O ASSÉDIO MORAL E O ABUSO DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES: AS CONSEQUÊNCIAS PARA O EMPREGADOR

O ASSÉDIO MORAL E O ABUSO DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES: AS CONSEQUÊNCIAS PARA O EMPREGADOR

20 de setembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

MORAL HARASSMENT AND ABUSE OF POWER IN ORGANIZATIONS: THE CONSEQUENCES FOR THE EMPLOYER

Artigo submetido em 12 de setembro de 2023
Artigo aprovado em 18 de setembro de 2023
Artigo publicado em 20 de setembro de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 49 – Setembro de 2023
ISSN 2236-3009

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Autores:
Charles Deivide da Costa Silva[1]
Uérlei Magalhães de Morais[2] 

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RESUMO-  O assédio moral configura-se como o emprego deliberado de poder ou influência psicológica, No trabalho promove a degradação no ambiente, comprometendo a qualidade de vida das pessoas na organização, afetando o ânimo pessoal e fazendo com que as vítimas registrem pior desempenho no trabalho comparado com os demais funcionários. Esse artigo teve como objetivo caracterizar o assédio moral nos ambientes corporativos. Especificamente, visou identificar e delinear estratégias com argumentação jurídica para deter as práticas nocivas à saúde do trabalhador. O artigo, de natureza qualitativa, tomou por base o estudo de situações descritas por vários autores, orientando-se pela demanda por definição e caracterização da prática assediadora no âmbito organizacional e dos limites do conceito da dignidade humana. Como principal resultado, o estudo colocou em evidência a necessidade de intervenção da equipe gestora, afim de prevenir e monitorar as ocorrências nas organizações.

PALAVRAS-CHAVE: Assédio moral; Dignidade humana; Efeitos jurídicos.

ABSTRACT-  Moral harassment is the deliberate use of power or psychological influence. At work, it promotes degradation in the environment, compromising the quality of life of people in the organization, affecting personal morale and causing victims to perform worse at work compared to with other employees. This article aimed to characterize moral harassment in corporate environments. Specifically, it aimed to identify and outline strategies with legal arguments to stop practices harmful to workers’ health. The article, of a qualitative nature, was based on the study of situations described by several authors, guided by the demand for the definition and characterization of the harassing practice in the organizational scope and the limits of the concept of human dignity. As a main result, the study highlighted the need for intervention by the management team, in order to prevent and monitor occurrences in organizations.

KEY-BOARD: Moral harassment; Human dignity; Legal effects.

1. INTRODUÇÃO

O assédio moral é definido como uma modalidade de agressão psicológica, independente do meio utilizado (textos, postagens nas redes sociais, e-mails, gestos e atitudes). No ambiente de trabalho, essa agressão, de caráter continuado, expõe o indivíduo a situações humilhantes e, por isso, constrangedoras do ponto de vista social. A iniciativa guarda, portanto, relação direta com o comportamento do indivíduo nas organizações e estilo da gestão (ALKIMIN, 2013; GUIMARAES e RIMOLI, 2006; NEGRI, 2011).

A conduta parece ter origem nos abusos decorrentes da desigualdade (social, funcional, de gênero ou qualquer outra) e diversidade inerentes às formações coletivas. Paradoxalmente, o nível de escolaridade, natureza e porte das organizações parecem não influenciar o assédio moral (PADILHA, PICHLER e FAGUNDES, 2011).

O cenário torna-se propício para o aparecimento da violência no ambiente de trabalho, não a violência física, mas a psicológica, que se empregada de forma repetitiva e duradoura pode configurar o assédio moral. Fenômeno que somente no começo da década de 1990 foi identificado como fator destrutivo do ambiente de trabalho, não só pela redução da produtividade, mas também pelo favorecimento do absenteísmo, devido, principalmente, aos danos psicológicos que o envolve. O assédio moral traz sérios prejuízos à organização com a destruição do clima de trabalho, o aumento geral do sentimento de insegurança e o consequente bloqueio da criatividade e da inovação.

No presente estudo, de natureza qualitativa, descritiva e exploratória, será analisado o fenômeno do assédio moral no nível organizacional, tendo como objetivo geral caracterizar o assédio moral nos ambientes corporativos e, como objetivos especificos, identificar e delinear estratégias com argumentação jurídica para deter as práticas nocivas à saúde do trabalhador.

A pesquisa tomou por base o estudo de situações descritas por vários autores, atuais e antigos, para dar um melhor embasamento teórico, sendo que a motivação principal para a realização deste estudo é detectar algumas formas possíveis de caracterização do assédio moral, ou seja, aquilo que possa representar uma forma de violência no ambiente de trabalho; as consequências oriundas deste evento danoso à vida das vítimas e organizações; os efeitos jurídicos e administrativos; por fim, apresentar medidas de combate ao assédio moral, e também ações preventivas no ambiente organizacional.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Assédio Moral

O entendimento do assédio moral decorre de estudos científicos no âmbito da Psicologia e da Medicina, que analisaram ocorrências no ambiente de trabalho e seus efeitos sobre a saúde dos indivíduos (Amato F, Casciano MV, Lazzeroni S, Loffredo A. 2002). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o fenômeno implica, literalmente, em formar “multiatitudes” ao redor de alguém para atacá-lo (Cassitto MG, Fattorini E, Gilioli R, Rengo C. 2004). A conceituação e a teorização sobre assédio moral no trabalho são recentes, porém a história, a mitologia e as religiões o remetem à Antiguidade (Fiorelli JO, Fiorelli MR, Malhadas Junior MJO. 2008).

