A TUTELA DO MEIO AMBIENTE EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR SOB A PESPECTIVA DA LEI 14.181/2021

A TUTELA DO MEIO AMBIENTE EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR SOB A PESPECTIVA DA LEI 14.181/2021

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

ENVIRONMENTAL PROTECTION UNDER THE CONSUMER PROTECTION CODE IN LIGHT OF LAW 14.181/2021

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Samyla Carvalho Gonçalves Silva[1]
Maria Marconiete Fernandes Pereira[2]

RESUMO: O elevado índice de consumo nas últimas décadas desencadeou a prática do consumismo compulsivo, consequentemente cultivou a cultura do desperdício, do descartável. O Brasil é considerado o quarto país no mundo que mais produz lixo. Ao dar maior importância aos enfoques do desenvolvimento apenas no âmbito econômico deixa-se de dar importância da natureza enquanto sobrevivência do homem, onde esse comportamento gera como consequência a degradação do meio ambiente e provoca a insuficiência de bens naturais. A sociedade está tão voltada para ideia de consumir, com excessivas ofertas de facilidades de créditos e disponibilidades de produtos, que se passou a ser comum adquirir e gastar de forma exagerada, surgindo à classe dos superendividados. Para disciplinar essa nova classe criou-se a Lei n.14.181/2021. Tal legislação disciplina não só questões em defesa do consumidor, mas tutela o meio ambiente, pois trata de interesses e direitos difusos e coletivos de ambos, passando a dominar o cenário jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: Consumidor.Meio Ambiente. Superendividados.

ABSTRACT: The high rate of consumption in recent decades has triggered the practice of compulsive consumerism, consequently creating a culture of waste, of the disposable. Brazil is considered the fourth country in the world that produces the most waste. By giving greater importance to the approaches of development only in the economic sphere, we cease to give importance to nature as the survival of man, where this behavior generates as a consequence the degradation of the environment and causes the insufficiency of natural assets. Society is so focused on the idea of consuming, with excessive offers of credit facilities and availability of products, that it has become common to acquire and spend in an exaggerated manner, giving rise to the class of the over-indebted. Law 14.181/2021 was created to regulate this new class. Such legislation disciplines not only consumer protection issues, but also protects the environment, as it deals with diffuse and collective interests and rights of both, and has come to dominate the legal scenario.

KEY WORDS: Consumer. Environment. Overindebted.

INTRODUÇÃO

Em decorrência das transformações na ordem social e econômica do modo de viver da humanidade, reverbera a concatenação de vários aspectos, onde foram surgindo novas demandas, que oportunizaram uma maior complexidade nas relações de produção e consumo na sociedade. Isso devido aos novos perfis de exigências no modo de consumir, o que acarretou a insuficiência de bens naturais.

O sistema fordiano[3] é o principal difusor da padronização de produtos, surgindo uma economia de variedade que propunha não só qualidade, como também, inovação e renovação de produtos. Em paralelo, o marketing e a comunicação deram forte impulso às empresas na conquista dos consumidores. A predominância do mercado de consumo não se caracteriza somente pela eficiência das empresas, mas também no funcionamento efervescente da economia global.

Nesse momento também se intensificaram as catástrofes ambientais, onde o consumidor pode ser considerado como ator principal, em face de suas práticas excessivas de consumo que desequilibraram o meio ambiente. De modo que, as despesas geradas pelas famílias contribuíram como grande fonte de crescimento econômico para solidificar o mercado de consumo, passou-se a gerar confiança nos consumidores e a possibilidade de crédito no mercado. Nesse sentido, levando-os a poupar menos e a contrair empréstimos, o que muito contribuiu para o crescimento econômico. A compreensão do funcionamento do mercado é importante base para o estudo do meio ambiente, pois estabelece referências que ajudam a avaliar e dimensionar as mudanças geradas pela excedência do consumidor.

A Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico a mais importante contribuição normativa em matéria de proteção ao meio ambiente, dentre todas as referências ao meio ambiente na Magna Carta, a mais importante está no seu art. 225, que elegeu o direito ambiental a condição de direito fundamental. Pode-se dizer que é um bem jurídico em decorrência da sua função coletiva e social. O tratamento diferenciado se faz por ser um direito essencial a sadia qualidade de vida e por isso o coloca em uma posição especial de bem jurídico, devido a sua importância para a preservação da vida e das gerações atuais e futuras. Nesse sentido, também normatizou a proteção jurídica ao consumidor enquanto direito fundamental, em seu art. 5º, inc. XXXII. isso para que fosse garantindo uma existência digna do consumidor nas relações econômicas e consumeristas.

Além disso, a Constituição Federal compete ao Estado atuar enquanto agente regulador no exercício de normas mesmo em atribuições que não lhes são próprias, mas que são devidas dentro do seu campo de atuação. De modo que, a atuação no domínio econômico tem por finalidade de trazer equilíbrio ao desenvolvimento econômico, bem como, na prevenção e redução de tensões sociais, estabelecido pelo artigo 170 que assegura a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social por meio de princípios da ordem econômica, dentre eles os incisos: V – defesa do consumidor e VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

Todavia, em decorrência no modo de consumir exacerbado da sociedade, que surge uma nova ordem, a dos superendividados, quer seja por conta das adversidades da vida; como a perda de emprego, quer seja; por uma compra que não compatibiliza com seu orçamento, isso gerou a impossibilidade de pagamento de suas dívidas em face da falta de renda suficiente do consumidor.

Ademais, a sociedade ainda é muito alheia em face das questões de um consumo consciente. Com base em uma cultura de (hiper) consumo[4] ainda se tem a premissa do dever de desempenhar o seu papel de consumidor. Nesse sentido, a relação tradicional entre o consumo de necessidades e satisfação é distorcida, pois a busca advém pela satisfação do consumir por consumir, deixando em segundo plano o que de fato se faz necessário.

Em consequência da excessiva prática do consumo, os consumidores passaram a não conseguir arcar com o pagamento de suas dívidas, sem que houvesse comprometimento do mínimo existencial de sua renda. Daí o surgimento da lei do superendividamento, Lei n.14.181/2021, que faz algumas modificações no Código de Defesa do Consumidor trazendo medidas que tentam tratar do consumidor endividado. Sob o ponto de vista dessas alterações, pode-se dizer que a lei tratou dos problemas epistemológicos próprios do direito do consumidor e atrelados a uma relação intersistêmica subsidiando diretrizes para a efetividade do direito ao meio ambiente? A pesquisa deste artigo pretende abordar uma análise mais detalhada da Lei n. 14.181/2021, onde se buscará entender a ralação do direito do consumidor em face da tutela ambiental em tal legislação.

Objetiva-se analisar a relação entre consumo e meio ambiente, quando surge a intervenção do Estado nessas demandas.  Em uma segunda parte, será feito uma busca quanto à prática do excesso de consumo e qual efeito causou em matéria ambiental. Por fim, será estudada a Lei n.14.1181 de 2021, que propõe aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, que surge de uma demanda em defesa do consumidor que se encontra em difícil situação econômica e, em face da discussão aqui proposta, poderá tutelar a defesa do meio ambiente.

A pesquisa irá ser trabalhada com base em estudos bibliográficos de livros, artigos, matérias jornalísticas, que mostrem a percepção da sociedade quanto ao tema para se entender os principais fatores que levam aos desafios de uma efetividade sistêmica, em relação à proteção do meio ambiente.

