso 8 (oito);
  4. prova de títulos – classificatório, com peso 2 (dois).[23]

            Ocorre que, em concursos para cartórios extrajudiciais, a classificação dos candidatos influencia na escolha dos melhores cartórios com rendas muitos díspares. A classificação do candidato importa em diferença de renda, sendo que os primeiros colocados escolhem os cartórios mais rentáveis. Assim, em garantia do princípio da impessoalidade (CF/1988, art. 37, caput), a prova oral deveria ser apenas eliminatória e não classificatória, podendo a prova objetiva ser classificatória com menor peso em relação às provas discursivas ou escritas.

            Outro problema é a questão da prova escrita. Muitos tribunais divulgam resposta esperada como justificativa da prova discursiva, quando se sabe que, em Direito, nem sempre há apenas uma resposta esperada, mas mais de uma possível. Direito é ciência dialética, com posições doutrinárias e jurisprudenciais divergentes. Certames que admitem resposta esperada divulgam, em seus editais, bibliografia a ser utilizada, de modo a garantir transparência e boa-fé administrativa[24] do procedimento.

6. O ATIVISMO JUDICIAL NA DESIGNAÇÃO TEMPORÁRIA DOS DELEGATÁRIOS INTERINOS NOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO

            Como já afirmado neste estudo, a prestação dos Serviços Notariais e de Registro é realizada sob o regime privado, ou seja, os serviços são delegados a particulares, cuja prestação segue o regime privado (CF/1988, art. 236, caput).

            Não bastasse o ativismo judicial de limitar, em interpretação, a nosso ver, inconstitucional, renda de interino a remuneração máxima não superior a 90,25 % (noventa vírgula vinte e cinco por cento) dos subsídios de Ministros do STF, o CNJ também proibiu designação de parente até o 3º grau do antigo delegatório. Trata-se de proibição não prevista em lei, nem na CF/88, uma vez que a delegação é em caráter privado.

            Esquece-se, o notável Corregedor Nacional de Justiça que mais de 80 % (oitenta por cento) dos Cartórios Extrajudiciais, espalhados em todo pais, são pequenas oficinas prestadoras de serviços de segurança jurídica, prevenção de litígios, conservação de direito e publicidade. São, porém, semelhantes a micro empresas, em que, na sua maioria, trabalham membros da mesma família, pois, só assim se sustentam financeiramente, uma vez que percebem renda mínima.

            Consta, expressamente, do artigo 2º e respectivos parágrafos do Provimento nº 77, de 07 de novembro de 2018, subscrito pelo Ministro Humberto Martins, então Corregedor-Geral de Justiça:

Art. 2º. Declarada a vacância de serventia extrajudicial, as corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal designarão o substituto mais antigo para responder interinamente pelo expediente.

§1º A designação deverá recair no substituto mais antigo que exerça a substituição no momento da declaração da vacância.

§2º A designação de substituto para responder interinamente pelo expediente não poderá recair sobre parentes até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local. [25]

            O Provimento nº 77/2018 do CNJ, além de inconstitucional, por afrontar o caráter privado do exercício da delegação, é ilegal, pois, contraria o contido no § 2º do artigo 39 da Lei nº 8.935/1994, que dispõe que, “extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso”[26].

            Não se aplicam à atividade notarial e registral as mesmas disposições de vedação de contratação de parentes que imposta a servidor público em geral. Isso porque se trata de atividade exercida em caráter privado, sendo que o período de transição – entre delegação interina e transitória e, até a realização de concurso público, delegação vitalícia – não faz com que essa delegação interina e transitória transmute-se em órgão público, tanto é que escreventes e regime de contratação e prestação de serviços não seguem o regime de direito público, mas privado.

            Este Provimento é tão manifestamente inconstitucional e ilegal que alguns Tribunais de Justiça, por decisões jurisdicionais, passaram a não o cumprir.

