TUTELA AMBIENTAL CONSTITUCIONAL SOB ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

TUTELA AMBIENTAL CONSTITUCIONAL SOB ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

CONSTITUTIONAL ENVIRONMENTAL PROTECTION UNDER JURISPRUDENTIAL ANALYSIS

Artigo submetido em 21 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 27 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autora:
Maíra Santos dos Anjos [1]

RESUMO: O tratamento da questão ambiental apresenta sua gênese no despertar da comunidade jurídica internacional para a importância de serem resguardados valores ligados ao meio ambiente, a partir constatação de que os recursos oferecidos pela natureza são esgotáveis, anunciando, assim, a superação do ideário de progresso falacioso, restrito ao aspecto econômico. Nesse rumo, impõe-se a dilatação do próprio conceito de desenvolvimento, que passa a abarcar fatores sociais e ecológicos, incorporando a abrangente noção de sustentabilidade. Partindo dessa premissa, o presente trabalho se propõe a estudar os principais dispositivos da Lei Maior que tratam da temática ambiental, além de analisar entendimentos paradigmáticos dos Tribunais Superiores, os quais consolidam precedentes necessários a orientar decisões futuras em outros casos concretos.

PALAVRAS-CHAVES: questão ambiental; Lei Maior; Tribunais Superiores.

ABSTRACT: The treatment of the environmental issue has its genesis in the awakening of the international legal community to the importance of safeguarding values ​​linked to the environment, based on the observation that the resources offered by nature are exhaustible, thus announcing the overcoming of the ideals of fallacious progress, restricted to the economic aspect. In this direction, it is necessary to expand the concept of development, which now encompasses social and ecological factors, incorporating the comprehensive notion of sustainability. Based on this premise, the present work proposes to study the main provisions of the Major Law that deal with the environmental theme, in addition to analyzing paradigmatic understandings of the Superior Courts, which consolidate necessary precedents to guide future decisions in other concrete cases.

KEYWORDS: environmental issue; Major Law; Superior Courts.

PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O tema da tutela do meio ambiente vem sendo gradualmente explorado e alargado no ordenamento jurídico brasileiro, ao mesmo tempo em que se faz sempre presente discussão mundial sobre os problemas a ele relativos. No processo evolutivo-histórico, paulatinamente a questão ambiental ganha espaço relevante em meio ao cenário normativo, consolidando traços perfeitos de uma verdadeira questão atemporal e universal.

A crise ambiental, forçando a consciência de que os recursos oferecidos pela natureza são esgotáveis, anuncia a superação do ideário de progresso falacioso, restrito ao aspecto econômico, impondo, então, a dilatação do próprio conceito de desenvolvimento, que passa a abarcar fatores sociais e ecológicos, incorporando a abrangente noção de sustentabilidade.

A relevância do tratamento acerca da questão ambiental, sob análise protetiva, apresenta sua gênese no despertar da comunidade jurídica internacional para uma consciência sobre a necessidade de serem resguardados valores ligados ao meio ambiente. Embora receba atualmente indiscutível atenção no ordenamento jurídico brasileiro – e em outros ordenamentos jurídicos –, passou, antes de haver a efetiva positivação de normas protetivas, por um importante processo histórico-evolutivo.

Primeiramente, destaca-se a Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos para a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida; um verdadeiro Código Ambiental, com aspectos conceituais e princípios próprios. Considera-se, inclusive, que o Direito Ambiental brasileiro apenas surgiu, de fato, com a edição do referido diploma normativo, antecedido, porém, por algumas leis esparsas (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014). A previsão através da mencionada legislação constitui, portanto, marco na “virada ecológica”, a partir de um movimento evolutivo de despertar para as demandas protetivas ambientais.