1  A RELAÇÃO  FUNDAMENTAL ENTRE CONSUMIDOR E  MEIO AMBIENTE

A ideologia do desenvolvimento e da modernização provocou uma ânsia em várias nações na busca do crescimento econômico, em especial no pós-guerra, marcado pelo acelerado processo de produção e consumo na busca incessante por riquezas. Ao dar maior importância aos enfoques do desenvolvimento apenas no âmbito econômico deixa-se de dar importância da natureza enquanto sobrevivência da espécie humana, onde esse comportamento gera como consequênciaa redução de recursos naturais.

Nesse sentido, Amartya Sen (2017, p.16) expõe que o resultado da liberdade econômica colide com as perspectivas de desenvolvimento, principalmente com aquelas que atrelam o desenvolvimento ao crescimento do produto nacional (PNB), industrialização, avanços tecnológicos ou até mesmo a progresso social. Isso porque a liberdade depende de outros fatores, sem desconsiderar o crescimento do PNB ou de rendas que é muito importante como instrumento de expansão as liberdades a serem desfrutadas pelos membros de uma sociedade. Contudo, a privação de liberdade a que se refere é, principalmente, as restrições de participar da vida social, política e econômica.

Na perspectiva de Gilles Lipovetsky (p.13,2020), discorre que os excessos do consumo não bastam para dirimir a cultura, visto que se tem uma visão de agradável e divertida na prática, ademais, discorre o autor:

O que nos leva a considerar o consumo como um domínio incapaz de nos trazer uma satisfação verdadeira?Enganamo-nos ao tomar os prazeres da facilidade e da ligeireza, da evasão e do lazer por necessidades <<inferiores>>: são consubstanciais ao desejo humano.

Após o advento da segunda guerra mundial, a forte concepção impregnada em consumir excessivamente e de forma imediata, foi o marco para o crescimento da liberação de crédito, a ideia de qualidade de vida estava intrinsecamente ligada ao consumo e que este traria felicidade (GAULIA, 2016, p. 46). O processo de modernização sempre se apoiou desde o princípio na lógica do mercado, onde é coisificado os recursos naturais que desagregam a natureza, sendo apenas um processo produto sem levar em consideração o seu significado para vida do planeta.

1.1 A institucionalização da proteção do meio ambiente

Nessa conjuntura, surgem as primeiras manifestações de políticas internacionais voltadas às questões ambientais, iniciadas na década de 70. Tal como, pode-se citar, a Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (1972), o que marcou de forma culminante os manifestos ambientais, dando-se o reconhecimento da essencialidade ao meio ambiente. Já na década de 80 foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Por conseguinte, em 1980, tem-se a constitucionalização da proteção ambiental, fruto de pressões sociais e econômicas da época, no caso do Brasil, principalmente por já contar na época com as ONGs e instituições científicas, que visavam alternativas para a adequada exploração dos recursos ambientais. Nas palavras de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (2007, p. 6 – 7):

Nessa evolução acelerada, numa primeira onda de constitucionalização ambiental, sob a direta influência da Declaração de Estocolmo de 1972, vieram as novas Constituições dos países europeus que se libertavam de regimes ditatoriais, como a Grécia(1975). Portugal(1976) e Espanha(1978). Posteriormente, num segundo grupo, ainda em período fortemente marcado pelos padrões e linguagem de Estocolmo, foi a vez de países como o Brasil.

Devido à pertinência do tema, de âmbito internacional, a Constituição Federal de 1988 instituiu o Capítulo VI do Título VIII, de modo que o capítulo trata sobre a proteção ambiental,assim como, discorreu no art. 225, seus parágrafos e incisos, tratar das obrigações do Estado e da sociedade com o meio ambiente, elegendo-o ao direito de ordem fundamental.

Nessa perspectiva, o meio ambiente passa a possuir valor essencial, em que todos são titulares e precisam para a sua dignidade, demonstrando que o meio ambiente não se reduz a água e floresta. Ao ser compreendido como direito fundamental de terceira dimensão, atende ao valor da solidariedade, fator importante no desenvolvimento pleno dos seres humanos e proporcionando qualidade de vida, pressuposto indispensável à vida, liberdade, higidez e dignidade.