            Contudo, para fazer valer e impor suas decisões em face de decisões judiciais que não acolhiam o Provimento nº 77/2018, o Corregedor Nacional de Justiça expediu as Recomendações nº 38, de 19 de junho de 2019, e nº 39, também de 19 de junho de 2019, que se baseiam no artigo 106 do Regimento Interno do Conselho. O dispositivo diz que o CNJ pode obrigar a “autoridade recalcitrante” a adotar suas decisões e atos quando “impugnado perante outro juízo que não o STF”.

            O Ministro Marco Aurélio do STF, por liminar, em sede Mandado de Segurança, tendo como impetrantes associações de magistrados, suspendeu a Recomendação nº 38/2019, que mandava tribunais obedecerem a decisões administrativas do CNJ “ainda que exista ordem judicial em sentido diverso”[27]. A única exceção era se a ordem viesse do STF. Esta decisão atende pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES). O argumento é o de que a regra do CNJ o coloca acima da autoridade judicial, o que é claramente inconstitucional.

            Observe-se que a Recomendação nº 39/2019 tem direcionamento específico e visa a impor cumprimento do Provimento nº 77/2018 para a pretensa coibição de prática de nepotismo, ainda que haja decisão judicial em sentido diverso, mantendo, no cargo, interinos parentes de antigos delegatários titulares das serventias vagas, salvo se a ordem judicial advier do STF.[28]

            Note-se que o Mandado de Segurança das Associações de Magistrados, que obteve decisão liminar do Ministro Marco Aurélio do STJ, atacou a inconstitucionalidade da Recomendação nº 38/2019 cujo objeto de abrangência é mais amplo, estando, contida, pelos mesmos fundamentos, a inconstitucionalidade da Recomendação nº 39/2019.

            Nessa conjuntura, mais uma postura ativista do CNJ.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            No presente estudo, foram selecionados temas para demonstrar a atuação ativista do Poder Judiciário e do CNJ, relativamente a atividades notariais e de registro, tanto em decisões jurisdicionais quanto administrativas, no exercício do poder normativo e de fiscalização, utilizando-se de métodos hermenêuticos que contrariam princípios da interpretação constitucional, tais como o da unidade da Constituição, da concordância prática, da correção funcional, da eficácia integradora e da forma normativa da Constituição.[29]

            O CNJ e o Poder Judiciário, enquanto órgãos de fiscalização e normatização dos serviços notariais, têm aplicado de forma equivocada o princípio da unidade da Constituição. Cabe ao intérprete encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como todo unitário. Devem por isso, evitar contradições entre normas constitucionais por meio de soluções que estejam em consonância com deliberações elementares dos constituintes.[30]

            Poderá contribuir para a mitigação do ativismo judicial, em âmbito nacional, ante as atividades notariais e de registro, a futura alteração na composição do CNJ, de modo que passasse a integrá-lo, pelo menos, um notário e um registrador, a serem indicados em lista sêxtupla por entidades nacionais, selecionados 3 (três) pelo CNJ e, finalmente, escolhidos pelo STF. Nada mais razoável que órgãos reguladores de atividade contem com especialistas da área, que conheçam sua ciência, história, instituição e arte.

            Em longo prazo, solução para o problema ora estudado será a gradativa mudança de mentalidade, de modo que os princípios da interpretação constitucional sejam respeitados, levando em conta diversidade e história de instituições jurídicas e sociais, bem como o caráter privado da prestação dos Serviços Notariais e Registro, derivado diretamente de mandamento constitucional inequívoco, sob pena, de, em pouco tempo, estar totalmente publicizada e tornar asfixiante e impossível o seu eficiente exercício. Trata-se de incompatibilidade sistêmica, que levará, de um lado, à estatização, pela via normativa do Judiciário, de parte considerável desses serviços, e, de outro, à apropriação da parte mais rentável de tais serviços por bancos, empresas de informática, digitalização, dentre outros, em cartelização bancária de importante atividade cuja missão deve ser a de garantir segurança, eficácia e legitimidade dos atos e negócios jurídicos, em toda sua extensão extrajudicial, justamente em momento histórico no qual a sociedade está a exigir desjudicialização das relações sociais, tudo em prol da legalidade e conformação ao Direito Processual Constitucional.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, 2021. Portaria nº 6.653/CGJ/2020, que atualiza, para o exercício de 2021, as tabelas que integram o Anexo da Lei estadual nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004. Disponível em:

https://www.tjmg.jus.br/data/files/E8/40/18/E5/31676710AAE827676ECB08A8/Tabela-emolumentos 2021.pdf. Acesso em: 21 set. 2021.