Nesse rumo, posteriormente à Lei n. 6.938/81, com o advento da Constituição de 1988, o tratamento do Meio Ambiente restou consolidado, particularmente por meio do artigo 225, em capítulo reservado especialmente à matéria. A proteção ambiental, que já tinha sido disciplinada pela supracitada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, é intensificada a partir de sua constitucionalização, dada a importância dos direitos e garantias consagrados na Lei Maior do ordenamento.

A Constituição Federal inaugura o momento que a doutrina chama de “fase da tutela jurídica integral, irrestrita, ampla” (ALMEIDA, 2008 apud GARCIA; ZANETE JR., 2014, p. 14)  no tocante aos direitos e deveres coletivos, resguardando-os no título reservado aos direitos e garantias fundamentais – Título II, capítulo I. Especificamente no tocante à tutela ambiental, são consagrados valores outrora reconhecidos pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), os quais, através da passagem por esse estágio de constitucionalização, adquirem valor normativo de grau mais elevado na hierarquia das normas do ordenamento jurídico brasileiro.

Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer traduzem sabiamente a importância do resguardo da questão ambiental no “coração” do Direito brasileiro. Nas palavras dos autores:

A grande “inovação” trazida por tal período diz respeito à centralidade que os valores e direitos ecológicos passaram a ocupar no ordenamento jurídico brasileiro, o que representa uma “virada ecológica” de índole jurídico-constitucional. A proteção do ambiente – e, portanto, a qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental – passam a integrar a nossa estrutura normativa constitucional e, com isso, a assegurar um novo fundamento para toda a ordem jurídica interna. A consagração do objetivo e dos deveres de proteção ambiental a cargo do Estado brasileiro (em relação a todos os entes federativos) e, sobretudo, a atribuição do status jurídico-constitucional de direito-dever fundamental ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado colocam os valores ecológicos no “coração” do Direito brasileiro, influenciando todos os ramos jurídicos, inclusive a ponto de implicar limites a outros direitos […]. (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 241, grifo dos autores).

Esse direito ao ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado como direito fundamental tanto no aspecto formal, já que inserido no texto constitucional, como no aspecto material, pois sua proteção é indispensável para a efetivação da dignidade da pessoa humana, esta que se constitui como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/1988).

Amado (2014) afirma possuírem as pessoas direito a um “mínimo existencial ecológico” para gozar de uma vida digna. Água limpa para beber, ar puro para bem respirar e alimentos desprovidos de agrotóxicos ou quaisquer outros males. Sem que se resguardem essas mínimas condições, todas elas bens essenciais, os demais direitos fundamentais – notadamente o direito à saúde – certamente restarão prejudicados. 

Considerando a natureza de direito fundamental do meio ambiente equilibrado, o autor aponta como suas características: a historicidade, tendo em vista ter sido conquistado por meio de lutas sociais em prol de sua defesa; a universalidade, vez que destinado à população mundial; irrenunciabilidade; inalienabilidade; limitabilidade (não há direito absoluto, ainda que fundamental); e imprescritibilidade, o que lhe confere pretensão de reparação perpétua (AMADO, 2014). 

No tratamento da matéria ambiental, a Lei Maior se destacou em meio à evolução do constitucionalismo brasileiro, uma vez que as Constituições anteriores não se preocuparam em reservar ao tema um corpo normativo sólido e bem delimitado, no máximo tratando-o de forma esparsa. A Constituição de 1988, diferentemente, “estabeleceu, de maneira específica e global, a proteção ao meio ambiente”, (LENZA, 2014, p. 1326), reservando-lhe capítulo próprio.

As disposições sobre meio ambiente estão alocadas no texto constitucional no Título VIII, que trata da Ordem Social e, precisamente, no capítulo VI (“Do Meio Ambiente”), em seu artigo 225, que dispõe ser direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, portanto, ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 

Da leitura do dispositivo, infere-se que a preservação ambiental é, ao mesmo tempo, direito e dever da coletividade. Para o Poder Público, paralelamente, trata-se de um dever que lhe acarreta, como resultado, diversas incumbências, de ordem positiva (ação) e negativa (omissão) – também dispostas no texto constitucional (e que serão detalhadas adiante).