1.2 O poder de consumir

Oportunamente, a prática de consumir é intrínseca a relação humana. De maneira que, os bens e produtos de consumo tornaram-se essenciais à vida, como: água, luz e alimentos. Destarte, o consumidor é amparado por direitos e garantias fundamentais.

Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil(1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXII – o Estado promoverá, na formada lei, a defesa do consumidor;

(…)

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesiva ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente.

Quando se referem a direitos fundamentais, estes implicam em prestação defesa ao Estado, por intermédio de medidas positivas em todos os poderes: legislativo, executivo e judiciário. Nesse sentido, o direito fundamental aos consumidores está intimamente ligado ao direito ao meio ambiente, onde, ambos, são protegidos e tutelados pelo estado. 

Além disso, é disciplinado no diploma constitucional, na ordem econômica e financeira, conforme art. 170:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

Na realidade a Constituição de 1988 reflete a alteração de pensamento social no que se refere à importância da proteção ao meio ambiente. Passou-se a ter consciência de que a preservação de um ambiente equilibrado e saudável é essencial à manutenção da vida humana.

Além disso, foram denominadas legislações infraconstitucionais sobre o direito do consumidor, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Ademais, em atendimento as demandas dos consumidores, a política nacional das relações de consumo, em respeito à saúde e à segurança, à proteção de seus interesses econômicos, em garantia a qualidade de vida e primando, principalmente, pela dignidade da pessoa humana.

Contudo, a maneira de se consumir em muito se modificou, não se reduzindo meramente a produtos e bens essenciais. Isso se deve ao modo de viver, visto que uma volumosa parcela da sociedade vive em função de consumir, na procura de uma aprovação social e de demonstrar poder. A sociedade, modernamente, também pode ser nomeada como sociedade de consumidores, comandada pelo crédito e pelo marketing, de maneira que, o ser humano tem sido convencionado como mercadoria atrativa e almejada.

2  CONSUMISMO E MEIO AMBIENTE: EFEITOS PRESENTES NA SOCIEDADE

A sociedade atual emplaca a ideia de que a realização de sua felicidade está em consumir bens e serviços desordenadamente e, assim, o consumismo tem trazido consequências nocivas para o meio ambiente.

O consumismo é um modelo de vida com base no consumo excessivo, onde a compra é motivada pelo impulso do desejo de comprar. Diante disso, Gilles Lipovestks (2020, p. 31):

Poderosa dinâmica de comercialização que fez o consumo um estilo de vida, um sonho de massa,uma nova razão de viver. A sociedade de consumo criou em grande escala o desejo crônico pelos bens comercializados, o vírus da compra, a paixão pelo novo, um modo de vida regido por valores materialistas.

O ato de consumir mais do que o necessário tornou-se uma prática cultural, tendo como referência de uma vida moderna. Onde o conforto, o individualismo e o bem estar é que prevalecem. Constata-se que o consumo é tratado de maneira equivocada, o que gera o anseio de se ter algo a mais, muitas vezes dispensável, todavia, essa insatisfação do consumo acaba por gerir um custo ambiental devido a toda matéria prima usada, além dos resíduos gerados.

2.1 A sociedade de consumidores

 A sociedade de consumidores, segundo Zygmunt Bauman (2007, p. 108), vai além da prática de consumo, trata-se de uma sociedade que julga a capacidade e a conduta em relação ao consumo, que gasta maior parte do seu tempo tentando ampliar os prazeres em consumir, em ambiente social tende a evocar práticas consumistas, ou seja, síndrome do consumo.

O consumo atraiu uma notoriedade na construção de uma identificação dos indivíduos, assim como na construção das relações sociais. Consentâneo ao ato de consumir produtos de última geração, fazer viagens, frequentar restaurantes, adquirir veículos e o que quer que seja comercializado e que tenha ligação com as publicidades sedutoras se tornou sinônimo de felicidade e poder.

