O TESTE DE PROPORCIONALIDADE NA ARGUMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DE CASO A PARTIR DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5135/DF
1 de março de 2023THE PROPORTIONALITY TEST IN CONSTITUTIONAL REASONING: A CASE ANALYSIS OF THE DIRECT ACTION OF UNCONSTITUTIONALITY Nº 5135/DF
Artigo submetido em 17 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 22 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 45 – Março de 2023 ISSN 2236-3009 |
Autor: Guilherme Barcelos Machado Lopes[1] |
Resumo: No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5135/DF, foi desenvolvido um argumento em duas etapas para se sustentar a constitucionalidade do protesto de Certidões da Dívida Ativa. Na primeira etapa, os direitos fundamentais invocados pelo(s) proponente(s) foram submetidos a uma interpretação restritiva de seus respectivos alcances abstratos. Já na segunda etapa, empregou-se o teste de proporcionalidade em suas três máximas parciais. No presente trabalho, se argumentará que a abordagem em duas etapas, tal como desenvolvida no julgado, é problemática em pelo menos dois aspectos: ela é redundante, pois que a conclusão da primeira etapa já determinou completamente o resultado da segunda, e ela acaba introduzindo premissas normativas cuja generalização entra em conflito com outros precedentes do Supremo Tribunal Federal. Como alternativa, será proposta uma reconstrução do argumento que evita os problemas apontados, indicando-se ainda as razões pelas quais isso sucede. Tais razões sugerem que o teste de proporcionalidade fornece um quadro mais seguro, em comparação à interpretação restritiva em nível abstrato, para o desenvolvimento da argumentação jurídica em hipóteses de conflito entre princípios constitucionais.
Palavras-chave: direitos fundamentais, argumentação jurídica, proporcionalidade.
Abstract: When judging the direct action of unconstitutionality nº 5135/DF, the Brazilian Supreme Federal Court developed an argument in two stages in order to justify the constitutionality of the protest for non-payment of tax debts. Firstly, the Court subjected the constitutional rights invoked by the plaintiff(s) to a restrictive interpretation of their abstract ranges. Secondly, the Court applied the proportionality test, by means of the later three partial maxims. In the present paper, we will argue that the two-stage approach, in the way the Supreme Court performed it, is problematic in at least two ways: it is redundant, since the first stage fully determined the result of the second; and it ended up introducing normative premises unfit for generalization without contradiction to other precedents of the same Court. As an alternative, we will propose a reformulation of the argument, which avoids the two identified problems, and also expose the reasons why this result obtains. Such reasons suggest that the proportionality test provides a safer tool, in comparison to restrictive interpretation on an abstract level, for the framing of legal reasoning in cases of conflict among constitutional principles.
Keywords: constitutional rights, legal reasoning, proportionality.
Introdução
O teste de proporcionalidade é uma técnica da argumentação constitucional empregada para a resolução de conflitos normativos. Mais especificadamente, é uma técnica para a resolução de colisões entre princípios constitucionais.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (doravante, “ADI”) nº 5.135/DF, essa técnica foi utilizada pelo relator, em voto seguido pela maioria dos demais julgadores, como parte integrante de uma argumentação em duas etapas que visava demonstrar a constitucionalidade, do ponto de vista material, do protesto de Certidões da Dívida Ativa (doravante, “CDA’s”).
Na primeira seção que se segue, a argumentação desenvolvida pelo relator será exposta nas suas partes mais relevantes, pondo-se em destaque as duas diferentes abordagens que foram utilizadas de forma pretensamente complementar.
Em seguida, se argumentará que as duas abordagens, ao invés de complementares, acabam se revelando redundantes, eis que o argumento desenvolvido na primeira etapa da fundamentação acabou determinando completamente o resultado do teste de proporcionalidade realizado na etapa seguinte.
Além do problema apontado acima, se buscará mostrar que o argumento elaborado pelo relator se apoia em pelo menos alguns pressupostos que não podem ser consistentemente generalizados sem contradição com teses que já haviam sido firmadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Como resposta aos problemas identificados, será então proposta uma alternativa, consistente numa elaboração parcialmente reformulada do teste de proporcionalidade utilizado na argumentação do relator, pondo-se em destaque as razões gerais pelas quais os problemas anteriormente apontados são evitados no novo argumento. Com base nessas razões, será possível, ao final, propor algumas conclusões também gerais sobre as duas abordagens utilizadas pelo relator e suas respectivas vantagens/desvantagens.
Os argumentos de constitucionalidade material na ADI nº 5.135/DF
Na decisão que julgou a ADI nº 5.135/DF, a argumentação apresentada para o propósito de refutar a inconstitucionalidade material alegada pelo(s) proponente(s) foi elaborada, no voto vencedor apresentado pelo relator, Ministro Luís Roberto Barroso, em duas etapas.