Notável, primeiramente, a inovação que trouxe ao legislador constituinte ao garantir o preservacionismo ambiental para as futuras gerações. Essa previsão, vale observar, pode ser diretamente ligada à classificação do direito ao meio ambiente equilibrado como interesse difuso, cujos titulares são indeterminados; particularmente no direito à proteção ambiental, portanto, tais sujeitos chegam a abranger até mesmo gerações ainda futuras. Nas lições de Hugo Nigro Mazzilli:

Destarte, estão incluídos no grupo lesado não só os atuais moradores da região atingida, como também os futuros moradores do local; não só as pessoas que ali vivem atualmente, mas até mesmo as gerações futuras, que, não raro, também suportarão os efeitos da degradação ambiental. Em si mesmo, portanto, o próprio interesse em disputa é indivisível. (MAZZILLI, 2007, p. 52).

O §1º do dispositivo supracitado (art. 225, CF/1988) estabelece as incumbências do Poder Público que se destinam a dar efetividade a esse direito ao equilíbrio ecológico. Válido transcrevê-las, nesses termos:

  1. – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 
  2. – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético;
  3. – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
  4. – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
  5. – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
  6. – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
  7. – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;
  8. – manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam a alínea “b” do inciso I e o inciso IV do caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput do art. 155 desta Constituição.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 123, de 2022) (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

O §2º (art. 225) prevê como consequência direta da exploração de recursos minerais a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado ao responsável, tudo isso conforme a solução técnica exigida pelo órgão competente (na forma da lei). Ou seja, o legislador constituinte determinou, com a previsão, que, em existindo a referida atividade, necessariamente haverá degradação e, assim, a responsabilidade de reparação. 

Lenza (2014, p. 1334) acrescenta que a “[…] exploração, ainda nos termos do art. 225, caput, terá de ser sustentável para evitar o esgotamento dos recursos minerais, inclusive para as gerações futuras” (grifo do autor).

Não se pode olvidar que, na hipótese de condutas e atividades que sejam consideradas lesivas ao meio ambiente, haverá penalidades que independem da obrigação de reparar os danos causados (art. 225, §3º, CF/1988).  Nesse ponto, destaque-se que a Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98) dispõe não só sobre as sanções penais, mas também sobre as de natureza administrativa decorrentes de práticas que acarretem desequilíbrio ao meio ambiente.

Quanto à reparação dos danos provocados ao meio ambiente – e a terceiros, tem-se a responsabilidade objetiva e integral do infrator (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81), independente de culpa, portanto, para a qual basta seja provado o dano e o nexo de causalidade entre ele e a referida conduta lesiva.

Ainda no art. 225, anote-se que o §4º define alguns espaços territoriais, atribuindo-lhes o caráter de patrimônio nacional, determinando que sua utilização deverá ser feita na forma da lei e dentro das condições que assegurem a preservação ambiental, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. São eles: a Floresta Amazônica (brasileira), a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. Amado (2014), comentando o dispositivo, ressalta que foram esquecidos o Cerrado e a Caatinga, que são ainda alvos de histórica discriminação estética.

O §5º do dispositivo em tela (art. 225, CF/1988), por sua vez, traz a indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

O §6º impõe a necessidade de previsão em lei federal da localização de usinas que operem com reator nuclear, sem o que não poderão ser instaladas. Essa preocupação se justifica devido ao eminente risco ligado a esse tipo de atividade, tanto que a própria Constituição estabeleceu que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa (art. 21, XXIIII, “d”, CF/1988) – trata-se de responsabilidade objetiva e integral.