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[1] Mestre em Direito e Doutorando em Direito pela PUC/SP. Registrador de imóveis em Minas Gerais. Foi Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal e Tabelião. Professor de curso de pós-graduação do CAD – Centro de Atualização em Direito/MG. joaquim.araguaia@gmail.com

[2] Doutorando em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito Difusos e Coletivos pela Unimes-Santos. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Processual Civil da Escola Superior de Advocacia de São Paulo. Advogado em São Paulo. marcos@suchodolski.com

[3] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial. Parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25-30.

[4] Ibidem, p. 50-59. Embora o CNJ não detenha poder jurisdicional na melhor acepção jurídica do termo,esse artigo manterá a nomenclatura ativismo judicial atribuível ao CNJ para melhor compreensão do texto e de suas ideias.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 93-98.

[6] RAMOS, Elival da Silva, op. cit., p. 138.

[7] ABBOUD, Georges; NERY JUNIOR, Nelson. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: RT, 2017, p. 784.

[8] BRASIL. Resolução nº 67, de 3 de março de 2009. Aprova o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça e dá outras providências. CNJ, Brasília, DF. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado14010420210324605b4620cc1d7.pdf. Acesso em: 11 set. 2021.

[9] CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2000, p. 44-89 (princípio republicano e tributação); p. 341-476 (competência tributária); e p. 251-254 (desvio de poder no exercício da função legislativa tributária).

[10] Idem.

[11] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 155-157.

[12] Idem. O relatório Cartórios em números, divulgado pela ANOREG/MS (Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso Sul) e produzido pela ANOREG/BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil), aponta que, apenas em 2018, foram arrecadados pelos cartórios brasileiros sem custo algum ao Poder Público mais de 45 bilhões de reais. Além disso, em nove anos, esse montante superou a casa dos 380 bilhões de reais.

[13] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 120.

[14] Ibidem, p. 121.

[15] BRASIL. Resolução nº 81, de 9 de junho de 2009. Dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e minuta de edital. CNJ, Brasília, DF. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado14010420210324605b4620cc1d7.pdf. Acesso em: 11 set. 2021.

[16] FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado, 1987, p. 147.

[17] BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 120.

[18] Ibidem, p. 135.

[19] Idem.

[20] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 12. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 110-119.

[21] BRASIL. Resolução nº 81, de 9 de junho de 2009. Dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e minuta de edital. CNJ. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado1238022021041260743f2a4fcb4.pdf. Acesso em: 11 set. 2021.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2007, p. 119-120.

[25] BRASIL. Provimento nº 77, de 07 de novembro de 2018. Dispõe sobre a designação de responsável interino pelo expediente. CNJ, Brasília, DF. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files//provimento/provimento_77_07112018_21112018130629.pdf. Acesso em: 11 set. 2021.

[26] BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Casa Civil, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm. Acesso em: 11 set. 2021.

[27] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 36.549 /DF. Impte.: Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Impdo.: Corregedor Nacional de Justiça. Relator: Ministro Marco Aurélio. 03 de junho de 2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1106201/false. Acesso em: 11 set. 2021.

[28] BRASIL. Recomendação nº 39, de 19 de junho de 2019. Dispõe sobre a necessidade de observância das decisões da Corregedoria Nacional de Justiça relacionadas à vedação de designação de interinos parentes de antigos delegatários titulares das serventias vagas. CNJ, Brasília, DF. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2940. Acesso em: 11 set. 2021.

[29] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 93-98.

[30] Idem.