Primeiramente, cuidou-se de examinar se os direitos fundamentais invocados pela parte autora foram efetivamente restringidos pela norma impugnada. Vale dizer, o objetivo desse primeiro grupo de argumentos era o de determinar, in abstracto, se o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, ao contemplar as CDA’s no rol dos títulos sujeitos a protesto, restringiria os direitos fundamentais ao devido processo legal, à livre iniciativa e ao livre exercício profissional. Para facilitar futuras remissões, esse primeiro bloco de argumentos será aqui denominado de “argumento 1”.
Já a segunda etapa da argumentação centrou-se na aplicação do teste de proporcionalidade, a partir de suas três máximas parciais: adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito. Para facilitar futuras remissões, esse segundo bloco será aqui denominado de “argumento 2”.
Assim, no argumento 1, a decisão procede à análise individualizada dos direitos fundamentais invocados na ADI, pondo-os em contraste com o teor da norma impugnada para identificar eventuais incompatibilidades. O objetivo do argumento é, portanto, avaliar a abrangência do âmbito de proteção dos direitos fundamentais arrolados, para determinar se estes cobririam ou não as condições de incidência da norma legal questionada.
Nessa esteira, a restrição ao devido processo legal foi afastada com base nas seguintes considerações: (i) o protesto é instrumento de cobrança extrajudicial, de tal sorte que a previsão deste como meio de cobrança da Dívida Ativa em nada contradiria a exigência de execução fiscal para o fim específico de cobrança judicial – tais instrumentos seriam, a rigor, complementares; (ii) o protesto não impede o acesso do devedor ao Poder Judiciário, por meio do qual se pode tanto impugnar a dívida como também sustar o protesto.
Quanto aos direitos à livre iniciativa e à liberdade profissional, o entendimento apresentado no acórdão foi o seguinte:
[…] o protesto de Certidões de Dívida Ativa não representa um efetivo embaraço ao regular exercício das atividades empresariais e ao cumprimento dos objetos sociais dos administrados. Sua principal finalidade é dar ao mercado conhecimento a respeito da existência de débitos fiscais e permitir a sua cobrança extrajudicial. Desse modo, a medida não impacta diretamente a vida da empresa. Diversamente dos casos julgados por esta Corte em que se concluiu pela violação à livre iniciativa, o protesto não compromete a organização e a condução das atividades societárias, tal como ocorre nas hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, restrições à expedição de notas fiscais e limitações à obtenção de registros ou à prática de atos necessários ao seu funcionamento.
A despeito dessas considerações, fez-se a seguinte concessão:
Não ignoro que o acesso ao crédito representa uma importante ferramenta para o desenvolvimento, o crescimento e, às vezes, para a própria sustentabilidade do negócio, em especial em microempresas e empresas de pequeno porte. No entanto, ainda que se pudesse admitir que o protesto de CDAs afetasse a atividade econômica, isso se daria sempre de forma eventual e indireta. É que as restrições à linha de crédito comercial da empresa não constituem uma consequência imediata da publicidade conferida ao crédito tributário pelo protesto. Eles representam, no máximo, uma decorrência indireta do instrumento, a qual, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício.
Por sua vez, a conclusão retirada a partir das duas passagens reproduzidas acima é ambígua:
Em vista desses fundamentos, parece-me que o protesto das certidões da dívida ativa não restringe, efetivamente, a livre iniciativa e a liberdade de exercício profissional. Quando muito, ele pode promover uma pequena restrição a tais direitos (pela restrição creditícia), que, justamente por ser eventual e indireta, não atinge os seus núcleos essenciais.
Com efeito, muito embora a conclusão se inicie com a afirmativa de que a medida impugnada não restringiria os direitos à livre iniciativa e à liberdade de exercício profissional, admite-se, em seguida, que tal limitação, embora bastante restrita, seria ainda assim concebível.
Tal conclusão encerra o primeiro bloco de argumentos elaborados pelo relator.
Já no argumento 2, são contempladas de forma pormenorizada cada uma das máximas parciais do teste de proporcionalidade.
Com relação à máxima da adequação, o voto do relator procede a partir de considerações sobre os fins atribuíveis ao protesto. A análise se inicia elencando os propósitos que a doutrina adotada pelo(s) proponente(s) estabelece para tal medida: (i) a conferência de força executiva ao título protestado; (ii) a produção de prova para a conservação e o exercício de direitos; (iii) a constituição do devedor em mora para fluência de juros; (iv) a possibilidade de pedido de falência do devedor; e (v) a interrupção da prescrição. À luz desses fins apenas, pode-se conceder considerável plausibilidade à tese de que o protesto de CDA seria meio inadequado para fomento de objetivos legítimos. Com efeito, o crédito tributário já goza, pela disciplina do art. 204 do Código Tributário Nacional, de força executiva independentemente de protesto, e de presunção de certeza e liquidez, o que afasta as alternativas (i) e (ii) como fins idôneos para o protesto de CDA. Além disso, não haveria, relativamente à Fazenda Pública, interesse na constituição em mora do devedor, ou no pedido de falência, afastando assim as alternativas (iii) e (iv). O voto não apresenta razões para afastar a alternativa (v).