Por fim, a Emenda Constitucional nº 96, de 2017 (chamada Emenda da Vaquejada), incluiu o §7º, disposição que é alvo de intenso debate doutrinário e jurisprudencial:

“Não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”) (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

Em que pese ter a Constituição Federal tratado o meio ambiente em capítulo específico, também previu, de forma esparsa, outras garantias a respeito do tema. Nessa esteira, vale mencionar o artigo 5º, LXXIII, que possibilita o ajuizamento de ação popular por qualquer cidadão para fins de anular ato lesivo ao meio ambiente.

Art. 129, III, também é exemplo dessa garantia na Lei Maior, na medida em que prevê como função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção ambiental (dentre outros interesses).

 O texto constitucional versa sobre as competências constitucionais em matéria ambiental, elencando-as com base num verdadeiro federalismo de cooperação, este que é fundamento para a efetivação do princípio da gestão ambiental descentralizada, democrática e eficiente – já apresentado no presente trabalho. 

Nessa perspectiva, o artigo 23, incisos III, IV, VI, VII e XI, CF/1988 regula entre as competências comuns – de ordem material ou administrativa – dos entes federativos: a proteção de paisagens naturais notáveis, monumentos, sítios arqueológicos, documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural; aliada a esta, o impedimento de evasão, destruição e descaracterização de obras de arte e outros bens de valor histórico, artístico e cultural; a proteção do meio ambiente e o combate da poluição em todas as suas formas; a preservação das florestas, fauna e flora; e o registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

O parágrafo único do dispositivo citado, inclusive, dispõe que a referida cooperação entre os entes deve ser regulada por meio de leis complementares, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. E, nesse rumo, foi instituída a Lei Complementar n. 140/2011 – Proteção às paisagens naturais notáveis.

Apesar das disposições sobre as competências comuns ou paralelas, vale ressalvar algumas situações particulares, previstas no artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, da Lei Maior, que são atribuídas exclusivamente à União: a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; o planejamento e promoção da defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; instituição de sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definição de critérios de outorga de direitos de seu uso; elaboração de diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo habitação, saneamento básico e transportes; exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercício do monopólio estatal sobre a pesquisa, lavra, enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.

Relativamente às competências legislativas ambientais, o artigo 24, incisos VI, VII e VIII, da CF/1988 atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal, concorrentemente, as seguintes matérias: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico; e responsabilidade por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Importante salientar que, em tema de competência concorrente, cabe à União fixar somente normas gerais, enquanto aos Estados e Distrito Federal, é prevista competência suplementar – complementando a lei federal – e, até mesmo, competência legislativa plena, para fins de atender a suas peculiaridades, em caso de inexistir lei da União regulando normas gerais sobre a matéria. Mas, nesta hipótese, a superveniência da lei federal suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrária (art. 24, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, CF/1988). 

Note que o aludido preceito normativo (art. 24, CF/1988) não mencionou os Municípios na atribuição daquelas competências. Todavia, no artigo 30, incisos I e II, a Constituição concedeu a eles autoridade para legislar sobre assuntos de interesse local e, ainda, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Excepcionalmente, caberá privativamente à União legislar sobre algumas matérias de cunho ambiental. São casos previstos no artigo 22, incisos IV, XII e XXVI, CF/1988, vale dizer: águas, energia, jazidas, minas, outros recursos minerais e atividade nucleares de qualquer natureza.

Ademais, vale observar que a Constituição, em seu art. 170, VI, elenca, entre os princípios gerais que regem a ordem econômica, a defesa ambiental, inclusive por meio de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental provocado pelos produtos e serviços e seus processos de elaboração e prestação.

Nesse aspecto, o referido dispositivo encontra-se em perfeita sintonia com o disposto no artigo 4º, I, da Lei n. 6.938/81, que dispõe ser um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico.

Lenza (2014) afirma que, de fato, o direito ao desenvolvimento precisa caminhar junto à questão ambiental, de forma a se estabelecer verdadeiro equilíbrio entre tais valores constitucionais, que se apresentam em aparente conflito. A solução para essa problemática, segundo o autor, estaria precisamente na chave da sustentabilidade, ou seja, no desenvolvimento sustentável. 

