DA APLICAÇÃO DOS MODELOS POSNERIANOS DE COMPORTAMENTO JUDICIAL À ADI BRASILEIRA Nº 5543 SOB UM VIÉS RETÓRICO

DA APLICAÇÃO DOS MODELOS POSNERIANOS DE COMPORTAMENTO JUDICIAL À ADI BRASILEIRA Nº 5543 SOB UM VIÉS RETÓRICO

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

THE APPLICATION OF THE POSNERIAN MODELS OF JUDICIAL BEHAVIOR TO THE BRAZILIAN ADI No. 5543 UNDER A RHETORICAL PERSPECTIVE

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autor:
Francisco de Rangel Moreira[1]

Resumo: O artigo procura aplicar os nove modelos de comportamento argumentativo-judicial desenvolvidos pelo jurista norte-americano Richard Posner (quais sejam: atitudinal, estratégico, sociológico, psicológico, econômico, organizacional, pragmático, fenomenológico, legalista) à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543/Distrito Federal (ADI nº 5543/DF), julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro em 2020 – com ênfase particularmente no voto vencedor do Ministro Relator Edson Fachin –, a respeito da alegada inconstitucionalidade dos dispositivos normativos que proibiam a doação de sangue no Brasil por homens que houvessem praticado relações sexuais homoafetivas nos doze meses anteriores, bem como suas eventuais parceiras. Para tanto, a fim de direcionar a aplicação dos modelos posnerianos ao referido caso, propõe-se uma abordagem retórica, com destaque para os conceitos de “poder simbólico do Direito” e “retórica da objetividade”, desenvolvidos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu e adotados, a partir de uma releitura, pelo professor e jurista brasileiro Gustavo Just, além de uma breve menção à noção de “senso comum teórico dos juristas”, formulada pelo jusfilósofo argentino Luis Alberto Warat.

Palavras-chave: Retórica da Objetividade. Argumentação Judicial. Modelos de Comportamento Judicial. Richard Posner. Doação de sangue por homens homossexuais.

Abstract: The article purports to apply the nine models of argumentative-judicial behavior developed by the American jurist Richard Posner (which are: attitudinal, strategic, sociological, psychological, economic, organizational, pragmatic, phenomenological, legalist) to the Brazilian ADI No. 5543/DF (a method of judicial review), judged by the Brazilian Supreme Federal Court (STF) in 2020 – with particular emphasis on the majority opinion announced by Justice Edson Fachin -, regarding the alleged unconstitutionality of the legal provisions that prohibited the donation of blood in Brazil by men who had engaged in homosexual relations in the previous twelve months, as well as their eventual partners. To that end, in order to guide the application of Posnerian models to the aforementioned case, a rhetorical approach is proposed, highlighting the concepts of “symbolic power of Law” and “Rhetoric of Objectivity”, developed by the French sociologist Pierre Bourdieu and adopted by the Brazilian professor and jurist Gustavo Just, in addition to a brief mention of the notion of “theoretical common sense of jurists”, formulated by the Argentine legal philosopher Luis Alberto Warat.

Keywords: Rhetoric of Objectivity. Judicial Argumentation. Models of Judicial Behavior. Richard Posner. Blood donation by homosexual men.

1 INTRODUÇÃO

O artigo[2] tem como objetivo a apresentação de um viés retórico no âmbito jurídico, particularmente no que concerne à interpretação e argumentação judiciais. Para tanto, após uma breve contextualização inicial da atual tendência retórica no Direito, optou-se por utilizar os conceitos de “poder simbólico do Direito” e “retórica da objetividade”, desenvolvidos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu e adotados, a partir de uma releitura, pelo professor e jusfilósofo brasileiro Gustavo Just, que desenvolve, de alguma maneira, meios de utilizá-los metodologicamente. Há ainda uma breve menção ao jusfilósofo argentino Luis Alberto Warat e seu conceito de “senso comum teórico dos juristas”.

Na sequência, a fim de se compreender de modo mais concreto a postura argumentativa dos juristas práticos (especificamente magistrados, no presente caso) – porém sempre mantendo-se em mente o escopo último retórico previamente apresentado –, introduz-se os nove modelos de comportamento argumentativo desenvolvidos pelo jurista norte-americano Richard Posner: i) atitudinal, ii) estratégico, iii) sociológico, iv) psicológico, v) econômico, vi) organizacional, vii) pragmático, viii) fenomenológico, ix) legalista.

Por fim, procura-se aplicar esses conceitos apresentados, de cunho retórico-argumentativo-comportamental, a um julgado selecionado do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro – referente à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5543/Distrito Federal (DF), relatada pelo Ministro Edson Fachin (a respeito da alegada inconstitucionalidade dos dispositivos normativos que proibiam a doação de sangue por homens que houvessem praticado relações sexuais homoafetivas nos doze meses anteriores, bem como suas eventuais parceiras), em razão de seu caráter recente, 2020, e dos calorosos debates e vasto material argumentativo que produziu.

Assim, pode-se destacar como marco teórico maior do artigo, sobretudo, o conceito de “retórica da objetividade” e, em sequência” como “submarco”, os nove modelos posnerianos de comportamento argumentativo judicial. A fim de se demonstrá-los, o objeto escolhido, por sua vez, foi a referida ADI nº 5543/DF, particularmente o voto do Ministro Relator Edson Fachin.

Já a abordagem metodológica se mostra dedutiva, já que se parte de teorias gerais a um caso particular, e, de certo modo, qualitativa, considerando que se procede a uma análise do caso, buscando-se identificar e compreender os modelos argumentativos de maior e menor peso no voto do Relator, com as devidas citações e explicações dos trechos relevantes (sem, contudo, uma preocupação necessariamente quantitativa de contabilização de argumentos).

Quanto à divisão de capítulos, dedica-se o primeiro à apresentação do marco teórico maior, isto é, a retórica jurídica, em seu histórico recente de reflorescimento, bem como nos conceitos de “poder simbólico do Direito”, “senso comum teórico dos juristas”, “retórica da objetividade” e suas possíveis aplicações metodológicas, com destaque para Pierre Bourdieu, Luis Alberto Warat e Gustavo Just.

Já no segundo capítulo, procura-se abordar o “submarco” teórico, ou seja, os referidos nove modelos de comportamento argumentativo judicial propostos por Richard Posner, sem perder de vista, contudo, o viés retórico introduzido no capítulo anterior.

Em sequência, no terceiro capítulo, procede-se à apresentação do julgado selecionado (a ADI nº 5543/DF): primeiramente no que concerne às suas informações gerais, que permitem ao leitor a sua compreensão, em seguida à investigação do extenso voto do Ministro Relator Edson Fachin, nos termos do qual a decisão final foi tomada, com base nos marcos teóricos já introduzidos nos dois primeiros capítulos.

Por fim, conclui-se o artigo com algumas breves reflexões e considerações finais, em relação ao que foi obtido, à sua utilidade acadêmica atual e aos possíveis espaços abertos para investigações futuras.

Deve-se tecer ainda uma última observação, que se refere ao viés descritivo desta investigação. Não se pretende desenvolver, portanto, críticas ou elogios à argumentação utilizada na decisão judicial sob análise, já que o objetivo é simplesmente compreendê-la e descrevê-la sob a perspectiva dos marcos teóricos adotados.

Desse modo, tem-se a neutralidade axiológica como norte a ser buscado neste artigo, ainda que se reconheça os limites desse modelo, por se tratar[3] de um fim nunca plenamente atingível, contudo, sempre presente como ideal condutor.

A seguir, o capítulo inicial, dedicado à retórica jurídica.

2 O PARÂMETRO TEÓRICO RETÓRICO-ARGUMENTATIVO

2.1 O Reflorescimento da Retórica Jurídica na Segunda Metade do Século XX

A tendência de um retorno à consideração dos elementos retóricos presentes no Direito, por muito tempo esquecidos (quando do domínio de linhas mais formalistas e sistemáticas na teoria do Direito), deve-se, em parte, à obra “Tópica e Jurisprudência”, escrita, na década de 1950, pelo jusfilósofo alemão Theodor Viehweg.

Na referida obra, o velho método tópico (pautado pelo pensamento dialético e pelo uso de lugares comuns no discurso, os chamados topoi, em contraposição ao método sistemático-dedutivo, típico das ciências), tão explorado na antiguidade por Aristóteles e Cícero, dentre outros filósofos e juristas clássicos, passa a ser resgatado pelo autor alemão no âmbito jurídico, o qual recebeu ainda a inspiração do jurista e filósofo humanista e retórico napolitano Giambattista Vico (que viveu entre os séculos XVII e XVIII).

Ademais, o método tópico tem, talvez, como principal característica o fato de ser uma “techne do pensamento que se orienta para o problema”[4], isto é, aquela que aponta possibilidades diante uma aporia (“falta de caminho”[5]). Nesse sentido, “a tópica pretende fornecer indicações de como comportar-se em tais situações, a fim de não se ficar preso, sem saída. É portanto uma técnica do pensamento problemático”[6].

Nesse contexto, conforme se observa na passagem abaixo, a respeito do caráter tópico da linguagem natural utilizada pelo Direito, coloca Viehweg o seguinte:

Hoje está claramente estabelecido que a linguagem unifica uma pletora quase ilimitada de horizontes de entendimento, que variam continuamente. A linguagem apreende incessantemente novos pontos de vista inventivos, à maneira tópica. Com isto demonstra a sua fecunda flexibilidade, porém, ao mesmo tempo, põe o sistema dedutivo em perigo, pois os conceitos e as proposições, que se expressam por meio das palavras da linguagem natural, não são confiáveis do ponto de vista de sistemática. Se há quem se conforme com eles, como é presumível que continue ocorrendo no âmbito do direito, corre o ininterrupto risco, do ponto de vista sistemático, de ser guiado, com suave força, e sem que disto se dê conta, por estas interpretações. Perde-se totalmente o ponto de partida quando, em caso de necessidadem se faz referência ao sentido de uma palavra, o que ocorre repetidamente na jurisprudência, sendo compreensível que deva ocorrer com frequência.[7]

Outro autor que ficou bastante conhecido pela revitalização da retórica jurídica foi o jusfilósofo polonês/belga Chaïm Perelman, responsável pelo movimento da “nova retórica”, a partir de meados do século XX.

Observe-se, por exemplo, a passagem de Perelman abaixo (em sua obra “Lógica Jurídica”), a respeito dos raciocínios dialéticos e retóricos e da relevância da noção de “acordo sobre valores” no Direito:

Na ausência de técnicas unanimemente admitidas é que se impõe o recurso aos raciocínios dialéticos e retóricos, raciocínios que visam estabelecer um acordo sobre os valores e sobre sua aplicação, quando estes são objeto de uma controvérsia. Vê-se aparecer assim o caráter central da noção de acordo, tão desprezada pelas filosofias racionalistas ou positivistas, nas quais o que importa é a verdade de uma proposição, vindo o acordo por acréscimo, uma vez que a verdade foi estabelecida pelo recurso à intuição ou à prova. Mas a noção de acordo torna-se fundamental quando os meios da prova inexistem ou são insuficientes, principalmente quando o objeto do debate não é a verdade de uma proposição, mas o valor de uma decisão, de uma escolha, de uma ação, consideradas justas, equitativas, razoáveis, oportunas, louváveis, ou conformes ao direito.[8]

Ainda em outro trecho da mesma obra, Perelman contrapõe o papel da lógica jurídica (repleta de raciocínios dialéticos e retóricos) ao da lógica formal, ao afirmar que aquela tem como função a demonstração da “aceitabilidade” (plausibilidade, verossimilhança) das premissas, perante uma confrontação de provas, argumentos e valores – e não a conclusão de verdades absolutas (apodíticas), como na lógica formal. Verifique-se abaixo a referida passagem do Autor: “O papel da lógica formal consiste em tornar a conclusão solidária com as premissas, mas o papel da lógica jurídica é demonstrar a aceitabilidade das premissas. Esta resulta da confrontação dos meios de prova, dos argumentos e dos valores que se defrontam na lide; o juiz deve efetuar a arbitragem deles para tomar a decisão e motivar o julgamento.”[9]

Sobre a retórica jurídica, outra jusfilósofa destacada, a alemã Katharina Sobota, de viés mais realista, alude ao importante papel dos “entimemas”[10] no discurso jurídico ao se referir à esfera da implicação na lógica jurídica, na medida em que afirma que, “na retórica legal cotidiana, é característica das normas utilizadas que elas somente existam na esfera de alusão ou implicação. Esta esfera situa-se em algum lugar entre a explicitação verbal e o completo silêncio. […] A esfera de implicação é caracterizada por uma forma relativamente certa e um conteúdo relativamente incerto”[11].