Contudo, em seguida, por meio de interpretação teleológica, argumenta-se que os fins elencados em (i)-(v) já não podem mais, coerentemente, ser concebidos como os únicos atribuíveis ao protesto. E isso porque a Lei nº 9.492/1997 ampliou sensivelmente o rol de títulos sujeitos a protesto, nele incluindo, para além de títulos cambiais, “títulos e outros documentos de dívida” (cf. art. 1º, Lei nº 9.492/1997). E, como observa o relator na nota de rodapé nº 19 do voto, não faria sentido admitir o protesto de títulos executivos exigíveis (como prevê também o art. 517 do Código de Processo Civil) se as funções do protesto fossem meramente probatórias. A partir dessas considerações, a decisão em análise se reporta ao reconhecimento, pela jurisprudência do STF, de uma natureza bifronte ao instituto do protesto:
A partir dessa alteração legislativa, o protesto passou também a desempenhar outras funções além da meramente probatória. Como já afirmou o Superior Tribunal de Justiça, trata-se hoje de instituto de natureza bifronte. De um lado, o protesto representa instrumento para constituir o devedor em mora e comprovar o descumprimento da obrigação. De outro, ele confere ampla publicidade ao inadimplemento e constitui meio alternativo e extrajudicial para a cobrança da dívida.
Com a introdução dessas premissas, viabilizou-se, então, sustentar a adequação do protesto de CDA’s para fins diversos daqueles inicialmente elencados, a saber, precisamente para a segunda frente de objetivos reconhecidos em favor do instituto do protesto: ampla publicidade e cobrança extrajudicial de dívida. Esses fins, por sua vez, concorrem para “estimular a adimplência, incrementar a arrecadação e promover a justiça fiscal, impedindo que devedores contumazes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos”. Com isso, a máxima parcial da adequação foi considerada satisfeita no argumento 2.
Passou-se, por conseguinte, à parcial da necessidade, de acordo com a qual se deveria verificar a existência, para os fins atribuídos ao protesto de CDA, de meio alternativo menos restritivo para os direitos fundamentais do(s) interessado(s). A conclusão foi em sentido negativo, porque: (i) o meio alternativo à disposição do fisco, qual seja, a execução fiscal, é em realidade ainda mais gravoso que o protesto; e (ii) trata-se de meio mais custoso e menos eficiente, de tal forma que não atinge as mesmas finalidades, ou não as atinge em igual grau.
Satisfeitas assim as duas primeiras parciais de adequação e necessidade, o relator prosseguiu para a ponderação propriamente dita dos interesses conflitantes. Dessa forma, os direitos fundamentais invocados pelo(s) proponente(s) foram contrapostos aos seguintes princípios constitucionais: (i) eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários (arts. 37 e 70, CF); (ii) garantia da livre concorrência, ao se coibir vantagens competitivas indevidas resultantes da sonegação de tributos (art. 170, IV, CF), e (iii) razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, CF), que se realizaria mediante o descongestionamento do Judiciário no que tange às execuções fiscais.
O que se indaga, portanto, neste ponto da argumentação, é se os benefícios advindos do fomento dos princípios constitucionais mencionados superam, nas condições específicas de que trata a norma impugnada, os prejuízos resultantes de restrições aos direitos fundamentais contrapostos. E a resposta é, novamente, afirmativa. Uma vez que, no argumento 1, já se havia estabelecido que a norma impugnada não imporia qualquer restrição aos direitos ao due process, à livre iniciativa, e ao livre exercício profissional, a retomada desse argumento é tida como suficiente para estabelecer que a otimização dos três princípios citados gera um grau insignificante de interferência nos direitos fundamentais do(s) proponente(s). Por outro lado, há significativo fomento de princípios constitucionais através da medida, de que resulta, para o relator, a seguinte conclusão:
Sopesando-se os custos e benefícios da medida questionada nesta ação direta, parece evidente que o protesto de Certidões de Dívida Ativa proporciona ganhos que compensam largamente as leves e eventuais restrições aos direitos fundamentais dos devedores. Daí porque, além de adequada e necessária, a medida é também proporcional em sentido estrito.
Isso encerra o argumento 2, completando, assim, as “duas etapas” da argumentação apresentada no voto do relator.