O elevado índice de consumo nos últimos tempos desencadeou da prática do consumismo obsessivo e implementou a prática cultural do desperdício, do descarte. O desempenho de um exercício de consumo desenfreado comprometendo de modo direto a natureza. O panorama entre consumo e meio ambiente é provado, uma vez que para que seja realizada a produção dos bens torna-se indispensável à exploração de recursos naturais, portanto, à medida que mais se consome mais insumos são extraídos da natureza, gerando um forte impacto em todo ecossistema.

De acordo com matéria da Agência Brasil (2019) verifica-se que:

O estudo “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, feito pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o Brasil é o quarto país no mundo que mais produz lixo. São 11.355.220 toneladas e apenas 1,28% de reciclagem. Só está atrás dos Estados Unidos (1º lugar), da China (2º) e da Índia (3º). No Brasil, segundo dados do Banco Mundial, mais de 2,4 milhões de toneladas de plástico são descartadas de forma irregular, sem tratamento e, em muitos casos, em lixões a céu aberto. Aproximadamente 7,7 milhões de toneladas de lixo são destinados a aterros sanitários.

Ao tratar sobre os danos causados ao meio ambiente a pesquisa faz um alerta quanto à ingestão de plásticos por animais em seu habitat, nas palavras de Anna Carolina Lobo (apud. AGÊNCIA BRASIL, 2019):

As pesquisas realizadas no país comprovaram que os frutos do mar têm alto índice de toxinas pesadas, geradas a partir do plástico em seu organismo, portanto, há impacto direto dos plásticos na saúde humana. Até as colônias de corais – que são as ‘florestas submarinas’ – estão morrendo. É preciso lembrar que os oceanos são responsáveis por 54,7% de todo o oxigênio da Terra.

Em virtude do crescimento populacional, o consumo aumenta e, por conseguinte, é crescente a demanda de resíduos que são devolvidos a própria natureza de maneira incorreta, por não se ter uma prática ajustada de descarte.

A sociedade está tão voltada para ideia de consumir, com excessivas ofertas de créditos e produtos, que se passou a ser comum adquirir e gastar de forma exagerada, surgindo à classe dos superendividados.

Um dos principais problemas da sociedade atual é a excessividade de consumo. Pode-se apontar que uma das causas é a facilidade de crédito disponível no mercado, forte aliado para suprir o desejo de consumir. Ao se utilizar de forma incontrolada, surgiu o superendividamento do indivíduo, o que gera uma série de danos, não apenas pessoais, mas coletivos, a começar pela saúde humana em face do alto índice de plásticos na natureza.

3 CONCEPÇÕES AMBIENTAIS NA LEI N.14.181/ 2021

Essa lei é instituída na defesa no consumidor superindividado, trata sobre a seguridade ofertada na magna carta ao consumidor. A legislação também tem forte relação com o direito ambiental e o princípio da dignidade da pessoa humana. Um dos fundamentos do Estado democrático de direito, disposto no art. 1º, inc. III da CF. Desse modo, pode-se dizer que o objetivo desta legislação é prevenir e tratar o superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, buscando a preservação do mínimo existencial e, por conseguinte a pratica do consumo consciente, que contribui para preservação ambiental.

A legislação infraconstitucional ao demandar sobre o mínimo existencial no que concerne a regularização de débitos em geral, busca garantir que a formalização de um acordo não prejudique a subsistência do devedor, evidenciando o papel social e o combate à exclusão do Código de Defesa do Consumidor. Possibilitando a compreensão de que o mínimo existencial deve envolver saúde, alimentação, educação e inclusive o meio ambiente. Conferindo a tranquilidade de pagar suas dívidas e torna-se apto a vivenciar a relação de consumo de forma consciente (MARQUES, LIMA e BERTONCELLO, 2020)

De modo que, a norma do superendividamento não trata só de questões epistemologicamente de consumo. No entendimento de Alfredo Rangel Ribeiro (2018):

A proteção do contratante mais fraco é o ponto de partida do direito do consumidor, mas jamais pode ser considerado também seu ponto de chegada. O consumo não é um fim em si próprio ou um mero meio para satisfação de desejos egoísticos dos contratantes, antes disso, deve ser subliminado pelos ditames da solidariedade intergeracional e da sustentabilidade socioambiental.