Merece ainda destaque, neste contexto, a “teoria jurídica retórica” do jusfilósofo alemão Ottmar Ballweg, de cunho mais radical, uma vez que, para ela, não existe absolutamente quaisquer verdades ontológicas (direito, poder, religião, moral, ciências, economia, amor etc.), já que toda a realidade que vivenciamos seria apenas fruto da linguagem – estaria no âmbito das “retóricas materiais, segundo o Autor” –, muito embora a plena crença e confiança das sociedades nessa linguagem (e, consequentemente, no material expresso por ela) faz com que tais esferas sejam generalizadamente vivenciadas, experimentadas, levadas em consideração, como se realidades fossem (mesmo que não passem de retóricas materiais).

Nesse sentido, afirma Ballweg o seguinte:

Estas retóricas materiais do direito, da religião, da moral etc. atuam de maneira que a imanência linguística dos sinais de linguagem é transcendida. Elas criam essas ‘realidades em que vivemos’. Esta transcendência da linguagem permite-nos então experimentar o direito, a religião, a moral, o amor, o dinheiro etc. como realidades. Ela fundamenta, através da confiança na linguagem – que enquanto tal não é consciente –, a confiança no direito e em outros mitos, entre os quais o mito da razão.[12][13]

O que importa, pois, no contexto da teoria de Ballweg, é simplesmente a crença no relato, o qual, na medida em que goza de ampla credibilidade, passa a ser um relato dominante (ou vencedor) e, consequentemente, “verdadeiro” (ainda que em termos retóricos, e não ontológicos).

Tal pensamento, conforme se percebe, tem pretensões generalizantes, não incidindo apenas, portanto, no contexto jurídico (ainda que esse último seja o foco da teoria, bem como do presente artigo).

A fim de convencer os demais e formular os relatos vencedores (interferindo e manipulando, pois, as retóricas materiais), os indivíduos podem lançar mão de um arsenal de ferramentas argumentativas, as quais constituem um segundo nível de retórica: a retórica prática ou estratégica (retórica no sentido mais conhecido, habitual).

Naturalmente, tais estratégias são amplamente conhecidas e praticadas pelos mais competentes juristas, em suas argumentações (tais como advogados, procuradores de justiça, magistrados, dentre outros).

A respeito da retórica estratégica, o jusfilósofo brasileiro João Maurício Adeodato escreve as seguintes palavras:

Os discursos práticos são estratégias para modificar fatos (relatos da retórica material) e erigi-los em objetos, isto é, fatos relativamente fixados, aos quais alguns relatos selecionados aderem, em detrimento de outros; os utentes os determinam, constituem esses objetos, transformando relatos de opiniões em objetos, que supostamente constituem as definições da linguagem de controle instituída, os relatos corretos, a verdade.[14]

Por fim, Ballweg reconhece uma terceira face da retórica, qual seja, a analítica, a qual se volta aos outros dois níveis (o material e o prático), a fim de estudá-los, analisá-los, compreendendo assim a forma como eles se relacionam entre si em um determinado objeto, bem como buscando, nos limites do possível, não interferir neles, isto é, tendo a neutralidade como norte, muito embora reconhecendo a impossibilidade de atingi-la plenamente.

Sobre o tema, nas palavras de Pedro Parini, professor e especialista brasileiro em retórica jurídica:

(…) assumindo a analogia dos três níveis da retórica com os três níveis retóricos da linguagem jurídica, tem-se, em primeiro lugar, no sentido material, a própria retórica como objeto da análise retórica. Nesse sentido a linguagem é retórica e o que se evidencia a partir dessa constatação é o caráter retórico de toda a linguagem humana. BALLWEG (1991b, p. 176) diz que “a linguagem mesma é retórica. Ela tem todos os meios retóricos a seu alcance, cada um com a função específica que lhe é atribuída nos sistemas linguísticos sociais”.[15]

Superada esta breve contextualização histórica a respeito do reflorescimento da retórica jurídica a partir da segunda metade do século XX, o foco do artigo recairá nos conceitos de “poder simbólico do Direito” e “retórica da objetividade”, com alguns breves comentários a respeito das perspectivas do sociólogo francês Pierre Bourdieu e do jusfilósofo argentino Luis Alberto Warat sobre o tema.

2.2 O Poder Simbólico do Direito

No presente artigo, optou-se por adotar, inicialmente, um parâmetro retórico para a análise da argumentação desenvolvida no julgado a ser apresentado no capítulo III. Para tanto, em caráter preliminar, faz-se mister destacar alguns aspectos da abordagem sociológica de Pierre Bourdieu perante o campo jurídico.

Nesse sentido, o sociólogo francês, em variadas passagens de seus escritos, procura deixar claro que, em sua ótica, o Direito não pode ser colocado em qualquer das duas perspectivas opostas comumente adotadas pelos autores: nem se trata de uma simples ideologia, a serviço dos poderosos e voltado para a dominação; nem tampouco de uma ciência plenamente autônoma, universalizável, à margem do contexto social, histórico, cultural no qual se encontra determinada ordem jurídica. Em outras palavras, Bourdieu compreende que, em matéria de concepção jurídica, deve-se fugir tanto do extremo relativista como do absolutista.

A esse respeito, verifique-se, por exemplo, o trecho a seguir de seu conhecido discurso “Os Juristas, Guardiões da Hipocrisia Coletiva”:

Creio que deve ser rechaçada também a alternativa do direito como ideologia ou como ciência. Dizer que o direito é uma ideologia é perder de vista a lógica e o efeito específicos do direito. Aclarado isso, dizê-lo também é operar uma ruptura com a representação ingênua, que pretende que o direito seja universal, como ciência ou como norma. Pode-se afirmar, como faz Kelsen, que o direito é um sistema normativo sem se ficar obrigado a dar a ele um fundamento trans-histórico ou trans-social. Dito de outro modo: a oposição que sempre se estabelece entre relativismo (ou historicismo) e absolutismo, ou inclusive entre verdade e história, é fictícia. É possível rechaçar o fundamento de tipo kelseniano, essa espécie de proeza da absolutização, sem cair no vazio relativista. A pretensão de universalidade dos juristas está fundamentada em uma norma fundamental. Há que se abandonar a questão do fundamento e aceitar que o direito, igual à ciência ou à arte (os problemas são os mesmos em matéria de direito e de estética), pode estar fundamentado unicamente na história, na sociedade, sem que por isso sejam aniquiladas suas pretensões de universalidade.[16]

Assim, Bourdieu concede destaque para a força específica do Direito, embebida de magia, na medida em que se faz crível pela sociedade em geral, bem como pelos próprios personagens internos ao sistema jurídico, tais como juízes, advogados, procuradores de justiça, delegados da polícia, dentre tantos outros, além, lacto sensu, dos juristas teóricos e mesmo legisladores etc.

Em suma, o Direito não é alheio às relações de força e jogos de poder presentes na sociedade, todavia, o fato de ser amplamente enxergado e acreditado como sendo, em sua maior parte, autônomo, científico, imparcial, neutro, faz com que ele possa produzir seus efeitos como se de fato assim fosse. Por essa razão, as crises pontuais de credibilidade sofridas por um determinado sistema jurídico acarretam consequências tão impactantes e conturbadoras na ordem social.

Em suas palavras, nesse sentido, ainda no mesmo discurso, afirma Bourdieu o seguinte:

A força específica do direito é muito paradoxal, quase impensável. É necessário voltar-se a Marcel Mauss e sua teoria da magia. A magia só atua em um campo, ou seja, um espaço de crença em cujo interior estão os agentes socializados de maneira que pensem que o jogo que jogam merece ser jogado. A ficção jurídica não tem nada de fictício: e a ilusão, como diz Hegel, não é ilusória. O direito não é o que diz ser, o que crê ser, ou seja, algo puro, completamente autônomo etc. Mas o fato de que se creia nisso, e que se logre fazer crer, contribui para a produção de efeitos sociais completamente reais; e a produzi-los, acima de tudo, em quem exerce o direito.[17]

Como, porém, nem os próprios juristas (lacto sensu, aqueles personagens jurídicos supracitados) estão protegidos contra os efeitos mágicos por eles próprios criados, acabam por ser presos em seu jogo, afetados, pois, pelos próprios atos, normas, súmulas e decisões produzidos pelo Direito. É como se “o feitiço se voltasse contra o feiticeiro”, como popularmente se diz.

Dessa maneira, coloca o sociólogo francês o seguinte, em outra passagem do mesmo texto:

Os juristas são os guardiães hipócritas da hipocrisia coletiva, ou seja, da reverência ao universal. A reverência verbal concedida universalmente ao universal é uma força social extraordinária e, como todos sabem, os que conseguem ter de sua parte o universal dotam-se de uma força nada desprezível. Os juristas, enquanto guardiães hipócritas da crença no universal, detêm uma força social extremamente grande. Mas estão presos em seu próprio jogo, e constroem, com a ambição da universalidade, um espaço de possibilidades e, portanto, também de impossibilidades, que a eles mesmos impõem-se, queiram ou não, na medida em que pretendam permanecer no seio do campo jurídico.[18]

No que se refere às táticas utilizadas no campo jurídico para o angariamento de credibilidade e confiabilidade perante a sociedade em geral, a fim de proporcionar o referido caráter mágico do Direito, Bourdieu destaca uma série de estratégias comumente adotadas pelas diversas ordens jurídicas.

Algumas dessas técnicas podem incluir: uma complexa estrutura sistêmica das normas; a força das formalidades e práticas dentro do campo jurídico, além da sua hierarquia interna; a instituição de um monopólio dos detentores do saber jurídico; o mito da coerência, completude e unidade do ordenamento jurídico; um rito legitimador para a elaboração das leis, votadas e aprovadas por legisladores competentes para o ato e democraticamente eleitos; uma linguagem legal impessoal e universalizante, com o uso de termos técnicos; um sofisticado discurso judicial, dentre vários outros elementos. Tudo isso, portanto, serve a um propósito comum.

Para o presente artigo, contudo, a fim de analisar os modelos argumentativos e comportamentais utilizados no julgado a ser tratado no capítulo III, interessará particularmente os elementos neutralizadores presentes na linguagem jurídica, com ênfase no discurso judicial empreendido.

No que diz respeito às estratégias neutralizantes empregadas nesta linguagem, Bourdieu comenta o seguinte (ainda que, na passagem abaixo, o sociólogo se refira não apenas ao discurso judicial, mas também – e principalmente – à escrita legal):

O efeito de apriorização, que está inscrito na lógica do funcionamento do campo jurídico, revela-se com toda a clareza na língua jurídica que, combinando elementos directamente retirados da língua comum e elementos estranhos ao seu sistema, acusa todos os sinais de uma retórica da impersonalidade e da neutralidade. A maior parte dos processos linguísticos característicos da linguagem jurídica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio das construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impersonalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objectivo. O efeito de universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego, próprio da retórica da atestação oficial e do auto, de verbos atestivos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado (“aceita”, “confessa”, “compromete-se”, “declarou”, etc.); o uso de indefinidos (“todo o condenado”) e do presente intemporal – ou do futuro jurídico – próprios para  exprimirem a generalidade e a omnitemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético (por exemplo, “como bom pai de família”); o recurso a fórmulas lapidares e a formas fixas, deixando pouco lugar às variações individuais.[19]

O que merece maior destaque neste trecho, portanto, é justamente a ideia de uma retórica jurídica (ou, no campo específico de investigação no artigo, retórica judicial), que tem o papel de velar a subjetividade, relatividade, parcialidade presentes no discurso dos juristas, a fim de lhe transmitir um aparente teor de objetividade, universalidade, absolutismo, autonomia, imparcialidade e neutralidade. Em outras palavras, fazer com que juízos de valor (ou volitivos), presentes nesses discursos, adquiram a aparência de juízos de conhecimento.

Em síntese, tal procedimento discursivo será doravante, neste artigo, chamado simplesmente de “retórica da objetividade”, por uma questão de praticidade e uniformidade, em conformidade com a expressão utilizada pelo professor e jusfilósofo brasileiro Gustavo Just[20], ao se referir à retórica jurídica abordada por Bourdieu.

Nesse contexto, vale a pena mencionar ainda a ideia de um “senso comum teórico dos juristas”, desenvolvida pelo jusfilósofo argentino Luis Alberto Warat, a qual se refere justamente a esses hábitos mentais que formam um “conjunto de armas”, detido pelos juristas, que serve para fazer com que pequenas porções de conhecimento jurídico – muito aquém do rigor necessário para serem consideradas científicas, objetivas, neutras – sejam simplesmente aceitas, de modo amplo e sem questionamentos mais profundos, como verdades, de maneira a ocultar o elemento político de seus atos e discursos.