Da redundância dos argumentos utilizados
Como crítica à argumentação analisada acima, se poderia, primeiramente, apontar um problema metodológico: a conjunção dos argumentos 1 e 2 é redundante. Isso ocorre porque a exclusão de determinado interesse do alcance em abstrato de um direito fundamental esvazia completamente o papel que este poderia desempenhar no teste de proporcionalidade. Como o argumento 1 estabeleceu que nenhum dos direitos fundamentais invocados pelo(s) proponente(s) sofreu interferência ou restrição da norma impugnada, os resultados de uma realização daquele teste ficaram completamente predeterminados em favor dos princípios (alegadamente) contrapostos, tornando assim dispensável o argumento 2.
Explica-se: o teste de proporcionalidade se presta a solução de conflitos entre princípios. Tanto sua estrutura como as máximas parciais que a compõem são concebidas para o propósito de coordenar princípios que, cumulativamente aplicáveis, determinem soluções pelo menos parcialmente incompatíveis (cf. ALEXY, 2015, p. 116-120). Assim, um conflito entre princípios se dá sob dois pressupostos: (i) que esses princípios cubram as condições de um mesmo caso, e que, (ii) para essas condições, recomendem pelo menos algumas soluções que não possam ser satisfeitas de forma cumulativa. Como o argumento 1 afastou o primeiro desses pressupostos, não haveria conflito entre os direitos fundamentais invocados pelo(s) proponente(s) e os princípios subjacentes à norma impugnada, e disso resultaria a total inutilidade de uma aplicação subsequente do teste de proporcionalidade.
Afinal, a máxima parcial da adequação tem o propósito de verificar o fomento de princípios constitucionais por uma medida restritiva. Não havendo restrição a direitos fundamentais, não há razão para se perguntar se uma medida foi ou não adequada, já que ela, nesse caso, não interferiria nos interesses constitucionalmente legítimos de ninguém.
A máxima da necessidade, por sua vez, é concebida para o propósito de selecionar, dentre alternativas que possam fomentar em igual grau os princípios subjacentes a uma medida restritiva, aquela que menor interfira nos direitos contrapostos. Se não há restrição a direitos contrapostos, não há que se cogitar de alternativa menos restritiva.
Por sua vez, a ponderação, ou proporcionalidade em sentido estrito, serve ao fim de, verificadas a adequação e necessidade, atestar se a medida em questão atende aos princípios que têm prevalência sob as condições específicas do caso. Mas, se não há direitos do outro lado da balança, então é evidente que os princípios subjacentes à norma impugnada terão prevalência, simplesmente porque nada está a limitá-los.
Assim, não apenas as máximas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito estão dispostas numa ordem tal que cada uma pressupõe as antecessoras, como também todas elas pressupõem um conflito de princípios, sem o qual a aplicação de cada parcial se torna vazia de sentido ou finalidade.
Outra forma de sustentar o mesmo ponto consiste em recorrer à distinção doutrinária, na esfera da teoria dos direitos fundamentais, entre âmbito de proteção e âmbito de garantia efetiva de um direito fundamental (cf. CANOTILHO, 2004, p. 198-199). Essa distinção faz referência às diferentes abrangências entre o campo daquilo que pode ser relacionado tematicamente com um direito fundamental, e o campo daquilo que esse mesmo direito protege efetivamente em cada situação concreta, ponderados os demais princípios pertinentes. Se uma norma não atinge sequer o âmbito de proteção de um direito fundamental, então não há porque incluir este direito como um ingrediente a ser sopesado no teste de proporcionalidade da respectiva norma, de tal forma que, se nenhum dos direitos invocados na ação de inconstitucionalidade foi atingido em seu âmbito de proteção, então não havia com o que se sopesar os princípios subjacentes à norma impugnada.
Essas conclusões demonstram que, admitidas as conclusões do argumento 1, não há razões para se desenvolver o argumento 2, já que os resultados deste não poderiam senão reafirmar aquelas conclusões.
Da impossibilidade de generalização consequente de alguns pressupostos do argumento 1
Individualmente considerado, o argumento 1 pode ser criticado ainda sob um outro aspecto. É tese bem aceita na teoria da argumentação jurídica dos precedentes (cf. ALEXY, 2007, p. 376-383; MACCORMICK, 1978, p. 73-86) que as teses desenvolvidas pela jurisprudência para resolução de casos concretos devem ser passiveis de generalização para todos os casos que reúnam as notas características relevantes.
Há pelo menos uma parte do argumento 1, no entanto, que dificilmente satisfaz esse requisito: trata-se da parte dedicada a afastar a incidência do direito ao devido processo legal. Como se registrou mais acima, essa não-incidência foi justificada sob os seguintes pressupostos: (i) o protesto é instrumento de cobrança extrajudicial, de tal sorte que a previsão deste como meio de cobrança da Dívida Ativa em nada contradiria a exigência de execução fiscal para o fim específico de cobrança judicial – tais instrumentos seriam, a rigor, complementares; (ii) o protesto não impede o acesso do devedor ao Poder Judiciário, por meio do qual se pode tanto impugnar a dívida como também sustar o protesto.