É justamente nesse sentido que o artigo 225 da CF/1988 impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, de forma que as atividades desenvolvidas não comprometam essa higidez ecológica.

O art. 174, §3º, CF/1988 prevê a tutela ambiental na organização da atividade garimpeira e cooperativas pelo Estado; o art. 176, §1º dispõe sobre a pesquisa e a lavra de recursos minerais e potenciais de energia hidráulica; o art. 182 trata da política urbana e se adequa à concepção de meio ambiente artificial; o art. 200, por sua vez, VIII, que protege, inclusive, o meio ambiente do trabalho, mediante colaboração do sistema único de saúde (SUS); os arts. 215, 216 e 216-A trazem aspectos inseridos na noção de meio ambiente cultural; e o art. 220, §3º, a seu tempo, trata de comunicação social e proteção ambiental.

Importante destacar o artigo 186 da CF/1988, que define a função social da propriedade rural, impondo, para fins de atendê-la, os requisitos do aproveitamento racional e adequado; da utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; e da exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Como síntese a respeito da constitucionalização da proteção ambiental, as lições de José Afonso da Silva:

As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumento no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana. (SILVA, 2005, p. 846-847, grifo do autor).

Acrescente-se que, a partir da disciplina constitucional sobre o meio ambiente, especialmente pela ênfase dada pelo artigo 225, várias leis passaram a regulamentar a matéria. Dentre elas, alguns destaques: Lei n. 7.735/89 (IBAMA); Lei n. 9.605/98 (Crimes Ambientais); Lei n. 9.795/99 (Educação Ambiental); Lei n. 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC); Lei 11.284/2006 (Gestão de Florestas Públicas); Lei 11.428/2006 (Bioma Mata Atlântica); Lei n. 11.445/2007 (Saneamento básico); Lei n. 14.026/2020 (Novo Marco Legal do Saneamento Básico); Lei 11.959/2009 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca); Lei 12.187/2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima); Lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos); Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal); Lei Complementar n. 140/2011 (Proteção às paisagens naturais notáveis); dentre outras.

Ainda na linha da legislação protetiva do equilíbrio ambiental, tem-se que o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.228, §1º, determina o exercício do direito de propriedade em conformidade com a preservação do equilíbrio ecológico, da flora, fauna, das belezas naturais, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

E não se descuide de mencionar a Lei de Licitações, que, na busca pela defesa do meio ambiente, trouxe como uma das finalidades do processo licitatório o incentivo à inovação e ao desenvolvimento nacional sustentável (artigo 11, Lei n. 14.133/2021).

Concluindo pela importância desse caminho de regulamentação da proteção normativa do meio ambiente que vem sendo trilhado pelo legislador infraconstitucional após a sua previsão no texto da Lei Maior, Frederico Amado afirma:

Após a constitucionalização do Direito Ambiental, busca-se agora a realização da tarefa mais árdua, consistente na efetivação das normas protetivas do meio ambiente, com uma regulamentação infraconstitucional cada vez mais rígida, que progressivamente vem sendo observada pelo próprio Poder Público e por toda a coletividade, cônscios de que o desenvolvimento econômico não mais poderá ser dar a qualquer custo, devendo ser sustentável, ou seja, observar a capacidade de suporte de poluição pelos ecossistemas. (AMADO, 2014, p. 51).

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA TUTELA AMBIENTAL

Após considerações sobre o tratamento conferido pela Lei Maior à proteção do meio ambiente, passa-se à análise de entendimentos recentes ou paradigmáticos dos Tribunais Superiores acerca da temática.