Assim, ainda que o Direito se relacione com o poder, tal vínculo se mostra velado do público geral, justamente por sua pretensão de autonomia, reforçada, dentre outras estratégias, pelo “senso comum teórico dos juristas”.

A respeito desse artifício, portanto, afirma Luis Alberto Warat, com muita precisão, o seguinte:

[…] podemos dizer que de um modo geral os juristas contam com um arsenal de pequenas condenações de saber: fragmentos de teorias vagamente identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso dos outros, elos rápidos que formam uma minoria do direito a serviço do poder. Produz-se uma linguagem eletrificada e invisível – o “senso comum teórico dos juristas” – no interior da linguagem do direito positivo, que vaga indefinidamente servindo ao poder. […] os juristas contam com um emaranhado de costumes intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades. Por conseguinte, se canonizam certas imagens e crenças para preservar o segredo que escondem as verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do secreto. As representações que o integram pulverizam nossa compreensão do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável (até o momento) da história do poder.[21] [22]

No próximo subcapítulo, haverá algumas observações sobre as aplicações do conceito de retórica da objetividade propostas por Gustavo Just, com base nos ensinamentos de Bourdieu previamente referidos.

2.3 Aplicações de uma Retórica da Objetividade

O Professor Gustavo Just buscou introduzir uma metodologia de pesquisa com base no conceito de retórica da objetividade. Neste sentido, a sua investigação tem como objeto de estudo as “variações no discurso jurídico interpretativo objetivamente orientado”[23].

Assim, o termo “variações” implica ao menos duas possibilidades interpretativas distintas no discurso argumentativo jurídico (particularmente judicial)[24]. Desse modo, um ponto pacífico em um discurso jurídico, que não suscite controvérsias ou discussões, não se qualifica para a pesquisa proposta por Just.

A ideia de “objetivamente orientado”, por sua vez, diz respeito justamente a esse conceito de retórica da objetividade[25], utilizada pelos atores jurídicos no âmbito do discurso judicial.

Finalmente, por “discurso jurídico interpretativo”, Just quer indicar a “atividade argumentativa levada a cabo pelos juristas (praticantes), a fim de justificar as suas escolhas interpretativas”[26].

A respeito desta expressão, Just tece quatro observações de fundamental relevância para a adequada compreensão da metodologia de pesquisa por ele proposta:

I) Firstly, only legal discourse that can be considered “interpretative” falls within the realm of our project.[27]

II) Secondly, the notion of “choice” is crucial to define what is to be considered “interpretative” in this context. The project is specifically interested in interpretative conflicts, i.e., in those situations where two or more meanings actually are or might be ascribed to a legal normative text (in other words, we are talking about interpretation sensu stricto, according to Wróblewski´s well-known terminology[28]). That leaves out the legal discourse which does not refer to the meaning of a specific legal provision (but, say, to a matter of factual ascertainment instead), or which does so without assuming the existence of, let alone engaging in, any controversy. (It goes without saying that different, broader concepts of interpretation can be used outside the strict purpose of defining our subject matter.)[29]

III) Thirdly, by referring to an argumentative, justificatory activity, our definition suggests that the operative legal discourse (i.e., the one produced by Courts, attorneys, legal advisers and the like), as opposed to the scholarly one (but also legislative texts, “legal discourse” in a broader sense), constitutes our privileged subject of enquiry.[30]

IV) Finally, the presence of the term “legal discourse” (in preference to, for example, the more usual phrases “legal reasoning” or “legal argumentation”) indicates that the project postulates the fecundity of examining lawyers’ interpretative practices in the light of the perspectives of enquiry opened by the approaches covered by the general concept of “discourse analysis” – or “discourse studies”, as it has been increasingly referred to more recently.[31]

O Prof. Just indica, portanto, com base nas observações acima, que só interessam ao seu projeto de pesquisa os casos em que haja um conflito interpretativo perante algum dispositivo normativo, ante a possibilidade de escolha entre duas ou mais interpretações plausíveis, dentro de um contexto jurídico prático, isto é, que diga respeito a um discurso judiciário (movido por juristas praticantes), com base em teorias recentes de estudo e análise do discurso, deixando de lado, desse modo, os discursos de cunho acadêmicos (implementados por juristas teóricos), bem como aqueles de teor legislativo.

Just ainda vai adiante com seu projeto, ao expor quatro distintas camadas do discurso jurídico prático, as quais, todavia, não serão aqui abordadas, pois já fogem ao escopo do presente artigo.

Assim, com base no que foi apresentado neste primeiro capítulo sobre retórica jurídica (particularmente o conceito de retórica da objetividade), dar-se-á prosseguimento ao segundo capítulo, no qual haverá o tratamento de mais alguns relevantes enquadramentos teóricos dos juristas, de cunho argumentativo-comportamental, identificáveis no discurso jurídico, com base em oportuna classificação do autor norte-americano Richard Posner.

3 OS ENQUADRAMENTOS ARGUMENTATIVO-COMPORTAMENTAIS IDENTIFICÁVEIS NO DISCURSO JURÍDICO

3.1 Esclarecimentos Preliminares

Neste ponto do artigo, após abordar, no capítulo anterior, a retórica jurídica, o poder simbólico do Direito, a retórica da objetividade e as sugestões metodológicas do professor Gustavo Just, faz-se necessário apresentar uma série de comportamentos argumentativos identificáveis no discurso jurídico, o qual será de grande relevância no trato retórico que aqui se procura verificar e, em sequência, na análise do caso judicial selecionado para este artigo.

Para tanto, oportuno se mostra o rol de comportamentos argumentativo-judiciais apresentados pelo jurista norte-americano Richard Allen Posner (em sua obra “How Judges Think”, no original), o qual identifica nove teorias ou modelos, cada qual abordado no próximo subcapítulo. São eles: 1) o atitudinal; 2) o estratégico; 3) o sociológico; 4) o psicológico; 5) o econômico: 6) o organizacional; 7) o pragmático; 8) o fenomenológico; e 9) o legalista.

Nesse sentido, afirma o jurista o seguinte:

Existen muchas teorías positivistas (en el sentido de descriptivas, como algo que se opone a normativas) del comportamiento judicial. Como podría esperarse, se centran especialmente en la explicación de las decisiones de los jueces. Las teorías son la actitudinal, la estratégica, la sociológica, la psicológica, la económica, la organizacional, la pragmática, la fenomenológica y, por supuesto, la que he venido llamando teoría legalista. Todas estas teorías tienen sus méritos y formarán parte de la teoría de la decisión que desarrollo en este libro. Pero todas ellas están o bien sobrevaloradas o bien son incompletas. Y más allá de la confusión de teorías (…) no existe un planteamiento convincente, unificado, realista y apropiadamente ecléctico de cómo los jueces adoptan realmente sus decisiones en los casos no rutinarios: dicho brevemente, falta una teoría descriptiva de la decisión judicial.[32]

Naturalmente, como o próprio Autor adverte, trata-se apenas de uma tentativa possível de compreender os comportamentos argumentativos dos juízes em suas decisões, o que não significa que irá explicar todos os aspectos verificados (e verificáveis) nesta esfera judicial. Nesse sentido, nem sempre tal modelo fornecerá as respostas esperadas pelo investigador, além do fato de que outras tantas classificações de outros juristas podem perfeitamente analisar a matéria sob vieses distintos, porém igualmente pertinentes.

Ademais, deve-se entender ainda que alguns de seus elementos, idealizados por um autor norte-americano, podem não se adequar tão bem a contextos diversos, tais como o brasileiro ou o europeu continental.

Finalmente, importa observar que esses modelos não são excludentes ou inconciliáveis. Por vezes, um mesmo magistrado pode decidir um caso sob o foco de um determinado modelo argumentativo-comportamental e outro caso sob a égide de um modelo distinto. Mais do que isso, o mesmo voto de um magistrado pode ter passagens que se aproximem de dois ou mais modelos. Nesse sentido, alguns deles, aliás, combinam-se muito bem quando bem utilizados. Não obstante, quase sempre é possível observar padrões comportamentais de um mesmo magistrado em seus variados julgados.

Superados esses esclarecimentos preliminares, pode-se finalmente tecer alguns comentários sobre cada um dos nove modelos de Richard Posner.

3.2 Os Nove Modelos Posnerianos de Comportamento Argumentativo Judicial

3.2.1 Modelo Atitudinal

O primeiro modelo proposto por Posner é o atitudinal, o qual afirma que os magistrados decidirão os seus casos, de certo modo, de maneira mais subjetiva, sob a influência de suas preferências políticas e ideológicas, sobretudo nos casos polêmicos, controversos ou difíceis.

Nesse sentido, o viés partidário do político que o indicou ou elegeu seria um bom termômetro para compreender o comportamento argumentativo de um juiz (isso nos países em que, além dos EUA, os magistrados da corte suprema ou de tribunais superiores são escolhidos por indicação política – como no caso do Brasil, onde os ministros do Superior Tribunal de Justiça-STJ e do Supremo Tribunal Federal-STF são indicados pelo presidente da república e sabatinados pelo senado federal).

Em suas palavras, afirma Posner o seguinte:

Comienzo con la teoría actitudinal, que afirma que la mejor forma de explicar las decisiones de los jueces es recurriendo a identificar las preferencias políticas que éstos proyectan sobre sus casos. La mayoría de los estudios que tratan de poner a prueba la teoría infieren las preferencias políticas de jueces a partir del partido político al que pertenecía el presidente que los designó, aunque reconocen que éste es un indicador rudimentario. El énfasis se pone en los jueces federales, en particular en los magistrados del Tribunal Supremo.[33]

A análise do perfil partidário do presidente que indicou determinado magistrado, contudo, não é o único meio de se aferir o seu perfil político e ideológico, já que esse último poderia transparecer de outras formas, através, por exemplo, de entrevistas, publicações, sabatinas etc.

Desse modo, afirma Posner que “en vez de recurrir a ver cuál es el partido del presidente que nombra a un juez, a veces se utilizan otros elementos para mostrar cuáles son sus inclinaciones políticas, por ejemplo, los editoriales en torno a las audiencias para la confirmación de un candidato en los que se analiza su adscripción política o su ideología”[34].

A seguir, a teoria estratégica, segundo modelo apresentado por Posner.

3.2.2 Modelo Estratégico

O modelo estratégico apresentado por Posner diz respeito aos constrangimentos passados pelos magistrados, ao proferirem as suas decisões, os quais, em sentido lato, podem abarcar um grande número de pessoas: seja perante as partes ou os interessados no caso; seja perante os colegas juízes de uma mesma corte ou de outros órgãos judiciais (superiores ou inferiores); seja perante legisladores ou outras autoridades governamentais; seja perante a opinião dos estudiosos, acadêmicos e professores; seja mesmo perante a mídia ou o público em geral.

Em suas palavras:

La teoría estratégica del comportamiento judicial (también llamada teoría política positiva del derecho) (…), parte del supuesto de que los jueces no siempre deciden como lo harían si no tuvieran que preocuparse por las reacciones que frente a sus decisiones vayan a tener otros jueces (ya sean sus colegas o los jueces de un tribunal superior o inferior), los legisladores y el público. Algunos de los seguidores de esta corriente son economistas o cultivadores de la ciencia política, que consideran que la política es como una lucha entre grupos de interés y que usan la teoría de juegos para llevar a cabo un análisis más fino. Otros estudian las luchas históricas entre el poder judicial y otros poderes del estado. En su tesis nuclear, la teoría es simple sentido común: sea lo que sea aquello que un juez quiere conseguir, dependerá en un grado considerable de otros individuos de la cadena de autoridades entendida en un sentido amplio.[35]

Posner lembra ainda que “la teoría estratégica, en cuanto que teoría acerca de los medios, es compatible con la actitudinal, que es una teoría de los fines. El juez que desea que las decisiones de su tribunal sean conformes con sus preferencias políticas elegirá una estrategia decisoria que favorezca tal propósito (…).”[36].

Em sequência, o modelo sociológico de Posner.

3.2.3 Modelo Sociológico

A teoria seguinte, a sociológica, mostra-se quase como um caso específico do modelo anterior, uma vez que investiga a influência dos magistrados entre si em um órgão judicial colegiado (seja em uma turma ou no plenário).

Assim, um órgão em que todos os membros tenham um mesmo posicionamento ideológico, político (ou um mesmo gênero, por exemplo) tenderá a tomar decisões mais extremadas, na medida em que não haverá ninguém diferente para, de algum modo, constranger a sua opinião. Já em órgãos heterogêneos os votos dos magistrados tendem a ser mais moderados.