No Brasil colônia, por exemplo, índios e negros foram sistematicamente assediados, ou melhor, humilhados por colonizadores que, de certa forma, julgavam-se superiores e aproveitavam-se dessa suposta superioridade militar, cultural e econômica para impingir-lhes sua visão de mundo, sua religião, seus costumes. Não raro esse procedimento, constrangedor sob vários aspectos, vinha acompanhado de um outro que hoje denomina-se assédio sexual, ou seja, constranger uma pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo a manter qualquer tipo de prática sexual sem que essa verdadeiramente o deseje (HELOANI, Roberto. 2005).

Relembrando as idéias de Gilberto Freyre (1995), em sua obra clássica Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, as relações entre brancos e “raças de cor” foram, no Brasil, condicionadas bilateralmente – de um lado pela monocultura latifundiária (o cultivo de cana-de-açúcar) no que diz respeito ao sistema de produção econômica; e de outro, pelo sistema sócio-familiar de cunho patriarcal, que se caracterizava pela escassez de mulheres brancas na colônia. Essa monocultura açucareira acabou impossibilitando a existência de uma policultura e de uma pecuária que pudessem se instalar ao redor dos engenhos, suprindo-lhes, inclusive, as carências alimentares. A criação de gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande adquiriu características essencialmente feudais – senhores de engenho, em sua maior parte patriarcais e devassos, que dominavam, do alto de suas moradias, escravos, lavradores e agregados, com mão-de-ferro(HELOANI, Roberto. 2005).

O advento da Revolução Industrial introduziu a preocupação com a proteção da integridade física da força de trabalho. Com a 1ª Guerra Mundial, iniciou-se a preocupação com a qualidade de vida no trabalho e, no final dos anos 60, abrangeu-se a saúde mental do trabalhador no foco da saúde ocupacional (MOTHE, Claudia, 2005).

Considerando a atual sociedade brasileira nos moldes da escravocrata, é possível pensar que a humilhação no trabalho, ou o assédio moral, sempre existiu, historicamente falando, nas mais diferentes formas. Humilhação esta embasada no próprio sistema macroeconômico, que, em seu processo disciplinar, favorece o aparecimento dessa forma de violência, em que o superior hierárquico detém um certo poder sobre seu subordinado.

No âmbito psicológico, o assédio moral foi apontado como objeto de pesquisa, na Suécia, pelo psicólogo do trabalho Heyns Leymann (1996), que, por meio de um levantamento junto a vários grupos de profissionais chegou a um processo que qualificou de psicoterror, cunhando o termo mobbing (um derivado de mob, que significa horda, bando ou plebe), devido à similaridade dessa conduta com um ataque rústico, grosseiro. Dois anos após, Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista com grande experiência como psicoterapeuta familiar, popularizou o termo por meio do lançamento de seu livro Le harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, um best-seller que ocasionou a abertura de inúmeros debates sobre o tema, tanto na organização do trabalho como na estrutura familiar.

Para esboçar, em linhas gerais, em que consiste o assédio moral, algumas definições sobre essa conduta, apresentadas por Leymann e Hirigoyen. De acordo com Heyns Leymann (1996) em Mobbing: la persécution au travail, o autor que primeiro detectou esse fenômeno, trata-se de um conceito que se desenvolve em uma situação comunicativa hostil, em que um ou mais indivíduos coagem uma pessoa de tal forma que esta é levada a uma posição de fraqueza psicológica. Segundo Marie-France Hirigoyen (2002a), que em Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, disseminou amplamente a problemática desse sofrimento invisível, o assédio em local de trabalho está ligado a qualquer conduta abusiva em relação a uma pessoa (seja por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritas) que possa acarretar um dano à sua personalidade à sua dignidade ou mesmo à sua integridade física ou psíquica, podendo acarretar inclusive perda de emprego ou degradação do ambiente de trabalho em que a vítima está inserida.

Por fim, vale salientar que, para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), milhares de trabalhadores sofrem com o assédio moral. Estudo desenvolvido na União Europeia revela que 8% dos trabalhadores, ou seja, aproximadamente doze milhões de indivíduos, recebem de seus chefes tratamento considerado tirânico (MOTHE, Claudia, 2006). Nesse sentido, apesar de o assédio já ter sido definido há mais de 25 anos, o que se observa, empiricamente, é que o sofrimento psíquico dos trabalhadores é ainda banalizado. No Brasil, investigação realizada em 97 empresas no Estado de São Paulo, com 2.072 entrevistados, demonstrou que 42% explicitaram histórias de humilhação no trabalho e que, destes, as mulheres são as vítimas mais frequentes. Outras vítimas comumente acometidas pelo assédio são os negros, os homossexuais, os portadores de necessidades especiais, os trabalhadores acima de 40 anos e aqueles portadores de lesão por esforços repetitivos (Hirigoyen MF. & Barreto MMS. 2005-2006).

2.2 Espécies de Assédio Moral

Doutrinadores como Marie France Hirigoyen (2011) e Maria Aparecida Alkimin (2011) identificam cinco espécies de assédio moral: vertical descendente, vertical ascendente, horizontal, misto e burnout, descritos a seguir.

O assédio moral vertical descendente parte de um superior hierárquico contra o trabalhador subordinado, em virtude do seu poder de mando exercido de maneira abusiva e pela própria natureza da relação de emprego, que é prestada com subordinação.