Pela exigência de generalização, então, se poderia tentar formular a seguinte tese geral: uma medida de cobrança não restringe o devido processo legal se: (i) como meio de cobrança extrajudicial, ela não conflitar com as normas disciplinando os mecanismos de execução judicial da dívida – podendo-se conceber como complementar a estes; e (ii) ela não impedir o acesso do devedor ao Poder Judiciário, para fins de impugnação da dívida ou suspensão da medida.
Afirma-se que essa tese não pode ser generalizada de forma consequente porque, à luz da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é difícil produzir um contraexemplo para ela. Com efeito, no âmbito do RE nº 201.819-8/RJ, o Supremo Tribunal Federal consagrou a tese da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas (para estudos aprofundados desse tema, cf. SARMENTO, 2004; STEINMETZ, 2004). O caso envolvia a exclusão de sócio de sociedade civil sem fins lucrativos,[2] impugnada por alegada violação ao due process (eis que não observados o contraditório e a ampla defesa). O Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso, reconhecendo como aplicável ao caso o referido princípio, conforme passagem reproduzida a seguir:
Logo, as penalidades impostas pela recorrente ao recorrido, [sic] extrapolam, em muito, a liberdade do direito de associação e, sobretudo, o de defesa. Conclusivamente, é imperiosa a observância das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF).
À luz desse entendimento, imagine-se então hipótese na qual uma sociedade civil, para fins de cobrança de obrigações inadimplidas por sócios, introduzisse previsão estatutária autorizando a exclusão destes, sem direito ao contraditório e ampla defesa, como forma de se exercer pressão para a quitação da dívida, isto é, como mecanismo de cobrança extrajudicial. Esse cenário satisfaz os pressupostos (i) e (ii) elencados acima, pois tratar-se-ia, neste caso, de cobrança extrajudicial, de caráter complementar e não exclusivo da execução judicial da dívida, e ainda estaria preservado o acesso do devedor ao Poder Judiciário. Uma generalização consequente dos pressupostos do argumento 1 levaria, então, à conclusão de que o devido processo legal não se aplicaria na hipótese ora considerada. Mas o precedente fixado no RE nº 201.819-8/RJ conduz a conclusão diametralmente oposta.
É verdade que, para a hipótese específica das associações, se poderia evitar a contradição apontada fazendo referência à circunstância de que a Lei nº 11.127/2005 alterou o artigo 57 do Código Civil, de modo a assegurar o contraditório e a ampla defesa em casos de exclusão de associados. As teses estabelecidas no argumento 1, sobre o alcance do devido processo legal, poderiam então ser interpretadas de modo a não se aplicar àquelas formas de cobrança que violentassem, de alguma maneira, os regimes jurídicos que lhes são especificamente aplicáveis. Contudo, tal intepretação não se impõe necessariamente, pois se poderia igualmente sustentar que os pressupostos apresentados no argumento 1 consubstanciam cláusula de exceção para a interpretação do supracitado artigo 57 do Código Civil.
Além disso, mesmo a interpretação conciliatória proposta acima não resolve totalmente o problema, porque é fácil conceber situações em que a aplicação do precedente estabelecido no RE nº 201.819-8/RJ, em relação a outras modalidades de pessoa jurídica de direito privado, pudesse ser justificada com solidez, seja por analogia (cf. MAXIMILIANO, 2011, p. 168), seja por extensão teleológica (cf. LARENZ, 1997, p. 564-569). Além disso, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido, no RE nº 158.215-4/RS, a incidência do direito ao devido processo legal em casos de exclusão de associados de cooperativas,[3] e, para esta hipótese, a Lei nº 5.764/1971 não estipulou qualquer previsão garantindo o contraditório e a ampla defesa em favor do excluído.
O que se nota a partir de todas essas observações é que os pressupostos do argumento 1 impõem ao princípio do devido processo legal condições demasiadamente restritivas, o que acaba viabilizando interpretações que entram em contradição com outros precedentes e normas pertinentes a esse princípio, e que não foram devidamente considerados na argumentação. A esse tipo de risco se submetem todos os argumentos que tentam traçar, de forma generalista e apriorística, limites mais estreitos para o âmbito de proteção de um direito fundamental: há sempre a possibilidade de teses demasiadamente fortes serem estabelecidas, com desdobramentos inesperados para âmbitos de regulação estranhos àquele do caso que esteja sendo julgado. Isso se deve, principalmente, ao “efeito irradiante” de que gozam os princípios constitucionais, em especial os de direito fundamental.