Segundo o Autor:

La que llamaré teoría sociológica del comportamiento judicial, debido a que centra su atención en la dinámica de los pequeños grupos y, en consecuencia, en la práctica judicial de apelación, constituye una aplicación o extensión de la teoría estratégica combinada con la teoría actitudinal. Inspirándose tanto en la psicología social como en la teoría de la elección racional, parte del supuesto de que la composición del órgano jurisdiccional determina las decisiones resultantes (…).[37]

O fenômeno pode ser, em parte, explicado pela ideia de “aversão ao dissenso”[38] dos magistrados, os quais preferem construir os seus votos de modo mais ou menos convergente com os dos demais, a fim de evitar discussões ou contrariedades (ou possivelmente uma imagem de enfraquecimento institucional).

Nesse sentido, faz-se interessante observar a obra do jurista realista francês Michel Troper, autor que prevê justamente, dentre as constrições internas (estritamente jurídicas) sofridas pelos magistrados, o constrangimento de um juiz, no momento argumentativo e decisório, perante os seus colegas em um órgão colegiado.

Desse modo, o jurista francês entende que haveria uma obrigação do intérprete, a fim de preservar a sua posição relativa no sistema de competências, de levar em conta o modo como os demais atores poderiam exercer as suas próprias competências. Trata-se da importância, por exemplo, de se observar a jurisprudência consolidada em seu tribunal. Sabe-se que, em um sistema de balanceamento de poderes, “as normas organizam as relações entre autoridades de tal maneira que o poder discricionário de uns dissuade os outros de exercer desmesuradamente o seu próprio poder discricionário (Troper, 2001a, p. 95)”[39].

Adiante, prossegue-se com a teoria psicológica de Posner.

3.2.4 Modelo Psicológico

A teoria psicológica tampouco se aparta completamente das anteriores, na medida em que procura apontar a influência de fatores presentes na psiquê dos juízes quando da tomada de decisões por parte desses últimos.

Nesse sentido, quanto mais difícil, obscuro, aberto, controverso e polêmico for o caso (não só em termos sintáticos, semânticos ou pragmáticos, mas também – e sobretudo – em termos axiológicos), maior a incerteza na hora da decisão, consequentemente maior a discricionariedade judicial e, por fim, maior a influência de fatores oriundos do inconsciente e da psiquê do magistrado, tais como visões de mundo, preconceitos e valores prévios, os quais estão intrinsecamente ligados a sua criação, gênero, etnia, orientação sexual, idade, visão religiosa etc.

A esse respeito, Richard Posner afirma o seguinte (muito embora se refira ao sistema judicial norte-americano, tal viés psicológico abordado neste modelo tem validade em quaisquer outros contextos jurídicos, ainda que nem sempre de maneira tão pronunciada quanto no estadunidense):

Resulta prometedor un enfoque psicológico que dirige su atención a las estrategias para sobrellevar la incertidumbre, una propiedad fundamental del sistema judicial de los Estados Unidos. Este enfoque subraya la importancia de las preconcepciones y sus fuentes a la hora de configurar respuestas frente a la incertidumbre, encuentra respaldo en estudios sobre los jueces y tiene un papel central en la teoría del comportamiento judicial que desarrollo en este libro. La incertidumbre radical que asalta a los jueces en muchos de los casos más interesantes e importantes determina que la teoría convencional de la decisión resulte en buena medida inaplicable a la toma de decisiones judiciales y que demande una teorización ecléctica.[40]

Em sua obra “Fronteiras da Teoria do Direito”, o Autor norte-americano ressalta o fator emocional envolvido no modelo psicológico, bem como o equívoco comumente difundido de que o direito é uma esfera essencialmente racional e muito pouco movida pela emotividade:

O direito em si costuma ser visto como uma fortaleza da “razão”, concebida como antítese da emoção. O direito é compreendido como uma entidade cuja função é neutralizar a emotividade que as disputas jurídicas despertam nas partes envolvidas e nos observadores leigos. No entanto, qualquer pessoa que já se tenha envolvido em litígios na condição de litigante, advogado, juiz, jurado ou testemunha sabe que esse método, isto é, o método de resolução de disputas jurídicas por excelência, é um processo intensamente emocional e bastante semelhante aos violentos métodos de resolução de disputas que ele substitui.[41]

Em sequência, outra teoria, trabalhada por Posner, bastante relevante (e, por vezes, apresentada de maneira contraposta à psicológica) é justamente a econômica, conforme se verifica abaixo.

3.2.5 Modelo Econômico

A teoria econômica apresenta o comportamento do juiz sob um viés estritamente racional e instrumental, o qual teria simplesmente a função de maximizador de utilidade, através de cálculos da relação custo/benefício de suas possíveis decisões, além de seus impactos financeiros positivos ou negativos, a fim de obter, portanto, a decisão mais eficiente possível, argumentando, para tanto, de maneira a cumprir tal finalidade. Em retorno, a contrapartida positiva de sua profissão como juiz incluiria o prestígio, a reputação, a satisfação pessoal, o poder etc.

A esse respeito, Posner coloca o seguinte:

La teoría económica del comportamiento judicial considera al juez como un maximizador de utilidad, que es autointeresado y racional. El juez tiene una <<función de utilidad>>, que es como los economistas denominan el complejo de objetivos que guían la acción racional. Los <<argumentos>> (elementos) de la función de utilidad judicial incluyen los ingresos recibidos, el ocio, el poder, el prestigio, la reputación, el autorrespeto, la satisfacción intrínseca a su tarea (retos, estímulos) y las demás recompensas que la gente busca en el trabajo.[42] [43]

Quanto à relação da teoria econômica com a psicológica e a sociológica, Posner afirma que essa última incorpora justamente tanto o cálculo estratégico presente na economia, como as emoções verificadas na psicologia, e que essa polarização entre os modelos econômico e psicológico, na realidade, pode ser tida apenas como ideal, pois na prática os magistrados de carne em osso sempre se encontram em algum ponto entre ambas, não sendo nem puramente racionais, nem puramente emocionais.

Afirma o jurista norte-americano que:

La que he venido denominando teoría sociológica del comportamiento judicial al incorporar como incorpora el cálculo estratégico, las emociones (la intensidad y preferencia por una u otra decisión final tendrán a menudo su reflejo en, o dará lugar a, un compromiso emocional) y la polarización de los grupos se sitúa a caballo entre las teorías económica y psicológica del comportamiento judicial, teorías que se superponen.[44]

Em sequência, dando continuidade ao seu raciocínio, Posner afirma que qualquer um dos dois modelos, se puramente considerado, deixa de ser fiel e fazer justiça ao real comportamento humano dos juízes. Ademais, se utilizados conjuntamente, ambas as teorias se complementam e auxiliam no melhor entendimento do tema.

Em suas palavras:

Una teoría estrictamente económica del comportamiento humano que lo presente como el producto resultante de una decisión hiperracional y una teoría estrictamente psicológica que lo presente exclusivamente como el producto de impulsos no racionales e ilusiones cognitivas en verdad no se solapan, pero tampoco hacen justicia ni a la perspectiva económica ni a la psicológica acerca del comportamiento humano. La racionalidad en economía significa consistencia elemental y racionalidad instrumental (ajustar los medios a los fines); siendo así puede dar cabida a buena parte de la conducta emocional y a las limitaciones cognitivas, mientras que la psicología incluye el estudio de los procesos cognitivos a gran escala, incluyendo los de los individuos ordinarios, los atajos cognitivos que sustituyen al razonamiento formal, y las influencias sociales que operan en la polarización del grupo y la aversión al disenso.[45]

No próximo item, a teoria organizacional de Richard Posner.

3.2.6 Modelo Organizacional

O modelo organizacional de Richard Posner atina ao fato de que, assim como em uma empresa tradicional existem interesses divergentes entre o empregador e o empregado (de uma maneira bem simplista e nem sempre verificável, esse último quer reduzir o trabalho e aumentar as remunerações e garantias, enquanto o primeiro deseja justamente o oposto), o mesmo ocorre no Poder Judiciário entre o agente e o mandante, isto é, entre o juiz e o governo, não havendo, pois, uma independência em sentido completo e absoluto dos magistrados.

Nesse contexto, assim como uma empresa busca meios de incentivar os seus funcionários, a fim de estimular a sua produtividade (tais como bônus, cartaz de funcionário do mês etc.), medidas equivalentes ocorrem em relação aos magistrados (metas a cumprir de processos julgados, por exemplo), sendo uma das mais importantes a doutrina do precedente, destacada por Posner. Desse modo, sabendo que suas decisões gerarão precedentes (ou poderão gerar, a depender do contexto jurídico do local em análise), os juízes de apelação ou das cortes superiores serão muito mais cautelosos e coerentes ao tomarem decisões, já que elas deverão influenciar uma série de julgados posteriores, além de melhorarem a sua reputação perante os colegas de tribunal e os juízes de instâncias inferiores.

Segundo Posner, a teoria organizacional “(…) se construye a partir de la ideal de que un agente y su mandante, como lo son el juez y el gobierno para ele que trabaja, tienen intereses divergentes y que el segundo intentará articular una estructura organizativa que minimice esa divergencia mientras que el agente se opondrá a ella”[46].

Quantos aos precedentes, o jurista norte-americano afirma que:

Un ejemplo de cómo el proceso judicial está organizado para motivar a los jueces-agentes es la doctrina del precedente. Aunque los precedentes pueden ser aplicados una vez aplicada la técnica de la distinción [distinguished] e incluso pueden ser revocados, poseen cierta autoridad, lo que significa que existe un coste cuando se sortea o se desecha uno de ellos. (…) Si los jueces de apelación se atienen de manera coherente a los precedentes establecidos, se incrementa también la probabilidad de que los tribunales inferiores sean fieles agentes de dichos jueces, y ello debido a que recibirán directivas más claras.[47]

Em sequência, observe-se o modelo pragmático de Posner.

3.2.7 Modelo Pragmático

A teoria pragmática (a qual Posner se encontra estreitamente vinculado) diz respeito a uma postura do magistrado na qual o foco recai sobre os possíveis efeitos da decisão judicial, a fim de buscar proferir um julgado com as melhores consequências possíveis, dando pouca importância à autoridade e vinculatividade dos cânones jurídicos (tais como leis e constituição) e precedentes por si próprios, mas apenas na medida em que eles se mostrarem efetivamente, em termos consequencialistas, o melhor caminho decisório em um caso concreto.

Naturalmente, os possíveis prejuízos – para a segurança jurídica de uma jurisdição – de não se observar os cânones e precedentes vigentes também devem ser levados em consideração na relação custo/benefício ao se tomar uma decisão, de tal modo que, nos casos mais simples, mesmo um juiz que adote um comportamento pragmatista provavelmente pautará as suas decisões nos precedentes e cânones jurídicos.

Nas palavras do Autor, o pragmatismo jurídico:

(…) se refiere a que el fundamento de los juicios (sean jurídicos o de otro tipo) ha de encontrarse en sus consecuencias y no en la deducción a partir de premisas al modo de un silogismo. El pragmatismo tiene un aire de familia con el utilitarismo y, em una sociedad de mercado como la nuestra, también con la economía del bienestar, aunque sin llegar a comprometerse con la manera específica en que estas posiciones filosóficas evalúan las consecuencias. En el campo del derecho, el pragmatismo se refiere a que la decisión judicial ha de estar fundamentada en los efectos que la decisión probablemente tendrá, y no en la dicción textual de una ley o de un precedente o, por decirlo de forma más general, de una regla preexistente.[48]

Portanto, como menciona o próprio Posner, o modelo pragmatista acaba por se aproximar da teoria econômica e da filosofia utilitarista, embora sem se limitar necessariamente pelo modus operandi específico de ambas as linhas. Na realidade, o juiz pragmatista pode se valer dos mais variados campos do conhecimento (tais como a própria economia, além da psicologia, das ciências em geral etc.) para embasar o seu raciocínio e buscar, em termos consequencialistas, a melhor decisão.

Em outro texto seu a respeito do tema (“Pragmatic Adjudication”), Posner rebate a crítica de outro jurista norte-americano, Ronald Dworkin, a respeito do pragmatismo jurídico, desmistificando uma visão, de certo modo, caricata do juiz pragmatista e apresentando uma definição bem mais verossímil desse último. Em suas palavras:

I do not accept Dworkin’s definition: “[t]he pragmatist thinks judges should always do the best they can for the future, in the circumstances, unchecked by any need to respect or secure consistency in principle with what other officials have done or will do.”‘ That is Dworkin the polemicist speaking. But if his definition is rewritten as follows – “a pragmatist judge always tries to do the best he can do for the present and the future, unchecked by any felt duty to secure consistency in principle with what other officials have done in the past” – then I can accept it as a working definition of the concept of pragmatic adjudication. On this construal the difference between, say, a judge who is a legal positivist in the strong sense of believing that the law is a system of rules laid down by legislatures and merely applied by judges, and a pragmatic judge, is that the former is centrally concerned with securing consistency with past enactments, while the latter is concerned with securing consistency with the past only to the extent that such consistency may happen to conduce to producing the best results for the future.[49]

Ainda no mesmo texto, Posner afirma que o juiz pragmatista não está de todo desinteressado dos cânones jurídicos e jurisprudências consolidadas, uma vez que elas costumam ser muito úteis como fontes de conhecimento para as decisões presentes e que, como aludido acima, uma mudança muito abrupta de linha decisória pode gerar resultados negativos em termos de segurança jurídica, o que também deve ser levado em consideração na análise consequencialista da decisão. Por outro lado, ressalte-se que o magistrado pragmatista não se sentirá obrigado a observar esses cânones e precedentes tão somente por seu caráter de autoridade.