Segundo Alkimin (2011, p.62), o assédio moral praticado pelo empregador ou superior hierárquico tem o objetivo de:

Eliminar do ambiente de trabalho o empregado que, por alguma característica, represente uma ameaça ao superior, no que tange ao seu cargo ou desempenho do mesmo; também o empregado que não se adapta, por qualquer fator, à organização produtiva, ou que esteja doente ou debilitado. Como exemplo, temos o caso da mulher: a gravidez pode se tornar um fator de incômodo para alguns. Outrossim, o assédio moral pode ser praticado com o objetivo de eliminar custos e forçar o pedido de demissão.[…] Quando o empregador, por trás dos „poderes de mando‟, pratica o assédio moral, desrespeitando a dignidade do trabalhador, afasta a função social da empresa, atrofia o desenvolvimento pessoal e profissional do trabalhador, evitando a manifestação da cooperação, e, em contrapartida evita que o empregado tenha o devido reconhecimento e consideração, impedindo um ambiente de trabalho harmônico e com qualidade. (ALKIMIN, 2011).

O assédio moral vertical ascendente pode caracterizar-se em resposta aos abusos cometidos pelo superior hierárquico dentro do seu poder de mando, que age com arrogância e desrespeito aos trabalhadores, muitas vezes estimulando conscientemente a rivalidade e competição no ambiente de trabalho. Nesse sentido afirma Alkimin (2011, p. 65):

Normalmente, esse tipo de assédio pode ser praticado contra o superior que se excede nos poderes de mando e que adota posturas autoritárias e arrogantes, no intuito de estimular a competitividade e rivalidade, ou até mesmo por cometer atos de ingerência pelo uso abusivo do poder de mando. (ALKIMIN, 2011).

Já no assédio moral horizontal Guedes (2003, p. 36) afirma que, a vítima pode ser atacada de forma individual ou coletiva, acentuando casos de assédio moral em virtude de racismo e xenofobia sofridos por nordestinos que vão para a região sul em busca de emprego. Essa espécie do fenômeno, segundo Alkimin (2011, p.64), ocorre:

[…] por conflitos interpessoais em razão da aparência, da sexualidade, da falta de cooperação, do destaque junto ao superior hierárquico; rivalidade para obter destaque na empresa ou manter-se em determinado cargo. Em decorrência da estimulação, por parte do empregador, da produtividade, tem-se como consequência o ensejo à competitividade cruel entre os colegas de trabalho. Tal competitividade acarreta práticas individualistas, que instauram uma desarmonização no ambiente de trabalho, restando prejudicado o bom relacionamento entre os colegas de serviço. (ALKIMIN, 2011).

No assédio moral misto, segundo Hirigoyen (2011, p. 114), a agressão possui um ponto de partida, podendo começar pelo empregador ou pelos colegas, entretanto, rapidamente se generaliza, conforme exposto a seguir:

Quando uma pessoa se acha em posição de bode expiatório, por causa de um superior hierárquico ou de colegas, a designação se estende rapidamente a todo grupo de trabalho. A pessoa passa a ser considerada responsável por tudo que dê errado. Bem depressa ninguém mais a suporta e, mesmo que alguns não sigam a opinião do grupo, não ousam anunciar. (HIRIGOYEN, 2011).

Por fim, a síndrome de burnout é uma reação à tensão emocional causada pelo contato excessivo com o trabalho ou a atmosfera profissional, que causa na vítima exaustão emocional, sintomas físicos de estresse, frequentes conflitos com colegas de trabalho e familiares, podendo evoluir, até mesmo, para o surgimento de tentativas de suicídio e o desencadeamento de doenças, como acidente vascular cerebral, câncer, infarto ou até mesmo a morte (LIPPMAN, 2005, p. 40).

2.3 Caracterização do assédio moral nas organizações

No mundo do trabalho, o assédio moral configura-se como o emprego deliberado de poder ou influência psicológica, na forma de ameaça contra terceiros, com potencial de causar lesões, danos psicológicos, privações, ou mesmo transtornos ao desenvolvimento psicofísico do indivíduo (ALKIMIN, 2013; CUNICO, 2014; THOME, 2011; WYZYKOWSKI, BARROS e PAMPLONA FILHO, 2014).

Barreto (2003) define assédio moral ou violência moral no trabalho como a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva, caracterizando atitude desumana, violenta e antiética nas relações de trabalho.

Freitas (2001) também registra que o assédio moral está ligado ao esforço repetitivo de desqualificação da pessoa. As agressões cotidianas levam ao processo inconsciente de destruição psicológica, constituído de procedimentos hostis, evidentes ou encobertos, de um ou vários indivíduos sobre o outro, na forma de palavras insignificantes, alusões, sugestões e não-ditos, que podem desestabilizar alguém ou mesmo destruí-lo, sem que os que o cercam intervenham.

Para Keashly (1998), o fenômeno é caracterizado por comportamentos agressivos, hostis e antissociais no ambiente de trabalho. Nesse contexto, identifica-se uma série de comportamentos negativos, tais como isolamento social, tratamento silencioso (não falar com a pessoa), fofocas, ataque à vida privada ou às atitudes, crítica ou monitoração excessiva do trabalho, sonegação de informações e agressões verbais.

Segundo Hirigoyen (2002, p. 15) o assédio moral “é claramente um ato que só adquire significado pela insistência”. Nem todas as pessoas que se dizem assediadas o são de fato. O assédio moral não pode ser confundido com o estresse ou pressão no trabalho, ou mesmo com o conflito velado e com o desentendimento. Einarsen e Skogstad (1996) insistem que o assédio moral no trabalho configura-se por comportamento persistente, repetitivo e continuado: atos negativos isolados não são considerados assédio moral.