Importante destacar, primeiramente, entendimentos sumulados pelos Tribunais Superiores. Nesse rumo, a recente Súmula nº 652 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovada em 2021, determina: “A responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária.”. Márcio André Cavalcante muito bem explica, nesses termos:

O Município possui responsabilidade por conta de sua omissão no dever de fiscalização. Logo, possui responsabilidade solidária, devendo ser condenada em conjunto com a causadora do dano (…) Primeiro deve-se tentar fazer com que a empresa pague integralmente a condenação imposta. A responsabilidade da Administração Pública é objetiva, solidária e ilimitada, mas de execução subsidiária. Assim, o poder público fica na posição de devedor-reserva, com “ordem ou benefício de preferência”. Desse modo, fica vedada a sua convocação per saltum (“pulando” a empresa causadora do dano).

O que significa isso, na prática?

Tanto a empresa como o Município serão condenados solidariamente. Ambos constarão no título executivo. No entanto, no momento da execução, primeiramente deve-se tentar fazer com que a empresa pague a indenização. Somente se ela não tiver condições de pagar, a Administração Pública será chamada a arcar com a indenização. Mesmo que o Poder Público acabe tendo que pagar a condenação, ele poderá, posteriormente, ajuizar ação regressiva contra o responsável direto pelo dano (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 652-STJ. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/01/info-720-stj.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

A Súmula nº 629 apresenta o princípio da reparação integral na seara ambiental: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 629-STJ. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: < https://www.dizerodireito.com.br/2019/01/sumula-629-do-stj-comentada.html>. Acesso em: 21/02/2023).

Por sua vez, a Súmula nº 618 possibilita a inversão do ônus da prova em tema de degradação ambiental, em conformidade com o princípio da precaução. A seu turno, a Súmula nº 613 veda a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental, uma vez que não há direito adquirido em manter a situação que gerou o prejuízo ambiental.

Importante, ainda, a Súmula nº 623, que trata da natureza propter rem das obrigações ambientais, in verbis: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”. Desse modo, trata-se de obrigação que acompanha o título de domínio ou posse, transferindo-se ao atual proprietário ou possuidor, ainda que eles não sejam os responsáveis pelo dano ambiental (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 623-STJ. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/02/sc3bamula-623-stj.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

Por fim, a Súmula nº 467 do STJ dispõe sobre a prescrição para ser executada multa em caso de infração ao meio ambiente, nesses termos: “Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental” (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 467-STJ. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c92383002f757cddd52df84e68894b5e>. Acesso em: 21/02/2023).

Na temática da prescrição, destaca-se, também, a tese de repercussão geral do STF no seguinte sentido: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Info 983). Segundo o professor Márcio André, “a reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais” (Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/07/info-983-stf.pdf >. Acesso em: 21/02/2023).

O STF também fixara, em 2015, tese de repercussão geral definindo a possibilidade dos Municípios legislar sobre tema ambiental relacionado ao interesse local – em conformidade com o artigo 30, inciso I, da CF/1988, desde que respeitando a proteção dada pela legislação federal, nesses termos:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88). O STF julgou inconstitucional lei municipal que proíbe, sob qualquer forma, o emprego de fogo para fins de limpeza e preparo do solo no referido município, inclusive para o preparo do plantio e para a colheita de cana-de-açúcar e de outras culturas. Entendeu-se que seria necessário ponderar, de um lado, a proteção do meio ambiente obtida com a proibição imediata da queima da cana e, de outro, a preservação dos empregos dos trabalhadores que atuem neste setor. No caso, o STF entendeu que deveria prevalecer a garantia dos empregos dos trabalhadores canavieiros, que merecem proteção diante do chamado progresso tecnológico e da respectiva mecanização, ambos trazidos pela pretensão de proibição imediata da colheita da cana mediante uso de fogo. Além disso, as normas federais que tratam sobre o assunto apontam para a necessidade de se traçar um planejamento com o intuito de se extinguir gradativamente o uso do fogo como método despalhador e facilitador para o corte da cana. Nesse sentido: Lei 12.651/2012 (art. 40) e Decreto 2.661/98. STF. Plenário. RE 586224/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/3/2015 (repercussão geral) (Info 776). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Inconstitucionalidade de lei municipal que proíbe a queima da cana. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/e22dd5dabde45eda5a1a67772c8e25dd>. Acesso em: 21/02/2023).