Nesse sentido, segue abaixo a passagem do jurista norte-americano a esse respeito:

The pragmatist judge has different priorities. That judge wants to come up with the best decision having in mind present and future needs, and so does not regard the maintenance of consistency with past decisions as an end in itself but only as a means for bringing about the best results in the present case. The pragmatist is not uninterested in past decisions, in statutes, and so forth. Far from it. For one thing, these are repositories of knowledge, even, sometimes, of wisdom, and so it would be folly to ignore them even if they had no authoritative significance. For another, a decision that destabilized the law by departing too abruptly from precedent might have, on balance, bad results. […] The pragmatist judge thus regards precedent, statutes, and constitutions both as sources of potentially valuable information about the likely best result in the present case and as signposts that must not be obliterated or obscured gratuitously, because people may be relying upon them. But because the pragmatist judge sees these “authorities” merely as sources of information and as limited constraints on his freedom of decision, he does not depend upon them to supply the rule of decision for the truly novel case. For that he looks also or instead to sources that bear directly on the wisdom of the rule that he is being asked to adopt or modify.[50]

Já em seu livro “Direito, Pragmatismo e Democracia”, o Jurista estadunidense destaca alguns princípios da adjudicação pragmática, como, por exemplo: “a consideração de consequências sistêmicas e não apenas específicas ao caso”; “a racionalidade”; a objetividade “em relação à aceitação de decisões passadas como uma necessidade (qualificada) em vez de um dever ético”; a crença de “que nenhum procedimento analítico geral distingue o raciocínio legal do outro raciocínio prático”; a adoção do empirismo; a hostilidade “à ideia de usar a teoria moral e política abstrata para orientar o processo de tomada de decisão judicial”; a priorização de “bases de decisão estreitas em relação a bases amplas nos estágios iniciais da evolução de uma doutrina legal”; a clara distinção tanto em relação à tradição juspositivista anglo-americana de H. L. A. Hart, como ao realismo legal e aos “Critical Legal Studies”; e a abertura “à concepção sofista e aristotélica da retórica como modo de raciocínio”.[51]

Em sequência, a teoria fenomenológica posneriana do comportamento judicial.

3.2.8 Modelo Fenomenológico

A teoria fenomenológica de Posner talvez seja a menos desenvolvida pelo Autor, de tal modo que não resulta tão clara a sua natureza.

De modo geral, o jurista norte-americano afirma que este modelo se encontra entre o pragmático e o legalista e que se aproxima do psicológico, porém dele se difere, na medida em que a psicologia busca sobretudo os processos inconscientes da mente humana, ao passo que a fenomenologia se interessa pela própria consciência do indivíduo, isto é, pela autoconsciência do magistrado, como ele se sente ao proferir um voto judicial, por exemplo.

Nesse sentido, comenta Posner o seguinte:

La teoría fenomenológica del comportamiento judicial es el puente entre la teoría pragmática y la teoría legalista (…). Mientras que la psicología estudia principalmente los procesos inconscientes de la mente humana, la fenomenología analiza la conciencia en primera persona: la experiencia tal como se presenta ella misma a la mente consciente. Así, podríamos preguntarnos cómo se siente uno al tomar una decisión judicial.[52]

Ademais, apesar de colocar a fenomenologia como uma ponte entre o pragmatismo e o legalismo, Posner afirma, logo em seguida, que “(…) la mayoría de las autodescripciones judiciales resultan ser de jueces pragmatistas. (…) Los jueces que interiorizan la visión <<oficial>>, que es el legalismo, dan por sentado lo que hacen, de modo que no sienten la necesidad ni de dar cuenta de ello ni de dar razones a favor de su posición. Y por supuesto es peligroso inferir un comportamiento a partir de una declaración enfática”[53].

3.2.9 Modelo Legalista

O modelo legalista diz respeito à tradicional visão de uma aplicação judicial essencialmente formalista e cognitivista (isto é, o oposto de cética), a partir da ideia de que as normas jurídicas preexistem totalmente à atividade judicial, restando ao magistrado apenas a tarefa de identificá-las e aplicá-las corretamente aos casos pertinentes, sem qualquer discricionariedade, de modo a jamais criar direito (ou talvez muito excepcionalmente, em casos de lacuna, por exemplo, os quais ainda assim devem ser guiados por técnicas de colmatação de lacunas).

Naturalmente, os juristas que adotam tal perspectiva atualmente não a apresentam mais de maneira tão radical quanto em outras épocas, particularmente como no auge do legalismo exegético francês do século XIX, no qual o juiz era visto meramente como a “boca da lei” (“la bouche de la loi”), sem a menor margem de discricionariedade.

Não obstante, eles mantêm o discurso de que a decisão só pode ser tomada com base nos cânones jurídicos, isto é, no material normativo previamente presente no ordenamento jurídicos, independentemente de se tratar de textos legislativos ou constitucionais, uma  vez que, sob essa ótica, a decisão jurídica deve ser fruto de uma operação silogística, pela qual o cânone perfaz a premissa maior, o caso concreto a premissa menor, de tal modo que, na conclusão, a aplicabilidade da consequência jurídica daquele ao caso se torna evidente.

Hoje em dia, compreende-se, porém, predominantemente, após tantas publicações de cunho filosófico e psicológico, o imenso desafio (até mesmo impossibilidade), de o julgador se apartar completamente de qualquer elemento de discricionariedade e aplicar o direito sem deixar transparecer em absoluto a sua própria subjetividade, uma vez que, dentre tantos outros fatores, as pré-compreensões do intérprete estão inevitavelmente presentes na própria maneira com que ele apreende e qualifica os fatos e interpreta os textos jurídicos, haja vista as muitas publicações de grandes juristas pós-positivistas alemães (sobretudo) nesse sentido, com fundamento em noções de hermenêutica filosófica, a exemplo do trecho seguinte de Konrad Hesse:

El intérprete no puede captar el contenido de norma desde un punto cuasi arquimédico situado fuera de la existencia histórica sino únicamente desde la concreta situación histórica en la que se encuentra, cuya plasmación ha conformado sus hábitos mentales, condicionando sus conocimientos y sus pre-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una pre-comprensión que es la que va a permitirle contemplar la norma desde ciertas expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto necesitado aún de comprobación, corrección y revisión a través de la progresiva aproximación a la “cosa” por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda claramente fijada.[54]

Nesse sentido, a teoria psicológica, em maior ou menor grau (a depender da dificuldade do caso), deverá ser levada em consideração nesse âmbito, vislumbrando-se sempre a possível influência de fatores presentes na psiquê do magistrado.

Além disso, o Direito utiliza, em via de regra, uma linguagem natural, como tal inescapavelmente vaga, porosa, ambígua, mostrando-se também, pois, um possível fator de incertezas interpretativas, pautada ainda em uma completude essencial e na noção de “textura aberta da linguagem”, como bem observou o filósofo da linguagem austríaco Friedrich Waismann:

Por “textura aberta” da linguagem, Waismann pretende dizer que os nossos conceitos empíricos (mas não só os conceitos empíricos) não estão delimitados, de forma a priori, em todas as direções possíveis. Os conceitos empíricos não apresentam uma definição exaustiva, ou seja, nenhum conceito se encontra delimitado de forma que não surjam espaços para dúvida sobre o seu significado.[55]

Em razão de tudo isso, o modelo legalista posneriano (reitere-se) descreve uma modalidade de comportamento judicial, com base no discurso empreendido pelo magistrado, a fim de satisfazer aquela ideia previamente apresentada de retórica da objetividade, não indicando, pois (conforme se entende neste artigo), o modo como o magistrado efetivamente decide, mas apenas a forma como ele apresenta (“vende”) a sua decisão, em termos argumentativos.

Finalmente, após todos esses comentários, observe-se nas palavras do Autor a teoria legalista:

El legalismo, considerado como una teoría descriptiva del comportamiento judicial (es más común verlo como una teoría normativa), parte del supuesto de que las decisiones judiciales están predeterminadas <<por el derecho>>, concebido éste como un cuerpo de reglas preexistentes establecidas en materiales jurídicos canónicos tales como los textos constitucionales y legislativos y las decisiones previas del mismo tribunal o de otro superior, o bien de reglas que pueden ser derivadas de estos materiales por medio de operaciones lógicas. (…) La aspiración del legalista es que una decisión judicial esté predeterminada por un cuerpo de reglas que constituyen <<el derecho>> y no por características del juez que son idiosincrásicas, en el sentido de que varían según cada uno de ellos, tales como su ideología, personalidad y su trayectoria individual. La decisión legalista óptima es resultado de un silogismo en el cual una regla del derecho suministra la premisa mayor, los hechos del caso, la premisa menor y la decisión, la conclusión. La regla podría ser extraída de una disposición legislativa o constitucional, pero el modelo legalista se completa con un conjunto de reglas de interpretación (los <<cánones de construcción>>) de tal modo que la interpretación también se convierte en una actividad limitada por reglas, eliminando así la discrecionalidad judicial.[56]

Em sequência, com base no conteúdo apresentado nestes dois capítulos iniciais, será, por fim, realizada a análise do julgado selecionado, a começar por suas informações gerais.

4 O CASO SOB ANÁLISE: A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5543 (STF)

4.1 Dados Preliminares sobre o Caso

O caso sob análise diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5543/Distrito Federal (DF), vista, relatada e discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro em sessão plenária virtual de 1º a 8 de maio de 2020 e tendo seu acórdão datado de 11 de maio de 2020, nos seguintes termos:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária virtual de 1º a 8 de maio de 2020, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 64, IV, da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde, e do art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello que julgavam improcedente o pedido.[57]

Trata-se, em suma, de um dos instrumentos existentes no sistema de controle de constitucionalidade do direito brasileiro. No presente caso, a ação ajuizada tinha como objetivo a declaração de inconstitucionalidade do art. 64, IV, da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde, e do art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), os quais proibiam a doação de sangue por homens que houvessem praticado relações sexuais com outros homens (ou suas parceiras sexuais) em um intervalo de 12 meses, ante os supostos riscos de contração de infecções transmissíveis pelo sangue por parte do doador (particularmente a AIDS/SIDA), conforme o texto normativo abaixo transcrito:

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: (…)

IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes;[58]

Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: (…)

XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se:(…)

d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes; (eDOC 31, p. 15; eDOC 32, p. 10/14)[59]

A ADI foi requerida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) – partido político com representação no Congresso Nacional –, representado em juízo pelo advogado Rafael de Alencar Araripe Carneiro (dentre outros), tendo sido intimados o Ministério da Saúde (representado pelo Advogado-Geral da União) e a ANVISA. Houve ainda a manifestação do Procurador-Geral Federal, o qual juntou aos autos parecer em sentido favorável à procedência do pedido.

O Requerente aduziu, dentre outros argumentos, que o risco maior seria em razão de comportamentos sexuais promíscuos, contudo, em tal caso, já existe uma proibição, independentemente da orientação sexual do candidato. Nesse sentido, afirma que:

além de ser absolutamente discriminatório, o fundamento não possui qualquer lógica jurídica. Isso porque a legislação brasileira já prevê a exclusão da doação de sangue de pessoas promíscuas, sejam elas heterossexuais ou homossexuais. Com efeito, o art. 64, II, da Portaria n. 158/2016 do Ministério da Saúde estabelece que será considerado inapto temporário o candidato que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos ou seus respectivos parceiros sexuais” (eDOC 1, p. 14).[60]

Ademais, “o Requerente traz exemplos do direito comparado (África do Sul, Argentina, Chile, Espanha e Portugal), em que se visa ao controle do comportamento de risco e não de um grupo de risco”[61].

Defende ainda que “os dispositivos questionados violam, a um só tempo: (i) a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), (ii) o direito fundamental à igualdade (art. 5º, caput, CRFB), (iii) o objetivo fundamental republicano de promover o bem de todos sem preconceitos ou formas de discriminação (art. 3º, IV, CRFB) e (iv) o princípio constitucional da proporcionalidade”[62].