Ademais, tamanha importância têm os estudos da doutrinadora, que o conceito desenvolvido por ela evidencia-se em diversas jurisprudências, citando-se como exemplo o Acórdão nº 01301-2003, em Recurso Ordinário nº 01301-2003-011-03-00-9 da Primeira Turma do TRT da 3ª Região, citado por Santos (2015):

ASSÉDIO MORAL – ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO EMPREGADOR. Segundo a autora Marie-France Hirigoyen, o assédio moral no trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. O assédio moral se configura pela utilização tática de ataques repetitivos sobre a figura de outrem, seja com o intuito de desestabilizá-lo emocionalmente, seja com o intuito de se conseguir alcançar determinados objetivos empresariais. Se, por um lado, o objetivo pode ser apenas e tão somente a “perseguição” de uma pessoa específica, objetivando a sua iniciativa na saída dos quadros funcionais, pode, também, configurar o assédio moral na acirrada competição, na busca por maiores lucros, instando os empregados à venda de produtos, ou seja, a uma produção sempre maior. O assédio ocorre pelo abuso do direito do empregador de exercer o seu poder diretivo ou disciplinar: as medidas empregadas têm por único objetivo deteriorar, intencionalmente, as condições em que o trabalhador desenvolve o seu trabalho, numa desenfreada busca para atingir os objetivos empresariais. O empregado, diante da velada ameaça constante do desemprego, se vê obrigado a atingir as metas sorrateiramente lhe impostas – ferindo o decoro profissional (sic). (SANTOS, Francisca, 2015).

Também a título de exemplo pode-se citar o Acórdão proferido pela Quarta Turma do TRT da 4ª Região sobre Recurso Ordinário nº 00869-2003-511-04-00-8:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. ASSÉDIO MORAL. Hipótese em que a prova testemunhal revela a existência de diversos elementos que, minando a auto-estima da reclamante, contribuíram para que o ambiente de trabalho se tornasse insuportável. O dano moral decorre do fato em si (damnum in re ipsa), não se cogitando de prova da lesão extrapatrimonial, porquanto impossível ingressar na psique da vítima. Responsabilidade da reclamada que subsiste, mesmo na hipótese de ter o assédio moral natureza horizontal. Inteligência dos arts. 5o, V e X, da CF e 186 do CC/2002. Recurso ao qual se nega provimento no tópico. […] Nas palavras de Marie-France Hirigoyen, o assédio moral corresponde a “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (apud, Cláudio Armando Couce de Menezes. Assédio Moral e seus Efeitos Jurídicos, in Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: HS, 2002, no 228, p. 16). O assédio moral caracteriza-se pela repetição de condutas tendentes a expor a vítima a situações incômodas ou humilhantes – por exemplo, criticar em público, expor ao ridículo, tratar com rigor excessivo, confiar tarefas inúteis, divulgar problemas pessoais. Conforme Cláudio Armando Couce de Menezes, “a preferência pela comunicação não-verbal (suspiros, erguer de ombros, olhares de desprezo, silêncio, ignorar a existência do agente passivo), ou pela fofoca, zombaria, ironias e sarcasmos, de mais fácil negação em caso de reação.” (SANTOS, Francisca, 2015).

De modo geral, a caracterização do assédio moral não é unânime entre os autores, mas compreende usualmente: comportamento impertinente e socialmente censurável (ofensivo), por ação ou omissão, seja ela culposa ou dolosa; dano psíquico; frequência apreciável (série de atos), tendo em vista que contratos de curta duração dificultam a identificação da conduta reiterada; intervalos curtos de repetição (em alguns casos até gradação); pouco tempo para recuperação entre uma e outra investida; intensidade de violência psicológica aplicada de modo sistemático e prolongado; duração ou periodicidade; intencionalidade e premeditação (ALKIMIN, 2013; CASTRO, 2014; DALLENGRAVE JÚNIOR, 2012; HIRIGOYEN, 2013a; 2014; LORENTE, 2005; ROJO e CERVERA, 2005; RUFINO, 2011; SCHLINDWEIN, 2013; THOME, 2011; VILELLA, 2012; WYZYKOWSKI, BARROS e PAMPLONA FILHO, 2014).

As variantes desse tipo de crime são: o mobbing, o bullying e o stalking. Cada uma com suas particularidades. O mobbing transmite a idéia de tumulto, confusão, caracteriza como um padrão de relacionamento hostil direcionado de forma sistemática, por uma ou mais pessoas a um indivíduo. Para que o mobbing seja configurado, tais ações hostis e vexatórias têm que ocorrer com freqüência, durante um longo período de tempo e devido a sua presença constante contribuir para a degradação da saúde física, psicológica e social da pessoa em questão. É um fenômeno duradouro, sistemático, com um propósito de lesar a pessoa ao ponto de abandonar o seu posto de trabalho (HIRIGOYEN, 2005).

Já o termo bullying, segundo a autora, é um pouco mais amplo que o mobbing. O verbo bull em inglês significa tratar com desumanidade, com grosseria; e bully é a pessoa grosseira e tirânica, que ataca os mais fracos. Bullying vai de chacotas e isolamento até condutas abusivas de conotação sexual ou agressões físicas, ou seja, refere-se mais à violência individual do que à violência organizacional, originária majoritariamente de superiores hierárquicos, enquanto o mobbing é mais um fenômeno social (HIRIGOYEN, 2005).

O stalking implica em atos que um determinado sujeito pratica invadindo a intimidade da vítima, coagindo, marcando presença, exercendo certa influência em seu emocional e, até mesmo, restringindo sua liberdade. O stalker age de diversas maneiras, sendo sua conduta marcada pela característica da repetição, insistência. A vítima se vê coagida por diversos tipos de atitudes como: ligações telefônicas, perseguição, mensagens, e-mails, presentes, permanência em locais de sua rotina, permanência em lugares por onde passa frequentemente etc. (JESUS, 2010).