O STJ, a seu turno, consolidou entendimento na temática da responsabilidade por degradação ambiental, nesses termos:

Determinada empresa de mineração deixou vazar resíduos de lama tóxica (bauxita), material que atingiu quilômetros de extensão e se espalhou por cidades dos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, deixando inúmeras famílias desabrigadas e sem seus bens móveis e imóveis. O STJ, ao julgar a responsabilidade civil decorrente desses danos ambientais, fixou as seguintes teses em sede de recurso repetitivo: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. STJ. 2ª Seção. REsp 1374284-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2014 (Info 545). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Empresa de mineração que deixou vazar resíduos de lama tóxica. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2015/01/info-545-stj.pdf >. Acesso em: 21/02/2023).

Ainda em 2014, destaca-se precedente importante sobre danos morais a pescadores profissionais, causados por acidente ambiental, que impediu ou prejudicou gravemente a atividade:

(…) Se uma empresa causou dano ambiental e, em decorrência de tal fato, fez com que determinada pessoa ficasse privada de pescar durante um tempo, isso configura dano moral. O valor a ser arbitrado como dano moral não deverá incluir um caráter punitivo. É inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo. Assim, não há que se falar em danos punitivos (punitive damages) no caso de danos ambientais. STJ. 2ª Seção. REsp 1354536-SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/3/2014 (recurso repetitivo) (Info 538) (CAVALCANTE, Márcio André Lopes . Dizer o Direito. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B4mQkJ-pSXwqZ0JUbmRxdndVc2c/edit?resourcekey=0-aMzyAALzpq2t9jSeDCT50g. Acesso em 21/02/2023).

Em outro entendimento, a Corte da Cidadania fixou tese em recurso repetitivo, acerca dos limites não edificáveis, definidos pelo Código Florestal define faixa não edificável em áreas urbanas consolidadas, afastando a aplicação de limites menores previstos na Lei de Parcelamento urbano, in verbis:

Na vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’ água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. STJ. 1ª Seção. REsp 1770760/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28/04/2021(Recurso Repetitivo – Tema 1010) (Info 694). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Código Florestal define faixa não edificável a partir de curso d’água em áreas urbanas, não se aplicando os limites menores previstos na Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

Importante destacar que, posteriormente ao entendimento supracitado, a Lei nº 14.285/2021 alterou o Código Florestal (Lei nº 12.651/ 2012) – incluindo o §10 no artigo 4º, bem como a Lei de Parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/79) – incisos III-A e III-B do artigo 4º. Seguem as referidas alterações, respectivamente:

§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam: (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021) I – a não ocupação de áreas com risco de desastres; (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021) II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021) III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021). (BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012).

Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

(…) III-A – ao longo da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; III-B – ao longo das águas correntes e dormentes, as áreas de faixas não edificáveis deverão respeitar a lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento de planejamento territorial e que definir e regulamentar a largura das faixas marginais de cursos d´água naturais em área urbana consolidada, nos termos da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, com obrigatoriedade de reserva de uma faixa não edificável para cada trecho de margem, indicada em diagnóstico socioambiental elaborado pelo Município (BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979).

Outro importante entendimento também restou fixado, em 2021, pelo STJ, sobre a apreensão de instrumento utilizado na infração ambiental, conforme previsão na Lei de Crimes Ambientais:

A apreensão do instrumento utilizado na infração ambiental, fundada no § 5º do art. 25 da Lei nº 9.605/98, independe do uso específico, exclusivo ou habitual para a empreitada infracional. Os arts. 25 e 72, IV, da Lei nº 9.605/98 estabelecem como efeito imediato da infração a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental. A exigência de que o bem/instrumento fosse utilizado de forma específica, exclusiva ou habitual para a prática de infrações não é um requisito que esteja expressamente previsto na legislação. Tal exigência compromete a eficácia dissuasória inerente à medida, consistindo em incentivo, sob a perspectiva da teoria econômica do crime, às condutas lesivas ao meio ambiente. STJ. 1ª Seção. REsp 1814944-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/02/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1036) (Info 685). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Para que haja a apreensão de veículo utilizado na prática de infração ambiental não é necessário que se comprove que o bem era utilizado de forma específica, exclusiva ou habitual na prática de ilícitos ambientais. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/eba237eccc24353ccaa4d62013556ac6>. Acesso em: 21/02/2023).