Ao tratar sobre as questões de consumo, percebe-se a forte interligação com as questões ambientais, visto que, o consumo reflete diretamente sobre recursos naturais, sobre todos os indivíduos, principalmente, em relação às gerações futuras, que irão sofrer os efeitos do consumo de outrem.

A legislação do superendividamento não só possibilitou a renegociação do crédito ao consumidor, mais também a prevenção e o tratamento daquele que se encontra marginalizado na sociedade por não dispor de crédito no mercado.

Nesse sentido, as relações de consumo serão direcionadas a indução para educação financeira e ambiental dos consumidores, assim como, a prevenção e tratamento superendividados como forma de evitar a exclusão do consumidor da sociedade. Assim determina o art. 4º nos incisos IX e X, fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores; prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.

Os cidadãos como indivíduos de uma sociedade organizada, o Estado e países em geral, as organizações internacionais devem assumir suas responsabilidades, com base em princípios éticos, jurídicos e educacionais cabíveis, com vistas a recuperar a garantia de uma sadia qualidade de vida das futuras gerações, salvando a natureza para, com ela, garantir a existência da espécie humana (BUTZKE, 2006, p. 16).

A legislação ao vincular a educação financeira e ambiental consolida os superendividados a um novo modo de vida. Fator determinante para sociedade e o Estado unirem forças para garantir melhor qualidade de vida das próximas gerações, assim como, a materialização da preservação da natureza.

O disposto no art. 6º do Código do consumidor (Lein.8.078/1990) é a parte dedicada a Defesa do Consumidor em que nomeia seus direitos, com alteração da nova lei, a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial. A esse direito é determinado que o contrato de empréstimo deva informar ao contratante os custos do produto ou serviço que está sendo oferecido. Com isso, as empresas que operarem com crédito serão corresponsáveis pela concessão de crédito, o que implica na proibição de prometer crédito para aquele que estiver com seu nome já demasiadamente comprometido, ou seja, negativado com os órgãos que fornecem informação de crédito.

Ao dispor do crédito consciente a legislação aponta uma possibilidade de praticar o desenvolvimento de forma sustentável.Leonardo Boff (2020, p. 147), em relação ao tema se pronuncia:

O desenvolvimento sustentável resulta de um comportamento consciente e ético face aos bens e serviços limitados da terra.De saída, impõe um sentido de justa medida e de autocontrole contra os impulsos produtivistas e consumistas, aos quais estamos acostumados em nossa cultura dominante.

No entanto, assevera Enrique Leff (2001, p. 38) que “a dívida ecológica é mais vasta e profunda do que a dívida financeira. Não só é impagável, mas é incomensurável”.

As alterações efetivadas no Código do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, disciplinadas na Lei n. 14.181/2021, apresentaram não só questões em defesa do consumidor, como também, proporcionou à luz da regulamentação condutas diretivas em prol da efetividade do direito ambiental. Visto que, o desenvolvimento é indispensável para o desenvolvimento do ser humano, porém, busca-se sempre planejar com segurança e delimitando o alcance de produtos dessa tecnologia, para não comprometer os direitos fundamentais já conquistados não devendo ser subjugados em face dos direitos que estão por vir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa objetivou uma análise da Lei n. 14.181/2021 para fins de compreender a relação do consumidor e a tutela do meio ambiente na nova legislação.

          Para a melhor compreensão da interligação entre o consumo e o meio ambiente, foi feita uma análise da Constituição Federal de 1988 e o papel de ambos, constatou-se uma ligação intersistêmica, por se tratarem de direitos fundamentais que implicam em prestações protetivas do Estado, assim como, princípios da ordem econômica.