Sobre as causas, para Hirigoyen (2002), a experiência do estresse e da violência no trabalho pode ocasionar a perda de produtividade por parte dos funcionários assediados, dos que presenciam o assédio e daqueles afetados pelos incidentes, o que, com certeza, afetará os níveis de produtividade como um todo, especialmente porque esses indivíduos tendem a perder prematuramente suas habilidades para realizar o trabalho.

Segundo Hoel e Cooper (2000), as vítimas de assédio moral registram pior desempenho no trabalho comparado com os demais funcionários. Recentemente foram encontradas evidências que comprovam esse fato quando comparada a taxa de desempenho de pessoas que sofreram o assédio moral com os demais trabalhadores. Algumas pesquisas também sugerem que o assédio moral afeta a organização pela inibição da inovação e da criatividade (BASSMAN, 1992).

Os propósitos do agressor são variados: comprometer a imagem da vítima, desacreditando-a; sabotar processos organizacionais; perturbar o exercício profissional do indivíduo ou mesmo do grupo; lograr êxito em competições; alcançar satisfação pessoal; minar a rede de relacionamentos do assediado, deixando-o fragilizado e vulnerável a novas incidências, entre outros (HIRIGOYEN, 2012). Nesse intento, geralmente, isola socialmente a vítima para coibir eventual reação e minar as possibilidades de comunicação.

Rojo e Cervera (ROJO, J. V.; CERVERA, A. M. 2005) definem como fases do assédio moral o surgimento do conflito, redundando em ataques diretos e indiretos, e a instauração do assédio (concretude das investidas e incidentes críticos). Por sua vez, alguns autores incluem fases intermediárias como a estigmatização (ridicularização da vítima) e intervenção da administração da empresa.

Os distúrbios causados à saúde do trabalhador são variados: crises de hipertensão, alterações da libido e do sono, síndrome do pânico, dores físicas, perda de apetite, dificuldades de concentração, cansaço, depressão, mudanças no metabolismo e problemas digestivos, entre outros. As patologias podem evoluir para graves doenças ocupacionais de natureza psicossomática ou psicossocial (ANTLOGA e COSTA, 2007; MERÍSIO, 2012).

O artigo 2º, da Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 3.921/2002 assim conceitua o tema:

“Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata apresente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticado de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido.” (artigo 2º, Lei 3.921/2002).

Portanto, de modo geral, para que seja configurado o assédio moral numa relação de emprego é fundamental a identificação e caracterização do ato agressor (incidência e repetição, conduta continuada) e o dano à dignidade do trabalhador (prejuízo de ordem psíquico-emocional) (DALLENGRAVE JÚNIOR, 2012; VEIGA, 2011).

2.4 Assédio Moral na Perspectiva dos Direitos Humanos

Vale ressaltar, que o assédio moral lesa diretamente um dos pilares da nossa Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana, e não deve ser mantido de forma silenciosa, pois traz grandes consequências para a vítima e para a sociedade.

No Brasil, o assédio moral passou a ser relevante juridicamente desde 1988, quando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) inseriu a defesa da personalidade como um dos direitos fundamentais do homem e tornou jurídico o dano moral (FONSECA, 2003).

A Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1o, inciso III, dispõe sobre a dignidade da pessoa humana como pilar de todo ordenamento jurídico brasileiro, devendo assim, reger também as relações de trabalho. Ademais, constituem fundamento da República brasileira os valores sociais do trabalho, conforme disposto no inciso IV do mesmo artigo primeiro.

Mais adiante, em seu artigo 170, a Constituição prevê que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a exigência digna, conforme os ditames da justiça social […]”.

Com amparo no que preconiza o artigo 225, caput da Constituição Federal, que trata a respeito do direito ao meio ambiente sadio, nele incluído o do trabalho. Constitui dever do empregador fornecer um ambiente de trabalho sadio, com condições físicas e psicológicas ideais para o desenvolvimento das atividades laborais.

Além disso, segundo Melo (2001), o dispositivo constitucional do artigo 225, torna obrigatória a proteção ao meio ambiente, incluindo o do trabalho, pois, para alcançar uma sadia qualidade de vida, o homem precisa viver em um ambiente equilibrado.  Menezes (2004) reforça que, o assédio moral agride não somente a dignidade da pessoa humana, quanto afronta o dispositivo constitucional que assegura o direito ao meio ambiente sadio, inclusive no trabalho.

Ademais, passando ao largo da trajetória histórica do trabalho enquanto direito, ressalta-se que no plano internacional foi fundamental, para as lutas relacionadas ao trabalho nos diversos países, a sua inclusão como direito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seus artigos XXIII e XXIV (CALIL, 2010).

Artigo XXIII – 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV – Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. (CALIL, 2010).

Dessa forma, ficou estabelecido no plano normativo internacional que os indivíduos têm direito a ver respeitado um rol mínimo de direitos inerentes à sua condição humana, independentemente do Estado ao qual estão vinculados (SÜSSEKIND, 2010).

Portanto, nessa linha, é importante assegurar que, dentro da ordem estabelecida, para que a dignidade seja efetivada, se faz necessário que outros direitos e garantias concretizem-se, a saber: os direitos sociais e os direitos fundamentais, bem como que seja protegido o meio ambiente, em especial, o trabalho (WYZYKOWSKI, 2014).