Esse apontamento não significa uma recusa completa à chamada tese dos “limites imanentes” dos direitos fundamentais (cf. BARCELOS, 2005, p. 69), tampouco se sustenta aqui a posição de que a abordagem proposta por essa teoria seja completamente incompatível com a chamada “teoria dos limites externos” (para uma crítica ao sincretismo, cf. SILVA, 2007, p. 136-139; para uma proposta conciliadora, cf. ANDRADE, 2006, p. 287). A restrição de um direito fundamental por via da compressão hermenêutica de seu alcance abstrato é compatível com a possibilidade de, ainda assim, surgirem colisões entre direitos em alguns casos específicos. O que se sustenta aqui é a tese mais fraca de que uma tal compressão envolve maiores riscos de produzir incompatibilidades ou antinomias inesperadas, de tal forma que essa técnica, se praticada, deve ser conduzida com modéstia.
O exame do argumento 1 revela, assim, que os pressupostos gerais sobre os quais se apoia esse argumento são demasiadamente fortes ou restritivos para o direito ao devido processo legal, o que acaba por gerar antinomias em domínios estranhos ao do caso apreciado na ADI 5.135/DF. Esse resultado tem a consequência ulterior de gerar maior sobrecarga para a argumentação, haja vista que, com ele, surge o problema de se justificar uma solução para as antinomias surgidas, seja essa solução uma conciliação interpretativa, seja a superação de alguma das teses em conflito.
Reformulando o segundo argumento
A partir do que se expôs na seção anterior, poder-se-ia propor refinamentos ou alterações aos dois pressupostos que sustentam, no argumento 1, a tese de não incidência do princípio do devido processo legal. Contudo, na medida em que esses refinamentos ou modificações seriam também elaborados in abstracto, um risco elevado de desdobramentos imprevisíveis ou indesejados continuaria existindo.
Por essa razão, defender-se-á aqui a tese de que a melhor abordagem, do ponto de vista da argumentação jurídica, para fundamentar a decisão proferida na ADI 5.135/DF, seria a de se admitir a pertinência dos direitos fundamentais invocados no caso concreto, submetendo-os então ao teste de proporcionalidade.
Com efeito, o reconhecimento de que o protesto de CDA restringe os direitos ao devido processo legal, ao livre exercício profissional e à livre iniciativa implicaria apenas numa invasão ao âmbito de proteção desses direitos, o que não significa, como já se sublinhou, que uma garantia efetiva deva se seguir. Para se determinar esse segundo ponto, o teste de proporcionalidade adquirira plena relevância.
Esses comentários já são suficientes para demonstrar que a alternativa aqui proposta evita com facilidade o primeiro problema apontado na argumentação presente no voto do relator: a redundância. Uma conclusão positiva quanto à incidência dos direitos fundamentais invocados no caso concreto não determinaria antecipadamente o resultado do teste de proporcionalidade.
Além disso, é oportuno registrar que um nexo de pertinência temática do caso concreto para com os direitos fundamentais em questão também não é difícil de estabelecer. O próprio relator faz, com relação aos direitos à livre iniciativa e à liberdade profissional, concessões que em certa medida evidenciam a pertinência desses direitos nas circunstâncias do caso, ao assinalar que: “o acesso ao crédito representa uma importante ferramenta para o desenvolvimento, o crescimento e, às vezes, para a própria sustentabilidade do negócio, em especial em microempresas e empresas de pequeno porte”. Ademais, a partir do momento em que se concebe o protesto como medida restritiva a direitos materiais, o direito ao devido processo legal, em sua dimensão instrumental, adquire igualmente relevância.[4]
A partir daí, a fundamentação da decisão poderia se desenrolar tal com sucedeu no argumento 2, ressalvado um aspecto: a ponderação realizada na terceira parcial (proporcionalidade em sentido estrito). Uma vez que, pela alternativa aqui apresentada, haveria o reconhecimento da incidência de direitos fundamentais às circunstâncias do caso, a simples referência ao argumento 1 não poderia mais fornecer o resultado do sopesamento. Seria preciso, portanto, uma argumentação efetiva para o propósito de demonstrar a precedência condicionada dos princípios contrapostos aos direitos do(s) proponente(s) (cf. SILVA, 2017, p. 50-51).
Tal relação de precedência condicionada poderia ser justificada apresentando-se razões pelas quais, por exemplo, os princípios otimizados pela norma impugnada alcançam, nas particularidades do caso, um grau de satisfação superior à restrição verificada nos direitos fundamentais contrapostos. Entre essas razões, algumas que poderiam ser indicadas são: os direitos materiais à livre iniciativa e ao livre exercício profissional não são atingidos, no caso de protesto de CDA, por alguma ação coercitiva do aparato estatal, mas simplesmente pela forma como terceiros privados reagem, no exercício da própria autonomia, à publicidade que o protesto confere à dívida que o motivou. Trata-se, portanto, de restrição de baixa intensidade, pois que condicionada ao exercício da autonomia privada de terceiros para fins de concessão de crédito, o que pouco ou nada difere do protesto levado a cabo por particulares. Como os direitos substantivos sofrem restrição pouco intensa, também o direito ao devido processo legal, em sua dimensão instrumental, seria pouco restringido.