O caso contou com um rol bastante abrangente de amici curiae, conforme se verifica abaixo, em trecho do relatório:

Admiti na qualidade de amici curiae, facultando-lhes a apresentação de informações, memoriais escritos e sustentação oral quando da discussão de mérito: i) a Defensoria Pública da União (eDOC 130; DJe 19.08.2016); ii) a Defensoria Pública do Estado da Bahia (eDOC 130; DJe 19.08.2016); iii) a Associação Brasileira de Família Homoafetivas (eDOC130; DJe 19.08.2016); iv) o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (eDOC 130; DJe 19.08.2016); v) o Instituto Brasileiro de Direito de Família (eDOC 139, DJe 08.07.2016); vi) o Instituto Brasileiro de Direito Civil (eDOC 148, DJe 17.08.2016); vii) o Grupo Dignidade pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros (eDOC 148, DJe 17.08.2016); viii) a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (eDOC 161; DJe 31.08.2016); ix) o Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília (eDOC 176; DJe 16.09.2016); x) o “Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia: Filosofia e Dogmática Constitucional Contemporânea (PPGD-UFPR)” e o “Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UFPR” (eDOC 183; DJe 20.09.2016); e xi) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (eDOC 191; DJe 27.09.2016).[63]

A ação foi distribuída para a relatoria do Ministro Edson Fachin, o qual votou pela procedência do pedido, tendo seu voto servido de parâmetro aos demais ministros que votaram em sentido favorável. No fim, o seu entendimento prevaleceu e a ação ajuizada pelo PSB obteve êxito, ainda que não de forma unânime, já que a decisão foi bem acirrada, vencidos, assim, os Ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que julgaram improcedente o pedido.

Nos termos da proposta metodológica do Professor Gustavo Just, em relação à investigação de possíveis aplicações de uma retórica da objetividade, não é difícil perceber que existe uma controvérsia interpretativa quanto à inconstitucionalidade ou não dos dispositivos normativos anteriormente destacados, haja vista a acirrada disputa entre ministros do Supremo favoráveis e contrários à sua procedência.

Quanto à exigência de Just de se tratar de um discurso prático, também não há dúvidas da sua observância no presente caso, uma vez que aqui se investiga a argumentação desenvolvida pelo STF em uma decisão judicial (não se tratando, pois, de um embate meramente doutrinário ou legislativo).

Por fim, a orientação à objetividade se dá na medida em que o magistrado tenta convencer com argumentos as partes, demais juízes e público geral da correção de seu entendimento, isto é, não sendo apenas um desígnio ou preferência de sua mente, pautado em valores e preconceitos, mas sim algo objetivamente fundamentado.

Nesse sentido, na proposta desenvolvida no presente artigo, procura-se justamente compreender os modelos argumentativos-comportamentais de Richard Posner, previamente apresentados, como distintas modalidades de fundamentar uma decisão, tendo-se em vista essa retórica da objetividade.

Naturalmente, alguns desses comportamentos (por exemplo o econômico e o legalista) se aproximam mais de um ideal de objetividade do que outros (como o psicológico e o fenomenológico). Contudo, não há dúvidas de que todos eles tentam minimamente convencer o público de sua correção ou capacidade de generalização, em contraposição a um simples desejo arbitrário do julgador, baseado em simpatias ou preferências pessoais.

Ainda que se mostre interessante o estudo de cada um dos votos proferidos pelos ministros do STF na ADI nº 5543, ante as dimensões do presente artigo, optou-se por analisar apenas o voto vencedor do Relator, nos termos do qual os demais ministros favoráveis votaram, a fim de manter o nível desejado de detalhamento analítico.

Vale salientar que este voto por si só já apresenta 40 páginas, fornecendo vasto e satisfatório material para a presente investigação.

A seguir, portanto, a análise do voto do Relator Edson Fachin com base nos 9 modelos argumentativo-comportamentais apresentados do jurista norte-americano Richard Posner e dirigidos à satisfação de uma retórica da objetividade.

4.2 O Voto Proferido pelo Min. Edson Fachin (Relator)

O Relator notadamente se vale de alguns modelos mais do que de outros, como restará claro nas páginas seguintes. A ordem aqui utilizada de modelos não necessariamente corresponde àquela do capítulo segundo, pois se optou por deixar para o fim a análise dos modelos que requerem citações do voto. Em sequência, inicia-se com o modelo atitudinal.

Modelo Atitudinal: acredita-se que tal modelo apresente razoável peso no voto do Relator, já que se trata de uma pauta tida como progressista, levantada pelo movimento LGBT+, em prol da superação de uma discriminação injusta (em sua compreensão) contra os homens homossexuais (e suas eventuais parceiras).

Considerando que, antes de se tornar ministro do STF em 2015, Edson Fachin costumava apresentar, como jurista e advogado civilista, um perfil político e ideológico mais à esquerda, social e progressista (ou liberal de costumes) – tendo sido indicado, inclusive, pela presidente Dilma Rousseff, representante do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, o qual também possui um viés político mais à esquerda –, faz sentido enxergar no modelo atitudinal (baseado nos posicionamentos e obras pregressos do magistrado, bem como no perfil político-ideológico de quem o indicou) um guia para a postura argumentativa e posicionamento decisório adotado pelo Relator no presente voto.

Modelo Estratégico: já o modelo estratégico não parece ser tão relevante para a compreensão do presente voto, na medida em que o Relator foi o primeiro a votar, consequentemente não teria como ter seguido o entendimento dos colegas ministros em votos prévios no mesmo julgado.

Além disso, tal entendimento também não existia em decisões anteriores (nem teria como, já que, a princípio, um juízo de inconstitucionalidade como este, proferido pelo Supremo, possui efeito geral e só é realizado uma única vez). No Poder Legislativo, tampouco, parecia ser uma pauta relevante de deliberação.

Quanto ao público geral, apesar de não se ter encontrado uma pesquisa de opinião pública sobre o tema, acredita-se que não se mostrava uma luta conhecida da maioria da sociedade brasileira, que provavelmente nunca havia refletido a respeito, exceto naturalmente os setores progressistas atuantes na causa LGBT+, em grande parte restritos a partidaristas políticos, professores e alunos militantes universitários. O grande público, contudo, estava alheio à discussão e seria provavelmente contrário à permissão, dado o forte caráter religioso de boa parte da sociedade brasileira, que frequentemente vai de encontro às lutas LGBT+.

De todo modo, apesar de toda a resistência, não há como negar que já se trata de uma bandeira que vem há algum tempo ganhando força, com apoio de boa parte dos setores progressistas da mídia e com relativo amparo no direito comparado de Estados ocidentais.

Modelo Sociológico: este modelo já foi, de certo modo, respondido, na medida em que se mostra quase como um caso específico do estratégico, acima abordado, no contexto jurisprudencial, particularmente dentro de um mesmo tribunal. Assim, também não apresenta grande importância no presente caso, haja vista o Relator ter sido o primeiro a votar, e não existir jurisprudência prévia no sentido por ele adotado.

Modelo Organizacional: tal modelo tampouco pode ser fortemente verificado no presente caso, já que não existe uma clara divergência entre Relator e Governo (apenas naturalmente o fato do voto ter sido contrário a normas de órgãos públicos, quais sejam, o Ministério da Saúde e a ANVISA, todavia não é bem esse tipo de conflito que Posner parecia ter em mente ao se referir a este modelo).

O voto também não observa precedentes ou jurisprudência prévia consolidada, na medida em que ele próprio deverá ser um precedente a fundar jurisprudência nacional, já que seus efeitos são erga omnes. Na realidade, basicamente qualquer novo entendimento do STF (ainda que não seja formalmente vinculativo) acaba por servir de jurisprudência a todas as instâncias judiciárias brasileiras, de tal modo que não há muito como fugir desse efeito, independentemente do desejo de formar jurisprudência nacional por parte do ministro.

Modelo Econômico: esta perspectiva também não é das mais marcantes no voto do Relator, transparecendo, pois, timidamente, em poucas passagens do seu voto, de modo que não se verifica um apelo tão claro a argumentos predominantemente racionais. Na realidade, chega mesmo a haver uma rejeição dos modelos econômico e pragmático em determinado trecho do voto, conforme restará claro mais à frente.

Em uma das poucas e breves referências à racionalidade, o Relator afirma que a doação de sangue só deveria ser restringida com uma sólida fundamentação racional. Portanto, sem essa fundamentação forte (segundo o Relator, ausente na hipótese em análise), não seria racional proceder à restrição.

Em suas palavras, afirma que, “nessa toada, a exclusão a priori de quaisquer grupos de pessoas da possibilidade de praticar tal ato – a doação de sangue – deve ser vista com atenção redobrada, devendo sempre ser dotada de ampla, racional e aprofundada justificativa (razões públicas enfim)”[64].

Já em outra passagem atípica de seu voto, o Relator se refere ao impacto desproporcional causado aos homens homossexuais pela vedação prevista nas normas sob análise, de modo que se pode enxergar aqui também uma observação pautada pela racionalidade.

Ademais, em menor grau, outros modelos também podem ser verificados, já que existe referência a uma fundamentação doutrinária e jurisprudencial prévia do Supremo (uma “Teoria do Impacto Desproporcional”), transparecendo, ainda que rapidamente, um tom organizacional (menção a teoria anteriormente utilizada em jurisprudência do Tribunal) e sociológico (constrangimento provocado por argumentos anteriormente aplicados por outros magistrados da Corte).

Por fim, pode-se observar ainda, de certo modo, uma referência aos princípios jurídicos da proporcionalidade e da igualdade.

Segue abaixo a transcrição do mencionado trecho do voto:

Compartilhando da fundamentação doutrinária e da aplicação jurisprudencial por esta Corte da Teoria do Impacto Desproporcional, concluo que a política restritiva prevista no art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e no art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da ANVISA, ainda que de forma desintencional, viola a igualdade, pois acaba tal limitação, a despeito de intentar proteção, impondo impacto desproporcional sobre os homens homossexuais e bissexuais e/ou as parceiras destes ao injungir-lhes a proibição da fruição livre e segura da própria sexualidade para exercício do ato empático de doar sangue.[65]

Modelo Psicológico: o caráter psicológico e emotivo já se mostra mais saliente no voto do Relator, principalmente se comparado ao econômico. Em várias passagens do texto, pode-se perceber, ainda que por vezes sutilmente, palavras que indicam elementos da psique do Ministro, como seus valores, princípios e visões de mundo (os quais apresentam, conforme já se explicou no modelo atitudinal, um teor progressista). Desse modo, tais palavras possuem uma finalidade emotiva, no sentido de sensibilizar o leitor a respeito da pauta discutida em juízo.

Nesse contexto, referências morais estão bastante presentes no voto, de modo que poderiam mesmo ter recebido um modelo à parte. No entanto, respeitando a classificação posneriana dos nove modelos, aquele mais adequado para receber essas alusões morais parece ser o psicológico, que reflete (como observado acima) os profundos valores e visões morais do magistrado, razão pela qual abarcará esses elementos.

Nesse sentido, verifique-se, por exemplo, a menção adiante do Relator a uma “ética da alteridade”: “a resposta a ser dada ao presente caso deve, pois, cingir-se dessa ética da alteridade, a escutar e responder ao apelo do Outro. Saliente-se: a resposta a ser construída deve ser refletida e dada à luz da necessidade do Outro”[66].

Já em outro trecho Fachin argumenta expressamente contra a Política (o que poderia caracterizar uma negação do modelo atitudinal, apesar de já ter sido mostrado que esse último é sim relevante para a compreensão do seu voto); contra a Economia (também uma tentativa de rejeitar o modelo econômico) e contra “uma interpretação utilitarista, recaindo em um cálculo de custo e benefício” (o que ataca claramente a corrente pragmática e mesmo, novamente, a econômica). Por outro lado, algumas palavras utilizadas – sobretudo na última frase, como “preconceito e discriminação” – refletem um posicionamento moral, que deixa transparecer uma finalidade emotiva. Transcreva-se abaixa a referida passagem:

Os dispositivos impugnados (art. 64, inciso IV, da Portaria n. 158/2016 do Ministério da Saúde e o art. 25, inciso XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no entanto, partem da concepção de que a exposição a um suposto maior contágio de enfermidades é algo inerente a homens que se relacionam sexualmente com outros homens e, por consequência, igualmente inerente às eventuais parceiras destes. Não é. Não pode o Direito incorrer em uma interpretação utilitarista, recaindo em um cálculo de custo e benefício que desdiferencia o Direito para as esferas da Política e da Economia. Não cabe, pois, valer-se da violação de direitos fundamentais de grupos minoritários para maximizar os interesses de uma maioria, valendo-se, para tanto, de preconceito e discriminação.[67]

Modelo Fenomenológico: outra linha utilizada pelo Relator, contudo muito semelhante à psicológica, é a fenomenológica. Como referido anteriormente, a distinção fundamental é que essa última diz respeito aos processos autoconscientes do magistrado; ao passo que a primeira, aos seus elementos inconscientes. No entanto, é muito difícil saber quando um traço psíquico do juiz transparece de modo plenamente inconsciente ou, até certo ponto, proposital, com fins retóricos.