Pode-se chegar, assim, a algumas conclusões: que a cultura de se consumir mais do que necessário e, os padrões de uma vida moderna conduzem a um comportamento de priorização do bem estar através da prática do consumo. Verifica-se que o consumo é tratado de maneira equivocada, gerando o desejo de se ter algo desnecessário, o que gera um alto custo ambiental, devido a toda matéria prima explorada na produção.

Por conseguinte, a Lei n. 14.181/2021 foi instituída em defesa do consumidor, aquele que se encontra vulnerável e superindividado. Mas, também demonstrou abranger o princípio do direito fundamental ao meio ambiente e contribuir para a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, a legislação ao vincular a educação financeira e ambiental dos consumidores como elemento de prevenção dos superendividados, materializa a preservação da natureza, assim como, garante à qualidade de vida das próximas gerações.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 14.181, de 1 de julho de 2021. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm. Acesso em: 22 mar. 2022.

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RIBEIRO, Alfredo Rangel. Direito do consumo sustentável. São Paulo: Revistas dos tribunais, 2018. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Local de publicação: Editora, 2017.


[1] Mestranda no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Email: samylagoncalves9@gmail.com

[2] Doutora em Direito pela UFPE. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado pelo Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ. Email: mmarconiete@gmail.com.

[3]“O intuito de Ford não era apenas dominar a força de trabalho, mas conquistar a adesão do(a)s trabalhadore(a)s. Se a grande inovação no aspecto técnico–produtivo foi a implementação da esteira rolante, no aspecto ideológico foi o reconhecimento explícito de que: produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência da força de trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática […]. O Fordismo equivaleu ao maior esforço coletivo para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem. Os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar a vida. (Harvey, 1992: 121)” Ribeiro, Andressa, Lutas Sociais, São Paulo, vol.19 n.35, p.65-79, jul./dez. 2015

[4]As pessoas buscam exaltar sua individualidade ao consumir, e os produtos vêm atender às suas expectativas: “atualmente, nada se consome de modo puro e simples, isto é, nada se compra, possui e utiliza para determinado fim” (BAUDRILLARD, 2008; p. 213), os objetos deixam de atender apenas às suas funções, mas “acima de tudo, se destinam a servir vossa excelência […]. Sem a ideologia total da prestação pessoal, o consumo não seria o que é” (BAUDRILLARD, 2008; p. 213). É a tal “cultura materialista e hedonista, baseada na exaltação do eu”, de que trata Lipovetsky (2004, p. 60): Uma nova civilização foi edificada, a qual já não se propõe estrangular o desejo, mas que o exacerba e o desculpabiliza: o usufruto do presente, o templo do eu, do corpo e do conforto tornaram-se a nova Jerusalém dos tempos pós-moralistas. […] O culto da felicidade em massa veio generalizar a legitimidade dos prazeres e contribuir para a promoção da febre da autonomia individual. (LIPOVETSKY, 2004; p. 60) Segundo Lipovetsky (2007; p. 98), “a fragmentação dos sentimentos e das imposições de classe criou a possibilidade de escolhas particulares e abriu caminho à livre expressão dos prazeres e dos gostos pessoais”. De acordo com o autor, “na sociedade de hiperconsumo, as pessoas tendem a situar seus interesses e os seus prazeres, em primeiro lugar, na vida familiar e sentimental, no repouso, nas férias e viagens, atividades de lazer e outras atividades associativas.” (LIPOVETSKY, 2007; p. 227). CECCATO, P.; SALOMÃO, L.; GOMEZ, R. A Sociedade de Hiperconsumo e as marcas de Moda.  Modapalavra e-periódico, Florianópolis, v. 2, n. 3, 2009. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/7783. Acesso em: 7 jul. 2022.