Aqui, é conveniente atentar-se ao fato de que as teses sustentadas seriam muito mais modestas, em termos de possíveis desdobramentos para outras áreas, do que as que deram sustentação ao argumento 1 no voto do relator. O que estaria sendo assumido é que restrições aos direitos à livre iniciativa e à liberdade profissional, quando condicionadas por dificuldades na obtenção de crédito, estas resultantes do exercício legítimo da autonomia privada[5] dos agentes do mercado, teria baixa intensidade. Trata-se de premissa que pode facilmente ser generalizada. Além disso, se estaria assumindo que o grau de restrição sobre direitos instrumentais é parasitário do grau de restrição que uma medida pode, previsivelmente, provocar sobre direitos materiais. Essa premissa também traz poucas dificuldades, pois é constatável que o nível de desenvolvimento das diferentes formas processuais tende a acompanhar o nível de intervenção que as medidas por elas condicionadas podem ensejar sobre direitos fundamentas. Assim é que o processo civil e o processo penal, enquanto condições para medidas coercitivas que podem atingir intensamente direitos de propriedade e de liberdade, por exemplo, recebem disciplina muito mais rigorosa do que processos de cunho administrativo, os quais, por sua vez, estão submetidos a procedimentos mais rigorosos do que simples medidas de cobrança extrajudicial de dívidas. Em termos de pressuposições, portanto, o argumento aqui esboçado exige muito menos para chegar aos mesmos resultados.
Por fim, seria preciso estabelecer que os princípios otimizados pela norma que prevê o protesto de CDA’s são satisfeitos em medida maior do que a restrição atribuída aos direitos fundamentais invocados. Como se estabeleceu que essa restrição é de baixa intensidade, uma satisfação moderada daqueles princípios já seria suficiente para sustentar o argumento. As considerações apresentadas nos parágrafos 40 e 41 do voto do relator já são suficientes para estabelecer este último ponto:
40. Já em relação aos benefícios decorrentes da medida em questão, é possível apontar (i) a realização dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade na recuperação dos créditos tributários (arts. 37 e 70, CF), (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que alguns agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos (art. 170, IV, CF), e (iii) a redução do congestionamento do Judiciário, em benefício da realização do princípio da razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, CF).
41. Em primeiro lugar, a cobrança eficiente dos créditos estatais não atende apenas o interesse secundário do Estado, mas também interesses de toda a coletividade. Isso porque permite uma maior arrecadação de valores que custearão os serviços que irão beneficiar a todos, e evita o desperdício de tempo, recursos humanos e financeiros públicos com meios de cobrança com remotas chances de êxito. Em segundo lugar, o protesto de CDAs auxilia no combate à inadimplência, viabilizando a promoção da justiça fiscal e impedindo que a sonegação fiscal confira aos maus pagadores uma vantagem competitiva em relação àqueles que cumprem seus deveres tributários. Em terceiro lugar, ao permitir a cobrança extrajudicial dos débitos, a medida tem o condão de promover a diminuição de execuções fiscais ajuizadas e, assim, aliviar a sobrecarga de processos do Poder Judiciário, favorecendo a melhoria da qualidade e da efetividade da prestação jurisdicional.
A esses apontamentos ainda se poderia acrescer os argumentos que o relator apresenta nos parágrafos 34 a 37 de seu voto, nos quais destaca os custos da execução fiscal e sua ineficiência para a cobrança de dívidas de pequeno valor (já que, nesses casos, os custos da própria execução ultrapassam o valor que poderia ser recuperado). Todos esses pontos reforçam, assim, uma conclusão no sentido de que o protesto de CDA’s é medida que otimiza, em grau pelo menos moderado, os princípios constitucionais subjacentes.
Ter-se-ia, portanto, com as modificações aqui sugeridas, uma argumentação capaz de sustentar o resultado a que se chegou na ADI 5.135/DF, mas com base em premissas mais fracas, cuja generalização não produziria os problemas que se identificou na generalização dos pressupostos subjacentes ao argumento 1.
Isso se deve ao fato de que as teses produzidas numa argumentação baseada no teste de proporcionalidade ficam adstritas aos princípios envolvidos na colisão, e apenas sob a pressuposição de um número considerável de condições específicas do caso concreto, ao passo que uma restrição por via hermenêutico-interpretativa do âmbito de proteção de um direito fundamental tende a transcender aquelas condições, já que procede por exame do respectivo direito em nível abstrato/conceitual. Dessa forma, a investigação aqui empreendia revela que o teste de proporcionalidade tem vantagens consideráveis sobre o tipo de argumentação desenvolvida no argumento 1, o que não fundamenta ainda propor-se o abandono completo deste tipo de abordagem, mas justifica, ao menos, que se recomende maior cautela na utilização dessa técnica.