Dessa maneira, portanto, pode-se afirmar que o modelo fenomenológico é também relevante em seu voto, porém não o diferenciar tão nitidamente, na prática, do psicológico.

O trecho transcrito abaixo provavelmente envolve elementos de ambos os modelos, entretanto está aqui mencionado, uma vez que o Relator se vale, mais de uma vez, da 1ª pessoa do singular (“não se me afigura adequado…”; “Como assentei ao adotar o rito…”), transparecendo um viés mais claro de autoconsciência, muito embora a confusão entre ambas as linhas permaneça. É o que se observa a seguir:

Não se me afigura adequado, salutar ou recomendável, à luz de nossa normatividade Constitucional, arrostar a intricada questão posta nestes autos com olhos cerrados e ouvidos moucos para o aflito apelo que vem do Outro. A aversão exagerada à alteridade, quer decorra de orientação sexual ou de manifestação de identidade de gênero, não raro deságua em sua negação e, no extremo, em tentativas, por vezes tristemente bem sucedidas de sua aniquilação existencial, impedindo-se de se ser quem se é (vide nesse sentido o pleito trazido no Mandado de Injunção 4.733 sobre a criminalização da homofobia). É impossível, assim, ignorar a violência física e simbólica a que diariamente se encontra submetida a população LGBT em nosso país. Como assentei ao adotar o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, muito sangue tem sido derramado em nome de preconceitos que não se sustentam.[68]

Modelo Pragmático: tal qual o econômico, o viés pragmático foi pouco utilizado pelo Relator, sendo, ao contrário, até mesmo rejeitado por ele.

Dentre os poucos trechos observados em que essa corrente transpareceu, merece destaque o raciocínio consequencialista abaixo, em que o Relator afirma que não haveria efetivamente danos à coletividade nem aos receptores de sangue, desde que se exigisse o mesmo cuidado dos demais candidatos a doação de sangue. O benefício, por outro lado, seria evidente, com o aumento do volume de sangue disponível para doação.

Ademais disso, é de se destacar que a extinção da restrição prevista no art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e no art. 25, XXX, d, da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não geraria prejuízo ou dano à coletividade, aos terceiros receptores de sangue, desde que se apliquem aos homens que fazem sexo com outros homens e/ou suas parceiras as mesmas exigências e condicionantes postas aos demais candidatos a doadores de sangue, independentemente do gênero ou orientação sexual.[69]

Em sentido semelhante, com um tímido esboço de raciocínio pragmático (e econômico, em algum grau), o Relator observa que a análise de aptidão para a doação peca pelo excesso de generalização, pois, embora os índices de contração da AIDS/SIDA sejam maiores dentre homens homossexuais e bissexuais (HHB) como um todo, tal problema deixaria de ser uma especial preocupação fora do subconjunto de HHB promíscuos.

Naturalmente, todos esses critérios levam em contam a expectativa de sinceridade de que alguém que tenha consciência de ser portador de AIDS/SIDA acuse o fato e não realize a doação (por exemplo um indivíduo atualmente monogâmico, em razão de sua vida pregressa de promiscuidade, o que, entretanto, poderia ocorrer com qualquer pessoa que seja ou já tenha sido sexualmente ativa, independentemente do gênero e orientação sexual – ou até mesmo, ainda que bem mais improvavelmente, um indivíduo que não tenha contraído o vírus HIV por meio de relações sexuais, mas sim por uma injeção de drogas ou lâmina de barbear contaminada, com subsequente corte na pele).

Segue o trecho referido:

A violação à igualdade, portanto, sobressai evidente. Isso porque ainda que o índice estatístico e epidemiológico coletivo indique que o índice de probabilidade de uma pessoa ter AIDS ser maior se esta for um homem homossexual ou bissexual, não é possível transpor tais dados para o plano subjetivo do doador, sob pena de se estigmatizar, de forma absolutamente ilegítima, um grupo de pessoas.[70]

Em outras palavras, um raciocínio pragmático levaria em conta, por exemplo, que não há um risco muito superior em relação a homens monogâmicos que tenham tido relações homoafetivas nos doze meses anteriores; que já existe uma restrição para indivíduos promíscuos, independentemente do gênero e da orientação sexual; que qualquer sangue doado passa, de todo modo, por uma testagem de doenças, incluído o HIV, antes de ser disponibilizado aos bancos de sangue; e que o benefício, por outro lado, desse aumento de volume de sangue para doação seria considerável.

Apesar disso, não foi esse o foco argumentativo do Relator, que insistiu em argumentos psicológicos, emotivos, fenomenológicos (conforme mencionado acima) e principiológicos, (como restará evidente abaixo), valendo-se somente muito esporadicamente de raciocínios econômicos e pragmáticos.

Na realidade, um argumento recorrente do Relator se mostra bastante duvidoso (e aqui se abre breves parênteses para fugir do teor analítico e descritivo do artigo e elaborar uma breve crítica): o de que a vedação não pode incidir sobre a natureza, essência ou personalidade de indivíduos, mas sim sobre condutas. Assim, a “natureza homossexual ou bissexual” de um homem não poderia servir como base para normas discriminatórias, mas a “conduta promíscua” de alguém sim.[71]

Ocorre que a vedação é especificamente a uma conduta (a prática de relação sexual homoafetiva), não a uma essência (ser homem homossexual ou bissexual). Se fosse nesse sentido, uma mulher ninfomaníaca poderia alegar, do mesmo modo, a injustiça de não poder doar sangue, uma vez que estaria sendo supostamente discriminada por sua natureza (ninfomaníaca, no caso), e não por uma conduta promíscua.

Em suma, essa crítica não foi, de modo algum, sobre o posicionamento final do voto do Relator (a sua decisão), mas apenas sobre esse específico raciocínio recorrente, que se mostra problemático nos termos acima colocados.

Fechados os parênteses, retoma-se a análise aplicada ao presente artigo, dando início ao nono e último modelo posneriano.

Modelo Legalista: de todos os nove modelos de comportamento argumentativo judicial aqui tratados, o legalista provavelmente é o mais relevante para o voto do Relator em análise, contudo com uma importante ressalva: a corrente legalista se baseia em cânones jurídicos, isto é, em materiais normativos previamente presente no ordenamento jurídico, o que, de fato, pode ser verificado nos argumentos utilizados pelo Relator.

Ocorre que sua argumentação não se fundamenta em regras jurídicas, como se poderia imaginar de um modelo legalista tradicional, mas sim, majoritariamente, em princípios constitucionais, o que faz sentido se se levar em conta que o caso se trata de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade.

Desse modo, a decisão ganha um viés bem menos rígido do que um legalismo clássico, já que os princípios constitucionais verificados se mostram bastante abrangentes, genéricos, vagos. Assim, entende-se que o Relator se valeu sim de um modelo legalista, porém com um teor mitigado, não convencional.

Observe-se a passagem abaixo, na qual o Relator menciona os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e os direitos da personalidade:

Dessa forma, o desate da questão posta perante esta Corte deve passar necessariamente pelo conteúdo da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), pelos direitos da personalidade à luz da Constituição, pela fundação que subjaz aos direitos fundamentais de liberdade e igualdade (art. 5º, caput, CRFB), bem como pela cláusula material de abertura prevista no § 2º do art. 5º de nossa Constituição.[72]

Algumas páginas à frente, o Relator procura delimitar o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, referindo-se a conceitos como o de “autonomia pública e privada”, “mínimo existencial”, “vida digna”, “reconhecimento individual e coletivo”, “práticas sociais”, “relações intersubjetivas”. Nada, entretanto, que elimine o teor bastante amplo e vago do princípio em questão. É o que se verifica abaixo:

Nesse quadrante comum compreendo e adoto como conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana o valor intrínseco da pessoa, ou seja a pessoa como fim em si mesmo, e nunca como instrumento ou objeto; a autonomia pública (coletiva) e privada (individual) dos sujeitos; o mínimo existencial para a garantia das condições materiais existenciais para a vida digna; e o reconhecimento individual e coletivo das pessoas nas instituições, práticas sociais e relações intersubjetivas (SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 92).[73]

Em outra parte do voto, o Relator trata dos direitos da personalidade, os quais, no direito brasileiro, são uma matéria ligada ao direito civil (embora com estreito vínculo com a Constituição Federal). Em sua abordagem, todavia, o Relator permaneceu basicamente na disciplina constitucional e principiológica dos direitos da personalidade – referindo-se, por exemplo, à própria “dignidade humana”, à “liberdade”, à “autonomia” e ao “tratamento igualitário” –, sem fugir, portanto, do tom “legalista mitigado” acima mencionado, conforme se observa na passagem abaixo:

Ao se enfrentar a questão à luz dos direitos da personalidade, mais especificamente a partir do seu construto diário em que, mediante pequenos gestos, a inerente humanidade de todos é afirmada, evidencia-se com maior clareza como a norma viola, a não mais poder, a própria ideia de dignidade, conforme exposto alhures. Isso porque se está a exigir, para manifestação de um elemento da personalidade – o exercício da alteridade mediante o ato de doação de sangue -, o completo aniquilamento de outra faceta da própria personalidade – o exercício da liberdade sexual. Há, nesse quadrante, violação à dignidade inerente a cada sujeito (art. 1º, III, CRFB), que se vê impedido de exercer sua liberdade e autonomia (art. 5º, caput, CRFB) expressadas pelos direitos de personalidade que lhe constituem (sua orientação sexual) para ter um gesto gratuito de alteridade e solidariedade para com seu próximo. Tal moldura normativa também impõe, assim, um tratamento não igualitário injustificado e, portanto, inconstitucional (art. 5º caput, CRFB).[74]

Por fim, outro ponto levantado pelo Relator, já na etapa final de seu voto, diz respeito aos tratados e convenções internacionais adotados pelo Brasil, de modo que são aplicáveis com força e natureza de direitos materialmente constitucionais, em razão do disposto no art. 5º, §2º, da Constituição Republicana Federal Brasileira (CRFB), como bem lembra o Relator[75].

Os dispositivos normativos de tratados e convenções internacionais aplicados pelo Relator, no entanto, abordam sobretudo a disciplina dos direitos humanos e fundamentais e mantêm, basicamente, o mesmo viés principiológico mencionado, de modo que o modelo legalista mitigado permanece aqui também. Segue abaixo trecho do voto a esse respeito:

Fixadas tais premissas, no que é relevante para a discussão, no caso em análise, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CRFB) e da igualdade (art. 5,caput, CRFB) – são robustecidos, no plano do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo que vem disposto (i) na Convenção Americana de Direitos Humanos, (ii) no Pacto de Direitos Civis e Políticos, (iii) na Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância e pelos (iv) Princípios de Yogyakarta.[76]

Concluída a análise das nove modalidades de comportamento argumentativo judicial de Posner no voto selecionado, pode-se prosseguir, enfim, às reflexões e considerações finais do artigo.

5 REFLEXÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo partiu de uma vertente retórica (a partir, sobretudo, dos conceitos de “poder simbólico do Direito” e “retórica da objetividade”, desenvolvidos por Pierre Bourdieu e adotados, particularmente esse último, através de uma releitura, por Gustavo Just), a fim de utilizá-la como guia para a aplicação dos nove modelos de comportamento argumentativo-judicial formulados por Richard Posner à decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543/DF, julgada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (a respeito da discutida inconstitucionalidade dos dispositivos normativos – oriundos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério da Saúde do Brasil – que proibiam a doação de sangue no Brasil por homens que houvessem praticado relações sexuais homoafetivas nos doze meses anteriores, bem como suas eventuais parceiras), particularmente ao voto do Ministro Relator Edson Fachin, que conduziu os demais votos favoráveis (considerando que a decisão não foi unânime) e foi, ao final, vencedor, nos termos do qual o acórdão foi proferido.

Como resultado, verificou-se que o modelo posneriano mais relevante no referido voto foi, por certo, o legalista, por meio de uma espécie de “legalismo mitigado”, já que a argumentação do Relator não fugiu dos cânones jurídicos, mas foi essencialmente principiológica, com alusão a diversos direitos fundamentais constitucionais e até mesmo presentes em tratados e convenções internacionais adotados pelo Brasil.