2.5 A Vedação ao Assédio Moral Regulado por Lei

A lista de procedimentos e atitudes passíveis de enquadramento como assédio moral é extensa. A Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 3.921/2002, por exemplo, no seu parágrafo único, do artigo 2º, relaciona circunstâncias caracterizadoras de assédio moral como: determinar o cumprimento de atribuições estranhas ou tarefas incompatíveis com o cargo do servidor ou em condições e prazos inexequíveis; designar para funções triviais, o exercente de funções técnicas, especializadas ou aquelas para as quais, de qualquer forma, sejam exigidos treinamento e conhecimento específicos; apropriar- se do crédito de ideias, propostas, projetos ou qualquer trabalho de outrem; torturar psicologicamente, desprezar, ignorar ou humilhar o servidor, isolando-o de contatos com seus colegas e superiores hierárquicos ou com outras pessoas com as quais se relacione funcionalmente; sonegar informações que sejam necessárias ao desempenho das funções ou úteis à vida funcional do servidor; divulgar rumores e comentários maliciosos, bem como críticas reiteradas, ou subestimar esforços, que atinjam a saúde mental do servidor; e na exposição do servidor ou do funcionário a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.

No âmbito estadual, o Rio de Janeiro foi o pioneiro na adoção de legislação específica sobre o tema – a Lei Estadual nº 3.921/2002, prevê a vedação especificamente do assédio moral no âmbito dos órgãos, repartições, entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia, do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, inclusive concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público.

A Lei 12.250/2006, do Estado de São Paulo, veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas. Recentemente, foi promulgada a Lei Complementar no 116/2011 em Minas Gerais, que dispõe sobre a prevenção e punição do assédio moral na administração pública estadual. Por fim, a Lei nº 12.561/2006, do Rio Grande do Sul, dispõe sobre a ilicitude civil do assédio moral na administração estadual.

Além disso, a CLT traz hipóteses de rescisão contratual indireta, em seu artigo 483, incisos, a, b, d, e e g, por aquele que sofre humilhação moral, com fundamento no descumprimento das obrigações por parte do empregador. Sendo assim, configurado o assédio moral em qualquer uma das hipóteses do artigo supracitado, o empregado tem direito a rescisão indireta do contrato de trabalho, por falta do empregador (ÁVILA, 2015).

A vítima do assédio moral não deve recorrer ao Poder Judiciário portando somente meras alegações sem o mínimo de provas que comprovem suas postulações, sob o risco de ter sua pretensão indeferida perante juízo e, contribuindo para o enfraquecimento do fenômeno em pauta (SILVA, 2005).

Para que haja comprovação do assédio moral, são necessários meios de provas, com a presença de elementos caracterizadores do dano, a conduta abusiva do empregador, danos psicológicos causados. Trata-se de um assunto complexo, onde na maior parte dos casos concretos analisados, existe pouca percepção para os que convivem com o assediado. Nada pode ser movimentado na Justiça se o titular do direito não possuir o mínimo de aporte probatório necessário a comprovar o direito alegado, haja vista suportar o ônus probatório da matéria (SILVA, 2005).

Guedes (2003) ensina que para vencer a questão, a parte não basta ter razão, é preciso provar os fatos afirmados perante o juiz. No exame da causa, o juiz faz um raciocínio lógico levando em conta os fatos narrados pelas partes e testemunhas e as provas documentais e orais.

No entanto, o que se discute ainda nos tribunais é a licitude das provas obtidas por meio de gravação de conversa pessoal ou telefonemas e filmagens. A jurisprudência tem se posicionado a favor desse meio de prova, desde que, a vítima seja um dos interlocutores. Destarte, poderá a vítima gravar as ofensas, não podendo delegar essa tarefa a outra pessoa, pois nesse caso haveria violação da intimidade (GUEDES, 2003).

RECURSO DE REVISTA – NÃO REGIDO PELA LEI No 13.015/2014 – ASSÉDIO MORAL – GRAVAÇÃO TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES – LICITUDE DA PROVA. A jurisprudência prevalecente no Tribunal Superior do Trabalho orienta-se no sentido de que a gravação telefônica feita por um dos interlocutores não constitui prova ilícita, ainda que sem o conhecimento do outro. Trata-se, portanto, de prova lícita apta à comprovação de fatos alegados pela parte requerente. Precedentes do TST. Recurso de revista conhecido e provido. HONORÁRIOS PERICIAIS – BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA – PAGAMENTO. Consoante art. 3o, V, da Lei no 1.060/50, a assistência judiciária compreende a isenção dos honorários de advogado e peritos. O art. 790-B da CLT, por sua vez, preceitua que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita (redação dada pela Lei no 10.537, de 27.8.2002, em vigor quando a proposição da presente ação). Viola, pois, o disposto no art. 3o, V, da Lei no 1.060/50, decisão regional que impõe o pagamento dos honorários periciais a autora beneficiária da justiça gratuita. O pagamento dos honorários periciais fica, pois, a cargo da União e deve ser pago em conformidade com a Resolução no 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT. Recurso de revista conhecido e provido. RESCISÃO INDIRETA – CULPA DO EMPREGADOR. O Tribunal de origem concluiu que os elementos dos autos não autorizam o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa do empregador. Dessa forma, a controvérsia foi solucionada com arrimo no conjunto fático- probatório dos autos. Assim, eventual decisão diversa daquela proferida pela Corte de origem, implica necessário reexame de provas, procedimento que encontra óbice na diretriz da Súmula no 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR: 398008320075020042, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 24/04/2019, 7a Turma, Data de Publicação: DEJT 03/05/2019).