Conclusão
O presente trabalho teve como objetivo avaliar o teste de proporcionalidade na argumentação constitucional a partir da análise de um caso: a ADI nº 5135/DF. Viu-se que, no julgamento desta ação, o relator se utilizou, de forma supostamente complementar, de duas abordagens distintas: uma, mais alinhada à chamada “teoria interna” ou “teoria dos limites imanentes”, consiste em evitar conflitos entre direitos e/ou princípios constitucionais por meio de técnicas interpretativas tendentes a reduzir abstratamente o alcance dos elementos em tensão. O resultado, portanto, é uma redução do âmbito de proteção dos direitos submetidos a tal técnica. A segunda abordagem consiste na utilização do teste de proporcionalidade propriamente dito.
Viu-se em seguida que, ao invés de complementares, as duas abordagens se revelaram redundantes, eis que, por razões atinentes à própria composição das máximas parciais da proporcionalidade (em sentido amplo), o resultado do teste já estava predeterminado pelas conclusões do argumento 1. Com efeito, dado um conjunto qualquer de princípios constitucionais tais que, dentre eles, alguns são otimizados por uma norma infraconstitucional, e sobre os outros se alega que são restritos pela mesma norma, uma conclusão que recusa qualquer intersecção entre as condições de incidência destes e daqueles já determina completamente um resultado favorável para a referida norma num eventual teste de proporcionalidade.
O aspecto mais problemático do argumento 1 se revelou, no entanto, no fato de que a ele subjazem teses que não são passíveis de generalização sem entrarem em conflito com outras teses fixadas em precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal. Mais particularmente, as restrições impostas abstratamente ao devido processo legal se mostram incompatíveis com o que a Corte decidiu na esfera do RE nº 201.819-8/RJ.
Dessa forma, se propôs no presente estudo o abandono do argumento 1, mantendo-se apenas o argumento 2 como sustentáculo para as conclusões do julgado. Como o argumento 2 se apoiava parcialmente no argumento 1, foram propostas modificações de modo a se obter uma reformulação daquele que fosse independente deste. O resultado foi um argumento não apenas capaz de sustentar integralmente a decisão tomada, como também capaz de evitar os problemas que foram apontados. Disso já se pode concluir que uma abordagem metodologicamente mais simples, argumentando diretamente a partir da proporcionalidade, sem prévia restrição, por via hermenêutica, dos direitos em pauta, teria proporcionado fundamentação mais adequada para a decisão.
Além disso, foi possível identificar algumas razões de ordem geral pelas quais isso ocorreria: o teste de proporcionalidade toma como ponto de partida um conflito de princípios sob condições delimitadas, e só força a introdução de premissas até um grau de generalidade que seja suficiente para justificar uma relação de preferência entre os princípios em colisão, ainda sob aquelas condições previamente especificadas. Daí porque as premissas introduzidas na argumentação tendem a ter, neste último caso, um alcance muito mais restrito do que aquele que se obteria, por exemplo, por premissas introduzidas para restringir abstratamente o alcance de um princípio constitucional. Isso ficou particularmente claro na maneira muito menos abrangente como o argumento aqui proposto fundamentou uma restrição ao devido processo legal. A se admitir, portanto, que as razões indicadas procedem, pode-se generalizar a conclusão da seguinte maneira: o teste de proporcionalidade é uma ferramenta da argumentação constitucional que permite fundamentar resoluções para conflitos entre princípios de uma forma que minimiza, comparativamente à restrição em abstrato por via hermenêutico-interpretativa, as chances de desdobramentos indesejáveis decorrentes da generalização consistente dos pressupostos da argumentação.
Referências
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[1] Advogado. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela mesma instituição. Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
[2] Pessoas jurídicas de direito privado que atualmente se denominam “associações”.
[3] De um ponto de vista teórico, a decisão do RE nº 158.215-4/RS é menos interessante, pois que “a discussão sobre a aplicabilidade das garantias constitucionais às relações privadas sequer foi travada, mas, […], acabou sendo acolhida a pretensão dos associados, por força de aplicação direta ao caso do direito fundamental à ampla defesa” (SARMENTO, 2004, p. 293). Já no RE 201.819-8/RJ, a chamada “teoria da eficácia direta/horizontal” foi tematizada e recebeu aderência de forma expressa no Supremo Tribunal Federal.
[4] Por força da própria literalidade do art. 5º, LIV, da CF, que diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
[5] Diz-se que o exercício da autonomia privada seria legítimo nessas condições porque baseado numa análise de risco que toma em consideração apenas o histórico de pagamentos do devedor. Isso não implica assumir que qualquer recusa de concessão de crédito, por agentes que atuem regularmente nesse mercado, seja legítima – o que manifestamente não seria o caso, por exemplo, na hipótese de uma recusa motivada por razões raciais.