Em segundo lugar, o modelo psicológico (ou emotivo) e o fenomenológico também foram bastante importantes, onde foram incluídas as várias referências morais realizadas pelo Relator, sejam elas expressas ou indiretas, conscientes ou inconscientes, refletindo os elementos de sua psique, como seus valores, princípios e visões de mundo.

Além dessas vertentes, merece destaque ainda o modelo atitudinal, pelo qual foi possível, através das bandeiras sociais e progressistas previamente defendidas pelo Relator (anteriormente à sua posse como ministro do STF em 2015) – e do perfil partidário, político e ideológico da presidente que o indicou para o cargo (Dilma Rousseff), que vai no mesmo sentido daquelas bandeiras –, compreender, de modo geral, o seu posicionamento adotado no caso sob análise, favorável à declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos normativos.

Por outro lado, os modelos econômico e pragmático apresentaram visibilidade discreta no voto do Relator. Embora pudessem ser caminhos argumentativos interessantes e eficientes, o Ministro se valeu deles apenas em passagens muito ocasionais, dando prioridade, ao contrário, aos modelos psicológico, fenomenológico e legalista, conforme explicado acima.

Em relação aos modelos estratégico e sociológico (como espécie de caso particular daquele, referente ao contexto jurisprudencial, sobretudo dentro de uma mesma corte), relativos aos constrangimentos sofridos pelo magistrado em seu voto – que podem dizer respeito à pressão, por exemplo, de outros membros do Judiciário, como observado acima, representantes do Legislativo, grande mídia e público em geral –, também se pôde observar, por uma série de fatores, grande importância para a linha de raciocínio desenvolvida pelo Relator.

Por fim, o modelo organizacional também se mostrou tímido na presente análise, já que não houve um claro conflito ou divergência entre o Relator e o Governo, nem houve a manutenção de jurisprudência prévia, já que, ao contrário, o seu voto serviu para a formação de novo precedente, a fim de guiar futura jurisprudência a ser desenvolvida pelo Judiciário brasileiro.

Quanto à utilidade deste tipo de investigação, acredita-se que ao se analisar e descrever o comportamento argumentativo dos tribunais (tendo-se em mente, claro, um marco teórico), fugindo dos vieses prescritivo e crítico quase sempre dominantes em trabalhos acadêmicos de direito (no Brasil isso é muito evidente), pode-se melhor compreender a jurisprudência, as motivações, raciocínios e objetivos dos juízes, as influências por ele sofridas, as tendências judiciais de dado tribunal, o que é de grande valia tanto para acadêmicos (até mesmo como base para os trabalhos de cunho prescritivo e crítico), como para juristas praticantes, em sua interação com o Judiciário.

Assim, espera-se que este artigo possa contribuir minimamente para o incentivo desse tipo de análise descritiva em pesquisas futuras, divulgando a sua notável relevância para o Direito.

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[1] Doutorando em Teoria do Direito na Universidade de Lisboa, com período de mobilidade na Paris-Lodron-Universität Salzburg. Bacharel em Direito e Mestre em Teoria da Argumentação Jurídica pela UFPE. Professor na UNIFG-PE. Advogado.

[2] Adaptado de trabalho acadêmico por mim elaborado como requisito avaliativo para a disciplina de Filosofia do Direito, ministrada pela Profa. Dra. Sílvia Isabel dos Anjos Caetano Alves e por mim realizada como componente curricular do curso de doutorado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

[3] No nosso entender.

[4] VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 33.

[5] Idem, p. 33.

[6] Idem, p. 33.

[7] Idem, p. 82.

[8] PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 139-140.

[9] Idem p. 242.

[10] A título de esclarecimento, os entimemas são “argumentos que se baseiam em conteúdos tópicos, por indícios, paradigmáticos, probabilísticos etc., mas que têm em comum, de fato, o aspecto formal, pois são silogismos que não expressam todas as suas três partes componentes, deixando uma ou mesmo duas delas subentendidas, na esfera do silêncio.” In ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011, p. 301.

[11] SOBOTA, Katharina. Não Mencione a Norma! In Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, n. 7. Tradução de João Maurício Adeodato. Recife: 1995, p. 267.

[12] BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução de João Maurício Adeodato. Faculdade de Direito do Recife. Do original Rhetorik und Vertrauen.In: Kritik und Vertrauen: Festschift für Peter Schneider zum 70, Geburtstag. Frankfurt a. M., Anton Hain Verlag, 1990, p. 3.

[13] Em sentido semelhante, observe-se a passagem de João Maurício Adeodato, em sua obra “A Retórica Constitucional”, a respeito do conceito de “retórica material”: “A linguagem […] produz o ‘ser’ de forma bem literal. Nesse sentido da retórica material, não há diferença entre os quasares e os buracos negros, de um lado, e os anjos e demônios medievais e contemporâneos, de outro. O ser humano hoje vive e crê em carros, árvores e arranha-céus; da ‘realidade’ medieval (com fiéis descendentes hoje), além de animais e pessoas, fazem parte do mundo bruxas e predições. É por isso que um juiz contemporâneo não aceitaria na lide argumentos baseados em viagens no tempo e cidadãos na Europa medieval não compreenderiam histórias sobre viagens em foguetes e aviões. O importante é a crença no relato, e essas relações comunicativas fazem a retórica material.” In ADEODATO, João Maurício. A Retórica Constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 68-69.

[14] Idem, p. 73.

[15] PARINI, Pedro. A Análise Retórica na Teoria do Direito. In Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir./UFRGS. Porto Alegre-RS: volume XII, número 1, 2017, pp. 115-135, edição digital, p. 118.

[16] BOURDIEU, Pierre. Os Juristas, Guardiães da Hipocrisia Coletiva. Publicado na Revista Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória, em 12.03.2011. Disponível em: <http://direitosociedadecultura.blogspot.com.br/2011/03/os-juristas-guardiaes-da-hipocrisia.html>. Acesso em: 10/06/2020.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 215-216.

[20] JUST, Gustavo. Variations in Objectivity-oriented Interpretative Legal Discourse: Cartography and Analysis – outlines of a forthcoming research group.Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016, p. 4.

[21] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: interpretação da lei, temas para uma reformulação. v. 1. Porto Alegre-RS: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 15.

[22] A passagem, a seguir, do filósofo francês Michel Foucault, em sua obra “A Verdade e as Formas Jurídicas”, também é, por certo, bastante interessante no sentido de mostrar a impossibilidade desse conhecimento autônomo e objetivo, pregado, dentre outros, pelo Direito, e, consequentemente, a imprescindível influência da política e da economia na formação dos chamados domínios de saber (ou relações de verdade), fora das quais não se pode nem mesmo conceber esses últimos. Assim, afirma Foucault o seguinte: “O que pretendo mostrar (…) é como, de fato, as condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou um obstáculo para o sujeito de conhecimento mas aquilo através do que se formam os sujeitos de conhecimento e, por conseguinte, as relações de verdade. Só pode haver certos tipos de sujeito de conhecimento, certas ordens de verdade, certos domínios de saber a partir de condições políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os domínios de saber e as relações com a verdade. Só se desembaraçando destes grandes temas do sujeito de conhecimento, ao mesmo tempo originário e absoluto, utilizando eventualmente o modelo nietzscheano, poderemos fazer uma história da verdade.” In FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2005, p. 27.

[23] “Variations in objectivity‐oriented interpretative legal discourse”. In JUST, Gustavo. Variations in Objectivity-oriented Interpretative Legal Discourse: Cartography and Analysis – outlines of a forthcoming research group. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016, p. 2.

[24] Idem, p. 6-7.

[25] Idem, p. 4.

[26] “Argumentative activity carried out by lawyers in order to justify their interpretative choices”. In JUST, Gustavo. Variations in Objectivity-oriented Interpretative Legal Discourse: Cartography and Analysis – outlines of a forthcoming research group. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016, p. 3.

[27] Idem, p. 3.

[28] “Interpretación sensu stricto quiere decir determinación de un significado de una expresión lingüística cuando existen dudas referentes a este significado en un caso concreto de comunicación. Hay, por tanto, dos tipos de situaciones de comunicación: o bien la comprensión directa de un lenguaje es suficiente para fines de comunicación concreta, o bien existen dudas que se eliminan mediante la interpretación. La ocurrencia de estos dos tipos de situación es comúnmente conocida en la experiencia de comunicación diaria. En las situaciones típicas de la vida diaria, cuando se utiliza el lenguaje común por las personas que participan en un acto de comunicación, se entiende de lo que se habla a pesar de todos los conocidos caracteres semióticos del lenguaje en cuestión. Cuando surge una duda se utilizan instrumentos especiales como el procurarse definiciones, diccionarios o gramática, especialmente cuando una de las personas interesadas no habla adecuadamente el lenguaje utilizado, por ejemplo porque no sea su lengua propia o porque el contexto de la situación se aleje de lo corriente, etc”. In WRÓBLEWSKI, Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica. Madrid: Civitas, S.A., 1985, pp. 22-23.

[29] JUST, Gustavo. Variations in Objectivity-oriented Interpretative Legal Discourse: Cartography and Analysis – outlines of a forthcoming research group. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016, p. 3.

[30] Idem, p. 3.

[31] Idem, p. 3.

[32] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 31.

[33] Idem, 2011, pp. 31-32.

[34] Idem, p. 32.

[35] Idem, p. 41.

[36] Idem p. 42.

[37] Idem, pp. 42-43.

[38] Idem pp. 43-44.

[39] JUST, Gustavo. Interpretando as Teorias da Interpretação. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 185.

[40] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 47.

[41] POSNER, Richard A. Fronteiras da Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 282.

[42] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 47.

[43] Em seu livro “Fronteiras da Teoria do Direito”, acima citado, ao se referir à análise econômica do direito (a qual acaba por abarcar o modelo econômico judicial aqui investigado), Posner observa que “a maioria das análises econômicas consiste em delinear as consequências do pressuposto de que as pessoas são racionais em suas interações sociais. No caso das atividades que concernem ao direito, esses indivíduos podem ser criminosos, promotores públicos”, magistrados, “uma das partes envolvidas em um caso de acidente, contribuintes, fiscais do tesouro ou trabalhadores em greve (ou até mesmo estudantes de direito). Os estudantes tratam as notas como preços; de modo que, a menos que a administração da universidade intervenha, os professores impopulares, para não perderem seus alunos, terão às vezes de compensá-los pelo baixo valor que atribuem ao curso dando-lhes notas mais altas. Isso significa um aumento no preço que o professor paga pelo aluno.” In POSNER, Richard A. Fronteiras da Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 9.

[44] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 46.

[45] Idem, p. 47.

[46] Idem, p. 51.

[47] Idem, p. 51.

[48] Idem, p. 52.

[49] POSNER, Richard A. Pragmatic Adjudication. In Cardozo Law Review, vol. 18:1, pp. 1-20, 1996-1997. Chicago-EUA: University of Chicago Law School, Chicago Unbound, Journal Articles, pp. 3-4.

[50] Idem, p. 5.

[51] POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 47.

[52] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 52.

[53] Idem, p. 52.

[54] HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 41.

[55] STRUCHINER, Noel. Uma Análise da Textura Aberta da Linguagem e sua Aplicação ao Direito. Dissertação de Mestrado apresentada ao departamento de pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do grau de mestre. Rio de Janeiro, 2001, p. 11.

[56] POSNER, Richard A. Cómo Deciden los Jueces. Trad. de Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 53.

[57] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5543/DF. Inteiro Teor. Relator: FACHIN, Edson. Data: 11.05.2020, p. 4. Disponível em PDF em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753608126>. Acesso em: 10.09.2020.

[58] Idem, pp. 6-7.

[59] Idem, p. 7.

[60] Idem, p. 9.

[61] Idem, p. 10.

[62] Idem, p. 10.

[63] Idem, pp. 12-13.

[64] Idem, p. 19.

[65] Idem, p. 45.

[66] Idem, p. 21.

[67] Idem, pp. 22-23.

[68] Idem, p. 18.

[69] Idem, p. 29.

[70] Idem, p. 39.

[71] Por exemplo neste trecho transcrito do voto do Relator: “Se é possível que o quadrante normativo da política pública garanta precaução e segurança a partir de limitações baseadas em condutas, as restrições existentes devem recair sobre estas, e não sobre as expressões e orientações existenciais que constituem a personalidade dos sujeitos candidatos a doadores de sangue.” In BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5543/DF. Inteiro Teor. Relator: FACHIN, Edson. Data: 11.05.2020, p. 34. Disponível em PDF em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753608126>. Acesso em: 10.09.2020.

[72] Idem, p. 20.

[73] Idem, p. 28.

[74] Idem, p. 33.

[75] Idem, p. 48.

[76] Idem, p. 51.