Sem pretensão de esgotar a análise jurisprudencial da temática, destacam-se, por fim, alguns entendimentos do ano de 2022:

É inconstitucional — por invadir a competência legislativa geral da União (art. 24, VI, §§ 1º e 2º, da CF/88) e violar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, § 1º, IV, da CF/88) — norma estadual que cria dispensa do licenciamento ambiental para atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. STF. Plenário. ADI 4529/MT, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 21/11/2022 (Info 1076). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É inconstitucional norma estadual que cria dispensa do licenciamento ambiental para atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/12/info-1076-stf.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

Cabe aos municípios promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos que possam causar impacto ambiental de âmbito local STF. Plenário. ADI 2142/CE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/6/2022 (Info 1060). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito. Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/09/info-1060-stf.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

Em ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG, não se discutindo a responsabilização do Estado, não prevalece a competência da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, permitindo-se o ajuizamento no foro de residência do autor ou no local do dano. STJ. 4ª Turma.AgInt no AREsp 1966684-ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17/10/2022 (Info 758). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Competência para julgar ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Mariana/MG. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2022/12/competencia-para-julgar-acao-que-tem.html#:~:text=como%20regra%20geral%2C%20a%2012%C2%AA,do%20acidente%20ambiental%20de%20Mariana. >. Acesso em: 21/02/2023).

Caso concreto: ação civil pública foi ajuizada, em 2018, contra particular e o Município em razão de maus-tratos identificados desde 2012 em abrigo clandestino de animais. A particular instalou o abrigo em área pública abandonada. Na vistoria, que ocorreu 6 anos após a ocupação, havia 107 cães com diversos problemas. Firmado termo de ajustamento de conduta, a área foi desocupada. Porém, verificou-se a mudança do canil clandestino para outro imóvel, igualmente com problemas e sem licença. Nessa feita, identificou-se contaminação ambiental do solo e instalação desautorizada de poço. Na ACP, buscou-se a determinação para o município acolher os animais em local adequado, com acompanhamento veterinário e encaminhamento para doação ou destinação a entidades de proteção. Não há que se falar em ilegitimidade passiva da municipalidade que, ciente dos fatos por anos, deixou de tomar medidas efetivas para sua solução, penalizando os animais submetidos ao “abrigo”, o que não pode mesmo ser tolerado, inclusive diante da dimensão ecológica da dignidade humana. STJ. 2ª Turma. AREsp 2.024.982-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 14/06/2022 (Info 742). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/10/info-742-stj.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

São inconstitucionais decretos que restrinjam a participação da sociedade civil em órgãos ambientais STF. Plenário. ADPF 651/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/4/2022 (Info 1052). (CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito. Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/07/info-1052-stf.pdf>. Acesso em: 21/02/2023).

CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou as disposições constitucionais acerca da proteção ambiental, que é prevista na Lei Maior como direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, foram abordados importantes precedentes dos Tribunais Superiores para a consolidação jurisprudencial da temática. Demonstrou-se, então, que a comunidade jurídica despertou para a necessidade de serem estabelecidos valores protetivos ambientais, dada a crise ambiental, de um lado, somada à consciência de que os recursos oferecidos pela natureza são esgotáveis, merecendo resguardo.

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[1] Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe -UFS (2013). Aprovação no Exame de Ordem – OAB (2012). Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Damásio (2016).