Portanto, o que se recomenda à vítima do assédio moral: o arquivamento de cartas, bilhetes, mensagens enviadas ao celular, tudo que possa atestar a conduta ilícita e anotar todas as humilhações sofridas tais como: dia, hora e local onde ocorreu, o nome do agressor, as testemunhas que presenciaram o fato, dentre outros relevantes. É interessante também que se guardem cópias autenticadas de atestados médicos que registrem danos físicos e/ou psicológicos atribuídos às condições de trabalho a qual é exposta e, em casos mais extremos, a elaboração de um boletim de ocorrência contra o agressor (MENEZES, 2004).

Por fim, como exemplo de suporte ao empregado, a Lei 14.457/22 já está em vigor desde setembro de 2022. A sua aplicação altera a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e também institui o programa Emprega + Mulheres, com o objetivo de incentivar a empregabilidade e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho. Esse Programa “Emprega + Mulheres”, estabelecido na lei em foco, tem por objetivo principal, segundo o seu art. 1º, a inserção e manutenção de trabalhadoras no mercado de trabalho, com a implementação de medidas sociais. O cumprimento da lei é exigido para as empresas com CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio). Portanto, além da flexibilização e adaptação às normativas, devem adotar condutas e procedimentos para combater e prevenir casos de assédio moral, sexual e outras violências no âmbito profissional (BRASIL, 2022).

Para que a organização opere em conformidade com a Lei 14.457/22, algumas ações devem ser implementadas, como: Apoio à parentalidade, com a flexibilização do regime de trabalho para pais e mães de crianças de até 6 anos; Apoio ao retorno das mulheres após o término da licença maternidade; Suspensão do contrato de trabalho para as mulheres que desejem se qualificar profissionalmente; Reconhecimento das boas práticas na promoção da empregabilidade das mulheres, por meio da instituição do selo “Emprega + Mulheres”; Campanhas de conscientização sobre o assédio sexual, para informar e educar os colaboradores; Elaboração de um Código de Conduta que reflita a conduta organizacional da empresa e os valores que ela prega; Disponibilização de um Canal de Denúncias com possibilidade de anonimato, para proteger o denunciante.

De modo geral, através de suas normativas, busca amenizar a desigualdade de gênero, dividindo as responsabilidades familiares nas questões de parentalidade, criando oportunidades para qualificação das mulheres e oferecendo um clima organizacional propício para que elas possam ascender no ambiente profissional, tendo como resultado um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, em prol do bem-estar coletivo.

2.5 A Gestão de Pessoal e a Prevenção e Monitoramento em Face das Práticas de Assédio

De acordo com as ideias de Freitas (2007), o assédio moral no âmbito organizacional é uma silenciosa fonte de danos para as empresas. Dentre os efeitos mais comuns, podem-se destacar os prejuízos financeiros relacionados ao afastamento dos trabalhadores por doenças e acidentes de trabalho, o aumento dos custos, elevação dos índices de absenteísmo e rotatividade de pessoal, cujas consequências poderão envolver: custos com reposição de pessoal, perda de equipamentos como resultado de desconcentração dos trabalhadores, queda de produtividade em função da autoestima do grupo e do clima organizacional (Bradaschia, 2007; Rodrigues; Freitas, 2014; Matos, 2016; Amaral; Mendes, 2017).

Para a manutenção do bom clima organizacional, é de suma importância a maneira como as organizações administram os conflitos internos, pois, na maioria das vezes, os conflitos entre colegas são difíceis de serem resolvidos pelas empresas, que se mostram inábeis para tal. O descontentamento e a frustração com a situação no trabalho e com o clima organizacional podem ser gerados pela falta de controle sobre o próprio trabalho (Einarsen; Raknes; Matthieses, 1994; Vartia, 1996; Zapf; Knorzs; Kulla, 1996), falta de objetivos claros (Vartia, 1996) e pela forma de encarar o conflito e a ambigüidade (EINARSEN; Raknes; Matthieses, 1994).

O alto grau de ambigüidade, demandas incompatíveis ou expectativas exageradas sobre papéis, tarefas e responsabilidades podem gerar frustrações no grupo de trabalho, especialmente se estiverem relacionados a direitos, obrigações, privilégios e cargos. Segundo Einarsen, Raknes e Matthieses (1994), essas situações podem agir como precursoras do conflito, relações de trabalho empobrecidas e clima organizacional caracterizado pela falta de confiança e tensão interpessoal, além de representar alto risco para o surgimento do assédio moral no ambiente de trabalho.

Para combate a essas práticas nas organizações, a CIPA tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. A partir de março de 2023, por força do artigo 23 da Lei 14.457/2022, as empresas devem adotar as seguintes medidas, além de outras que entenderem necessárias, com vistas à prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho de acordo com o Guia Trabalhista online (s.d.):

– inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e às empregadas;

– fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis;

– inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA;

– e realização, no mínimo a cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações. (Guia Trabalhista online, s.d.).

Para isso, devem constituir a CIPA, por estabelecimento, e mantê-la em regular funcionamento as empresas privadas, públicas, sociedades de economia mista, órgãos da administração direta e indireta, instituições beneficentes, associações recreativas, cooperativas, bem como outras instituições que admitam trabalhadores como empregados. E será composta por representantes do empregador e dos empregados (Guia Trabalhista online, s.d.).

Compete a gestão de pessoas, juntamente com a alta administração da empresa, a prevenção e o combate ao assédio moral no âmbito do trabalho. A primeira forma se dá através de ações pedagógicas, utilizando-se dos canais de comunicação (internet, intranet, cartilhas, palestras, treinamentos, cursos, etc.) para divulgar como o assédio acontece (MIRANDA, Sérgio, 2017).

Com relação ao combate, vale disponibilizar canais de ouvidoria para recebimento de denúncias e atendimento às vítimas e testemunhas, a fim de que possam executar o trabalho num ambiente salubre, bem como mecanismos de apuração dos fatos e punição aos respectivos agressores, para que sejam responsabilizados por seus atos. O que se busca é uma relação harmoniosa entre chefia e subordinados, um clima organizacional favorável e um desempenho das funções com maior qualidade na prestação do serviço (MIRANDA, Sérgio, 2017).

Se as perseguições persistirem, Barreto [s.d.] aconselha a vítima a procurar outras instâncias fora da empresa, por exemplo:

A Delegacia Regional de Trabalho (Núcleo de promoção da igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no trabalho), ou a Comissão de Direitos Humanos da OAB, Ministério Público (setor de doenças e acidentes do trabalho), Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST ou CEREST), o sindicato da categoria a que pertence e conversar com o médico do trabalho ou, se não existe, com um diretor ou mesmo advogado. Relatar o que vem acontecendo e mostrar suas anotações para que tomem ciência da gravidade dos fatos. Quando for ao médico em consequência do adoecimento, peça relatório. Guardar receitas e não esquecer que para as doenças desencadeadas ou agravadas em consequência do assédio moral devem ser emitidas CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho). (Barreto, [s. d.]).

A atuação do Ministério Público do Trabalho – MPT também tem sido acentuada no combate do assédio moral no ambiente de trabalho. Com a adoção de procedimentos judiciais e extrajudiciais (como a celebração do termo de ajustamento de conduta), o MPT tem atuado para a solução do assédio moral no meio ambiente de trabalho (SILVA NETO, 2005).

Em conseguinte, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho – TST (2019, online) existem várias formas de prevenção do assédio moral, onde enfatiza que, o principal meio é a informação. O TST busca garantir que todos saibam o que é o assédio moral e quais são as ações e comportamentos toleráveis no ambiente de trabalho, buscando a redução do índice dessa prática violenta e inaceitável. No contexto, alguns exemplos práticos:

 – Incentivar a efetiva participação de todos os colaboradores na vida da empresa, com definição clara de tarefas, funções, metas e condições de trabalho;

– Instituir e divulgar um código de ética da instituição, enfatizando que o assédio moral é incompatível com os princípios organizacionais;

– Promover palestras, oficinas e cursos sobre o assunto; – Incentivar

 as boas relações no ambiente de trabalho, com tolerância à diversidade de perfis profissionais e de ritmos de trabalho;

– Ampliar a autonomia para organização do trabalho, após fornecer informações e recursos necessários para execução de tarefas;

– Reduzir o trabalho monótono e repetitivo;

– Observar o aumento súbito e injustificado de absenteísmo (faltas ao trabalho);

– Realizar avaliação de riscos psicossociais no ambiente de trabalho;

– Garantir que práticas administrativas e gerenciais na organização sejam aplicadas a todos os colaboradores de forma igual, com tratamento justo e respeitoso;

– Dar exemplo de comportamento e condutas adequadas, evitando se omitir diante de situações de assédio moral;

– Oferecer apoio psicológico e orientação aos colaboradores que se julguem vítimas de assédio moral; e

– Estabelecer canais de recebimento e protocolos de encaminhamento de denúncias. (TST, 2019).

Ademais, Silva levanta a questão de que “[…] a simples estruturação de um Código de Ética que, dentre vários pontos, proíba o assédio moral, além de destinar políticas preventivas e repressivas em relação ao fenômeno, seria suficiente para consagrar o espírito ético em relação ao assédio moral” (2005a, p. 200). Mas, para o autor, de nada adianta o Código de Ética impostos pela empresa, se os funcionários que a mesma integra não tiverem caráter e valores éticos. Desta forma, somente o código de ética por si só será insuficiente para um bom ambiente de trabalho.

CONCLUSÃO

O assédio moral promove a degradação do ambiente de trabalho, comprometendo a qualidade de vida das pessoas na organização, afetando o ânimo pessoal. Em consequência, cresce a rotatividade funcional, os custos de entrada e saída, e ainda os gastos com reintegração (CUNICO, 2014).

Vale ressaltar que, a subordinação jurídica na relação de trabalho alcança apenas o labor do empregado, vinculando-se estritamente à executoriedade da atividade e normatividade organizacional. Vale destacar que o trabalho representa um fator de produção, gerenciado com finalidade própria (ALVARENGA, 2013). Os direitos humanos são o alicerce das relações de trabalho, seu imperativo moral. O reconhecimento do outro, como pessoa, é requisito de humanidade (MENEZES, 2008).

Nesse sentido, é propício que as organizações comecem a agir diante do problema e para que as áreas de gestão de pessoas assumam um papel de liderança nessa discussão. As organizações, por meio das áreas de gestão de pessoas, precisam tornar público o problema e investir pesadamente na formação de seus gestores, inserindo, cada vez mais, temas relacionados à gestão de pessoas em suas grades de treinamento. As organizações precisam se preocupar mais com os indivíduos do que com os números e impedir a ação de gestores perversos ou paranoicos, adotando medidas para obrigá-los a controlar seu comportamento.

O tema segue fecundo para a realização de pesquisas sob novos recortes e perspectivas, quadro que aquiesce a discussão, tendendo a evoluir para uma intervenção social concreta e eficaz. Afinal, “Os pensamentos, ideias, propostas importam se puderem se realizar e se puderem de alguma maneira nos afetar e nos atingir” (JAMES, 1979).

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[1] Acadêmico do 10º Período do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário São Lucas. E-mail: charles.deivide@hotmail.com

[2] Mestre e Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário São Lucas. E-mail: Uerlei.morais@saolucas.edu.br